• Percival Puggina
  • 17/04/2019
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ENQUANTO O FOGO CONSUMIA MINHA HERANÇA

 

 Anteontem, enquanto observava, aflito, parte da minha herança arder flamejante no coração de Paris, eu pensava sobre essa dimensão de nossa natureza, perdida pelo esquecimento e consumida nas chamas da perversidade. Nas conhecidas palavras de Émile Henriot: “Cultura é o que resta quando esquecemos tudo”. E nós, estamos esquecendo esta condição de herdeiros de uma cultura, de usufrutuários das imateriais riquezas da civilização ocidental.

 O cotidiano me adverte ainda mais. Estamos sendo ensinados a desprezar toda essa herança, a começar por nossas raízes; a ultrajar os pais da Pátria; a viver sem fé, sem origem e sem sentido; a lastimar o passado, num presente lastimável, rumo a um lastimável futuro. Não estou fazendo frases, leitor amigo, estou amargamente curioso. Quero saber dos algozes da mais elevada, rica e culturalmente produtiva civilização que a humanidade conheceu: qual vosso ponto de chegada? Aonde vamos com negação do belo e com a aclamação do horrendo e do perverso em todas as formas de arte? Se abandonamos tudo que eleva o espírito, a força de gravidade o derruba para o nível das mais rasteiras paixões! Por isso deveríamos aprender a reconhecer e amar o bem, o belo, o bom e o justo. Mas quem cuida disso?

 O passar dos anos desenvolveu em mim, com intensidade crescente, a consciência de ser um ocidental. Quem me dera, também, a ciência! Esse sentimento se aprofundou à medida que, em sucessivas viagens e como principal interesse de todas, minha mulher e eu visitamos centenas de igrejas românicas, góticas e barrocas em toda a Europa. São obras empreendidas por gerações de artesãos, artistas e operários que morriam sem as ver prontas, seguidos de outros, e de outros, ao longo de séculos. Não há como não perceber materializado aí o sentido do sagrado e o sagrado sentido da herança cultural. Tal riqueza diz presente, também, nos museus, nas artes visuais, na literatura, na música, na dança, no teatro e na difícil, mas positiva, evolução das instituições políticas.

Essa cultura chegou até nós nas caravelas de Cabral. Sim, veio a bordo coisa boa e coisa ruim. Veio salvação e perdição. O que dói na alma, cinco séculos passados, é ver tanta gente escrutinando a coisa ruim e a perdição. O que dói em mim é saber, como sei, por que tantos jovens me contam, do mesquinho trabalho a que se dedicam os incendiários de catedrais interiores. Em vez de as construir, fazem-nas arder no cultivo de maus sentimentos, no desrespeito ao nosso belo idioma, na animosidade em relação ao amável Portugal e aos pais da nossa pátria, na negação da fé sem a qual não haveria essa cultura e essa civilização.

Assim, com redobrada tristeza, as chamas que queimavam minha herança em Notre-Dame me faziam lembrar das catedrais interiores que queimaram, ou que não foram nem serão construídas por falta de artesãos.
 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


Almanakut Brasil -   21/04/2019 00:43:11

O que muita gente não vê é a importância da catedral para o catolicismo, para a história e para o rico patrimônio que a Igreja Católica formou ao longo dos anos. O que se vê em relação às doações, importantíssimas, é o desejo de restaurar um museu e uma galeria de arte, e não a catedral para o catolicismo. Vamos ver o que será alterado.

Isac -   19/04/2019 09:05:46

Isac disse... APESAR DESSE INCENDIO, DE OUTROS QUE CRIMINOSAMENTE PERPETRARÃO, PROSSEGUE O... Extra Ecclesiam Nulla Salus! Fora da Igreja não há salvação! Esta é uma verdade de Fé, dogmaticamente definida e necessária para a nossa salvação. A Santa Igreja Católica Apostólica Romana de quase 2000 anos é a única fundada pelo próprio Jesus Cristo e institucionalmente preservada por Ele, ao longo dos séculos, sob a autoridade papal, desde São Pedro até ao Final dos Tempos. Pertence a Deus, a sua validade é eterna. Com quase dois milenios de história, esta Igreja Universal, sediada em Roma, é a maior instituição alguma vez fundada na Terra em toda a história humana, seja em termos geográficos, materiais, demográficos ou organizacionais. O seu credo, a sua doutrina, os seus dogmas, a sua Fé e a sua Tradição e a biblia da qual originou são o maior patrimonio imaterial da humanidade, pois tem origem divina e constitui a única porta para a vida eterna. O seu crescimento e preservação até aos nossos dias deve-se à perseverança, à santidade e ao sofrimento da Igreja Militante em cada geração. A vida da Igreja, apesar das duríssimas perseguições seletivas a ela são a continuação da história do Triunfo de Deus!

mario m -   19/04/2019 00:44:10

Ah, as catedrais interiores! Tão fundamentais e desprezadas, esquecidas, desvalorizadas em nossos dias.

Menelau Santos -   18/04/2019 14:22:19

Professor, o Sr. tem o dom de descrever em belas palavras os nossos sentimentos. Há um video muito interessante feito pelo filósofo Roger Scrutton, que fala exatamente sobre a importância da beleza no cenário divino: "Por que a beleza importa?"

Eliza Aparecida Souza -   18/04/2019 14:01:37

" Um povo sem memória é um povo aprisionado" Isso que esses globalistas querem fazer, destruição! Triste!!!

FERNANDO A O PRIETO -   18/04/2019 13:14:39

Triste, pobre nova geração! Por não ter sido adequadamente educada nos valores judaico/cristãos e pela arrogância intelectual de que muitos de seus membros são dotados (consideram-se superiores aos antigos apenas por saberem reconhecer os ícones do Windows...), está provavelmente indo para um caminho de ser dominada e mesmo escravizada por tiranos que apareçam e dominem as técnicas de persuasão (à la 1984). E nem sequer perceberão esta escravização, que seria ainda pior que as passadas... Os antigos escravos ao menos sabiam que eram escravos; os futuros dominados por considerações "politicamente corretas" talvez nem percebam que já não tem mais a capacidade de rejeitar o pensamento que lhes será imposto... Deus nos ajude a evitar isso!

Irineu Berestinas -   18/04/2019 12:33:05

Seguramente, e sem nenhum espírito agradatício, Percival Puggina é, nos nossos dias, um dos maiores nomes do jornalismo político do Brasil. Ainda bem que, em meio à tanta desinformação, divulgada como jornalístico, nós temos o Senhor. Abraços de Irineu Berestinas

Mauro Nadruz -   17/04/2019 22:55:39

Prezado Prof Puggina, Parabéns pelo artigo. Compartilho da mesma preocupação em relação as novas gerações que estão a jogar no lixo toda a nossa cultura, conhecimento e valores. Infelizmente, somos os últimos cruzados a defender e segurar a horda de invasores para que não terminem com os poucos que sobraram. Porém, começo a pensar que já é uma luta sem possibilidade de vitória. Forte abraço de seu ex aluno.

Adriana -   17/04/2019 22:26:10

Há artesãos. Aqueles que só tem o dom dado por Deus, mas não foram às universidades onde aprenderiam a ser pagãos e desdenhar o dom divino. Posso citar Diego Andrade, um menino.

Carlitus -   17/04/2019 21:05:16

"Portanto, não olhamos para aquilo que agora podemos ver; em vez disso, fixamos o olhar naquilo que não se pode ver. Pois as coisas que agora vemos logo passarão, mas as que não podemos ver durarão para sempre" (2 Coríntios 4: 18).

NINO ROBERTO SCHLEDER MACHADO -   17/04/2019 20:04:38

Puggina! Desnecessário te dar os parabéns o este texto. Seria um pleonasmo permanente! Apreciei muito teu texto (como sempre), em que expões a desconstrução da cultura e, até mesmo, o combate às tradições de qualquer povo. Receba meus cumprimentos efusivos.