• Percival Puggina
  • 30/04/2019
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A DERROTA DAS BANDEIRAS VERMELHAS



Conheço muita gente que tem carteira de identidade, carteira do trabalho, título eleitoral, passaporte, mas não sabe quem é. Embora os documentos informem que o sujeito é cidadão brasileiro, ele não tem a menor ideia do que isso significa. Aliás, parcela de nossa população dá sinais de se ver como um mamão, que aparece do nada, grudado a um pé de planta, o mamoeiro Brasil, no qual se nutre até, um dia, cair do pé. Raros são os que se percebem dentro de uma linha histórica. E esta linha, como regra quase geral, se e quando apresentada, o é de modo a merecer nenhuma estima. Até bem recentemente, ser brasileiro não era algo que infundisse sentimentos positivos.

Apesar de nos meus tempos de colégio haver estudado história como se come bergamota, um gomo depois de outro – História do Brasil, História Geral, História do Rio Grande – sempre me interessei pela bergamota inteira. Os pontos de contato habitualmente mencionados eram sempre três e apenas três: Tomada de Constantinopla originando as Grandes Navegações, União Ibérica produzindo as encrencas no Prata, Guerras Napoleônicas determinando a vinda da Família Real. Estes eventos, porém, são apresentados como meras relações de causa e efeito e nada dizem sobre o que realmente importa. Quando empreendemos a busca de nossas raízes, vamos realmente longe, cavamos realmente fundo, voamos realmente alto e não há como não valorizarmos nosso passado e herança cultural e civilizacional: idioma, fé e integração ao Ocidente.

O idioma que falamos é importantíssimo patrimônio cultural, fator de unidade e de identidade. Muita coisa aconteceu na História para que o latim vulgar chegasse à Lusitânia romana e se tornasse o idioma que aprendemos da voz dos nossos pais. Com efeito, foram as Guerras Púnicas e a derrota final de Cartago em 146 a C. que consolidaram o domínio romano no Mediterrâneo, a conquista da Ibéria e, nela, o surgimento da pequena província romana chamada Lusitânia. Sem a presença dos romanos, talvez o povo da região falasse o idioma púnico dos cartagineses, ou o germânico dos Suevos, ou o gótico dos visigodos que incorporaram a região da Galícia e Portugal em 585 d.C.. Essa história é nossa história.

A religião, por sua vez, é parte integrante da cultura de todos os povos, sem exceção. Não há povo sem religião. Entremeado com a história, o cristianismo está na essência de nossa cultura. A Península Ibérica, onde estão cravadas as raízes da nacionalidade brasileira só se tornou católica em virtude de episódios decisivos ocorridos no final do 6º século. Fatos e feitos marcantes, conduzidos pelo Senhor da História, aconteceram para que a cruz assinalasse o velame das caravelas portuguesas que chegaram ao Brasil nove séculos depois. Foi o martírio de São Hermenegildo por determinação do próprio pai, o rei visigodo Leovigildo, que converteu seu irmão e futuro rei Recaredo, levando-o a convocar o III Concílio de Toledo (589) e dando início à longa história da Espanha católica e visigótica. Também essa história é indissociavelmente nossa.

Naquela extremidade do continente europeu nasceria Portugal quando Afonso VI de Leão e Castela presenteou seu genro, o conde Henrique de Borgonha, com o condado onde seu filho, Afonso Henriques, viria a se proclamar rei. Expulsou os mouros, defendeu suas fronteiras dos vizinhos e obteve reconhecimento pontifício da independência em 1179. Nos três séculos seguintes, o pequeno Portugal disputaria com a Espanha o primado entre as nações daquele tempo, andaria por “mares nunca dantes navegados” e ampliaria o mapa mundi levando “a fé e o império”. O Brasil foi parte dessa epopeia narrada por Camões.

Como entender que herdeiros de uma história tão rica e tão nossa possam conviver com esse complexo de cachorro vira-latas, no dizer de Nelson Rodrigues? Donde esse sentimento que, a muitos, faz rastejar culpas e remorsos, rumo a um estuário de vilanias e maldições?

Há em nossa história, como na de qualquer povo, cantos escuros, páginas tristes, fatos reprováveis. Modernamente, muitas nações estão expostas ao mesmo revisionismo, às mesmas árduas penitências e remordimentos que servem às novas versões da luta de classe marxista. De todas essas nações, porém, nos chegam, também e principalmente, lições de orgulho nacional, de culto a seus grandes vultos e feitos, de cidades adornadas com monumentos a eles erguidos como reverência de sucessivas gerações.

Nós, brasileiros, somos herdeiros da mais elevada civilização que a humanidade produziu. No entanto... Onde estão nossos monumentos a Bonifácio, Mauá, Caxias, Nabuco, Patrocínio, Pedro II, Isabel, Rio Branco, Rui? Quantos brasileiros conseguiriam escrever cinco linhas sobre qualquer deles? O que estou a narrar começou com a mal conduzida propaganda republicana anterior e posterior à Proclamação, no intuito de romper nossas raízes europeias.

Nada, porém, agravou tanto essa dificuldade nacional quanto a história ensinada em sala de aula como pauta política que vem fazendo dos conflitos sociais o próprio oxigênio sem o qual não consegue respirar.

Se não vemos dignidade em nossa história, dificilmente a veremos em nós e muito mais dificilmente a veremos nos demais. Se não temos raízes, se elas são rompidas, tombamos ao menor impacto. Parte importante da mudança política ocorrida no ano passado é o reencontro do povo brasileiro com o amor ao Brasil. Verde e amarelo, ele representa a derrota das amargas bandeiras vermelhas.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


 


Jose Antonio maluf de carvalho -   05/05/2019 19:36:30

Professor, Excelente texto. 0 verde e amarelo como reformada inevitável de nossa história heróica.

José Luiz Rocha Belderrain -   01/05/2019 23:05:11

Excelente artigo. Parabéns!

Dalton Catunda Rocha -   01/05/2019 20:14:11

Como engenheiro agrônomo (desempregado) que sou, eu devo lembrar que em relação aos Estados Unidos: 1- O Brasil não tem nenhuma parte de seu território em clima temperado. Já a esmagadora maioria do território americano é de clima temperado. É a zonalidade. Exceto quando haja um vulcão, as terras tropicais tendem a ser pobres. E terras pobres dão povos pobres; mais ainda antes de se terem adubos, que foi o caso do Brasil, por alguns séculos. Nenhuma parte do Brasil tem solos altamente férteis, por natureza. Mesmo em área do Brasil de fertilidade do solo apenas razoável, esta parte do Brasil cabe no território do vizinho Uruguai. Já os Estados Unidos tem a maior área de solos de alta fertilidade natural do mundo, em parte por causa de clima temperado e em parte, por super vulcão, que fica no atual Parque de Yellowstone e soltou adubos em todo o território americano e canadense há centenas de milhares de anos atrás. Nenhuma coisa é tão importante, para o desenvolvimento futuro de um país, que um povo bem alimentado. Antes da massiva utilização de adubos, o Brasil era o país da falta de alimentos. 2- Em um recursos natural chave, o carvão mineral, os Estados Unidos não só tem carvão em imensas quantidades, coisa de centenas de bilhões de toneladas, como também este carvão é de alta qualidade e altamente barato e fácil de explorar. O Brasil tem pouco carvão mineral, que é ruim em qualidade, caro e difícil de explorar. 3- Em um terceiro recurso natural chave, o petróleo, o Brasil só começou a explorar petróleo 80 anos depois dos Estados Unidos e hoje, o petróleo terrestre do Brasil é menor que o petróleo produzido nos Estados Unidos de 1890. Ou seja, a natureza deu aos americanos e aos brasileiros: 1- A natureza deu aos americanos, a maior área de solos altamente férteis do mundo. Aos brasileiros, a natureza não deu nenhuma área de solos altamente férteis e, pouquíssima área percentual de solos de fertilidade ao menos regular. Basta lembrar que em 1963, o Brasil produzia menos alimentos que a França, mesmo tendo um território mais de uma dúzia de vezes maior, que aquele da França. O Brasil só passou a ser grande produtor de alimentos, com a aplicação de milhões de toneladas de adubos, todos os anos. 2- A natureza deu aos americanos as maiores e mais fáceis e baratas de se explorar reservas de carvão mineral do mundo. Aos brasileiros, a natureza deu um carvão mineral de baixa qualidade, apenas em reservas pequenas e ainda por cima de cara e difícil extração. Hoje, o Brasil produz menos carvão mineral anualmente, que os Estados Unidos produziam, em 1880. 3- A natureza deu aos americanos vastíssimas reservas terrestres de petróleo, exploradas desde 1859. Aos brasileiros, as reservas terrestres de petróleo só são 2% das reservas de petróleo terrestres originais dos Estados Unidos. E o Brasil só achou petróleo em 1939, 80 anos depois dos americanos. Hoje o Brasil produz menos petróleo em terra, que os americanos produziam também em terra, em 1908. Em resumo: Deus não é brasileiro. Deus é americano.

Antonio Ramalho Mira -   01/05/2019 18:45:46

Professor, como sempre, excelente.

Odilon Rocha -   01/05/2019 01:19:02

Caro Professor É isso mesmo. Texto extraordinário. Está para nascer o nosso verdadeiro sentimento nacional, de pertencimento, bem diferente de nacionalismo exarcebado.

Realino Antônio Rech -   30/04/2019 20:41:49

Fantástico, vibrante. Me senti dentro da história do mundo, dentro das velhas e tão sonoras aulas de história a que freqüentava nos idos tempos da década de 60. Sessentem senhoras e senhores. Esse artifício ocultista, a desprezar acontecimentos, é o verdadeiro oculto poder. Ave, avemus Puginus!

Raphael Veras -   30/04/2019 20:30:41

Há décadas, o ensino da história no Brasil tornou-se um instrumento de deturpação da realidade dos fatos gravada no tempo para ser instrumento de uma pauta politicamente organizada em prol da destruição completa dos valores que nos definem como sociedade. O brasileiro, na qualidade de herdeiro da alta cultura portuguesa, merece conhecer a biografia de seus verdadeiros heróis. É lamentável perceber que o brilhantismo intelectual e o amor pelo conhecimento de Dom Pedro II ou a genialidade José Bonifácio são completamente ignorados pela maioria esmagadora daqueles que, sem terem consciência alguma, foram doutrinados nas carteiras escolares para se conformar com "dogmas" pré-fabricados. Este atentado contra o nosso passado, representa, não apenas uma imoralidade, mas um grave crime contra uma nação, pois negar a um povo o conhecimento de sua verdadeira origem, dos feitos de seus grandes personagens e dos episódios marcantes de nossa história, responsáveis pela construção de nossa identidade nacional, destrói a sua moral e traz consequências irreparáveis para o futuro. Contudo, sempre há esperança, pois mentiras, ainda que bem organizadas e repetidas ao longo do tempo como se fossem afirmações incontestáveis, em algum momento, são vencidas pela verdade . Por oportuno, citando Orwell, em uma alusão proposital ao brilhante filme 1964 - O Brasil entre livros e armas: "Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário".

Cesar Mucio Silva -   30/04/2019 18:17:35

Excelente! Parece-me um novo passo para a frente.

solange baumer -   30/04/2019 18:06:54

Quando eu era criança, dizia que era descendente de italianos e alemães. Cresci e vi meu sobrenome paterno num monumento aos imigrantes suíços. Corrigindo: descendente italiano e suíço, basicamente, porque sabemos que no dna a mistura é bem mais complexa. Ainda assim moro numa cidade que era dote da princesa dona Francisca, filha de Don Pedro I. Joinville-SC. Um pouco de história faz muito bem, pois assim fazemos parte de um todo.

MarioW -   30/04/2019 15:55:34

Texto primoroso! Obrigado, professor Puggina!

Marilu Ribeiro -   30/04/2019 13:19:34

Se não conhecemos nossas raízes, nossa cultura, como vamos preservar nossa identidade? Excelente texto!