Percival Puggina

14/06/2023

 

Percival Puggina      

         O cãozinho caminhava alguns metros à minha frente. De repente, parou, deixou seu “souvenir” no passeio e, em movimentos rápidos, com as patinhas traseiras, supostamente encobriu com terra imaginária a sujeira real que ali havia deixado.

Inevitável a analogia entre o que eu assisti e o que vejo nestes tempos em que querem encobrir o passado com fundamentos tão inexistentes quanto terra bruta na calçada da minha rua. Não obstante, zelosamente, as patinhas traseiras se movem.

Há quem se preste para isso. Ontem, a CPMI sobre os acontecimentos do dia 8 de janeiro, que o governo se apressou em pedir e desapoiou tão logo a oposição passou a endossar, revelou algo realmente atávico na esquerda brasileira. Refiro-me ao hábito de invadir bens públicos e privados. Essa prática revolucionária iniciou na década de 50 com as Ligas Camponesas organizadas por Francisco Julião e teve continuidade com a criação do MST nos anos 80. Foi uma dissidência do MTST, liderada pelo Bruno Maranhão, um dos fundadores do PT, que invadiu e depredou a Câmara dos Deputados em 6 de junho de 2006 deixando 24 feridos, um dos quais em estado grave.

Nas jornadas de 2013, o Brasil conheceu os black blocs. Infiltrados nas manifestações sadias contra a corrupção, depredaram bancos, redes de lojas e viaturas policiais. Em 12 de fevereiro de 2014, cerca de 20 mil manifestantes do MST derrubaram as grades de proteção e invadiram o STF. Doze policiais foram feridos na contenção e expulsão dos invasores. Em abril de 2017, manifestantes contrários ao governo Temer, quebraram vidraças da Câmara dos Deputados, entraram no prédio e foram contidos pela Polícia Legislativa. No mês seguinte, manifestações convocadas pela CUT promoveram ataques aos ministérios da Agricultura, da Cultura e da Fazenda. Quarenta e nove pessoas ficaram feridas.

Então, enquanto o país assistia os atos de violência gratuita do dia 8 de janeiro, percebia-se em tudo aquilo um carimbo atávico, geneticamente reconhecível. Ele ficou ainda mais evidente quando, em meio a um total desinteresse em ouvir agentes do governo diretamente relacionados com a suposta prevenção dos fatos, aconteceu o “vazamento” de vídeos que estavam sob ... sigilo. E as cenas eram estarrecedoras!

Com a CPMI, tudo deveria se encaminhar para o necessário esclarecimento e responsabilização de cada ator daquele espetáculo deplorável, onde até “diretor de cena” foi flagrado em plena atuação. O que se tem, no entanto, é um pouco mais do mesmo mal atávico: o PT e seu governo invadiram a CPMI! Não sei o quanto de responsabilidade lhes corresponde nas invasões do dia 8 de janeiro. Mas que eles invadiram a CPMI para impedir a elucidação dos fatos, não fica a menor dúvida.

O ato é tão simbólico, a tomada de assalto tão contundente, que seus objetivos dispensam explicação. As patinhas traseiras falam por si. E você aí, leitor, andando por este Brasil saído das urnas de 2022, cuide onde pisa. Os donos do poder estão, digamos assim, obrando.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

13/06/2023

 

Percival Puggina

        Por interesse cívico e com o coração aos pulos, 14 anos atrás, assisti a todos os votos, inclusive aos mais longos, através dos quais os ministros do STF decidiram sobre o futuro da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol. Na medida em que se ia revelando majoritária a opção pela demarcação contínua das terras, minha expectativa foi sendo substituída por um sentimento de luto que conflitava com a pieguice das manifestações. Aquilo era puro romantismo de má qualidade.

José de Alencar fazia muito melhor. E por menos.

Em meio a tal deserto de senso histórico e vácuo de realismo, o voto do ministro Marco Aurélio Melo foi um oásis. Seu longo trabalho, esparramando argumentos sobre a natureza dos fatos e sobre os elementos jurídicos a eles aplicáveis, foi tão consistente e extenso quanto inútil. Mas o ministro, embora ciente de sua esterilidade, não titubeou em produzir o arrazoado para desnudar os equívocos e os lirismos que caracterizaram a maior parte das manifestações anteriores. Entre elas, obviamente, a contida no voto do relator, o aveludado poeta, inspirado pelas Musas sergipanas, ministro Ayres Britto.

Com esse desalento inconformado que se foi tornando habitual ante as decisões do STF pós petismo, presenciei os momentos finais da sessão. Quando os “capinhas” se preparavam para arredar as poltronas dando saída aos ministros, um derradeiro episódio religou os holofotes, favorecendo a compreensão do que ocorrera naqueles sucessivos dias de deliberação. Alguém, não lembro quem, perguntou em quanto tempo promover a retirada dos não-indígenas. (Não-indígenas integravam uma categoria antropológica muito mal vista por ali). Em quanto tempo, excelências?

Entreolharam-se os senhores ministros. Aproximaram-se inutilmente do pelourinho de onde podiam arfar seus argumentos os advogados dos não-indígenas. Queriam prazo. A decisão veio consensual: “a Corte não dá prazos”. Emite determinações para execução imediata. Ela, a Corte, não esquenta a cuca com o que acontece na ponta dos fatos a partir de suas decisões. São mesquinharias que causam enfado à Corte. Vamos para casa tomar um uísque. Creiam, foi exatamente isso que aconteceu.

Lá no norte do país, cidadãos brasileiros recebiam pela tevê, viva voz e viva imagem, a notícia de sua expulsão imediata, emitida entre bocejos pelos senhores da Corte que não dá prazos. Ao lixo os títulos de propriedade legítimos e os longos anos de árduo trabalho familiar nas terras que a União lhes vendeu. Ao lixo suas lavouras plantadas e seus rebanhos no pasto. Ponham-se na rua, todos, com suas famílias, moradias, máquinas e bens! A Corte decidiu e a Corte, visivelmente, está cansada. Isto é que é trabalho duro! Moleza é plantar arroz no trópico e discutir antropologia com padres que não evangelizam os índios e que desevangelizam os não-índios.

Pois foi exatamente então que se esclareceu minha compreensão sobre o que acabava de acontecer. Foi a Corte. Especialmente a Corte republicana brasileira. O que ela menos quer é contato com a arraia miúda, suas mãos calejadas e seus problemas. A decisão do STF sobre a demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol e a retirada imediata dos não-índios foi apenas uma outra face do mesmo problema cortesão que leva o STF, passados 14 anos, a deliberar a respeito do fim do domínio brasileiro sobre o território nacional no caso do marco temporal. Uma proeza cuja concretização exige ladear a Constituição, atropelar o Congresso e, claro, curvar-se às suas altezas da União Europeia.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

12/06/2023

 

Percival Puggina     

         A cada dia, mais me convenço de que os caciques do STF estão longe, muito longe, de se constituírem no eixo do poder no país. Essa última viagem deu-me tempo e condições de ver o Brasil sob um outro ponto de vista.

O verdadeiro poder nacional foi montado, está instalado, vem operando e pode, eventualmente, sofrer algum percalço porque a história também se faz pela livre vontade do ser humano. Felizmente, graças a isso, o inesperado existe (como, por exemplo, Bolsonaro eleito em 2018).  Contudo, há um poder real no Brasil e, ao contrário do que pensam os iluministros, é a esse poder que eles servem.

Imagine o leitor que por um passe de mágica, o STF tivesse uma composição com nove ministros conservadores e/ou liberais e dois esquerdistas. Na sua opinião, a CPI da Lava Toga continuaria travada, a do abuso de autoridade estaria ainda somando apoios para tentar chegar a 257 assinaturas e os processos de impeachment de ministros não estariam em curso?

Pode ser difícil avaliar uma situação pelo lado oposto àquele com que nos habituamos a vê-la. No entanto, a arrogância, o autoritarismo, o uso abusivo dos meios constitucionais, só se viabilizam porque autorizados pelo poder real, que no Brasil se define nos grandes latifúndios da Cultura, da Educação, em especial do ensino das Ciências Humanas e das carreiras jurídicas. Ao trabalho nesta lavoura se junta a turma do Manifesto da USP (burocracia do Estado), os financistas da Faria Lima, a grande mídia e as big techs e, desde o exterior, os grupos do globalismo e da Nova Ordem Mundial.

Pronto. Esses são os que mandam. Não estamos sob uma ditadura do Judiciário, como eu mesmo afirmei tantas vezes, mas sob uma ditadura de esquerda, globalista, à qual o STF presta bons serviços e enquanto prestar bons serviços. Por isso – e só por isso – convivemos com decisões que deixam de lado o bom Direito e a boa Justiça para produzirem o efeito político desejado por quem hegemoniza a política brasileira. 

Essas forças não estão nem precisam estar sentadas no plenário do Supremo Tribunal Federal. Elas jamais aceitaram o que aconteceu em Curitiba, precisaram impedir Bolsonaro de governar, tiveram que trazer Lula para o pleito e o proteger ao longo da corrida presidencial, precisavam que Daniel Silveira servisse de exemplo e que as tias do zap saíssem das ruas, bastou-lhes um minuto para mostrar, em Deltan Dallagnol, o que acontece com quem se mete em seu caminho. Quando Ricardo Lewandowski deu um pontapé na Lei das Estatais e liberou a nomeação da companheirada, ele estava fazendo “justiça” ou atendendo a uma conveniência política do PT?  Por isso, Cristiano Zanin, advogado de Lula, será ministro do STF. Quem serve a quem?

Não há solução possível para quem desconhece a natureza do problema. E o problema, no Brasil, não é jurídico, nem judiciário. Se a política cobra politicamente o judiciário, então nosso problema é político, das salas de aula ao STF, e nessa atividade precisamos mais gente fazendo que assistindo.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

11/06/2023

 

Percival Puggina

 

         De início, vi a Constituição de 1988 com os olhos da suspeita, posteriormente, com repulsa e, mais recentemente, a tenho chamado em tom jocoso “queridinha do vovô”.  Esta última atitude, porém, é motivada pela observação do pouco caso que dela fazem as atuais composições dos tribunais superiores. Estaríamos melhor se ela fosse menos manipulada por casuísmos e consequencialismos não autorizados por quem tenha voto para os conceder.

Por outro lado, hoje, governar é emendar a Constituição. União e Estados estão sempre às voltas com a contagem de votos nas bases parlamentares de apoio de seus governos para emendar constituições. É uma demanda da vida real, que agrava a dificuldade de comporem, os governos, suas bases de apoio. O que normalmente seria obtido com metade mais um, se eleva para os três quintos sem os quais a Constituição é “imexível”, como o ex-ministro Magri disse ser o Plano Collor de 1990. Nossos constituintes de 1988 tinham certeza de haver realizado a obra prima do moderno constitucionalismo...

Nos longos anos de petismo, o Brasil pobre se tornou ainda mais metido a besta. Quis a Copa, as obras da Copa, e foi fazendo muito mais estádios do que necessário. Enterrou bilhões (do dinheiro de todos) no Rio de Janeiro dos Jogos Olímpicos. E jogou muitos outros bilhões de dinheiro bom em empresas trambiqueiras e governos ainda mais trambiqueiros para alimentar a corrupção no Brasil e no bas fond internacional. Agora, retomamos a gastança do dinheiro que não temos, como se a necessidade criasse dinheiro.

Pode ser rico um país com 214 milhões de habitantes que gera um PIB de apenas dois trilhões de dólares? Rico com um PIB per capita que não chega a 10 mil dólares e nos coloca na lista do FMI entre Tunísia e Azerbaijão? Rico com um PIB 10% inferior ao do Canadá, que tem uma população seis vezes menor?  Pode ser rico um país cuja economia produz tanto quanto a cidade de Tóquio? Pode ser rico um país cujo déficit fiscal cresce na batida do relógio?

Claro que não é só a Constituição a travar o desenvolvimento econômico do Brasil. Há um amplo conjunto de fatores que se foram habilmente articulando para produzir o mesmo efeito. Instituições irracionalmente concebidas geram crises, insegurança jurídica e instabilidade política. A atração dos ditos “progressistas” por tudo que possa ser ideologicamente aparelhado e atrasado dá causa a graves danos educacionais, culturais, científicos e tecnológicos.

É pouco provável que o Estado brasileiro deixe de ser metido a besta. O atraso cultural, afinal, dá força ao populismo que vive em união estável com o corporativismo. E ambos lambem a mão do Estado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/06/2023

 

Percival Puggina

        No último dia 6, a Mesa da Câmara dos Deputados cumpriu o que declarou ser mera formalidade exigida pela Constituição e proclamou a perda de mandato do deputado federal Deltan Dallagnol.

Pelotões de fuzilamento

O sinistro episódio foi um repeteco da decisão, também unânime, em que o colegiado do TSE em sessão de um minuto acolheu a narrativa profética do ministro Benedito Gonçalves e cassou o mandato do deputado ex-procurador da operação Lava Jato.

Lula não medira palavras, buscando nos baixios onde prolifera o calão de seu linguajar, para expressar suas intenções vingativas em relação a Deltan Dallagnol e ao senador Sérgio Moro. Daí, um minuto para o TSE cassar e um minuto para a Câmara declarar a perda de mandato. 

Um minuto é o tempo de atuação para pelotões de fuzilamento. É o tempo para alinhar, preparar, engatilhar as armas, apontar, ser emitida e cumprida a ordem de fazer fogo. A vítima sacoleja e tomba. O pelotão cumpriu seu dever e se retira em silêncio.

O grande equívoco

Há um grande equívoco, conduzindo a conclusões erradas, em crer que estamos vivendo dias nos quais a justiça comanda a política. É a Política que vem orientando atos da Justiça! Ela o faz desde as salas de aula dos cursos de Direito até as indicações presidenciais para os tribunais superiores, passando por toda a grande árvore das carreiras jurídicas. Dói na alma dizer, mas é preciso andar de viseiras para não ver.

E eu sei que meus leitores veem. Só o que acabo de afirmar explica o que está acontecendo no Brasil. Só assim se entendem os acontecimentos da campanha eleitoral, o tratamento dado às petições do candidato governista de 2022, a guerra pelas urnas sem impressora, a cassação do deputado Daniel Silveira, o silêncio imposto à divergência, a censura, etc. Esses eventos atenderam ao que é de Direito? Ao que é de Justiça? Ou a uma determinada Política?

A Mesa da Câmara deveria agir como pelotão de fuzilamento? Só podia cumprir ordens e retirar-se ao alojamento? Em interessante artigo sobre aquele ato, a Dra. Kátia Magalhães escreve, no site do Instituto Liberal:

(...) se todo o conteúdo decisório reservado ao parlamento, em situações como a de Dallagnol, se resumisse à aposição de um “selo de certificação” ao julgamento das togas, que sentido faria a menção ao direito de defesa em trâmite onde sequer houvesse processo? Aliás, se assim fosse, por que o legislador constituinte teria imposto a participação da mesa diretora na declaração de perda do mandato? Apenas para ocupar o tempo dos congressistas e justificar seus elevados rendimentos? Assim como o TSE fabricou hipóteses de inelegibilidade, da mesma forma, a Câmara acabou de criar uma pseudo-impossibilidade de exame do mérito do caso, que jamais lhe foi vedado pela letra fria da Constituição. Aceitou ajoelhar-se diante de magistrados, chegando a anuir a um “fechamento branco” de sua própria instituição, pois convertida em mera linha auxiliar do Judiciário."

Essa coincidência vem acompanhando sucessivas e inéditas decisões. Elas nos arrastam para um pandemônio jurídico que é o efeito do pandemônio institucional gerado pela reação política ao resultado da eleição de 2022.

No fim do mês, o Foro de São Paulo se reúne em Brasília para comemorar suas vitórias.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/06/2023

 

Percival Puggina

         Disse-me a senhora: “Hoje é dia de concentração na praça. Começa às 17 horas, mas os policiais do presidente chegam antes e usam essa sacada para observação de segurança. Talvez o senhor se sinta melhor se retornar depois do fim do evento”. Prontamente respondi que sim. Preferi chegar depois, porque, no mínimo, teria que me identificar para poder permanecer e, se ficasse, certamente não poderia usar a sacada. 

Eu estava em Havana e tinha, nessa vez, alugado uma parte do apartamento de uma professora (quarto, banheiro e sala, enquanto ela usava a cozinha e uma outra dependência com acesso particular). O prédio estava muito bem localizado, junto à Praça da Tribuna Anti-imperialista, e o apartamento tinha a tal sacada a que se referia minha hospedeira. Professora de História, era pessoa de confiança do regime e, graças a isso tinha “permiso” para alugar o imóvel a turistas. Com a sala, deu-me acesso à sua biblioteca (pouco mais de um metro de livros em espanhol e em russo). Explica-se o conteúdo em russo pelo fato de se haver graduado em Moscou, na Universidade da Amizade dos Povos, conhecida como Patrice Lumumba.

Então, por volta das 16 horas desci para a praça e assisti os atos que se seguiram. Eles consistiram numa sequência de discursos voltados ao enaltecimento do Comandante Fidel, da Revolução e dos admiráveis êxitos do regime tanto na Economia quanto na Educação e na dignidade do povo cubano. Tudo, claro, embrulhado, por todos os oradores, no invólucro comum: o dever patriótico de espinafrar o imperialismo e os “guzanos” (vermes), cubanos que se atiravam ao mar e iam para Miami, num fluxo contínuo, desde 1960.

Como eu descera cedo, pude apreciar a chegada do distinto público. Eram trazidos em ônibus, em grupos cuja afinidade se podia perceber tão logo desciam pois tagarelavam entre si. Alguém, mais tarde, me explicaria que provinham dos locais de trabalho e eram acompanhados por um “compañero” que representava os olhos e os ouvidos do Estado.

Nesse dia, Fidel não apareceu, o que deve ter representado um alívio para aquela pequena multidão, pois quando o tirano comparecia, falava, e quando falava proferia aqueles discursos que ficaram famosos, não pelo conteúdo, mas pelo muito que lhe custava colocar um ponto final nas arengas que duravam horas.

Por que este relato? Porque o público presente à solenidade deste dia 7 de setembro em Brasília, por quanto a TV mostrou, era muito semelhante ao daquela tarde/noite na Tribuna Anti-imperialista. Funcionários públicos, sindicalistas e companheiros de partido, convocados pelo governo, cumprindo ordens e portando bandeirinhas numa estranha mistureba do verde e amarelo com convenientes detalhes vermelhos no vestuário. A Pátria passava muito bem sem essa.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/06/2023

 

Percival Puggina

         Algumas pessoas que me leem e conversam comigo preferiram omitir-se nas eleições de outubro. Desde 2019, expressavam desgosto em relação ao presidente Bolsonaro. Ele não correspondia ao seu perfil de estadista conservador, ele procurava casca de banana para escorregar, ele se expressava de modo grosseiro e, muitas vezes era simplesmente grosso. Faltavam-lhe recursos oratórios e não tinha bom desempenho em debates e entrevistas. Tudo verdadeiro, mas, convenhamos, nas circunstâncias políticas nacionais, irrelevante.

Nos primeiros dois anos do mandato presidencial, ou um pouco mais, essas pessoas buscavam “alguém” para substitui-lo em 2022, mas nunca foram além de Sérgio Moro, um nome racionalmente inviável para a corrida presidencial porque suscitava animosidade tanto pela direita quanto pela esquerda: condenara Lula e rompera com Bolsonaro.

Quando Lula, ao cabo de uma ação entre amigos, foi realinhado no partidor da corrida presidencial, eu imaginei que eles fossem entender o óbvio estampado nos fatos: no final da campanha, restariam dois para o segundo turno: um seria Bolsonaro e o outro, Lula. Nessa escolha, o voto em branco ou nulo, a omissão, poderiam redundar numa calamidade nacional. Favoreceriam o sucesso dos que, durante quatro anos, treinaram o país para a instalação de uma democracia de narrativa, que é o outro nome de uma ditadura efetiva (mídia militante, PT, esquerda, STF, etc.).

Tudo isso eu lhes disse, em tom privado, ou em artigos e vídeos nos quais tratei de tais temas. Mas foi em vão!

Qual crianças amuadas, comportaram-se como se o futuro não lhes dissesse respeito. Lavaram as mãos. Hoje, criticam a omissão do senador Rodrigo Pacheco, sem perceber que ele é imagem refletida de suas próprias omissões. Expressam preocupação com as ameaças, as ilegalidades, as inconstitucionalidades, as inseguranças jurídicas, a corrupção dos costumes políticos, como se isso não houvesse estado na memória, na história, debaixo dos olhos e diante do nariz, o tempo todo.

A cereja do bolo dos argumentos com que tentam se evadir de suas responsabilidades morais pelo que está acontecendo é dizer que a eleição de 2022 se travou entre dois populistas. Logo, populista por populista, não fazia diferença votar num ou noutro. Aí já é demais! Sim, eram dois populistas, mas isso nada diz, na prática, quando um dos candidatos ansiava por vingança, querendo beber sangue dos derrotados, pronto para destruir a direita, oficializar a censura, ampliar sua quota de amigos no STF, unir-se à escória do esquerdismo mundial e percorrer todo o abecedário do atraso, do estatismo, das narrativas, da mistificação, da elevação do gasto público e da carga tributária.

Imploro a esses amigos que, finalmente, abram os olhos para o que está acontecendo no país e que, antes de 2026, compreendam as consequências do que fizeram. Que o Senhor nos livre do mal. Amém.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

05/06/2023

 

Percival Puggina

         Quando o Brasil começou a tomar jeito, em 2016, o número de ministérios foi reduzido e o acesso de militantes políticos e dirigentes partidários à cargos de direção das empresas estatais ficou sujeito a rigorosíssimas exigências. Foram seis anos razoavelmente bons. Apesar da mais assanhada vigilância política, jornalística, policial e judiciária a que eu já assisti, não houve casos notórios de corrupção e o Estado perdeu um pouco de seu tamanho.

Lula conseguiu engatar marcha ré na história e aumentou para 37 o número de ministérios. Os partidos, presumo, serão convidados para um jantar cujo cardápio contará com novas porções do Estado brasileiro. Entre aplausos e brindes, os articuladores políticos e o presidente em pessoa, circularão pelo salão, com bandeja na mão e toalha de seda branca sobre o braço direito, oferecendo, entre outras iguarias, ministérios, diretorias-gerais, fundações e presidências de conselhos.

Em alguns casos, esses ministérios são meras quinquilharias para animar vaidades e proporcionar luxinhos, como diria aquela procuradora que se queixa do salariozinho. Noutros não, com recursos tirados eo nosso bolso, os pratos são temperados com orçamentos robustos.

Já está bem claro que a ideia do governo não é cuidar dos pobres. Se assim fosse, ele diminuiria o gasto do Estado consigo mesmo. É o que faz qualquer chefe de família, homem ou mulher, cujos dependentes apresentem necessidades que excedam sua capacidade de atender. Essa pessoa cortará supérfluos e diminuirá sua ração para responder às demandas dos seus no limite máximo das possibilidades.

Pois o petismo faz o contrário, eleva seu supérfluo! Trinta e sete ministérios é a ressonância magnética do supérfluo. Mostra tudo, no detalhe.

Se é ruim nessa perspectiva, pior fica quando se compreende que todo esse banquete pantagruélico que canibaliza os recursos nacionais foi concebido em comum acordo com os congressistas e seus partidos.  

Alguém que queira passar pano nessa perniciosa realidade talvez diga que governar é uma tarefa partidária. Com efeito, governo tem partido (o Estado é que não deveria ter, mas no Brasil acaba tendo também, por vieses ideológicos, até na alma do Judiciário).

Na minha observação, durante décadas, os governos se formavam com partidos cujas bancadas apoiavam o governo. O mensalão corrompeu esse sistema, o petrolão potencializou seus males e os recursos das emendas parlamentares desmoralizaram de vez o regime.

Hoje, mesmo com partido e cargos, todo parlamentar pode agir como corretor de seu voto, em cada deliberação importante. Lamento informá-los que esse tipo de congressista compõe, também nesta legislatura, o grupo majoritário.

Quem não entendeu isso que fique em casa quando houver manifestação e se conduza como se não houvesse amanhã.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/06/2023

 

Percival Puggina

         Estou longe do Parcão de Porto Alegre, neste domingo que espero seja restaurador. Talvez devesse dizer que estou em férias, talvez devesse realmente estar em férias. Mas não consigo desligar-me das aflições de meu país.

Como não ver a democracia capturada? Como não me sentir esbofeteado ao ouvir Lula recomendar a seu companheiro, irmão, camarada Nicolas Maduro que “construísse a sua narrativa”? Como não saber que estamos ferrados nesse universo das ficções, das narrativas?

Temos a ficção do presidente da Câmara, de que os “congressistas estão insatisfeitos” e de que, supostamente, cabe ao governo satisfazê-los. Temos as muitas narrativas com que o STF faz o que bem entende, alegando a excepcionalidade e a urgência do interesse nacional. Temos as narrativas que levaram Lula a ser inocentado na última instância da Globo e as narrativas da mídia que durante quatro anos atribuiu a Bolsonaro o desejo de fazer aquilo que o STF cansa de fazer e que, agora, Lula faz. Temos tribunal cassando mandato de senador em um minuto, reverente à narrativa do ministro relator. E temos o senador Pacheco, um omisso que nem narrativa tem para sua omissão.

Bastam-me estes fatos para não tirar os olhos da estrada por onde nos estão levando e, por tais razões, minha alma estará no Parcão. Estou dizendo presente, do modo que posso. Não me afastariam desse dever cívico divisões, decepções nem malquerenças. Que venham os que ficaram em cima do muro, os que não saíram de casa no dia 30 de outubro, os que por “nojinho” do presidente votaram num nojento de carteirinha, aqueles que o  jornalismo militante levou pelo nariz para onde quis. Que venham os arrependidos e os que sequer se arrependeram, como a turma do MBL.  

Não me importa quem lute pela liberdade e pela dignidade dos cidadãos, contanto que o faça, que se exponha, que mostre o rosto e grite contra aquilo que rejeita. Se trata de dizer não à injustiça, à prepotência, às ameaças. Para dizer isto basta ser humano, não dobrar a espinha, não andar de bojo e não trazer os joelhos encardidos (como exclamou Cyrano de Bergerac, o inesquecível personagem de Edmond Rostand).

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.