Percival Puggina

03/05/2019

 

“A única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha chance de melhorar o país.” (J.R.Guzzo, tweet em 27/04)

 Vivemos tempo demais sob a severa influência de uma ideologia escancaradamente reacionária. Aliás, com tanto por modernizar talvez devesse afirmar que ainda vivemos tempos remotos, paleolíticos. Os adeptos dessa ideologia, atuando em salas de aula, acorrentando-se a fórmulas superadas, se dedicam, por todos os modos, a puxar as rédeas da humanidade, da civilização e do país. Foi em nome dessa ideologia, num prenúncio do que estava por vir, que saíram às ruas no ano 2000 a vociferar contra o Descobrimento.

Vale lembrar os fatos. Aqui no Rio Grande do Sul, Olívio Dutra era governador e Raul Pont prefeito da Capital. Um grande relógio fora montado no ano anterior pela Rede Globo em contagem regressiva para o dia 22 de abril. Ficava próximo à Usina do Gasômetro. Tanta era (e continua sendo) a repulsa pela história nacional que, chegado o dia dos festejos, um grupo de trabalhadores em não sei o que resolveu acabar com o relógio. Espontaneamente, sem qualquer combinação, chegaram juntos, na hora certa, equipados e bem dispostos. Sua posição sobre os 500 Anos afinava-se pelo diapasão do petismo que dava as cartas e jogava de mão no Estado e na prefeitura. Tocaram fogo no artefato sob os olhos atentos da Brigada Militar, num dia em que oficial circulava sem camisa, inspetor de polícia dava ordens para capitão e secretário de Estado assistia tudo sorrindo. Era a festa dos Outros Quinhentos.

Chamavam de Invasão o feito de Cabral, e, por algum motivo obscuro, não o escolheram patrono do MST. É claro que se os portugueses tivessem tocado direto para as Índias, nosso país seria hoje o que são as tribos que se mantiveram sem contato com a civilização. Vale dizer: viveríamos lascando pedra.

Essa ideologia, se pudesse, acabaria com o imenso usucapião denominado Brasil. Os negros voltariam à África, os invasores brancos seriam banidos para a Europa e os índios promoveriam uma continental desapropriação do solo e das malfeitorias aqui implantadas. Alerta: os defensores de tão escabrosa geopolítica se aborrecerão terrivelmente se você apontar o racismo embutido nesses conceitos que viriam a dividir os brasileiros a partir da eleição de Lula em 2002.

O estrago foi grande. Não voltamos às cavernas como se poderia presumir do discurso retrógrado que condenava o “grande capital”, a “grande empresa”, a “grande propriedade”, e para o qual até o nomadismo parecia fenômeno reprovável, precursor do famigerado neoliberalismo. No entanto, se não voltamos às cavernas, se o agronegócio não acabou e não tocamos tambor para chover, os “negócios” foram tantos e tão grandes que o país entrou em recessão, a economia foi para o saco, as contas nos paraísos fiscais engordaram e os desempregados se contam em oito dígitos. Tal história, como se sabe, acabou nos confessionários de Curitiba.

Dois grupos disputam espaço político no Brasil. De uma banda, o novo governo, de perfil liberal e conservador, inova e alimenta a esperança de que, modernizando-nos, podemos escapar do caos. De outra, a oposição, que recicla velhos chavões, bate palmas para Maduro, se aferra ao paleolítico e alimenta o caos com esperança de voltar.


* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

30/04/2019



Conheço muita gente que tem carteira de identidade, carteira do trabalho, título eleitoral, passaporte, mas não sabe quem é. Embora os documentos informem que o sujeito é cidadão brasileiro, ele não tem a menor ideia do que isso significa. Aliás, parcela de nossa população dá sinais de se ver como um mamão, que aparece do nada, grudado a um pé de planta, o mamoeiro Brasil, no qual se nutre até, um dia, cair do pé. Raros são os que se percebem dentro de uma linha histórica. E esta linha, como regra quase geral, se e quando apresentada, o é de modo a merecer nenhuma estima. Até bem recentemente, ser brasileiro não era algo que infundisse sentimentos positivos.

Apesar de nos meus tempos de colégio haver estudado história como se come bergamota, um gomo depois de outro – História do Brasil, História Geral, História do Rio Grande – sempre me interessei pela bergamota inteira. Os pontos de contato habitualmente mencionados eram sempre três e apenas três: Tomada de Constantinopla originando as Grandes Navegações, União Ibérica produzindo as encrencas no Prata, Guerras Napoleônicas determinando a vinda da Família Real. Estes eventos, porém, são apresentados como meras relações de causa e efeito e nada dizem sobre o que realmente importa. Quando empreendemos a busca de nossas raízes, vamos realmente longe, cavamos realmente fundo, voamos realmente alto e não há como não valorizarmos nosso passado e herança cultural e civilizacional: idioma, fé e integração ao Ocidente.

O idioma que falamos é importantíssimo patrimônio cultural, fator de unidade e de identidade. Muita coisa aconteceu na História para que o latim vulgar chegasse à Lusitânia romana e se tornasse o idioma que aprendemos da voz dos nossos pais. Com efeito, foram as Guerras Púnicas e a derrota final de Cartago em 146 a C. que consolidaram o domínio romano no Mediterrâneo, a conquista da Ibéria e, nela, o surgimento da pequena província romana chamada Lusitânia. Sem a presença dos romanos, talvez o povo da região falasse o idioma púnico dos cartagineses, ou o germânico dos Suevos, ou o gótico dos visigodos que incorporaram a região da Galícia e Portugal em 585 d.C.. Essa história é nossa história.

A religião, por sua vez, é parte integrante da cultura de todos os povos, sem exceção. Não há povo sem religião. Entremeado com a história, o cristianismo está na essência de nossa cultura. A Península Ibérica, onde estão cravadas as raízes da nacionalidade brasileira só se tornou católica em virtude de episódios decisivos ocorridos no final do 6º século. Fatos e feitos marcantes, conduzidos pelo Senhor da História, aconteceram para que a cruz assinalasse o velame das caravelas portuguesas que chegaram ao Brasil nove séculos depois. Foi o martírio de São Hermenegildo por determinação do próprio pai, o rei visigodo Leovigildo, que converteu seu irmão e futuro rei Recaredo, levando-o a convocar o III Concílio de Toledo (589) e dando início à longa história da Espanha católica e visigótica. Também essa história é indissociavelmente nossa.

Naquela extremidade do continente europeu nasceria Portugal quando Afonso VI de Leão e Castela presenteou seu genro, o conde Henrique de Borgonha, com o condado onde seu filho, Afonso Henriques, viria a se proclamar rei. Expulsou os mouros, defendeu suas fronteiras dos vizinhos e obteve reconhecimento pontifício da independência em 1179. Nos três séculos seguintes, o pequeno Portugal disputaria com a Espanha o primado entre as nações daquele tempo, andaria por “mares nunca dantes navegados” e ampliaria o mapa mundi levando “a fé e o império”. O Brasil foi parte dessa epopeia narrada por Camões.

Como entender que herdeiros de uma história tão rica e tão nossa possam conviver com esse complexo de cachorro vira-latas, no dizer de Nelson Rodrigues? Donde esse sentimento que, a muitos, faz rastejar culpas e remorsos, rumo a um estuário de vilanias e maldições?

Há em nossa história, como na de qualquer povo, cantos escuros, páginas tristes, fatos reprováveis. Modernamente, muitas nações estão expostas ao mesmo revisionismo, às mesmas árduas penitências e remordimentos que servem às novas versões da luta de classe marxista. De todas essas nações, porém, nos chegam, também e principalmente, lições de orgulho nacional, de culto a seus grandes vultos e feitos, de cidades adornadas com monumentos a eles erguidos como reverência de sucessivas gerações.

Nós, brasileiros, somos herdeiros da mais elevada civilização que a humanidade produziu. No entanto... Onde estão nossos monumentos a Bonifácio, Mauá, Caxias, Nabuco, Patrocínio, Pedro II, Isabel, Rio Branco, Rui? Quantos brasileiros conseguiriam escrever cinco linhas sobre qualquer deles? O que estou a narrar começou com a mal conduzida propaganda republicana anterior e posterior à Proclamação, no intuito de romper nossas raízes europeias.

Nada, porém, agravou tanto essa dificuldade nacional quanto a história ensinada em sala de aula como pauta política que vem fazendo dos conflitos sociais o próprio oxigênio sem o qual não consegue respirar.

Se não vemos dignidade em nossa história, dificilmente a veremos em nós e muito mais dificilmente a veremos nos demais. Se não temos raízes, se elas são rompidas, tombamos ao menor impacto. Parte importante da mudança política ocorrida no ano passado é o reencontro do povo brasileiro com o amor ao Brasil. Verde e amarelo, ele representa a derrota das amargas bandeiras vermelhas.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


 

Percival Puggina

27/04/2019


 O fato é que me antecipei, em vários dias, ao diagnóstico pronunciado pelo ministro Luís Roberto Barroso sobre as causas do desprestígio do STF junto à opinião pública. Em artigo do dia 19 deste mês, com o título “As redes sociais e o poder do indivíduo”, escrevi:

 “Não é a crítica que gera o descrédito, mas o descrédito que a motiva.”

 Em outras palavras, na minha crítica, ministros efetivamente preocupados com preservar a imagem do Poder deveriam estar mais atentos a si mesmos do que às reações da sociedade.

Uma semana mais tarde, coube ao ministro Barroso, falando em evento na Universidade de Columbia, fazer a autocrítica e dizer que o “descrédito da sociedade” é fruto de decisões da própria Corte. Não bastasse isso, conforme matéria do Estadão (25/04), Barroso proferiu uma série de vigorosas afirmações, segundo as quais:

• na percepção da sociedade, os ministros, por vezes, protegem uma “elite corrupta”;
• há um problema se a Corte, de modo repetido e prolongado toma decisões com as quais a sociedade não concorda e não entende (referia-se, presumo, ao tal papel contramajoritário que o STF vem atribuindo a si mesmo);
• uma grande parte da sociedade e da imprensa percebem a Suprema Corte como um obstáculo à luta contra corrupção no Brasil;
• a sociedade tem a percepção de que “alguns ministros demonstram mais raiva dos promotores e juízes que estão fazendo um bom trabalho do que dos criminosos que saquearam o país”;
• somente no Rio de Janeiro, “mais de 40 pessoas presas por acusações de corrupção foram soltas por habeas corpus concedidos na 2ª Turma”.

E arrematou: “Tudo o que a Corte (STF) poderia remover da Justiça Criminal de Curitiba, cuja persecução de corrupção estava indo bem, foi feito (sic)”.

São palavras de um membro do “pretório excelso”. Não é opinião de um simples cidadão que, acompanhando a vida do tribunal, se escandaliza com as mensagens que alguns de seus membros, de modo reiterado, passam à sociedade. Note-se que tais recados, captados pelo ministro Barroso, são transmitidos numa época em que as luzes da ribalta se acendem sobre aquele plenário, seja pelo exagerado protagonismo de alguns, seja por ações que partidos minoritários levam à Corte atraídos pela tal vocação “contramajoritária”.

A propósito destes últimos acenderei minha lanterna sobre o que vejo acontecer. De uns anos para cá, partidos minúsculos, sem voto nas urnas e, por consequência, nos plenários, sobem no banquinho de seu pequeno significado para se autoproclamarem os únicos representantes das aspirações populares. Há um ditado segundo o qual “quanto menor a tribo, mais emplumado o cacique”. Assim, impressionados consigo mesmos, derrotados nas deliberações de plenário, a toda hora esses pequenos partidos correm e recorrem ao STF em busca da simpatia de seis ministros para sua causa. Claro! É mais fácil conseguir meia dúzia de votos entre 11 do que maioria entre 513. Apelar ao STF virou uma gambiarra para partidos nanicos, que passam a contar com isso até mesmo para suas manobras de obstrução.

P.S. – Especialmente minoritários, mais do que isso elitistas e refinados, são os serviços de fornecimento de refeições institucionais licitados pelo STF e divulgados pelo Estadão no dia 26 de abril. Lagostas e vinhos premiados integram um cardápio digno dos deuses do Olimpo, que vai ao pregão eletrônico pelo custo módico de R$ 1,1 milhão.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/04/2019

 A notícia me pareceu demasiado bisonha. Embora divulgada num site sério como a Gazeta do Povo, fui atrás da mesma em jornais espanhóis. Quem sabe o autor da matéria entendeu algo errado? Mas não, ele descrevera com a habitual precisão os acontecimentos que forneciam irrecusável testemunho do caráter doentiamente malévolo da ideologia de gênero.

Na edição em idioma catalão do dia 11 de abril, o jornal El Nacional noticiou que:

... Os membros do comitê de gênero da Escola Pública Tàber de Barcelona e os membros da Associação Espai i Lleure (Espaço e Lazer), decidiram dar uma olhada na biblioteca infantil da escola para analisar o grau de machismo das histórias que os mais jovens leem. Isso levou à retirada de 30% dos livros por promoverem valores sexistas e discriminatórios, num total de 200 títulos. De acordo com o The Confidential, eles não teriam concluído com a retirada, que chegaria a 60% dos livros, para não deixar as prateleiras vazias. Apenas 10% das histórias foram escritas desde uma perspectiva de gênero.

Comitê de gênero é dose, mas vamos em frente. Um dos autores da iniciativa, responsável pelo tal comitê na escola, falando à Betevé (uma TV de Barcelona), afirmou: “Estamos muito longe de bibliotecas iguais, onde personagens masculinos e femininos aparecem meio a meio, onde fazem o mesmo tipo de atividade.” A diretora do Espai i LLeure, Anna Tutzó, também na Betevé, observou que “histórias como o Chapeuzinho Vermelho, ou a Bela Adormecida, promovem valores de gênero que são prejudiciais às crianças que ainda não formaram a capacidade crítica.

Haverá quem não veja nisso um trabalho ideológico, coisa de degenerados, de engenharia social? Haverá quem não perceba a utilização do sistema de ensino para introduzir ideologia nefasta nas escolas, criando comitês, concedendo-lhes autoridade para promover essa Bücherverbrennung (queima de livros pelos nazistas em 1933)?

Felizmente, a sociedade brasileira foi alertada em tempo, mobilizou-se, e desfez a arapuca que estava preparada na proposta do Plano Nacional de Educação, a partir do qual se estenderia aos 26 Estados, ao Distrito Federal e aos 5570 municípios do país.

Contra tais militâncias não existem, porém, vitórias definitivas. Elas consideram cada derrota, legislativa ou eleitoral, como etapa de uma luta ao cabo da qual alcançarão seus objetivos. Por isso, jamais desistem ou esmorecem em suas iniciativas.

É exatamente por isso que defendem com unhas e dentes seus dois baluartes: a autonomia escolar e a liberdade de cátedra, que funcionam como porta e ferrolho para fazerem o que bem entendem com as crianças e jovens que a sociedade lhes confia. Foi assim que, na evoluída Barcelona, Savonarolas de araque retiraram das prateleiras das bibliotecas, mais de 200 obras, entre elas os clássicos Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida e Cinderela. Afinal, são livros sedutores, perigosos à formação infantil e não se enquadram nos estereótipos supostamente não estereotipados da ideologia de gênero. A maldade perde o constrangimento.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

19/04/2019

 

 As redes sociais são um grande arrastão lançado ao mar da informação. Vem peixe bom, arraia miúda e, junto, o inevitável lixo marinho. As pessoas sabem disso e, com o tempo, aprendem a necessária catação. Obviamente, há quem produza lixo e há quem prefira lixo. É inevitável reconhecer, porém, que a Internet, as redes e os smartphones promoveram verdadeira revolução democrática na informação e na análise dos fatos.

Os grandes meios de comunicação, por seu turno, perderam o monopólio da interpretação dos acontecimentos e perceberam estar substancialmente reduzida sua influência na formação da opinião pública nacional. A pluralidade de opiniões passou a desnudar manipulações. A vitória de Bolsonaro foi a mais evidente prova disso. O presidente venceu uma eleição em que a totalidade da mídia brasileira o anunciava como alguém que perderia para todos os seus adversários, cuidando de apresentá-lo como um ogro, sob cujo comando o Brasil mergulharia numa era de trevas. Essa imagem, aliás, foi vendida no exterior por um consórcio formado entre as correntes políticas derrotadas e o jornalismo capturado para seu serviço. Com efeito, fora de nossas fronteiras, as redes sociais brasileiras não exercem influência, mas os veículos tradicionais e as agências preservam a sua. Graças a essa particularidade, partidos opositores e jornalistas apresentam a má imagem do atual governo brasileiro no exterior como nociva aos interesses nacionais. Mas esquecem de dizer o quanto isso é produto de seu trabalho.

Consolidou-se em mim a convicção de que as redes sociais, malgrado vícios e defeitos, concederam ao indivíduo um poder político de que ele nunca anteriormente dispôs em qualquer período da história. A soberania popular, que antes era exercida apenas pelo voto quadrienal, ganhou continuidade. O cidadão pode dizer o que pensa e o que pensa pode chegar a muitos. Pode fazer soar a campainha do celular no bolso do deputado, acessar suas páginas nas redes, opinar em seus vídeos, falar ao presidente. Qualquer indivíduo pode propagar suas ideias em seus próprios espaços, páginas, perfis, canais. Pode criticar seu vereador e seu senador; seu prefeito e seu governador. Pode criticar até o Papa. E ninguém dirá que isso é agir para descrédito das instituições. Aliás, esse desabono é endógeno, gerado dentro dos poderes. Não é a crítica que causa o descrédito, mas o descrédito que a motiva. É normal verberar os poderes. Exceto se isso atingir o Supremo Tribunal Federal e seus membros. Aí, sei lá por que, o bicho pega. Ficarei muito agradecido se alguém puder me explicar o motivo, mormente quando tão intangível poder exerce crescente e decisivo protagonismo.

Enquanto aguardo as opiniões dos leitores, desejo a todos uma muito feliz Páscoa do Senhor!

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

17/04/2019

 

 Anteontem, enquanto observava, aflito, parte da minha herança arder flamejante no coração de Paris, eu pensava sobre essa dimensão de nossa natureza, perdida pelo esquecimento e consumida nas chamas da perversidade. Nas conhecidas palavras de Émile Henriot: “Cultura é o que resta quando esquecemos tudo”. E nós, estamos esquecendo esta condição de herdeiros de uma cultura, de usufrutuários das imateriais riquezas da civilização ocidental.

 O cotidiano me adverte ainda mais. Estamos sendo ensinados a desprezar toda essa herança, a começar por nossas raízes; a ultrajar os pais da Pátria; a viver sem fé, sem origem e sem sentido; a lastimar o passado, num presente lastimável, rumo a um lastimável futuro. Não estou fazendo frases, leitor amigo, estou amargamente curioso. Quero saber dos algozes da mais elevada, rica e culturalmente produtiva civilização que a humanidade conheceu: qual vosso ponto de chegada? Aonde vamos com negação do belo e com a aclamação do horrendo e do perverso em todas as formas de arte? Se abandonamos tudo que eleva o espírito, a força de gravidade o derruba para o nível das mais rasteiras paixões! Por isso deveríamos aprender a reconhecer e amar o bem, o belo, o bom e o justo. Mas quem cuida disso?

 O passar dos anos desenvolveu em mim, com intensidade crescente, a consciência de ser um ocidental. Quem me dera, também, a ciência! Esse sentimento se aprofundou à medida que, em sucessivas viagens e como principal interesse de todas, minha mulher e eu visitamos centenas de igrejas românicas, góticas e barrocas em toda a Europa. São obras empreendidas por gerações de artesãos, artistas e operários que morriam sem as ver prontas, seguidos de outros, e de outros, ao longo de séculos. Não há como não perceber materializado aí o sentido do sagrado e o sagrado sentido da herança cultural. Tal riqueza diz presente, também, nos museus, nas artes visuais, na literatura, na música, na dança, no teatro e na difícil, mas positiva, evolução das instituições políticas.

Essa cultura chegou até nós nas caravelas de Cabral. Sim, veio a bordo coisa boa e coisa ruim. Veio salvação e perdição. O que dói na alma, cinco séculos passados, é ver tanta gente escrutinando a coisa ruim e a perdição. O que dói em mim é saber, como sei, por que tantos jovens me contam, do mesquinho trabalho a que se dedicam os incendiários de catedrais interiores. Em vez de as construir, fazem-nas arder no cultivo de maus sentimentos, no desrespeito ao nosso belo idioma, na animosidade em relação ao amável Portugal e aos pais da nossa pátria, na negação da fé sem a qual não haveria essa cultura e essa civilização.

Assim, com redobrada tristeza, as chamas que queimavam minha herança em Notre-Dame me faziam lembrar das catedrais interiores que queimaram, ou que não foram nem serão construídas por falta de artesãos.
 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

16/04/2019

Depois de agir, reiteradamente, como se Parlamento fosse, restava ao STF atropelar o Ministério Público assumindo suas funções em questões nas quais o Poder se considera acossado. Fechou uma revista, expediu mandados de busca e apreensão, mandou a PF inquirir jornalistas. Coube aos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes inaugurar, em atos de ofício, este novo abalroamento.

A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, usando cinto de segurança, saiu ilesa. Refez-se do choque e solicitou o arquivamento do processo por ilegalidade. O ofício da PGR foi enviado, por óbvio, ao STF. Nele, Raquel Dodge observa que “... a competência da Suprema Corte é definida pela Constituição tendo em conta o foro dos investigados e não o foro das vítimas de ato criminoso. Ou seja, a competência do Supremo Tribunal Federal não é definida em função do fato de esta Corte ser eventual vítima de fato criminoso”.

Ainda no ofício, a PGR lecionou que “o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, fato que provoca efeitos diretos na forma e na condução da investigação criminal". E prosseguiu ensinando que “a delimitação da investigação não pode ser genérica, abstrata, nem pode ser exploratória de atos indeterminados, sem definição de tempo e espaço, nem de indivíduos. O devido processo legal reclama o reconhecimento da invalidade de inquérito sem tal delimitação”.

Para o ministro Dias Toffoli, porém, só o STF pode determinar o arquivamento e dá sinais de que vai em frente nutrindo o bebê jurídico que criou. Nele, o STF aparece como vítima dos atos investigados, preside o inquérito e julgará eventuais réus.

Para quem acompanha a morosidade do nosso Supremo e sua pequena produção em ações penais contra conhecidos Barrabás, não raro colocando-os em liberdade, certamente impressionam a celeridade e os atropelos dos atos em curso.
 

Percival Puggina

13/04/2019

 

 Há uma parcela da sociedade brasileira que, tendo emprego, joga politicamente contra quem está desempregado. Na verdade, são militantes da recessão, do endividamento, do calote. Imediatistas, creem que os problemas podem ser permanentemente empurrados com a barriga, como se o ventre tivesse o dom de deslocar, também, o precipício.

 Você jamais os ouviu criticar privilégios. Articulam-se num círculo de proteções recíprocas. Juntam-se nas galerias dos parlamentos e rejeitam quaisquer medidas que visem a corrigir as imensas distorções e injustiças que afetam a vida nacional. Têm fé religiosa no Estado, que veem como o colo protetor, malgrado todas as demonstrações de que ele só cuida bem de si e dos seus.

 A pressão política desses conglomerados de interesses públicos e privados que se nutrem no mamoeiro estatal, são, em uníssono, contra as privatizações, contra a reforma da Previdência, contra qualquer medida que vise a reduzir o peso do Estado e sua influência no sistema de ensino do país. Afinal, é ali que opera o torno onde se esculpem os conceitos e se conquistam corações e mentes.

 Muitos aspectos de nossa realidade seriam diferentes se existisse no Brasil uma Central Única dos Desempregados (CUD). Uma entidade que reunisse os brasileiros em busca de ocupação – 13 milhões contados pelo IBGE –, dispondo de força de mobilização, certamente estaria apoiando ideias liberais para a economia. Eles sabem que seus empregos lhes foram tomados pela corrupção, pelo populismo, pela velha política, pela irresponsabilidade fiscal, pelos privilégios e pela alta carga tributária, pela ganância do Estado e de quantos à sua sombra vivem. Sabem os desempregados que, agora, esses mesmos interesses se mobilizam contra a reforma da Previdência, sem a qual nenhum investidor haverá de confiar no Brasil para aqui empreender.

Uma Central Única dos Desempregados os informaria que sete de cada dez indústrias que se instalam no Paraguai pertencem a investidores brasileiros, que vão em busca de menores custos trabalhistas, energia mais barata e tributos menos onerosos. Uma CUD teria assessoria interessada em aconselhar seus filiados a pressionar os poderes de Estado por medidas liberalizantes, capazes de atrair investidores. Faria com que esses infelicitados irmãos nossos fossem às ruas protestar contra as instabilidades políticas e a insegurança jurídica. Os orientaria a clamar por infraestrutura adequada à produção e a seu escoamento, por Educação que qualifique melhor nossos jovens. Os mobilizaria para apoiar medidas capazes de melhorar a credibilidade do país, revitalizar nossa Economia e ressuscitar, assim, o mercado de trabalho.

A má notícia para os desempregados é que há muita gente influente mobilizada contra as medidas que os beneficiariam, simplesmente porque, assim, mantêm suas posições e vislumbram um possível retorno ao poder.
 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/04/2019

 

 O STF aborreceu-se. O presidente Toffoli, deixou isso claro em recente manifestação, quando disse não aceitar essas críticas porque elas se fazem em razão de “nossa efetividade em garantir, em um país desigual, os direitos e garantias da liberdade”. Realmente, a soberana plebe não tem em boa conta o Supremo Tribunal Federal nem o protagonismo que ele desempenha na cena política brasileira nestes tempos em que é preciso desamarrar a política, laço por laço, da criminalidade.

Pagadora de todas as contas e tomadora de todos os prejuízos, a soberana plebe exerce seu poder quadrienalmente, das 8h até as 17h, num domingo de outubro. Depois disso, só recebe ordens e contas a pagar. O mais permanente direito político do indivíduo, mesmo quando desarticulado, quase silencioso e ineficiente, é o direito de opinião. As novas mídias, porém, amplificaram e democratizaram esse direito que se concentrava nos profissionais que atuam nos meios de comunicação. Esse grupo corresponde a apenas 0,07% da população, mas centralizava um enorme poder. Se atentarmos aos que atuam nos veículos mais influentes e em suas redes nacionais, o número é ainda muito menor e o poder mais concentrado. Hoje isso mudou. O leque se abriu.

Se devemos atribuir valor ao que a sociedade pensa sobre seus políticos e ao modo como isso se expressa em votos e mandatos, igualmente deveríamos atentar às suas opiniões sobre o STF, mesmo que, em tese, não tenham qualquer consequência.

A vigorosa atuação da Lava Jato, a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância e a colaboração premiada são os três meios pelos quais a nação está conseguindo debelar a septicemia da corrupção. Não obstante, é inegável que os três remédios têm inimigos figadais no STF e que parcela desses inimigos se comprazeriam em enfileirar processos criminais na longa e onerosa marcha da prescrição e da impunidade. Afinal, num canetaço de fim de ano judiciário, não proporcionou o ministro Marco Aurélio condições para soltura de mais de cem mil criminosos condenados em 2ª instância?

A nação a tudo vê e, por vezes, se escandaliza, como quando sua Suprema Corte, por duas sessões inteiras, assistiu o ministro Celso de Mello esgotar as potencialidades semânticas do juridiquês para propor a criminalização da homofobia como se racismo fosse, criando uma aberração: tipo penal gerado por analogia. Ou quando aquele poder acolhe pedidos de partidos nanicos, quase sem voto nem representatividade, para impor leis porque é mais fácil conseguir seis votos entre 11 do que maioria entre 513. E conseguem. Ou quando, “lecionando” à opinião pública, o STF afirma sua função contramajoritária para sustentar posições extravagantes e se esquece de que o preceito talvez pudesse valer para si mesmo, constrangendo-o a decidir por minoria.

Vejo nosso STF decididamente irritado com as críticas da plebe. Seu presidente, ao afirmar que não as aceita, deveria saber que “não aceitar” é diferente de “discordar” e sinaliza o autoritarismo arrogante que ali bem se percebe. Qual seria a reação se o presidente Bolsonaro dissesse algo assim? O PT iria queixar-se à ONU. O Le Monde Diplomatique, o The Guardian, o The New York Times e o El País abririam manchete. Ouvir-se-iam rugidos cósmicos de indignação!
O que mais chama atenção, porém, é que a falta de estima da sociedade por sua Suprema Corte não difere muito da que, individualmente, certos ministros aparentam nutrir por seus colegas. Mesmo assim, quando o corporativismo se faz necessário, são 11 de passo certo contra 210 milhões de passo errado.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.