Percival Puggina
02/01/2024
Percival Puggina
Há poucos dias fiz aniversário. Embora costume brincar sobre o tema da minha idade dizendo que tenho 79 anos, mas "de banho tomado fico como novo", o fato é que algumas coisas mudaram na percepção que tenho da minha realidade existencial. Assim: quando eu era jovem, o futuro ficava num horizonte móvel. Ele se ampliava e se distanciava a cada passo dado. Agora, eu o percebo fixo. A distância entre mim e ele encurta a cada velinha soprada.
Um dos fascínios da vida, aqui de onde eu a vejo, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido ideologicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.
Bem ao contrário. Mesmo num contexto pouco propício, nós, os jovens daquelas duas décadas, éramos politizados dos sapatos às abundantes melenas. Ou se defendia o comunismo ou se era contra o comunismo. Os muitos centros de representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A alienação sequer era tolerada na minha geração! Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e por nada. Certa ocasião participei de um protesto contra o preço de feijão e durante alguns dias usei um grão desse cereal preso à lapela.
Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia - a greve de apoio, a greve a favor. É, sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as disputas pelo comando da representação estudantil.
O Colégio Júlio de Castilhos foi uma usina onde se forjaram importantes lideranças do Rio Grande do Sul. As assembleias estudantis e os concursos de declamação e de retórica preparavam a moçada para as artes e manhas do debate político. Na universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje seria impensável - uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal -, era o que acontecia a cada edição semanal de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que passava de mão em mão até ficar imprestável.
Agora, vamos falar de alienação. Compare o que descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas da política, da economia e da sociedade. Hum? E olhe que não estou falando de participação. Estou falando apenas de atenção, tentativa de compreensão. Nada! As disputas pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. Claro que há exceções nesse cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias democráticas vão ficando indisponíveis à dimensão cívica dos indivíduos.
Em meio às intoleráveis dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas etárias. Nada representa melhor a apatia política da juventude brasileira na Era Lula do que os fones de ouvido.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
28/12/2023
Percival Puggina
As antigas folhinhas de xaropes e pílulas costumavam vir ilustradas com a imagem de um ano ancião que saía, barbas brancas, encurvado sobre sua bengala e um ano novo que chegava enrolado em fraldas. Posta na parede, ali ficava como “marco temporal” de nossos planos de réveillon.
Contudo, o Sol e a Lua não contam seus giros nem dão bola para as promessas que fazemos a nós mesmos. O tempo é coisa que usamos, mas não nos pertence; é utilidade, convenção, relatividade. Meia hora na cadeira do dentista dura bem mais do que meia hora numa roda de amigos. Na infância, eternidade é o tempo decorrido entre dois Natais ou duas visitas de Papai Noel. Minha mãe, por seu turno, tão logo terminava um ano começava a se preocupar com o Natal vindouro “porque, meu filho, logo, logo é Natal outra vez”.
A vida familiar e a vida social se fazem, entre outras coisas, do cotidiano encontro da maturidade com a juventude. Imagine um mundo onde só haja jovens ou onde, pelo reverso, só existam idosos. Imagine, por fim, a permanente perplexidade em que viveríamos se a virada da folhinha nos trouxesse, com efeito, um tempo novo, flamante, que nos enrolasse nas fraldas da incontinência urinária, com tudo para aprender.
Felizmente não é assim, nem deve ser visto assim. O importante, em cada recomeço, é ali estarmos com a experiência que o passado legou. Aprender da História! Aprender da vida! E, principalmente, aprender da eternidade!
Quem aprende da eternidade aprende para a eternidade. Aprende lições que o tempo não desgasta nem consome, lições que não são superadas, lições para a felicidade e para o bem. Por isso, para os cristãos, a maior e melhor novidade de cada ano será sempre a Boa Nova, que infatigavelmente põe em marcha a História da Salvação, cumprindo o plano de amor do Pai.
Bem sei o quanto é contraditório à cultura contemporânea o que estou afirmando. E reconheço o quanto as pessoas se deixam cativar pela mensagem do hedonismo “revolucionário”, supostamente coletivista e igualitário. Mas é preciso deixar claro que tal mensagem transforma o mundo num grande seio onde, a cada novo ano, se retoma a fase oral e se trocam as fraldas da imaturidade.
A quantos lerem estas linhas desejo um 2024 de afetos vividos, aconchego familiar, realizações, vitórias, saúde e paz.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
26/12/2023
Percival Puggina
Li jornal digital Poder 360° que só 30% dos brasileiros disseram dispor de R$ 200 se necessitassem desse valor em caso de emergência. O dado é fornecido pelo PoderData, divisão de pesquisa do próprio grupo, e foi realizada de 16 a 18 de dezembro de 2023. Trata-se do percentual mais baixo desde setembro de 2020, quando essa pesquisa, que é periódica, foi executada pela primeira vez.
O dado impressiona e comove. Sete em cada dez brasileiros não disporiam de R$ 200 se fosse necessário! O grau de pobreza que ele permite diagnosticar resulta de um amplo conjunto de fatores cujo produto também é medido em baixo crescimento econômico e ampliação dos desníveis sociais.
Farsantes, picaretas, vigaristas intelectuais jogam as responsabilidades sobre todos que, na atividade econômica e no mundo dos negócios, assumem riscos, criam empregos, pagam salários, geram produto econômico, prestam serviços, distribuem e comercializam os bens de consumo e pagam impostos, muitos impostos, federais, estaduais e municipais a um setor público ávido tomador de 40% de tudo que é produzido no país.
Sete em cada dez brasileiros não tem R$ 200 disponíveis, mas Brasília, que não produz um clipe de papel, tem o maior PIB per capita do país, resultante da circulação dos vencimentos pagos à elite do setor público nacional.
Sete em cada dez brasileiros não tem R$ 200 disponíveis, mas o ministro Dias Toffoli derrubou um acórdão do Tribunal de Contas da União e autorizou o pagamento de penduricalhos no valor de quase R$ 1 bilhão a juízes federais.
Sete em cada dez brasileiros não tem R$ 200 disponíveis, mas o presidente da República que manifesta tanta indignação com a pobreza dos pobres ostenta hábitos luxuosos à custa do erário. Se sincero em sua compaixão pelos desafortunados, sequer poderia cogitar sobre a compra de um avião novo para suas viagens! Se houvesse coerência entre palavra e vida, seus governos não teriam sido marcados por escândalos do porte do mensalão, no qual se disse traído, e do petrolão, que o levou junto.
Sete em cada dez brasileiros não tem R$ 200 disponíveis, mas o Congresso Nacional vai aprovar a duplicação do valor destinado a custear as campanhas eleitorais do ano que vem. E lá se vão R$ 4 bilhões para essa representação política surda aos anseios da população.
Sete em cada dez brasileiros não têm R$ 200 disponíveis! Enquanto essa miséria entrava para o presente e para o futuro, a esquerda berrava nos megafones contra o capitalismo que nunca tivemos. Tão repetida cantoria acabou por convencer cautos e incautos de que somente a esquerda poderia nos conduzir ao éden da igualdade, da justiça e da prosperidade geral.
Gradualmente, então, foi se abrindo a porta para o socialismo apesar de os fatos, pela janela, berrarem que isso é loucura e que tal sistema não consegue apresentar um único caso de prosperidade e democracia. Têm razão os fatos: o socialismo sempre iguala todos na pobreza, excetuadas suas elites, e só ao Estado concede liberdades. Mas isso quase ninguém fala. É nesse caminho que estamos sendo lentamente conduzidos enquanto as vozes do poder dizem ver o que ninguém vê e não ver o que todos veem.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
24/12/2023
Percival Puggina
Ao que vejo e ouço das mais altas autoridades nacionais e de todos os setores de influência que dominam o ambiente cultural brasileiro, inclusive o da minha Igreja Católica, deveríamos buscar abrigo em alguma ONG preservacionista. Alguém dirá que incorro em exagero, mas não. Querem nos extinguir.
Em 18 de janeiro, o presidente da República proclamou à Globo News, e em 29 de junho reiterou ao Foro de São Paulo, sua vitória sobre o discurso da pátria amada, da religião, da família e dos valores. O que torna a situação mais dramática é que isso se dá com a aquiescência e a colaboração dos que, sem perceberem o tamanho da encrenca, estimulam o processo de eliminação desencadeado sobre si. Acionam, eles mesmos, os gatilhos das metralhadoras culturais que seus predadores usam para os destruir.
Pertenço à espécie dos conservadores e liberais, sendo a segunda condição, a de liberal, delimitada pelos princípios da primeira. Como tal, sou pela liberdade, pela ordem e pela justiça. Não gosto que invadam o que é meu nem o que é dos outros. Defendo a instituição familiar e os valores do cristianismo. Toda injustiça contra alguém me agride pessoalmente. Amo meu país. Atribuo importância à ordem para que haja progresso. Julgo que as mulheres são credoras naturais da cortesia masculina. Entendo que perverter a inocência das crianças é crime contra a humanidade. Afronta-me a violência e seu uso em substituição ao processo político e democrático. Sou contra as utopias, a incorreção do “politicamente correto” e creio que as mudanças sociais devem ser produzidas no contexto das instituições, preservando-se o que tem comprovado valor e utilidade.
A história me ensina que é de tais conteúdos e condutas que provêm bons fundamentos para a paz, o progresso, a harmonia social e a democracia. É neles que se inspiram os maiores estadistas da humanidade. Sou conservador e percebo, contristado, que, colocando-se ao gosto da moda e cedendo ao impacto da cultura imposta pelos nossos predadores, muitos que pensam da mesma forma reproduzem, inocentemente, o discurso que os condena à extinção.
Agora, por exemplo, é Natal. Tem certeza? Olha que ando por aí e só vejo trenós, constelações de estrelas, toneladas de algodão, multidões de papais-noéis, pilhas de caixas embrulhadas para presente. O que, mesmo, estão a festejar? Em toda parte, é a mesma coisa, não há presépios ou mensagens que lembrem o fato que faz a festa: o nascimento de Jesus. Pior, há um visível antagonismo frontal às manifestações exteriores sobre a verdadeira natureza da celebração. É como se o nascimento do Menino do presépio fosse um fato inconveniente e agredisse a sensibilidade das pessoas.
Não obstante, como eu sei que é Natal e sou conservador, insisto em desejar aos leitores que ele ganhe, em seus corações, o sentido almejado por Deus em sua radical e santificadora intervenção na História humana.
* A imagem que ilustra este artigo é do presépio Bourbon em 360º do Palácio Real de Caserta (Nápoles), onde ocupa um salão inteiro.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
21/12/2023
Percival Puggina
Por vezes, são noticiados casos raros em que pessoas no desempenho funcional ou por estarem ocasionalmente presentes em momentos dramáticos, se destacam por iniciativa e coragem que vai além do dever. O cinema norte-americano se vale de fatos dessa natureza para reconhecer o mérito de personagens reais ou fictícios; se militares, essas pessoas são agraciadas com medalhas que exaltam virtudes como coragem, iniciativa, determinação “beyond the call of duty” (além do que o dever chama).
Vivemos momentos que exigem personagens assim. Tolos não percebem e inimigos da liberdade festejam as dificuldades impostas a quem tem coragem de pensar e expressar o que pensa nos meios de comunicação. A mente totalitária se compraz com a injustiça que a beneficia; ama o jornalismo que tem opinião a soldo e se deixa pastorear.
Os leitores destas linhas assistiram o êxodo de conhecidos e competentes profissionais que, repelidos pelos veículos onde atuavam, foram defender a liberdade criando seus próprios canais de trabalho. Alguns enfrentaram problemas com o regime, sofreram sanções. Outros, escaldados, buscaram água fria no exílio.
Aqui no Rio Grande do Sul acompanho a lida de dois amigos jornalistas. Júlio Ribeiro e Guilherme Baumhardt. Dois homens de rádio, experientes, bem formados e informados, não se deixaram arrebanhar para o curral onde o jornalismo brasileiro tem pouca diferença do cubano. Mostraram coragem além do que o dever indicava e uniram forças.
Não foi por si mesmos que trocaram a estabilidade pelas incertezas. Seu mérito se amplia porque fizeram isso por pessoas que sequer conhecem, que estão na outra ponta da comunicação e que têm o direito de receber informação e opinião fora dos sofismas e malabarismos retóricos que tanto agrado causam aos tutores e censores da nação.
Em outubro, Júlio Ribeiro deixou a Rádio Guaíba e criou a Rádio + Brasil. Agora, Guilherme Baumhardt junta-se a ele na emissora que dá seus primeiros passos rumo àquele sucesso para onde a liberdade impulsiona seus devotos. Numa visão liberal/conservadora, a Rádio + Brasil apresenta e comenta, em seu canal do YouTube (YouTube.com/@RadioMaisBrasilOficial), notícias de política e economia, do Brasil e do mundo. Guilherme Baumhardt apresenta o programa “Agora, Brasil” das 07h às 09 h da manhã (mesmo horário do programa que ancorava na Rádio Guaíba) e Júlio Ribeiro, o programa “Rádio + Brasil” das 13h às 15h.
No cenário devastado do jornalismo brasileiro, todo sinal de vida e inteligência me reanima o espírito.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
20/12/2023
Percival Puggina
Em certo momento de meu artigo anterior – “A liberdade pede socorro” – olhos postos na realidade brasileira, eu afirmei o seguinte:
“Por isso, devemos querer a liberdade sob uma ordem inspirada na Lei Natural, como condição indispensável para sua sobrevivência. Uma ordem que nos permita ir e vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança jurídica.”
Sobre o tema, escreveram-me dois leitores contestando e desqualificando a Lei Natural como inspiradora do bom Direito. Na opinião deles não existe essa tal lei. Como já tratei da questão anteriormente e percebendo ser conveniente retomar o assunto, escrevi a ambos sobre o erro descomunal que o mundo pós-moderno comete ao considerar tal ideia ultrapassada e intolerável. Retomo, aqui, o fio dessa meada.
Uma sociedade pode afrontar a Lei Natural, tratá-la como papel picado imaginando que com isso a reduz ao silêncio, mas não é ela a vítima dos maus tratos. É o ser humano quem pagará a conta do estrago. Quando uma sociedade refuga a Lei Natural, ela afaga e faz requebros ao relativismo moral, primogênito da pós-modernidade, cadeira de balanço das consciências sem rumo nem prumo e cerca derrubada aos avanços do Estado sobre os indivíduos e a sociedade.
Por isso, pergunto: será sensato afirmar que nada, absolutamente nada, se deduza do ser em relação ao seu dever ser? Será que os bons pais e mães que me leem concordarão com isso ao contemplarem sua amorosa função pedagógica para com os filhos? No entanto, esse mal ataca e prospera, conduzido pela letargia das consciências que, em vez de ajustarem suas ações ao naturalmente bom e justo, buscam dar forma à lei segundo seus atos.
Se não existir um Direito cuja essência se possa buscar na natureza do ser humano, tudo será segundo o que estiver legislado, sem que haja qualquer sentido em nos interrogarmos a respeito de seus fundamentos morais. É por isso que temos ouvido falar tanto em "empoderamento", neologismo parido na maternidade do relativismo moral, infectada pelos vícios que corroem a vida social. Empoderamento é aquisição de força para impor a lei. Ele está no cerne do debate político brasileiro e dos reiterados assaltos ao Estado.
É ele que explica, também, a ação de grupos que tentam tomar a laicidade do Estado pelo seu avesso, fazendo com que ela deixe de ser uma proteção dos cidadãos e suas crenças para criar uma devoção ao Estado. Enquanto isso, convertem a laicidade em escudo protetor do Estado contra as opiniões das pessoas. Também é parte do cenário a pretensão com que alguns tentam fazer do Estado um "educador moral", coisa que ele não é, não deve ser, nem tem condições de vir a ser. Ao menos no que depender do meu consentimento.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (-), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
18/12/2023
Percival Puggina
Ela grita no tom coloquial do transeunte que me aborda na rua e grita no silêncio quando seu padecer não é assunto à mesa das famílias. E note-se, eu não sou um desenfreado que pretenda liberdade sem limites. Os cabelos que me restam, brancos e poucos, me ensinaram que é bobagem querer ser “livre como os pássaros” porque eles têm necessidades mais pungentes do que as nossas.
Livre é quem faz o que quer”, afirma um senso comum pouco esclarecido, ao qual Shoppenhauer propõe a seguinte pergunta: “Posso querer o que quero?” Fica bem claro para a maioria das pessoas que não é possível querer a mulher do próximo ou o dinheiro da agência bancária, ou o automóvel alheio, ou suspender a projeção do filme enquanto se vai ao banheiro do cinema, por atraentes ou convenientes que tais interesse pareçam.
Lord Acton (John Dalberg-Acton, historiador britânico do século XIX) afirma algo surpreendente para quem não conhece as raízes da civilização ocidental: “Nenhuma nação pode ser livre sem religião. A religião cria e fortalece a noção do dever. Se os homens não são corretos pelo dever, devem sê-lo pelo temor. Quanto mais controlados estejam pelo temor, menos livres serão. Quanto maior seja a força do dever, maior será a liberdade.” É dele a conhecida frase segundo a qual “todo poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente; de modo que os grandes homens são, quase sempre, homens maus”.
É o que constato:
Poder excessivo costuma ter a maldade como sócia majoritária.
Essas e muitas outras reflexões apontam para a liberdade como um bem precioso. Ao mesmo tempo, sinalizam algo bastante obvio, ou seja, esse bem, como tantos outros, é frágil e corruptível. Por isso, devemos querer a liberdade sob uma ordem inspirada na lei natural, como condição indispensável para sua sobrevivência. Uma ordem que nos permita ir e vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança jurídica.
O binômio liberdade e responsabilidade é tão natural quanto o que une qualquer ação humana à sua consequência. Inibir a liberdade do ser humano em vista da ordem, significa tirar-lhe a responsabilidade. E quando isso acontece no campo da política através da Justiça temos uma tripla violação: a da liberdade, a da responsabilidade e a constitucional. Sim, há também uma violação à representação exercida pelo parlamento.
A obediência dos cidadãos a uma lei aprovada pelo parlamento é uma forma de auto-obediência e sua legitimidade independe das virtudes ou vícios dos representantes que a sociedade tenha elegido. Em contrapartida, a imposição de uma “lei” (surja ela com o nome de resolução, regulamento ou regimento, fora do legislativo) é tirania, independentemente das virtudes ou vícios de quem as imponha. A liberdade, no Brasil, pede socorro!
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
17/12/2023
Percival Puggina
De súbito, percebo que Sérgio Moro deixou de ser assunto para mim. Há tempos não vejo motivos para escrever sobre ele. Por excesso de contradições, perdeu relevância. E se ainda chama alguma atenção, é pelo resíduo de notoriedade que lhe restou dos tempos de juiz. Certamente ninguém sente saudades dele como ministro da Justiça ou como liderança política, nem admira seu desempenho como senador.
Sei, porém, que devo à Lava Jato alguns dos melhores momentos de minha vida como cidadão. Quando ela se tornou pública, a nação vinha sendo atacada por males que a agrediam de modo articulado e simultâneo. Corrupção, esquerdismo, Foro de São Paulo, corporativismo, patrimonialismo, falta de patriotismo, burrice crônica, estatismo e instituições políticas mal concebidas eram os agressores internos; guerra cultural, degradação moral e globalismo, os agressores importados. A Lava Jato serviu ao combate de alguns desses males porque o combate exitoso à corrupção criou motivação política para propagação dos ideários conservador e liberal.
Não tenho como não agradecer a Sérgio Moro seu trabalho como juiz. Suas atividades no campo da política, no entanto, só serviram para que ele, com total inaptidão e inabilidade, fosse o melhor colaborador de seus inimigos. Fez do próprio sucesso uma sucessão de fracassos. Como ministro, foi um obstáculo às políticas pretendidas por Bolsonaro e vitoriosas na campanha eleitoral de 2018 sobre armas e segurança pública. Saiu do governo atacando o presidente e sonhando com o Palácio do Planalto.
Se havia um projeto político encalhado, morto e sepultado no período anterior ao pleito de 2022 era o dele como terceira via! Numa eleição polarizada entre Bolsonaro e Lula (ou alguém pelo PT) terceiros nomes só se poderiam viabilizar para chegar ao segundo turno se subtraíssem muitos votos (mas muitos mesmo!) dos dois que representavam o antagonismo real existente no país. E Sérgio Moro, como juiz, havia desagradado profundamente a esquerda; como ministro, rompera com a direita. Onde poderia ele buscar eleitores para desbancar os dois candidatos que já entravam no pleito tendo, cada um, mais de 50 milhões de votos garantidos? Terceira via em 2022 era uma verdadeira maluquice de quem desconhecia política ou não se levava a sério, ou não sabia fazer contas. Nove candidatos concorreram com essa pretensão e a soma dos votos de todos não chegou a 10 milhões.
Não vou analisar os fatos recentes porque os considero irrelevantes. Valioso, isto sim, é convidá-lo, leitor, a pensar sobre a política como expressão do amor ao próximo que requer aprendizado e se expressa no espírito de serviço. E, por outro lado, o quanto é lesiva aos bons propósitos dos eleitores a confusão entre notoriedade e competência. Não faz diferença se a pessoa famosa é astronauta ou goleador, juiz ou pastor.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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15/12/2023
Percival Puggina
A mim não assustam as derrotas nem os vencedores, mas os desanimados.
Tenho certeza de que Lula recebeu muitas sugestões no período anterior à indicação de um nome ao Senado para preencher a vaga aberta com a aposentadoria da “inesquecível” ministra Rosa Weber (aquela que pediu aos presos de 8 de janeiro aplausos para o colega Alexandre de Moraes).
Tanto o desejo de indicar alguém quanto o de ser indicado correspondem a aspirações normais. O bolso do casaco de Lula deve ter recolhido muitos cartões e, entre eles, é possível que existissem uma ou das boas sugestões envolvendo indicados que, além de reputação ilibada e notável conhecimento jurídico, acumulassem virtudes como prudência, sabedoria, empatia, humildade (ou, no mínimo, ausência de soberba).
Lula, porém, incidiu no seu erro padrão: ponderou todas as possibilidades e fez a pior escolha possível. Não é por obra e força do acaso que essas coisas lhe acontecem. Ninguém escolhe o pior quando tem diante de si um discriminado e explicitado leque de alternativas. Sou obrigado a admitir que a escolha do menos recomendável é produto do critério adotado por Lula.
Ele sabe que tem o Senado sob seus cordéis. Foi a mais proveitosa aquisição para seu patrimônio político e ele nem pode dizer que não é dele, mas de um amigo dele. Qualquer dia vai entrar no Senado de bermudas. Ele sabe, também, que podia indicar o capeta, ou “capiroto” como o denominam no Norte do país. A sabatina exalaria cheiro de enxofre e o indicado seria ministro do Supremo.
Foi pensando assim que optou pela indicação mais desagradável à oposição para transformar sua aprovação numa provação, num castigo, a seus adversários, especialmente àquela bagatela de 58 milhões de eleitores que a mídia amestrada diz ser de extrema direita.
Todos sabem o que aconteceu em 30 de outubro do ano passado. Foi a tal “vitória do amor”, não foi? Os ativistas da esquerda proclamaram essa vitória como resposta institucional ao desejo de pacificação do país, tão repetidamente anunciado como objetivo pelos ministros do Supremo. Nada melhor, então, do que colocar no STF alguém que, ao longo do ano em curso, foi o chicote verbal do governo e se revelou uma crescente ameaça à liberdade de expressão da oposição. Sua determinação em controlar a liberdade de expressão levou-o a declarar, em audiência, falando aos representantes das plataformas das redes sociais, que deviam adotar como referência para sua conduta o que tinham vivido no ano eleitoral de 2022, ou seja: um regime que censura e multa.
Repito: a mim não assustam as derrotas nem os vencedores, mas os desanimados.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.