Percival Puggina

30/07/2023

 

Percival Puggina

         Há alguns anos, num debate sobre o regime cubano, meu interlocutor saiu-se com esta: “O Puggina gostava, mesmo, era da ditadura de Batista”. Ele se referia a Fulgêncio Batista, ditador cubano durante sete anos, derrubado pela revolução de Fidel Castro. Como na ocasião do debate o totalitarismo comunista já se impunha havia 53 anos, eu respondi que comparando uma ditadura de 7 anos com uma de 53 ainda mais perversa, Batista poderia ser conhecido como “Batista, o breve”, ou como “Batista, o compassivo”.       

Lula gosta de posar nos círculos internacionais como “un homme du monde”, frequentador do circuito Roma-Paris-Londres, mas é junto à escumalha do Foro de São Paulo que ele se sente em casa. Especialmente com Daniel Ortega, Nicolás Maduro e Díaz-Canel, atual CEO de Castro & Castro Cia. Ltda.       

A velha imprensa raramente fala sobre estas coisas. Que o comunismo, regime pelo qual Lula manifestou sua orgulhosa admiração, promete o paraíso e entrega o inferno de camburão todo mundo reconhece. Quem conhece a Alemanha e o povo alemão sabe que deixar a Alemanha Oriental na miséria durante 44 anos em tempo de paz não é tarefa para qualquer regime. Por isto, a cortina de ferro e o muro de Berlim: para que o povo não fuja do regime, como ocorre hoje nos países tomados pelos amiguinhos de Lula.

Em Cuba, após o êxodo nos primeiros dois anos da Revolução, durante os quais cerca de 2 milhões de cubanos mudaram-se para a Flórida e fizeram Miami, a população cubana gradualmente estagnou e estacionou, desde 1997, em 11 milhões de habitantes. Desesperança e êxodo. No ano passado 270 mil cubanos deixaram a ilha. Acumulam-se aguardando deferimento cerca de 400 mil pedidos de visto.

Seis milhões de venezuelanos deixaram sua pátria imigrando para Colômbia e outros vizinhos, entre os quais o Brasil. Esse número equivale a toda população de Santa Catarina ou de Goiás, por exemplo...

Os números do êxodo da Nicarágua são menores. Estima-se que 600 mil nicaraguenses tenham deixado o país desde 2018. A pequena Nicarágua tem apenas 6,8 milhões de habitantes. Um em cada 10 nicaraguenses foi embora.

Nos três países, um ritual bem conhecido, que sofreria restrições se mencionado na campanha eleitoral de 2022: crescentes restrições às liberdades individuais e políticas, manipulações, narrativas, cerceamento da oposição, prisão de oposicionistas e agigantamento do Estado sobre e contra a sociedade. Sempre em nome dos mais nobres ideais humanistas.

Somos uma grande e numerosa nação cuja saída de uma situação ameaçadora é para o interior da realidade brasileira. Ela tem que ser traçada pelos próprios cidadãos, com a consciência de que – ouvidos os discursos, interpretados os sinais e mantido o rumo atual do país – o ponto de chegada é conhecido. Os amiguinhos de Lula já nos mostraram.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

27/07/2023

 

Percival Puggina

         Pessoas posicionadas em altos escalões da República resolveram metamorfosear-se. Ora são elas mesmas, ora são o Estado, ora são a democracia, ora a Constituição. Essa sobrenaturalidade ou transcendência produz efeitos na vida social, não havendo como não atribuir a tal grupo certos abusos percebidos no país. Quem quer ser transcendente assuma ônus e bônus; quem quer ser jequitibá, aguente o vento lá em cima.

Quantas vítimas e quantos policiais deixariam de morrer todo ano se quem os matou estivesse onde deveria estar, atrás das grades de um presídio? Duvido que não tenham, todos, longo prontuário de ocorrências, intimações, prisões e condenações a certificar sua disposição de viver fora da lei. Ninguém inaugura sua vida criminosa matando policiais. Só que nenhum daqueles eventos teve o tratamento necessário para assegurar a proteção da sociedade. Com raras, raríssimas exceções, todos foram conduzidos, pelas instituições, de modo a favorecer o transgressor. Presídios brasileiros têm porta de vai e vem.

Convivem, aqui, altos índices de criminalidade e tolerância institucional para com os criminosos. Nossos “progressistas” atrasam tudo. Indivíduos perigosos passeiam impunes por nossas ruas e estradas vivendo de violações e gerando insegurança. Na longa lista de preceitos protetivos que o engenho humano possa conceber para livrar a pele de bandidos, nada há que nossa legislação, nossos ritos, usos e costumes não consagrem. Como escreveria Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, se vivos fossem, “Aqui, majestade, em se roubando ou matando, nada dá”.

E não dá nada mesmo. Às normas tolerantes, pusilânimes face ao crime, mas inclementes com a sociedade, muitos se juntam para tornar folgada a vida dos bandidos. Tudo fazem para que tais atividades não tragam sobressaltos, riscos e cárcere a quem escolher a vida criminosa. Entre outros, verdadeira multidão de legisladores, magistrados, professores de Direito, promotores, defensores, advogados, comunicadores, sociólogos, assistentes sociais, políticos e religiosos – corações moles como merengue da vovó – tagarelando sobre uma nova humanidade e uma nova sociedade, convergem esforços para obter esse efeito e clamam por desencarceramento.  

Escrevemos na Constituição que “todos somos iguais perante a lei”, mas umas vítimas são mais iguais que as outras. Desde que Marielle Franco morreu, a esquerda tenta empurrar seu cadáver para cima da direita. Não há o menor vestígio nem motivo que leve nessa direção, mas a conveniência política da esquerda faz o motivo, certo? “Como pode ela ser morta e a culpa não ser do adversário?”, fala a lógica desse tipo de política.

Pessoalmente, quero que todos os crimes sejam desvendados e os culpados apontados, julgados, condenados e cumpram pena, mas afirmando isso assim, genericamente, já estou desagradando a muitos. Para estes, querer prender os mandantes do crime contra a vereadora é uma coisa, mas querer presos todos os bandidos não dá porque “o Brasil prende demais”. Eles têm bandidos e vítimas de predileção.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

26/07/2023

 

Percival Puggina

         A advertência vem sendo frequentemente repetida: “Todo dia, um ingênuo e um espertalhão saem de casa; se os dois se encontram, dá negócio”. Imagine a facilidade dos espertalhões se contarem com apoio dos grandes meios de comunicação, se a cúpula do Poder Judiciário for antagônica aos seus concorrentes e se as celebridades que os ingênuos reverenciam forem devotas do malandro maior!

Quando vejo a realidade nacional sob esse prisma, não posso deixar de pensar no poder de degeneração que acompanha a malandragem esquerdista. Ela só é bem sucedida porque opera como uma formadora de trouxas. Verdadeira multidão! Vota de qualquer jeito em qualquer sujeito ou, como ingênuo, vota no mais vivo por qualquer motivo.

Por isso, o negócio prospera. 

Lembro das longas décadas em que a sociedade teve três instituições não estatais como referências que lhe falavam em temas cruciais – a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Dirigidas por pessoas prudentes e sábias, as três muitas vezes se manifestavam juntas. Não detinham poder algum fora de seus próprios âmbitos, mas possuíam algo que se evaporou quando os malandros foram ao encontro da multidão dos trouxas. O predicado que as três instituições tinham era mais relevante do que o poder. Os romanos chamavam-no de “auctoritas”, atributo de uma pessoa ou de uma instituição derivado do respeito que os demais a ela dedicam em virtude dos valores e princípios que a inspiram.

Temos, hoje, uma OAB que assiste passiva aos maus tratos à Constituição, à advocacia e ao bom Direito. Temos uma ABI que silencia perante a prática recorrente da censura. Temos uma CNBB silenciosa quando o Estado se agiganta sobre a sociedade e as nuvens do totalitarismo se aproximam no horizonte com prisões políticas e desrespeito à dignidade humana.

Dia após dia, nestas linhas, dedico-me a descrever causas e consequências dos males que vejo, como fiz lá atrás, nos anos 80, quando percebi o abismo por vir. Sou conservador, não faço revoluções. Cultivo apenas o hábito maluco de acreditar na força da liberdade, na instituição familiar, no trabalho, na criatividade humana e na educação portanto. Sabia que um dia o desespero, neste Brasil sem Deus, bateria à nossa porta. “Escrever não resolve”, alertam-me alguns. Depende do que se considere como resolver.

Eu escrevo para que, a cada dia, um número menor de ingênuos se encontre com os malandros que tomaram a nação. Escrevo para que fique bem claro meu não consentimento ao que vejo ser feito em meu país.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

24/07/2023

 

Percival Puggina

         A justificativa do governo para os projetos que apresenta com o intuito de salvar a democracia de seus inimigos fala em medidas duríssimas, ausentes do direito penal brasileiro. Não peçam coerência aos autores do projeto porque ela, muitas vezes, é um sofrido requinte moral, enquanto a hipocrisia é benfazeja camarada ou companheira.

Os crimes contra o cidadão não preocupam o Estado. Contudo, para o governo federal, “o tratamento penal aos crimes contra o Estado Democrático de Direito precisa ser mais severo a fim de que sejam assegurados o livre exercício dos Poderes e das instituições democráticas, o funcionamento regular dos serviços públicos essenciais e a própria soberania nacional".

O governo precisa fazer crer que em 8 de janeiro um punhado de policiais salvou a democracia e parou os golpistas que, no dia seguinte, embarcaram como cordeiros nos ônibus da PF. Devido a esse “terremoto” das instituições, um dos projetos altera o Código de Processo Penal para “a apreensão de bens, o bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros de suspeitos de financiar atos antidemocráticos, em qualquer fase do processo, e até antes da apresentação de denúncia ou queixa”. (aqui)

Essas medidas – creiam! – procedem do mesmo grupo político que é a favor do desencarceramento. Do mesmo para o qual “no Brasil se prende demais” e para o qual “prender não resolve”. Não bastante, essa turma é detratora habitual da polícia, sonha com desarmá-la e propaga a mensagem de ser o criminoso uma vítima da sociedade, e o cidadão de bem, o verdadeiro bandido a ser desarmado.

Não está bom assim? Azar o seu porque a turma da cobertura, a elite da elite do Estado, que com ele se funde e confunde, vê a si mesma como quintessência de uma democracia onde o povo é paisagem inerte. Querem uma democracia sem povo, silenciosa, e um legislativo cuja maioria represente apenas os próprios interesses.

Primeiro, quiseram aprovar em urgência urgentíssima o controle das opiniões nas redes sociais. Depois, tentaram passar pela Câmara dos Deputados, também às pressas, o PL 2720/23 que os imunizaria contra a crítica alheia, por serem pessoas publicamente expostas. Tendo fracassado essa ideia, que beneficiaria alguns milhares de pessoas, a elite da elite política ganhou um projeto para proteção individual, com uma série de dispositivos inovadores, como se viu. Simultaneamente, a PGR quer acesso às identidades e comentários nas redes sociais de dezenas de milhões de seguidores dos perfis e canais do ex-presidente. Alguém não sabe para onde isso nos leva?

Temos vivido sob “procedimentos excepcionais” que incluíram a censura, bloqueios de contas em redes sociais, desmonetizações, inquéritos sem fim e sem prazo, prisões políticas, desrespeito ao espaço privado, ameaças. Sempre há uma razão para excepcionalidades características dos regimes de exceção: vacinas, urnas eletrônicas, eleições, 8 de janeiro, golpismo. Agora, até uma ocorrência ainda pendente de provas no aeroporto de Roma estimula a adoção de procedimentos excepcionais. Normalizar medidas excepcionais não nos afasta do estado de exceção.

Um peso e uma cara para a sociedade de manés; outros para o Estado e suas excelências. Chega-se, assim, à completa inversão: uma sociedade para servir e temer o Estado que, por sua vez, é bem servido e não teme a opinião pública porque ela não se faz ouvir. Vamos para Cuba, com o bilhete mais caro, sem sair do mesmo lugar.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

21/07/2023

 

Percival Puggina

        Frequentemente, amigos intelectuais me dizem que não usam os conceitos de direita e esquerda e, menos ainda, os adotam como modo de identificar suas posições pessoais.

Pois é. Complicado, mesmo, como mostra o saudoso Olavo em artigo com o título “Direito e esquerda, origem e fim”, publicado no Diário do Comércio de 01/11/2005 (aqui). No entanto, quando me fazem essa advertência, não sem razão alego que em todo o Ocidente (ao menos) as pessoas percebem que tais palavras orientam um arco de possibilidades onde podem identificar a si mesmas e a sua leitura das realidades políticas. Portanto, até que esses conceitos se autodestruam eu sigo adiante com eles. 

No artigo que mencionei acima, nosso Olavo lembra que no final da II Grande Guerra, “os americanos retiraram pacificamente suas tropas dos países europeus pacificados acreditando que os russos fariam o mesmo quando os russos, ao contrário, tinham de ficar lá de qualquer modo, porque, na perspectiva da revolução, o fim de uma guerra era apenas o começo de outra e de outra e de outra, até à extinção final do capitalismo”.

Não só do capitalismo, claro, mas de toda uma civilização, como ele cuidou de demonstrar em sua obra. Numa perspectiva pessoal, que sei comum a tantos, não há qualquer bem imaterial que seja para mim objeto de reverência ou zelo que não esteja sob permanente ataque “dos russos” para usar a referência de Olavo em relação ao que se seguiu à II Guerra Mundial.

Essa esquerda revolucionária jamais construiu algo que ficasse de pé. Nenhuma economia, nenhuma ordem política, nenhum Índice de Desenvolvimento Humano saudável. Sua produção cultural é comprometida com a destruição, seja lá do que for, inclusive do que seja bom, belo e verdadeiro.

Apesar de toda a choradeira magoada (mimimi, no dizer moderno) da esquerda brasileira contra o que chama “discurso de ódio”, aos 78 anos sou testemunha viva e experiente do ódio que vai muito além do discurso. Durante décadas, essa esquerda que ora nos aflige teve o Rio Grande do Sul como sua cidadela e ao longo desse tempo eu confrontei seus portavozes, olho no olho, em sucessivos debates.

A ampla maioria “de direita” que teria saído das urnas de 2022 e prometia disponibilizar contrapesos e freios aos excessos que viessem dos tribunais superiores e do Palácio do Planalto acabou reduzida a pouco mais de uma centena de deputados federais. Seria uma estupidez responsabilizar apenas o governo petista por fazer o que sempre fez:  comprar base de apoio, por lote ou cabeça.  Muito mais estúpido é não apontar o desastre moral de cada peça ou partida nesse leilão de oportunistas, tão falsos e embusteiros quanto um discurso do Lula.

Sempre me declarei de direita porque o centro, além de levar junto um bom retalho de esquerda, tem jeito de centrão, conduta de centrão e jamais enfrenta um adversário hegemônico que tenha a chave do caixa.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/07/2023

 

Percival Puggina

Leio em O Globo:

A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que as plataformas de redes sociais apresentem todas as publicações do ex-presidente Jair Bolsonaro referentes a eleições, urnas eletrônicas, Forças Armadas e o próprio STF, entre outros temas.

O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, responsável pelas investigações dos atos golpistas, ressalta que essa solicitação já havia sido feita, mas que não foi analisada por Moraes. Por isso, Santos reiterou o pedido nesta segunda.

(...)

Além disso, quer que as redes apresentem as métricas de cada publicação, como visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários. Ainda foi solicitada uma lista completa dos seguidores de Bolsonaro.

        São 70 ou 80 milhões de pessoas (a notícia teria produzido um rápido crescimento no número de seguidores), mas – calma pessoal! – segundo o subprocurador afirmou na semana passada, o investigado é apenas o ex-presidente, e, ademais, a PGR não teria como processar milhões de cidadãos. Antes do esclarecimento, eu tinha certeza disso. Agora já não tenho mais, como veremos adiante.

Todos esses quantitativos solicitados as próprias plataformas disponibilizam por publicação. As incertezas começam quando aparece a palavra “comentários” porque estes são individualizados.

Essa história não tem lado bom. Um lado devassa as opiniões políticas de dezenas de milhões de cidadãos e o outro rompe com objetivos do sigilo do voto, inerente às democracias. O sigilo do voto protege o eleitor de quem lhe possa causar dano (ou recompensa) por suas opiniões não voluntariamente expressas, que se revelam quando se sabe em quem ele votou ou não votou. Se “avaliar o conteúdo” se referir apenas ao vídeo do ex-presidente, o pedido deveria ser de outra natureza; ao incluir os conteúdos dos comentários, o que acontecerá com as pessoas cujas opiniões não forem do agrado do escrutinador? Quem deu ao Estado esse direito? Ah, pois é!

A democracia requer instituições, mas também depende de como elas procedam. O que está em curso no Brasil é um arremedo do regime e dos meios de ação narrados no conhecido filme “A vida dos outros” (Das leben der Anderen, Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007). Até 1990, o regime comunista da Alemanha Oriental e seu partido único, o SED, contavam com os serviços da Stasi, para controlar a vida dos alemães orientais, oprimir opositores e dar suporte ao SED. A Stasi chegou a dispor de 90 mil servidores fixos e 170 mil informantes. “Funcionou bem?”, indagará o leitor. Sim, durou 40 anos, respondeu por 250 mil prisões, sustentou o luxo da elite partidária e o rotundo fracasso do comunismo na terra do velho Karl! Em todos os países satélites atuavam filhotes da KGB, como a própria SED, a KDS búlgara, a Securitate Romena, a StB tcheca.

Muito me preocupa o que vejo acontecer. Tenho saudades da Constituição de 1988, mesmo com seus gravíssimos equívocos. A cada dia mais e mais esqueletos são levados para o armário da memória e dos arquivos. As bobagens proferidas não voltam para a boca e a censura não apaga o que os olhos viram. Alguém ainda vai ganhar muito dinheiro com documentários sobre estes anos loucos e suas fábricas de espantalhos.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

18/07/2023

(Se for possível devassar redes sociais de milhões de seguidores de um candidato?)

 

Percival Puggina

         Tinha todo jeito de fake news a matéria em que tomei conhecimento de que a Procuradoria Geral da República solicitara ao ministro Alexandre de Moraes autorização para buscar nas plataformas das redes sociais dados dos seguidores do ex-presidente.

“Isso é coisa de alguém de direita querendo desprestigiar a instituição do Ministério Público Federal”, pensei comigo mesmo. Por qual motivo faria a PGR uma coisa dessas? Para saber se era fake news, fui aos sites das “checadoras” de notícias. Nada. Bem ao contrário do que eu esperava, toda a velha mídia estampava a mesma informação que eu recebera por uma rede social.

Na sequência, busquei o número de pessoas abrangidas nesse levantamento e encontrei que, somando Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, TikTok e Linkedin chega-se à bagatela de 64 milhões de pessoas seguindo Bolsonaro. É toda a população de países como Itália e França. Uma loucura!

Dos 193 países reconhecidos pela ONU, apenas 22 têm população total superior a esse número. Como o Brasil tem 203 milhões de habitantes, contados e recontados, o número de seguidores de Bolsonaro buscados pela PGR representa 31% da população nacional. Ou seja, quase um em cada três cidadãos terão seus dados pessoais e posições políticas sendo manipulados sob os cuidados de Sua Excelência, magnífica e absoluta, o Estado.

Para que serve o sigilo da urna se, depois, há uma devassa nas posições políticas dos cidadãos?

Certas fake news são infinitamente menos danosas do que certas verdades. Será que o impacto político da informação passou pela cabeça de quem teve tal iniciativa? Como isso afetará a liberdade de opinião e expressão de tantos milhões de brasileiros? Que regime é esse que está sendo produzido à revelia da nação e do Congresso Nacional? São tênues as diferenças entre isso e um totalitarismo.

Eis mais um exemplo, dentre tantos que nos vem sendo proporcionados, de um Estado que à sociedade se impõe, sobrepõe, contrapõe e dela dispõe como coisa sua, em relação à qual deve proteger-se. “Obedeça, pague e não bufe!”. Dizem que o amor venceu. Com candura e num tom adocicado, proclamam sofrer “discurso de ódio” daqueles a quem até a simples expressão de indignação reprimem para que as sacrossantas instituições, que assim procedem, não sejam objeto de blasfêmias.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

17/07/2023

 

Percival Puggina      

         Há poucos dias, perguntou-me um jovem repórter sobre a paternidade atribuída a Antonio Gramsci na produção do roteiro para a construção da hegemonia e para a revolução cultural no Ocidente. Segundo me contou, outros autores já haviam mencionado esses assuntos em ensaios anteriores aos “Cadernos do cárcere”. Queria a minha opinião.

Disse a ele que não conhecia tais autores, mas fazia muito sentido supor que tivesse acontecido isso mesmo porque no mundo das ideias, como no mundo da ciência, as novas teorias são construídas sobre anteriores ideias e dúvidas alheias. Há quase mil anos um filósofo francês, Bernard de Chartres reconheceu a regra de modéstia segundo a qual somos “anões nos ombros de gigantes”.

Nas relações entre os indivíduos e o estado, continuei falando ao repórter, é longa a experiência humana sob servidão, tirania, drama e dignidade ofendida. E é relativamente pequena a de vida com liberdade e dignidade. Contudo, no tempo em que vivemos, é absolutamente certo que todo poder que queira ser absoluto, impondo-se de modo perene a tudo e a todos, como são os totalitarismos e as ditaduras, precisa destruir dois inimigos que lhe são naturais: a instituição familiar e a ideia de um ser superior.

Ambos são freios instransponíveis sem o uso da força bruta. Ambos estabelecem uma hierarquia de ordem natural, ou seja, em acordo com a natureza humana, que oferecerá resistência, no consciente e no subconsciente dos indivíduos e das sociedades. Por isso, os redutores de cérebros em operação nas salas de aula, em todo o Ocidente, centram suas narrativas e manipulações na depreciação da autoridade dos pais. Por isso, família passa a ser uma coisa qualquer, de suposta utilidade e é crescente o número de pais e de mães (muito mais daqueles do que destas) que fogem das responsabilidades inerentes à sua missão. Por isso, enquanto tiranos se afirmam como deuses substitutos, a ideia de Deus é ridicularizada e expurgada dos supostamente sábios ambientes da Educação, da Cultura e da Comunicação Social.

Nessa amarga trilha, a experiência dos últimos cem anos proporcionou um amplo cadastro de desastres sociais e políticos que se traduzem em desumanização do humano e em novas versões da milenar servidão. O leitor atento dirá que nesse meio tempo se infiltraram as drogas e eu contestarei que elas sempre tiveram consumidores, mas o número destes se multiplicou e se disseminou rapidamente pelas fendas abertas em sociedades onde os dois pilares acima se foram fragmentando.

Lembrei, por fim, ao meu interlocutor que para o ser humano são muito mais benéficas a autoridade amorosa dos pais e a autoridade infinitamente amorosa de Deus, do que a autoridade nada amorosa do Estado, que só se impõe pela opressão e pela força bruta, longe, muito longe, de uma ordem moral decente.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

15/07/2023

 

Percival Puggina

         Desde que as peneiras surgiram no repertório das utilidades, os protagonistas da política, em situações de apuro e em última instância, apelam para elas com o intuito de obscurecer o sol dos fatos.

A inutilidade desse tipo de negacionismo não desanima quem dele lança mão porque o último recurso ainda é um recurso, como sabem os advogados. Vá que cole. Mesmo se a cola usada for a saliva dos discursos, sempre é possível contar com a ingenuidade dos ingênuos, com a credulidade dos crentes, com o companheirismo dos companheiros e com o apoio de um jornalismo que faz jornal sem sequer espiar os fatos pela janela das redações.

São reflexões que me ocorrem ante reações que observo às palavras do ministro Luís Roberto Barroso proferidas num lugar onde, em virtude de seu cargo, não poderia estar. Ali, sua simples presença como um dos onze “supremos” (na concepção do ministro Gilmar Mendes) passava a mensagem que agora se diz que não passou. É o que se percebe em manifestações como a do STF sobre o caso. A instituição pretendeu isolar a instituição, entendendo que Barroso falava do voto popular... Essa tentativa foi incompatível com a repercussão. E ela foi tanta que até o omisso senador Rodrigo Pacheco que transformou o Senado em parlamento baldio, pôs-se de pé pelo Brasil e cobrou retratação.

Ninguém do outro lado da praça, como era de esperar, levou a sério a cobrança do senador. Para quem tem olhos de ver, porém, o sol não tomou conhecimento da arrombada peneira e não alterou o modo como milhões de brasileiros percebem a conduta da ampla maioria do STF a respeito da atual oposição brasileira. Entenderam essa colegialidade bem representada cada vez que Barroso falou na primeira pessoa do plural. Para tanto, basta uma olhada no conteúdo da sacola dos inquéritos abertos por Alexandre de Moraes.

A propósito, é importante recordar o ambiente em que transcorreu o governo Bolsonaro. Alguém poderá dizer que foi ele quem abriu confronto com o STF? Alguém o viu descumprir ordem judicial, mesmo quando lhe vedava o que era prerrogativa sua, como, por exemplo, nomear o Diretor Geral da Polícia Federal? Em 26 de agosto de 2021 o Correio do Manhã publicou uma lista com as 123 ocasiões em que, até então, o STF havia alvejado o governo Bolsonaro. Conheça ou relembre disparos inaugurais de 2019:

- Em 10 de maio de 2019, a ministra Rosa Weber deu cinco dias para Bolsonaro explicar o decreto que facilitou o porte de armas.

- Em 10 de maio de 2019, o ministro Celso de Mello deu o prazo de 10 dias para o Governo Federal explicar o corte de 30% nas verbas das universidades.

- Em 12 de junho de 2019, após ação do PT, o STF formou maioria e cancelou a Extinção de Conselhos [sovietes] promovida pelo Governo Bolsonaro.

- Em 24 de junho de 2019, o ministro Barroso suspendeu MP de Bolsonaro que transferia a demarcação de terras da FUNAI para o Ministério da Agricultura.

- Em 30 de julho de 2019, o ministro Dias Toffoli proibiu o Governo Federal de bloquear verbas de Goiás em cobrança de dívidas do estado para com a União.

- Em 1º de agosto de 2019, o Plenário do STF referendou a liminar do ministro Barroso que barrou a transferência de demarcação de terras da FUNAI para o Ministério da Agricultura.

- Em 1º de agosto de 2019, o ministro Barroso deu prazo de 15 dias para Bolsonaro explicar sua fala sobre o pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB.

- Em 5 de agosto de 2019, a ministra Rosa Weber deu prazo de 15 dias para - Bolsonaro explicar declarações sobre Dilma Rousseff.

- Em 21 de outubro de 2019, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a medida provisória que dispensava publicação de editais na grande imprensa.

- Em 27 de novembro de 2019, a ministra Cármen Lúcia deu cinco dias de prazo para Bolsonaro explicar o Programa Verde Amarelo.

- Em 13 de dezembro de 2019, a ministra Rosa Weber deu prazo de 10 dias para Bolsonaro explicar a fala sobre Glenn Greenwald.

- Em 20 de dezembro de 2019, o STF suspendeu a MP de Bolsonaro que previa o fim do seguro DPVAT.

Um ano e meio mais tarde, já havia 123 "cartuchos" no chão.. E não foi diferente no ano de 2022. Em compensação, alguém teve notícias de interpelações, suspensões de decretos, invasões de competência, durante o atual governo? A horas tantas, é claro, Bolsonaro perdeu a paciência, subiu o tom e partiu para a grosseria que nada resolve, aumenta o atrito e permite ampla exploração política.

Minha leitura, como cidadão, ao longo desses anos, mostra que o governo Bolsonaro foi, desde o início, antagonizado pelo STF. Essa impressão, consolidada ao longo de quatro anos, persiste. Não são apenas as palavras proferidas que expressam o que as pessoas sentem, pensam ou fazem.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.