Percival Puggina

05/01/2022

 

Percival Puggina

 

         Diferentemente do que acontece com os socialismos e com o comunismo, as liberdades econômicas não tiveram um fundador, não tiveram um Marx com sinal trocado para concebê-las. Ninguém apareceu na humanidade para excitar, na mente da plebe, legítimos anseios de realização pessoal por meios próprios. Ninguém preconizou: "Monta tua empresa, cria teu negócio, põe tua criatividade em ação, persegue teus ideais!". No Rio Grande do Sul, 188 mil pessoas assim pensaram e decidiram nos primeiros nove meses do ano passado. Tais bens da civilização foram conquistas dos indivíduos, no mundo dos fatos, na ordem da natureza, e têm sido o eficiente motor do progresso econômico e social.

Autores esquerdistas querem fazer crer que a miséria de tantos no mundo de hoje é produto ou subproduto inevitável da economia de empresa. Deve-se supor, então, que os miseráveis da África e da Ásia viviam na abundância, na mesa farta e na prodigalidade dos frutos da natureza, até que o famigerado capitalismo aparecesse para desgraçar suas vidas. O fato de que nas regiões do mundo onde se perenizam as situações descritas não exista uma economia livre, não haja empresas, nem empregos, parece passar ao largo de tais certezas ideológicas. Vale o mesmo para a inoperância, nessas regiões, do braço do Estado, que o comunismo apresenta como sempre benevolente e eficiente.

São realidades esféricas, identificáveis sob qualquer ponto de observação: 1) a fome era endêmica na Europa até meados do século passado e foi a economia de mercado que criou, ali, a prosperidade; 2) sempre que os meios de produção viraram propriedade do Estado a fome grassou mesmo entre os que plantavam; 3) enquanto as experiências coletivistas conseguiram, como obra máxima, nivelar a todos na miséria, a China, com o capitalismo mais rude de que se tem notícia, em poucas décadas, resgatou da pobreza extrema mais de meio bilhão de seres humanos; 4) não é diferente a situação no Leste da Ásia, inclusive no Vietnã reunificado e comunista, no Camboja do Khmer-Vermelho, no Laos e na Tailândia; 5) quem viaja pelo Leste Europeu sabe quanto as coisas melhoraram por lá desde que as economias daqueles países, infelicitados pelo dogmatismo comunista, se libertaram do tacão soviético.

A história mostra, enfim, que o comunismo é imbatível quando se trata de gerar escassez, miséria e aviltamento da dignidade humana. A nossa Ibero-América, onde as prescrições políticas e econômicas do Foro de São Paulo ditam regras para muitos países, parece nada aprender das constatações acima. Consequentemente, as coisas andam mal e é preciso botar a culpa em qualquer um que não nos vendedores de ilusões, nas utopias que se requebram como odaliscas, nos delírios do neocomunismo, nos corruptos e nos corruptores.

Decreta-se, então, para todos os males, a responsabilidade da economia de empresa, do capitalismo e, sim, claro, dos Estados Unidos.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

02/01/2022

A AUTOPROCLAMADA CORAGEM DO STF

Percival Puggina

 

Ao longo do último ano esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo também enfrentaram ameaças retóricas, que foram combatidas com a união e a coesão dos ministros; e ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte. (Ministro Luiz Fux no encerramento do ano judiciário de 2021)

         Pus-me a pensar sobre o que faz a virtude cardeal da Coragem nesse discurso. Não existe coragem, onde não existe o medo. Entre outras características, o ato corajoso representa, necessariamente, uma vitória sobre o medo.  Segundo Aristóteles, o ato de coragem envolve a aplicação da razão, a busca do bem e a disposição de superar o perigo presente na ação.

Tão nobre virtude, faz lembrar, isto sim, a professora Heley Abreu Batista, que em 5 de outubro de 2017 morreu queimada ao salvar as crianças de uma creche em chamas no município mineiro de Janaúba. Coragem teve o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, que em agosto de 1977 pulou para a morte ao salvar um menino que caíra no poço das ariranhas. Coragem demonstraram os jovens que correram para a própria tragédia ao entrarem na boate Kiss em chamas para resgatar amigos que lá estavam caídos, pisoteados pelos que conseguiam escapar. Coragem tiveram todos os europeus que esconderam ou deram fuga a judeus na Europa tomada pelos nazistas. Coragem teve o padre Kolbe (São Maximiliano Kolbe), que se ofereceu para morrer por um chefe de família no campo de concentração de Auschwitz. E por aí segue um livro de muitas e nobres páginas.

Não vejo onde inscrever nelas os acontecimentos de 2021 no âmbito do STF. Não vejo coragem – e menos ainda motivos para coragem autoatribuída – por parte e arte de quem libertou corruptos e os devolveu à política nacional, efetuou insólitas prisões políticas, fechou meios de comunicação, inspirou medo, impôs censura, reivindicou para si mesmo uma fé religiosa e inibiu liberdades.

Que espécie de medo terá sido superado por quem assim procedeu? Em que dobras desse tempo se ocultaram a razão e o bem?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

02/01/2022

 

Percival Puggina

 

         É comum representar-se a virada da folhinha com o desenho de um bebê que chega para suceder o ancião que se retira. Sai o ano velho e entra o ano novo. O ano velho sai trôpego e fatigado; o novo chega enrolado em fraldas.

O tempo é convenção e relatividade. Meia hora na cadeira do dentista dura bem mais do que meia hora numa roda de amigos. Na infância, é uma eternidade o tempo decorrido entre natais. Minha mãe, porém, tão logo terminava um ano, começava a se preocupar com o Natal vindouro “porque, meu filho, logo, logo é Natal outra vez”.

A vida familiar e a vida social se fazem, entre outras coisas, do cotidiano encontro da maturidade com a juventude. Imagine-se um mundo onde só haja jovens; ou onde, pelo reverso, só existam anciãos. Imagine-se, por fim, a permanente perplexidade em que viveríamos se a virada da folhinha nos trouxesse, com efeito, um tempo novo, flamante, que nos enrolasse nas fraldas da incontinência urinária, com tudo para aprender.

Felizmente não é assim, nem deve ser visto assim. O importante, em cada recomeço, é ali estarmos com a experiência que o passado legou. Aprender da própria vida, aprender da história e, principalmente, aprender da eternidade.

Quem aprende da eternidade aprende para a eternidade. Aprende lições que o tempo não desgasta nem consome, lições que não são superadas, lições para a felicidade e para o bem. Por isso, para os cristãos, a maior e melhor novidade de cada ano será sempre a Boa Nova, que infatigavelmente põe em marcha a História da Salvação, cumprindo o plano de amor do Pai. Bem sei o quanto é contraditório com a cultura contemporânea o que estou afirmando. E reconheço o quanto as pessoas se deixam cativar pela mensagem do hedonismo “revolucionário”, supostamente coletivista e igualitário. Mas é preciso deixar claro que tal mensagem transforma o mundo num grande seio onde, a cada novo ano, se retoma a fase oral e se trocam as fraldas da imaturidade.

         A quantos lerem estas linhas desejo um 2022 de afetos vividos, saudades curadas, aconchego familiar, realizações, vitórias, saúde e paz.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

30/12/2021

 

Percival Puggina

 

         Quando era criança e troteava na praça montado num cavalo de pau, agitando reluzente espada de papelão, eu enfrentava inimigos imaginários em defesa de minha família e a serviço da justiça. Quando adolescente, a política estudantil era minha praça e, também ali, me percebia contendo adversários reais na já então acirrada disputa ideológica estudantil. Os “vermelhos” corriam os corredores do Colégio Júlio de Castilhos entoando cantos de guerra aos “reacionários”. E nós – hip, hip, hurra! – vencíamos as eleições.

De um ministro do STF espera-se mais do que de um dirigente de grêmio estudantil. No lombo de que cavalo de pau, ou em que corredor de colégio, terá saído a ideia que fez alguns membros do Supremo se verem como musculosos salva-vidas judiciais de uma democracia sob gravíssimo risco de afogamento?

Não fossem suas consequências, a pergunta acima pareceria uma curiosidade retórica. No entanto, é pelo desvario na torre da guarita de salvamento que voltamos a ter presos políticos e brasileiros refugiados. Foi ela que colocou bandeira preta no sereno balneário da liberdade. Foi ela que impôs silêncios, censuras e autocensuras.

Como determinam os protocolos dos Laboratórios de Linguística Aplicada ao Caso Brasileiro de 2018 (vocês sabem de que estou falando), criou-se um inteiro vocabulário para essas idiossincrasias: milícias digitais, atos antidemocráticos, discursos de ódio, desabono das instituições, recusa ao mandamento vacinal, negação do culto às urnas sem impressora e, claro, fake news para toda divergência. A cada uma foi atribuído caráter pré-criminal e protopenal a justificar, segundo a gabolice de seus autores, as “corajosas” medidas que se seguiram, entre eles os inquéritos sem fim neste mundo e nesta vida.

Não estou em torre alguma, ando com os pés no piso dos fatos e meus guarda-costas são os cães da vizinhança. Meu prisma, portanto é o do populacho, da plebe, da ralé, à qual nenhuma razão da Razão precisa ser servida e da qual o silêncio é sempre bem-vindo. A esse povo, outrora aplicavam-se  as palavras cidadãos, sociedade, e até – vejam só! – “nação brasileira”, com o poder, direitos e garantias assegurados pela doutrina da “soberania popular” e pela Constituição.

Mas o Brasil foi mudado pela guarita. Se o aparelho de Estado protege a criminalidade; se a corrupção é recompensada, os corruptos exaltados e a impunidade é o objetivo final; se os poderes confundem conluio com harmonia, se uma dúzia de lideres submete o Congresso inteiro e o povo não importa; se as competências são invadidas e o Executivo não consegue governar porque fantasmas alheios se agigantam contra ele; pergunto: que pode o povo, ex-titular da soberania popular, ignorado por seus representantes, cujos canais de comunicação foram silenciados, porque mal vistos desde a guarita?

A democracia agoniza, as instituições já não conseguem esconder suas enfermidades e nelas foram adiadas para 2022 as esperanças nacionais. Deus ilumine e conduza a nação no caminho até as urnas de outubro.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

29/12/2021

Percival Puggina

 

           Sim, o Brasil pode mais!

         Em sua coluna de ontem (28/12) na Gazeta do Povo, o amigo Alexandre Garcia, sempre um raio de luz no jornalismo brasileiro, rendeu justa homenagem à indústria nacional. Em tempos de sucesso do agronegócio, têm passado sem as devidas referências muitas atividades industriais em que o Brasil, com criatividade e competência, ganha destaque no mercado mundial apesar da corrida de obstáculos imposta a quem deseja empreender.

Diante dessa constatação, Alexandre faz duas perguntas:

Então, um país que tem essas indústrias e muito mais, que tem essa capacidade e tecnologia para produzir o que produz, eu fico pensando por que esse país não está entre as cinco maiores potências do mundo? É porque tem alguma coisa que prejudica o empreendedorismo do brasileiro na legislação, nos tribunais, na burocracia, nos governos inchados e nos políticos, não é isso?

De fato, o PIB brasileiro faz lembrar um farol de trânsito. Ora está no amarelo, ora no vermelho e, em poucos períodos, é favorecido pelo sinal verde da liberdade. O PIB patina, canta pneu e pouco sai do lugar.

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), estima que o PIB per capita encerre 2021 com alta de 3,8% sobre o ano passado. Esse indicador, se confirmado, é 1% inferior ao de 2019, anterior à pandemia, e fica 7,7% abaixo do pico medido em 2013. Agora, o lado pior da notícia: provavelmente só retornaremos a esse nível dentro de sete anos!

Sigamos na esteira aberta pelas duas perguntas do Alexandre. Toda riqueza do país é gerada pela iniciativa privada. Quem investe pode dar-se mal e perder dinheiro se cometer erros de naturezas diversas, mas quando quase toda a economia perde dinheiro, quando o PIB cai e não se recupera, há que buscar culpados entre a elite política e nessas muito mal concebidas instituições do Estado, que alguns ministros do STF consideram inquestionáveis sinônimos de estável plenitude democrática.

Nosso modelo institucional gera crises em sequência, em cascata; é uma usina de instabilidade e desconfiança. No seu lado pior, estimula a corrupção e, inequivocamente, resguarda a impunidade. O jogo político, por decorrência, é de muito má qualidade. Não bastasse isso, parcela expressiva de seus agentes é sadomasoquista.

Sim, isso mesmo: sadomasoquista. Observe a conduta da oposição (midiática, cultural, funcional, parlamentar e judicial). Ela se satisfaz impondo males ao governo sem se importar com o fato de que, sendo parte da sociedade, acaba fazendo mal a si mesma. 

Sim, o Brasil pode mais, mas tem muitas contas políticas pendentes das urnas em outubro próximo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

28/12/2021

Percival Puggina

 

         Qual sua opção?

O economista Ricardo Bergamini mostra que em 2002 o gasto com pessoal consolidado (união, estados e municípios) representou 13,35% do PIB e 41,64% da carga tributária que era de 32,06%.  Em 2018 alcançou 16,38% do PIB e 49,25% da carga tributária. Em 2020 chegou a 16,68% do PIB e 50,26% da carga tributária.

De modo acelerado, a despesa com pessoal ativo e inativo crescia mais do que a economia e os impostos além do suportável pelo mercado. Aquilo não podia dar certo; havia um precipício no horizonte. Para muitos, esse momento chegou; estados e municípios quebrados, vencimentos congelados, salários atrasados, aposentadorias postergadas, contribuições compulsórias elevadas, estabilidade na mira dos especialistas. E um gasto com pessoal, em relação ao PIB, equivalente ao dos países nórdicos.

Mesmo assim, levantamento de Bergamini mostra que “pelo menos 119 concursos públicos no país estão com inscrições abertas nesta segunda-feira (27) e reúnem 222.906 vagas em cargos de todos os níveis de escolaridade. Os salários chegam a R$ 33.689,11 no Ministério Público de Contas dos Municípios do Estado do Pará”. E diz mais: “Além das vagas abertas, há concursos para formação de cadastro de reserva – ou seja, os candidatos aprovados são chamados conforme a abertura de vagas durante a validade do concurso”.

No ano passado, o Instituto Millenium divulgou trabalho mostrando que, em média, a remuneração do setor público ainda era 110% superior à do setor privado em atividades equivalentes. A estabilidade persiste como o grande charme dos concursos públicos, em geral.

Por quanto se vê, apesar das dificuldades, o setor público se preserva na esperança de muitos jovens brasileiros. A estes o alerta: quanto mais cuidarem de sua formação, quanto mais queimarem pestanas nos livros, quanto mais zelarem pelos próprios talentos, quanto mais desenvolverem sua criatividade, quanto mais cuidarem da própria imagem e do próprio caráter, quanto mais atenção dedicarem aos bons professores e menor atenção derem aos “fazedores de cabeça”, mais amplo e promissor será seu horizonte na vida. Bons negócios surgem em mentes assim; bons empregos procuram pessoas assim e as levam para patamares inimagináveis de remuneração que só a iniciativa privada tem o poder de tornar reais. 

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

24/12/2021

 

Percival Puggina

 

         Eu já suspeitava de que o tal Papai Noel fosse uma enrolação dos adultos quando, certa noite, meus pais e tios reuniram-se e correram a porta onde, logo após, colei o ouvido de detetive para receber a má notícia: Papai Noel não existia e meu desejado carrinho de pedais não estava em cogitação.

Papai Noel é um mito fugaz da infância, um comerciário gordo e simpático, ou um parente bem disfarçado, com touca vermelha de pompom branco, sumido nas recordações infantis referentes ao 25 de dezembro. Mas o menino Jesus, não. Ignorá-lo neste dia, notadamente numa família cristã, é embarcar na canoa furada do politicamente correto para ocultar um acontecimento real. É transformar uma data marcante da Fé e da humanidade numa festa pagã e comemorar, como em tempos remotos, o solstício de inverno no hemisfério norte... Convenhamos!

Diferentemente do velhinho de vermelho, o menino da manjedoura é o Redentor referido neste pequeno texto que há 25 anos escrevi para o Correio do Povo, com o título “Uma história de Natal”.

Numa noite assim, quando os mais nobres sentimentos varrem o pó do cotidiano e rompem a carapaça com que paradoxalmente sufocamos o bem para nos proteger do mal, inspiram-se os escritores para iluminar a literatura com páginas comoventes. São as histórias de Natal. Em cada uma delas se encontram fragmentos desse insondável mistério que é o homem, habitual espantalho de si mesmo, que cresce quando se ajoelha e se humaniza quando chora.

Entretanto, leitor amigo, por mais histórias de Natal que você tenha lido, em nenhuma delas nem em todas elas existe a força do episódio ocorrido nas cercanias de Belém, a cidade de Davi, numa noite fria da Palestina. Nasceu o Menino, o Senhor da História, o Rei dos Reis. Envolveram-no em panos e o deitaram numa manjedoura.

Penso, às vezes, sobre como escreveríamos nós se nos coubesse conceber o roteiro daqueles fatos. Certamente não escolheríamos aquele local. Nunca aquela época e, nela, nunca aquele povo. Jamais personagens assim. A humanidade já produziu ambientes melhores bem como circunstâncias e elenco mais promissores. E é exatamente por isso que não havia lugar na estalagem.

Essa história de Natal, a própria história do Natal, tecida com os fios sutis com que o divino autor urdiu sua rede de amor à humanidade, vence os séculos, se torna eterna e se impõe ao coração dos homens. É tempo de repetir: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

22/12/2021

Percival Puggina

 

         Há um problema com o futuro. Quando ele chega, as pessoas esqueceram o que as trouxe até ali.

Sim, sim, gentlemen, estou falando do que acontece quando o STF pula a cerca. Deve ser uma tentação irresistível, pintar o mundo com as próprias cores e escrever o futuro numa torre de marfim.

Muitos dos graves dissabores do momento político brasileiro advêm dessa tentação. É o fruto da árvore proibida, a orgulhosa convicção, quase religiosa, de possuir a ciência do bem e do mal e impô-la, “duela a quien duela” para o bem de todos.

Eu poderia estar falando de fatos recentes, de invasões de competência confessadas nas entrelinhas de declarações supostamente harmonizadoras e logo atropeladas com inquéritos do fim do mundo e com a autossagração ao posto de poder moderador. Contudo, moderandi potestatem e inquisitionis finis mundi não integram nosso latinório constitucional ou jurídico.

Tudo isso – e muito, muito mais – faz parte de um passado cujas consequências ficam e cuja origem acaba esquecida porque o futuro é pródigo em velhas novidades que chamam atenção e aumentam a desatenção.  No entanto, são produtos desses pulos de cerca do STF problemas como a impossibilidade de compor maioria no Congresso Nacional, a constante multiplicação dos partidos políticos, a ganância por verbas orçamentárias da União. Para que essas criaturas nascidas na noite das ideias possam ganhar sua vida aventureira, escandalosas dotações orçamentárias se tornam indispensáveis. Amargam a vida nacional e agravam a pobreza do país as dificuldades que tais intrusões criaram à política, à governabilidade, à fidelidade e o estímulo que concederam à institucionalização da corrupção.

Refiro-me, particularmente, à decisão do colegiado do STF que, em 7 de dezembro de 2006, derrubou a cláusula de barreira que reduziria o número de partidos políticos, favoreceria a formação de maiorias e dinamizaria o processo legislativo. Não bastasse isso, em 17 de setembro de 2015, o Supremo pulou novamente a cerca para descobrir que os constituintes de 1988, em alguma caverna da Constituição, deixaram escrito, envelopado e lacrado que ficava proibido o financiamento privado às campanhas eleitorais.

Desde então, partidos começaram a surgir debaixo das pedras de Brasília. “Pessoal! Dinheiro público na mão das direções partidárias!”.  “Quem vai querer?”. “Quem vai levar?”.

Razões a Fréderic Bastiat. Há o que se vê e o que não se vê. Na farra orçamentária deste fim de ano, o botim das siglas aprovada ontem (21/12) fechou em R$ 4,9 bilhões do nosso suado dinheirinho.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

21/12/2021

 

Percival Puggina

 

         Todos os poderes de Estado, expostos ou não ao referendo popular, todos os órgãos públicos, todas as empresas privadas ou estatais, todos os prestadores de serviço, do presidente da República ao entregador de pizzas, estão sujeitos a reclamações e a manifestações de desagrado e inconformidade.

Não acredito que alguém, em seu perfeito juízo, se considere acima do bem e do mal, imune a manifestações de desagrado e de protesto que são mero exercício da liberdade de opinião. Em tempos que já vão longe, a esquerda acusava os militares de interpretarem assim o próprio poder. Nos dias que correm, a mídia militante e o STF esquerdizado nos governos petistas assim se veem.  

São reflexões que me vieram à mente ao ler hoje (20/12), com dose dupla de irritação, editorial do Estadão mencionando um discurso do ministro Luiz Fux. O jornal ainda reverbera seu desconforto com a indicação de alguém que serviu o governo Bolsonaro para uma cadeira no STF, agravado tal ato pela condição religiosa do novo ministro. Em seus editoriais, como se sabe, o Estadão tem meia dúzia de pautas em torno de um único assunto: ferro no Bolsonaro.

Em momento algum passou pela cabeça do editorialista o fato de estar, o pleno do STF, repleto com sólida maioria de indicados que passaram pelo crivo ideológico de José Dirceu, bem como por servidores do PT, dos governos petistas e do governo Temer. Em meio a tantas anomalias jurídicas e atos de arbítrio, a única figura que o jornal suspeita estar no lugar errado é o ministro André Mendonça.

Com muitos adjetivos, advérbios e poucos substantivos substanciais, o jornal manifesta sua irritação com as críticas de Bolsonaro ao jornalismo militante, que o ataca em fluxo contínuo, só interrompido em “nossos comerciais, por favor”. Imagino com quanta alegria o editorialista comentou este discurso do ministro Fux no encerramento do ano judiciário, exaltando de boca própria o poder a que pertence:

“Esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo enfrentaram ameaças retóricas que foram combatidas com a união e a coesão de seus ministros. E ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte”.

O que vejo é parte expressiva do Poder Judiciário silenciada pela Lei Orgânica da Magistratura, convivendo calada com aquilo que o ministro, muito impropriamente, chama “decisões corajosas” da nossa Suprema Corte. Algumas delas, segundo interpretação de muitos, incluem atos que extrapolam o Estado de Direito e interferem na autonomia dos poderes, e atos que ameaçam a liberdade, em inquéritos cujo sigilo não se sabe se encobre algo real ou fantasmas criados pela mente.   

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.