Percival Puggina

22/03/2022

Percival Puggina

 

         Não, não me refiro a valor do resgate pago a sequestradores. O que tenho em mente é o imenso valor do bem sequestrado, que tem vínculo estreito com o sucesso, ou com o fracasso de uma nação.  

Em nosso país, a Educação foi sequestrada por interesses políticos, ideológicos e corporativos que a mantêm cativa, sob ferrolhos, impedindo-a de cumprir suas funções enquanto muitos dela se aproveitam para os próprios fins.

O art. 206 da Constituição Federal não deixa margem para fanatismos paulofreireanos. Nenhuma “autonomia” do professor, da escola, do departamento, da universidade, do Conselho, do sindicato pode desrespeitar o disposto no inciso III do art. 206 da Constituição Federal quando dispõe que o ensino será ministrado com “pluralismo de ideias e de concepções”. Mas para ler e entender isso é preciso não ser analfabeto.

Há um incompreensível silêncio sobre o dado divulgado em junho do ano passado pelo IMD World Competitiveness Center, que comparou a prosperidade e a competitividade de 64 nações. No eixo que avalia a Educação, o Brasil ficou em último lugar! Não surpreende o resultado, num país em que relacionar atividades pedagógicas a expectativas burguesas como competitividade e prosperidade é crime hediondo, punido com “cancelamento” definitivo do infeliz que o fizer. 

Quem desejar um Brasil mais qualificado sob o ponto de vista educacional terá que arrumar um banquinho e aguardar pelo menos uma geração inteira. Isso se começarmos amanhã de manhã bem cedo. Afinal, o fique em casa deixou nossas crianças por dois anos sem aula minimamente proveitosa e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua 2021) apontou um aumento de 66,7% no número de crianças de 6 a 7 anos que não sabem ler nem escrever!

"Uma geração inteira?", talvez exclame, preocupado, o leitor destas linhas. Sim, uma geração inteira porque para podermos alfabetizar melhor nossas crianças será preciso refazer um longo percurso que começa pela formação dos professores naquelas usinas dos recursos humanos do sistema que são as universidades. Ao mesmo tempo, haverá que abrir caminho até os registros e válvulas que comandam a entrada e saída de recursos do erário. E, também concomitantemente, acabar com as iniquidades instaladas na tradição brasileira, entre elas a que faculta ensino superior gratuito a quem pode pagar por ele. Em menos palavras: melhores professores, mais recursos financeiros, mais bom senso.

Por fim, se abrirmos a janela para espiar o Brasil real, será impossível não perceber que se instalou a cultura do não saber. Poucos são os alunos que querem aprender. Menos numerosos ainda os que têm hábitos de leitura. Separa-se o lixo na cozinha, mas não se separa o lixo inserido na Educação e nos meios de comunicação.

É a epifania da ignorância, cultuada em cativeiro e fanatismo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

            

 

Percival Puggina

19/03/2022

 

Percival Puggina

 

         Às vezes penso que o ministro Alexandre de Moraes considera a unção editorial do Grupo Globo equivalente a um referendo social às suas tropelias. Não é. Nada a ver.

O ministro se tornou um incômodo souvenir da passagem de Michel Temer pela presidência da República. Essa habitualidade, porém, não é suficiente para que sua conduta deixe de ofender a parcela da sociedade que não jogou o bom senso às urtigas. A nação sabe que há um fígado atuando no topo do poder judiciário reproduzindo, em bile, aquilo que supõe ser o objetivo dos fantasmas que lhe povoam a mente. Em “defesa da democracia e das instituições”, acabe-se com elas...

Esse Brasil percebeu, na perenização dos inquéritos que Alexandre de Moraes comanda, o intuito de transformá-los em instrumento de coerção da liberdade de expressão. Suas maiores vítimas são os comunicadores que com maior eficácia e impacto junto à opinião pública desnudaram os abusos por ele praticados, traduziram ao bom português suas ameaças e interpretaram o tom belicoso de suas manifestações.

Implacável como o inspetor Jalvert de “Os miseráveis”, e sob os aplausos da Globo, o ministro os tomou por inimigos e avançou sobre eles. Puniu-os preventivamente, sem coisa julgada. Cortou-lhes as fontes de sobrevivência! Atrapalhou a vida de famílias. Fez da prisão preventiva instrumento de terror.

O mal se propagou pelas instituições e a Globo não viu.

Ao não suspender os atos truculentos de seu colega, os demais ministros fizeram do STF um poder jacobino.

Ao não reagir, a atual composição do Senado Federal irá para as urnas de 2022 e de 2026 carregando sobre os ombros o imperdoável pecado de sua omissão. O Senado brasileiro se tornou um inédito poder colegiado que prevarica.

A Câmara dos Deputados, ao homologar a prisão do deputado Daniel Silveira, evidenciou ser formada, majoritariamente, por desfibrados e engravatados comandantes do navio de cruzeiro Costa Concordia.   

Nosso Inspetor Jalvert, avança na perseguição ao cidadão Allan dos Santos. Destruiu-lhe a empresa, virou-lhe a vida pessoal pelo avesso, constrangeu-o ao extremo recurso de abandonar o país. Agora, para silenciá-lo de vez, fechou o Telegram.

A Globo achou muito correto. Milhões de brasileiros serão prejudicados em suas comunicações, em seus negócios. Serviços públicos terão interrompidos seus canais de informação. A defesa contra calamidades climáticas e proteção de comunidades em locais de risco idem, idem. Mas nada é mais importante do que cortar a voz de Allan dos Santos.

Como se não houvesse outubro, se dão por vencedores!

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

18/03/2022

 

Percival Puggina

 

         Quem são os donos do Brasil? Nada que se diga sobre nossa História é tão mal intencionado, tão insidioso e venenoso, quanto afirmar que o Brasil foi invadido e que isto a que chamamos Pátria pertence integralmente aos índios, seus primitivos habitantes. Observe que a tese provoca orgasmos ideológicos nos esquerdistas mais radicais. A aparente “lógica” dessa afirmação abre caminho para a negação total do direito de propriedade e de todo o Direito. Nega legitimidade moral e jurídica a tudo que aconteceu de 1500 para cá. Transforma o amor à Pátria em delírio de exploradores brancos. Instala animosidade geral entre os brasileiros, cria ressentimentos, justifica a violência, semeia culpas, divide a nação entre devedores e credores, transforma mistificadores em moralistas do passado, do presente e do futuro.

Você pode imaginar algo mais aprazível para o esquerdismo militante? Eu não.

Transcreverei aqui uma carta que no ano 2000 escrevi a um religioso católico que contestou minha opinião sobre a legitimidade dos festejos dos 500 anos do Descobrimento. Creio que ela esclarece bem a questão que ainda hoje, infelizmente, serve a manipulações históricas nas salas de aula do Brasil.

***

Quem, em todo o planeta ocupa terras que foram suas desde os primórdios? Os próprios Tupiniquins que estavam no litoral da Bahia quando Cabral chegou, não haviam expulsado dali os tapuias? Os Incas, que habitavam as costas do Pacífico no século XVI, não haviam submetido dezenas de outros povos até se consolidarem como mais avançada nação pré-colombiana? E os Aztecas, a quantos expulsaram e sacrificaram? Que fizeram na Europa e norte da África godos, visigodos, alanos, alamanos, burgúndios, germanos, hunos?

Ademais, são bíblicos e bem conhecidos os episódios da conquista da Palestina pelos israelitas vindos do Egito. Deus afastou as águas do Mar Vermelho para a travessia do povo da Aliança, mas não deixou a Terra Prometida livre e desimpedida para ele. Rolou sangue – e muito sangue.

A origem italiana do religioso que me escreveu leva a supor que ele só é católico porque Constantino, em 312, pôs fim à religião do Império. E eu nunca vi qualquer religioso reclamando do que foi feito com a cultura romana anterior ao cristianismo.

Na mesma linha de raciocínio, deveríamos lastimar que o imperador, num canetaço, haja tomado de seus patrícios, a fé e os templos. Tampouco vi qualquer religioso denunciando a ação evangelizadora dos cristãos sobre os bárbaros arianos na Alta Idade Média, nem os procedimentos de Clóvis e Carlos Magno após terem sido batizados.

Sempre estudei nos mais elementares livros de história do colégio, que os índios foram vítimas de violência, tentativas de escravidão, etc.. Não sei, portanto, de onde saiu a ideia de que só agora, com o PT e seus consectários, vem a tona a verdade sobre os fatos (*).

O que surge como coisa nova, é a tentativa de lucrar dividendo ideológico, jogando brasileiros contra brasileiros e reduzindo a história a termos compatíveis com a interpretação marxista da luta de classes.

Finalmente, lamento perceber na manifestação de tantos católicos sobre o tema, um escasso valor dado à conversão, ao batismo e à evangelização de um continente inteiro. É como se deitassem maus olhos na cruz plantada pelos nossos descobridores nas areias de Porto Seguro, após a primeira missa, que ante ela se ajoelhavam para que os nativos (na forma da carta de Caminha) “vissem o respeito que lhe tínhamos”.  

O Brasil é de todos os brasileiros!

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

17/03/2022

 

Percival Puggina

 

         Criança não vota. Por isso a esquerda perdeu o rumo no caso do Danilo Gentili. Saiba: a guerra cultural em curso no Brasil é uma guerra suja, ainda mais suja que a invasão da Ucrânia. Aqui, ela é silenciosa e visa crianças e adolescentes. Mentes deformadas são menos visíveis do que edifícios em chamas. Muitas vezes, os estragos reais dessa guerra se farão sentir anos mais tarde, como acontece em certos experimentos bélicos de laboratório.

(Calma, leitor, já vou falar sobre o filme.)

Foi assim que tudo começou, aliás, nos laboratórios de Ciências Sociais da Escola de Frankfurt, nas primeiras décadas do século passado. A ideia central, como costuma acontecer no Brasil, só chegou ao conhecimento público com meio século de atraso, quando o processo já ia longe e quando os alertas já soavam como reclamos de quem grita para o ônibus que já partiu.

Correndo livre, leve e solto, inclusive sem nome de batismo conhecido, o politicamente correto já então inibia a manifestação de contrariedade e toda reclamação era percebida e combatida, entre outras rotulagens, como conservadorismo exacerbado e reacionarismo. Houve tempo suficiente para o completo controle da cultura da elite e da cultura popular. Aquela, na Universidade; esta, nos grandes meios de comunicação.

Como não poderia deixar de ser, a saborosa cultura do Ocidente foi virando essa gosma intragável que não sabe o que é nem para onde vai. Onde o que importa é fazer crer que há algo acontecendo. Pois é a própria Escola de Frankfurt: seus membros queriam destruir uma civilização sem a menor noção sobre o que iria ocupar esse lugar.

(Calma, leitor, já vou falar sobre o filme.)

Entre os autores que eu lia nos anos 60 e 70, apenas Gustavo Corção e Nelson Rodrigues pareciam ver, nos acontecimentos, a guerra cultural e suas consequências. Com coragem, partiam para o ataque severo, no campo das ideias. Em palavras de Corção, “não há guerra com espingardas de rolha, baionetas de papelão e bombas de creme”.

Danilo Gentili foi à guerra. A violência que proporcionou, na cena de pedofilia que me recuso a descrever, não se combate com reclamação encaminhada a um 0800 da vida.  À sociedade, cabe chutar o politicamente correto, a tolerância covarde e viciosa, e responder com interdição, investigação e processo.

A cultura não é e não pode ser um valhacouto de criminosos, nem lugar sagrado onde só os devotos possam entrar. Num e noutro caso, porém, os membros do clube dispõem, como se sabe, de poderes próprios para lacrações e cancelamentos...

A audácia desse sujeito serviu para mostrar que não cometia qualquer excesso quem, contemplando a esmagadora derrota que sofríamos na guerra cultural até a eleição de 2018, enumerava os objetivos do esquerdismo revolucionário frankfurtiano: normalização da pedofilia e do incesto, publicidade e liberação das drogas, destruição da instituição familiar, implosão da Igreja Católica e infamação do cristianismo.

O governo, através do Ministério da Justiça, não jogou bombas de creme. Interditou. Cumpriu seu papel. Cumpra o seu o eleitor.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

           

 

           

Percival Puggina

15/03/2022

 

Percival Puggina

 

         Tudo bem, já vivemos períodos melhores, já tivemos políticos melhores e o século XXI está marcado pela má qualidade média de nossas representações parlamentares. Mas a Câmara Alta da República, o Senado Federal, façam-me o favor...! A Casa dos mais experientes virou abrigo dos mais espertos e dos conchavos. 

São duras estas palavras? São, mas não há lugar para palavras macias em minha opinião. Aliás, se um dia eu quisesse ouvir conversa mole e desistir do Brasil, assistiria a TV Senado.

Desde 2003, nossos senadores escolheram em sequência, os seguintes presidentes para representá-los e dirigi-los: José Sarney, Renan Calheiros (duas vezes), Garibaldi Alves Filho, José Sarney (mais duas vezes), Renan Calheiros (mais duas vezes), Eunício Oliveira, Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco.

Desculpem senhores senadores, mas algo assim não acontece por acaso. Essa lista fornece o roteiro de uma tragédia moral. Estão aí as pegadas coletivas. Elas não abrem uma trilha, proporcionam, isto sim, uma avenida para irmos até a necessária conclusão: nem os senhores senadores se levam a sério. 

O Brasil poderia ter um número maior de petistas, comunistas e consectários. Poderia conviver com mais universidades a serviço de si mesmas e de estapafúrdias ideologias. Poderia ter ainda maior corporativismo, mais bandidolatria, mais ativismo judicial, mais impunidade. Poderia. E mesmo assim, haveria esperança, se tivéssemos um Senado que fizesse por merecer o apreço da sociedade. Estaria cumprindo seu dever perante a nação. Ali, a política faria soar o clarim das mudanças, dos princípios, dos valores, do amor ao Brasil e seu povo.

No entanto, acantonados na longevidade de seus mandatos, exceção feita a escassas e honrosas exceções, nossos senadores vivem como se não houvesse amanhã. Abastecem-se na democracia, mas rejeitam os anseios nacionais. Fortalecem-se no poder da própria instituição, mas conspiram para fazer dela seu paraíso privado. Nunca a “busca da felicidade”, enfatizada por Thomas Jefferson, esteve tão bem saciada, quanto no Senado Federal brasileiro.

Na última sexta-feira, 9 de março, o senador Rodrigo Pacheco, o omisso, tomou a iniciativa de criar uma comissão para propor uma nova lei de impeachment. Logo ele, que está sentado sobre todos os processos de impeachment entregues à Casa resolve exibir interesse por tão relevante tema! E adota uma providência cujo efeito natural é sustar todas as denúncias existentes posto que o Senado produzirá nova lei para regulamentar a questão. Reina a paz nos cemitérios da democracia.

A tal comissão tem 11 membros, cinco ligados ao Poder Judiciário, cinco juristas ou advogados e o ex-senador Antônio Anastasia, hoje ministro do TCU. A juristocracia vive dias de glória e esplendor. Quem dentre os 11 tem independência absoluta, entende o sentimento nacional e conhece o clamor popular?

Não bastasse isso, o presidente da comissão, escolhido a dedo pelo omisso senador Pacheco, atende pelo nome de Ricardo Lewandowski. Sim, ele mesmo, o ministro do STF que fatiou a pena da ex-presidente Dilma, preservando-lhe os direitos políticos. Alguém acredita que essa comissão vai propor algo para favorecer a instauração de impeachment contra membros de poder?

Bem, o voto popular não deixa de ser uma forma tardia de impeachment. Tudo contribui para tornar ainda mais relevante a eleição de outubro. Cabe à nação ser, nas urnas, o que seus representantes não têm sido nos espaços de poder. 

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

11/03/2022

 

Percival Puggina

“Levantamento realizado pelo instituto Orbis com exclusividade para o site Diário do Poder revela que mais de 75% dos brasileiros são contrários à política de cotas raciais em concursos públicos, vestibulares etc. No total, 15,4% se dizem contra qualquer tipo de cota e outros 59,4% são especificamente contra as cotas raciais, mas a favor de cotas sociais, “pois somos um país miscigenado” e devemos “ter cotas e dar preferência para os mais pobres, independentemente da cor.” Apenas 25,2% dos entrevistados são totalmente favoráveis às políticas de cotas raciais como “reparação histórica perante a escravatura”. (Diário do Poder, 09/03)

           Quando o STF, em 2012, reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais (assisti à reunião inteira), os ministros falaram muito mais sobre Sociologia, História do Brasil, Antropologia e Política do que sobre a Constituição. No que a ela pudesse importar, seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Foi um legítimo “Todos apoiamos a causa, constitucionalize aí, por obséquio”.

Eu acompanhava atentamente a sessão. Era inevitável que, em algum momento, o relator interrompesse o discurso e abrisse a “Carta da República”, onde encontraria coisas como a igualdade de todos perante a lei e o preceito (quase universal no mundo civilizado) de que ninguém será discriminado, entre outras coisas, por motivo de raça. Como sairia o ministro da enrascada? Lewandowski, então, afirmou que um sistema de cotas raciais precisava ser transitório, temporário, devendo viger até que desaparecesse a situação que lhe dava causa... Não sendo assim, seria inconstitucional. Traduzido em miúdos, o conta-gotas funcionará até que o lago seque.

Mesmo tomando em conta haver uma efetiva desigualdade natural entre os indivíduos, as desigualdades sociais em meio às quais vivemos excedem, em muito, o tolerável! Nosso índice Gini (que mede a distribuição da renda nos países) é comparável ao das sociedades com desenvolvimento mais retardado. Chega a ser disparate alguém observar o Brasil nessa perspectiva e deduzir que o mal está no acesso às universidades públicas. Não está! É na base do sistema de ensino, no bê-á-bá da cadeia produtiva da Educação, que ele se aloja e opera.

Só os gênios ideologizados que regem de fato a Educação nacional não sabem o que acontece no mundo do mau emprego, do subemprego e do desemprego. Ali, onde é árduo o trabalho e baixo o salário, para cada graduado de cor negra que recebe seu diploma no último andar do sistema, dezenas de crianças estão entrando pelo térreo para padecer as mesmas deficiências que inspiraram a ideia das cotas.

Invisível ao conta-gotas racial percebido nos atos de formatura, há um imenso lago de hidrelétrica de alunos negros e pobres, recebendo o precário tipo de educação que a nação fornece a seus alunos pobres e negros. E ninguém vê isso? De nada nos servem os tantos bons exemplos de outros povos que superaram desigualdades internas maiores do que as nossas e emergiram como potências no cenário industrial e tecnológico, através de um bom sistema de ensino?

Ano após ano, as políticas de desenvolvimento social via universidade têm feito o quê? Reproduzem a estúpida estrutura, tão do agrado da elite brasileira: um bacharelado, um canudo, um título, uma festa de formatura. E está resolvido o problema dos pobres. Até parece ideia de rico de novela.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

09/03/2022

 

Percival Puggina

 

         Nas raras ocasiões em que ouvimos um parlamentar afirmar e sustentar algo com argumentos consistentes e benéficos à nação, usamos a expressão – “Esse me representa!”. O meritório conceito jamais se destina a quem esteja defendendo privilégios, favores especiais a quaisquer grupos, aumento do gasto público, cerceamento de nossas liberdades, demagogias populistas e dissimulação de posições. São vozes, raras vozes que olham a nação e os cidadãos.

Por que se tornaram tão raros? Por que, ao ouvi-los, nos sobrevém o desejo de aplaudi-los, se estão simplesmente fazendo o que deveríamos esperar de todos e de cada um? E se tantos, a ponto de se tornarem majoritários, não correspondem às nossas expectativas, como se elegem e reelegem? Pois aí está a armadilha, a razão de nossa atual impotência, caro leitor. Vamos desmontá-la?

Esses políticos representam grupos de interesse que, uma vez atendidos, se dão por satisfeitos. Daí os privilégios, os favores, as demagogias, o populismo e a gastança dos nossos recursos. Seus eleitores, sem perceber, ajudam a montar a armadilha para si e para os demais. Desconhecem haver neles, como em todos nós, duas dimensões – uma individual e uma social. A individual trata do interesse próprio. A social vê o cidadão (o sujeito da pátria, o membro da nação, o agente da história).

Nosso sistema de eleição proporcional para os parlamentos permite que dezenas de milhões de cidadãos fiquem sem representante porque votaram em candidatos não eleitos, ou porque uma semana depois não lembram em quem votaram, ou porque não têm comunicação com o eleito. E vice versa: parlamentares não conhecem seus eleitores. Todo um sistema de comunicação indispensável à democracia fica inoperante! O deputado conseguiu a verba, destinou a emenda parlamentar, foi bom despachante de questões individuais, cuidou de seus cabos eleitorais? Missão cumprida, o resto do tempo é para cuidar de grana e reeleição.

Quando vai às bases, esse político padrão conversa apenas com companheiros. A nação e a cidadania estão ausentes, fora da pauta. Há um desinteresse completo e inconsequente sobre questões que levam a sociedade às ruas, tais como prisão após condenação em segunda instância, fim da impunidade, impeachment de ministros do STF, ativismo judicial, direito de trabalhar, direito de defesa, extinção de privilégios e remunerações abusivas, liberdade de expressão, reformas institucionais e fiscais, pluralismo nas universidades. É a armadilha em silenciosa operação. Vamos desmontá-la?

O voto distrital, ao contrário do que se alega, acaba com isso! Como cada distrito elege apenas um deputado, ele será o deputado de todos, do mesmo modo como o prefeito é prefeito de quem votou e de quem não votou nele. Será cobrado por todos. E ao retornar às bases seu incontornável destino é estar entre seus representados dando explicações das quais não tem para onde fugir.

Sua vida, suas posições, ações, omissões e votos dados em plenário transcorrem sob as vistas de todos. No meio do mandato, um recall pode mandá-lo de volta para casa por mau desempenho. Com o voto distrital, a armadilha se inverte: quem é caça, vira caçador. Impossível? Quase, mas totalmente impossível se as pessoas fizerem disso um não assunto, como são hoje, entre os congressistas, os temas de nosso maior interesse. Boa informação e não votar em ladrões e picaretas em 2022 já é bom começo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

08/03/2022

 

Percival Puggina

 

 

         Em todo o reino animal o homem não tem afeição igual. Não a encontra no cão que lambe a mão que lhe bate nem no semelhante que logo rebate. Nada supera o sentimento em relação ao homem que vai no coração da mulher. Por isso, o melhor amigo do homem, para mim, é a mulher.

Deus a Criou, naquele que foi o derradeiro e o mais inspirado instante da Criação. O homem, porém, em vez de celebrar a preciosa dádiva, dela se prevaleceu, inventando o machismo, com suas grosseiras interdições, discriminações e preconceitos. Os anos passam, as gerações se sucedem, homens e mulheres envelhecem e morrem, a civilização avança, e os descendentes de Adão continuam, majoritariamente, sem entender de mulher. E desperdiçam, assim, o privilégio que lhes adveio da costela excedente com que ela foi feita.

Compartilho com os leitores reflexões a que me conduz o Dia Internacional da Mulher, a mais preciosa das fêmeas da natureza e a única, aliás, que Deus criou com um olho no que fazia e o outro no homem. E me entristece a forma como, apesar disso, ainda hoje se obrigam as mulheres a chamar atenção para os desvios de relacionamento a que resultam submetidas por aqueles com quem, por destino e mandato se deveriam harmonizar.

A meu juízo, o que mais notabiliza o vínculo que a metade feminina da humanidade mantém com a outra metade é que ele, apesar de tudo, independe de retribuição. Se dependesse, a espécie já teria desaparecido! Há que reconhecer: a mulher está para o homem assim como o homem deveria estar para a mulher e não está.

Não haveria, pois, com que saldar tantos débitos – milenares débitos! –   se os devêssemos resgatar. Em vista disso, amiga, pise como se o tapete fosse vermelho e posto para si. Empine o nariz como se aspirasse o buquê das flores que não lhe demos. Ouça, na voz dos ventos, os galanteios que se perderam em nossos lábios. Não permita que nosso modo rude de ser a faça perder a capacidade de sentir o efeito que sua presença produz. Ainda que tenhamos tanta dificuldade de expressar isso.

*       Publicado há 20 anos no Correio do Povo, no Dia da Mulher (8 de março de 2002), com o título “O melhor amigo do homem”.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

04/03/2022

 

Percival Puggina

 

Quando a esquerda ganhou status e representação política, ser de esquerda significava trazer acima do colarinho ideias oxigenadas no altiplano da sabedoria. Nenhum politólogo aparecia para dizer que esquerda e direita compunham uma classificação vazia, sem qualquer significado político objetivo. Pense numa coisa boa. Pois isso era “a” esquerda. A direita era o contrário.

Ah, os anos dourados do petismo e do esquerdismo prêt-à-porter! Industrializado no mundo acadêmico para servir à causa, significava ser a favor de tudo de bom! A essas alturas, éramos poucos os que falávamos sobre as invasões, as greves políticas, as reputações friamente assassinadas, a tolerância para com a criminalidade, os braços fora da lei que prepararam o caminho para o poder. A sociedade já se habituara a esse cardápio.

Instalada a esquerda nos palácios do Planalto Central, o inevitável aconteceu, reproduzindo um século de história do esquerdismo mundial. Não preciso evocar tragédias morais. Terão sido elas que derrotaram a esquerda brasileira em 2018? Não. Parcela expressiva da nossa sociedade não deveria, mas convive bem com a corrupção. O que derrubou a esquerda e fez renascer seu oposto foi perceber o esquerdismo impondo um turbilhão de pautas cujo produto final seria a varredura de valores apreciados pela ampla maioria da sociedade.

Refiro, entre outros, o direito à vida desde a concepção, a proteção das crianças e de sua inocência, a instituição familiar, a fé e a liberdade de culto, o combate às drogas, o direito de defesa com uso de armas, a igualdade de todos perante a lei, a liberdade de expressão, o direito de propriedade, a recusa aos despautérios da ideologia/pedagogia de gêneros e bandido na cadeia.

Esse enfrentamento é um fenômeno político recente no Brasil. No entanto, bastou que se manifestasse para começar seu descredenciamento. Havia um rótulo pronto, impresso nas gráficas que atendem o marketing esquerdista.  Nele está escrito “extrema direita”, “fascista” e outras gracinhas congêneres. Entendi: direita e esquerda existem no mundo inteiro, em todas as eleições, nos parlamentos e nos noticiários. No Brasil, só a extrema direita tem reconhecimento acadêmico. Dá-me forças Senhor!

De uns meses para cá, insiste-se em que a sociedade está dividida e, claro, a culpa é dos conservadores e liberais da tal “extrema direita”. Quem não vê nisso a terceira via procurando trilho para a locomotiva que não tem, vendendo o mesmo produto esquerdista com outra marca?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.