Percival Puggina

28/06/2023

 

Percival Puggina

         Não tenho algo mais fácil para indagar a mim mesmo e aos leitores? Pois é. Essa pergunta tem surgido em minha mente com uma insistência que já beira à impertinência, fazendo-me lembrar de certo professor de Matemática que confeccionava provas tão difíceis que nem ele, depois, sabia resolver.

Então, eis-me nesta condição, buscando uma resposta que não aumente minha indignação diante do que vejo acontecer com aquela consistente “maioria conservadora” (já vai assim, entre aspas) que teria saído das urnas na eleição de 2022.

Pergunto: como foi que essa “maioria” concedeu, com ampla margem, as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente ao omisso (para dizer o mínimo) senador Rodrigo Pacheco e ao Chief Executive Officer do Centrão, deputado Arthur Lira? Foi na condição de CEO desse velho e encardido bloco que Lira transmitiu a Lula o recado de que os deputados vinham impondo derrotas ao governo porque estavam “insatisfeitos”. Insaciáveis, não seria a palavra mais correta? Com os parlamentares satisfeitos, a composição da CPMI das armações fez a própria armação: 60% de seus membros são governistas que não queriam a CPMI.

A aprovação do nome de Cristiano Zanin, advogado de Lula e do PT, para integrar a confraria governista no STF é a mais recente evidência das duas afirmações que faço, ou seja, a confraria existe e se reforça, e ampla parcela da “direita” mudou-se para o aconchego de Arthur Lira e para o mundo dos negócios.

Essa sequência de desastres cívicos tem seus motivos para acontecer. Primeiro, porque fundos partidários, fundão eleitoral e emendas parlamentares viabilizam reeleições mesmo para quem manda seu eleitor catar no asfalto seus princípios e coquinhos ideológicos ou filosóficos; segundo, porque as exceções a tão triste padrão moral – e elas existem e são valiosas, embora poucas – reúnem virtudes cada vez mais incomuns: consistência intelectual e coragem moral.

Sem a primeira, o sujeito cai na conversa de qualquer líder picareta, até tornar-se igual a ele; sem a segunda, o congressista se acovarda quando o outro lado da rua rosna e mostra os dentes.

Personagem da autora inglesa Jane Austen, em Orgulho e Preconceito (1813), afirma que sua coragem sempre se ergue quando sob intimidação. Para Napoleão Bonaparte, coragem não era ter a força de ir em frente, mas ir em frente não tendo a força.

Mesmo num ambiente político de desconforto e indignação, alegra-me ver intimidados mostrar coragem numa coalisão de covardes e arrostar a força bruta com o vigor de seu caráter.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

26/06/2023

 

Percival Puggina

         Recentemente, em vídeo, contei um “causo” antigo, repetido aqui no Rio Grande do Sul sobre o acontecido em pequena comunidade de granjeiros. Gente séria, trabalhadora, partilhava suas experiências e se apoiava mutuamente. A cada safra, promovia uma exposição de seus produtos, com premiação por qualidade e produtividade, em eventos festivos que atraíam visitantes e favoreciam a comercialização.

Com o passar do tempo, dois proprietários começaram a disputar a primazia nessas premiações fazendo com que, entre ambos, a solidariedade inicial se transformasse em competitividade e gerasse um certo antagonismo. Foi nesse ambiente que se deu o tal “causo” quando um desses granjeiros foi à casa do outro pedir um favor.

- Compadre! Buenos dias! Me emprestas teu serrote que estou cortando umas estacas pra tomateiro e o meu quebrou?

O dono do serrote pensou no que dizer e saiu-se assim:

- Pois tu sabe que hoje de manhã, cedinho, minha mulher tinha que comprar uma batedeira pros doces que ela faz, pegou a caminhonete e se tocou pra cidade com meu guri que precisava vê os dente. Se foram os dois.

Disse isso e parou. O outro esperou um pouco e, diante daquele estranho silêncio, indagou:

- Que mal pergunte, compadre, o que tem a ver uma coisa com a outra?

A resposta veio seca e direta::

- Nada, quando a gente não quer emprestar qualquer desculpa serve.

Tenho me lembrado muito dessa história diante do que vejo acontecer em nosso país. Qualquer desculpa serve, qualquer explicação serve, qualquer motivo serve quando as cortes veem a si mesmas como missionárias de uma nobilíssima causa e essa causa vai para a capa dos processos e dos inquéritos. As situações “excepcionalíssimas” se tornaram rotineiras e o ar que todos respiramos impregnou-se pela fuligem tóxica das exceções e sua torrente de ameaças, censuras, multas, restrições de direitos e desforras pessoais.

Será uma conspiração em desfavor de nossos tribunais superiores, esse sentimento generalizado de que Bolsonaro será considerado inelegível porque se reuniu com os embaixadores ou porque não se vacinou e um cartão forjado diz o contrário? Ou seja lá por que for? Como pode ser tão previsível a opinião de um órgão colegiado? Não duvido de que, em breve, alguns nomes estejam disponibilizados em sites de apostas e que todos integrem o lado direito do arco ideológico contra o qual investem os missionários da democracia e do estado de direito para lá de esquerdo.          

Há uma estranha coincidência entre o ânimo desses colegiados, que sobressai do farto manancial de suas manifestações públicas, e os confessados devaneios erótico-vingativos de Lula na prisão.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

        

Percival Puggina

25/06/2023

 

Percival Puggina

         É inegável que os desajustes do nosso federalismo suscitam manifestações separatistas. Numa época em que tantos procuram deixar o Brasil, certos conterrâneos descobriram no separatismo um modo de ir para o exterior permanecendo onde estão. De lambuja, economizam a passagem, evitam problemas de imigração e, numa solução tipicamente brasileira, reabilitam o crédito mudando a razão social.

O tema, bem ao contrário do que alguns tentam fazer crer sempre que ele ganha fôlego, não se constitui em loucura, piada ou invencionice desprovida de relevância social. Basta andar pelas ruas e falar com as pessoas para perceber o germe dessa ideia. Ela se manifesta em determinados pontos de vista bem conhecidos: “Sinto-me mais gaúcho do que brasileiro”; “O Sul é o meu país”; “Moro no Brasil que deu certo”; “Estou cansado de sustentar o Norte e o Nordeste”; “Chega de ser conduzido pelas elites nordestinas”. Parece-lhe necessário muito mais do que isso para formar uma onda separatista? Muitos que alegam discordar da tese não cessam de repetir as hipóteses que a fundamentam.

É oportuno lembrar que durante 96 dos 124 anos da República o governo brasileiro esteve confiado a paulistas, mineiros, cariocas e gaúchos. Ademais, considerar a riqueza como critério definitivo de valor e supremo bem é coisa própria do capitalismo terceiro-mundista. Por essas e outras, enquanto os países da Europa se empenham em construir a unidade continental – mesmo à custa de sacrifício econômico –, outros explodem em conflitos étnicos e separatistas.

Civismo é sentimento nobre e pressupõe respeito à História, algo que falta a regionalismos dessa motivação. Numa extensão das hipóteses em que ele se fundamenta, poderíamos conceber um Estado formado pelas áreas industrializadas mais próximas de Porto Alegre, tendo por capital um município integrado apenas pelos seus bairros classe “A”. E aí - quem sabe? - repousaríamos mais tranquilos nos travesseiros de nossa insensibilidade cadastrando-nos num plano superior ao dos miseráveis de quem estaríamos, enfim, libertos.

Separatismo é tolice. O de que precisamos é de uma ampla revisão do nosso federalismo, com redefinição de atribuições e uma nova repartição e supervisão do bolo fiscal que não conviva com “arcabouços”. O modelo em vigor está esfarelando a nação, ajudando a corromper nossas práticas políticas e nossa democracia.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

24/06/2023

 

Percival Puggina

Leio no site Jota

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu uma terceira via no julgamento do piso da enfermagem. Na madrugada desta sexta-feira (23/6), ao devolver a vista do processo, o ministro acompanhou em parte o voto conjunto do relator Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, e inovou ao propor que o piso deve ser regionalizado para funcionários celetistas. Na tarde desta sexta-feira (23/6), Toffoli foi acompanhado em sua proposta pelo ministro Alexandre de Moraes, saiba mais.

Comento

Vocês perceberam o que está acontecendo? O assunto é “piso salarial da enfermagem”. A invenção do piso salarial é um achado na cartola dos demagogos. Desde que saiu a primeira, as categorias funcionais com prestígio recorrem ao Congresso Nacional para que este fixe um determinado valor como mínimo a lhes ser pago.

O parlamento discute, ouve as partes, e delibera. Só que não. No Brasil, em todo canto, de um modo quase religioso, onde dois ou mais estiverem reunidos, está, também a espada do Judiciário. Assim, o projeto votado pelo Congresso acaba nas mãos do Supremo, um colegiado formado, neste momento, por 10 membros sem voto popular algum.

Na matéria, vê-se que, de momento, quatro votos foram dados e há três entendimentos diferentes. Quase se pode dizer que, até agora, de cada cabeça saiu uma sentença. E o assunto vai ser resolvido assim?

Já vi tanto disso na vida! Em legislativos estaduais e municipais, o parlamento delibera, mas lava as mãos e terceiriza o assunto para a sanção ou veto do executivo. No Congresso, uma Casa vota, mas terceiriza o tema para a decisão da outra; muitas vezes, aprova aqui algo inviável sabendo que será rejeitado ali, ou vetado acolá.

O ativismo judicial faz esse poder funcionar como uma esponja de prerrogativas. Nossos magistrados e ministros parecem que não aprenderam a dizer: “Isso não é conosco!”. O resultado é hipertrofia de seu poder, com um verdadeiro carretel de consequências.

Para os fins que me levam a escrever este artigo, não interessa saber se a lei do piso da enfermagem pelo Congresso é boa ou má. Estou reprovando a existência desse tipo de lei e o modo como as coisas são feitas. Se o piso da enfermagem deve ser regionalizado, como sugerem os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, qual o motivo para que as outras duas dezenas ou mais de pisos existentes também não o sejam?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/06/2023

 

Percival Puggina

         Tomo emprestado o título em português (e algo mais que possa) do notável “Animal farm” de George Orwell, para escrever sobre a sessão do Senado em que o advogado de Lula teve seu nome aprovado para integrar o Supremo Tribunal Federal. Ali, Cristiano Zanin estacionará até o ano de 2050, quando meu neto já será quase sexagenário.

Assisti parte da sessão. Afora o insistente blá-blá-blá dos apoiadores, uns poucos se revelaram mais atentos ao seu papel. Falaram daquilo que hoje está no cerne das preocupações dos cidadãos que querem liberdade, democracia, estado de direito e uma justiça com a força da lei e não no querer, na visão de mundo e na posição político-ideológica do julgador. Quase ninguém mencionou os abusos de poder por parte do colegiado ao qual se irá integrar o advogado de Lula. Quase ninguém falou sobre a parcialidade, a “justiça feita pelas próprias mãos”, os misteriosos e infindáveis inquéritos, as “excepcionalidades” que se rotinizaram ou sobre a censura de textos e pessoas. No entanto, eu me pergunto: por que será que Lula perdeu um bom advogado e abre esse rasgado sorriso de satisfação?

Como não lembrar da Revolução dos Bichos? Meu amigo Esperidião Amim, experiente e competente orador, colocou o dedo na ferida exposta no corpo das instituições – a conduta abusiva do combo STF/TSE. Lavou-me a alma ouvi-lo! Mas ele se dirigiu apenas ao candidato, num discurso que tinha tudo para ser proferido, dedo em riste, ao omisso presidente do Senado e a seus pares.

De quem é a culpa pela preservação dessas anomalias no corpo institucional? Não é da grande maioria naquele plenário? Ontem, para rejeitar a indicação de Lula, não lhe bastariam as razões do próprio Lula afirmando ao país, em debate de TV, não ser a Corte lugar para amigos? E logo, indo de mal a pior, haverá mais um, e mais outro, na confraria tolerada pelo Senado.

A revolução dos bichos continua! Os porcos dominam a granja. O porco Napoleão mudou-se para a casa do senhor Jones. E me permitam o trocadilho: na nossa granja orwelliana de Brasília, o revolucionário espírito de porco se associa ao espírito de corpo inerente à própria natureza das instituições em um figurino constitucional muito mal costurado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

21/06/2023

 

Percival Puggina

         É dispendioso o esforço que Lula faz para se tornar figura carimbada da cena internacional e é exaustiva a dedicação de seus apoiadores em exaltar o que seria um retorno do Brasil às grandes partidas da diplomacia mundial. A ideia central da empreitada consiste em mostrar que Lula tem prestígio no circuito das grandes capitais da Eurásia.

Então, Lula viaja e Janja, que diz “sofrer todos os dias” em sua missão, descobre aquilo que os navegadores do século XV já haviam percebido: viagens intercontinentais são um saco, quer numa caravela, quer em voo lotado de turistas, quer, ainda, em avião presidencial carregado de puxa-sacos. “Compra um avião novo, meu bem, o Brasil merece”, presumo que tenha dito. Merece sim, senhora. Puxa se merece!

O casal não descobriu ainda, e seus apoiadores jamais perceberão, a enorme diferença existente entre comparecer a eventos internacionais fazendo a coisa certa e ali estar arrotando desinformações e autolouvações, apoiando a quem não deve, falando mal do antecessor e do próprio país, costurando pactos com malfeitores, agradando ao imperialismo russo invasor da Ucrânia, protegendo criminosos como Daniel Ortega e Nicolas Maduro.

Hoje, enquanto escrevo, chegou a vez do Papa servir de palco para Lula. Como ambos falam demais, deve ser uma conversa fatigante. Ontem, Lula teve proveitoso reencontro de alto nível cultural com o italiano Domenico de Masi. Como o sociólogo é famoso pela criação do conceito de ócio criativo, imagino que tenha ajudado na formatação da agenda de futuras viagens do peregrino casal brasileiro. Amanhã, Paris e os abraços de Emmanuel Macron que, como ele, vê o Brasil e o agronegócio nacional com muito maus olhos.

Há, contudo, três surpresas no fim dessa estrada. Elas se revelam ao descobrir que:

1 – Prestígio costuma ser atributo de quem é visitado; não do visitante. Na política, é mais comum que dependa do cargo do que da pessoa. Quando Lula deixar de ser procurado por pedintes e criminosos e abandonar as más companhias de sempre, essa improvável transição poderá contribuir para atenuar seus problemas em relação, também, a outro conceito fundamental:

2 – Reputação, boa ou má, ela nos acompanha ao longo da vida como luz ou sombra e depende do que os outros pensam sobre nós;

3 – Caráter, diferentemente de reputação, depende exclusivamente de cada um. Ou se tem ou não se tem.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

19/06/2023

 

Percival Puggina

         O bom humor e o riso fazem bem à saúde. Com mau humor, mais remédios serão necessários para curar moléstias que se desenvolvem entre cenhos franzidos e maus sentimentos. No Brasil dessa nova ordem política, humoristas e bem humorados andam sobre o fio de uma navalha, cuidando da sola do tênis e olhando para os lados. Sua atividade é de elevado risco e pode acabar na supressão dos meios de vida e/ou na perda da liberdade.

Chama a atenção, neste período da nossa história em que há sisudo represamento do humor, saber que se pode fazer piada, chacota e vilipêndio sobre o efetivamente sagrado, mas pode dar problema fazer piada sobre figuras que se têm como sagradas no protagonismo dos poderes de Estado. Aliás, não só se têm como sagradas, mas agem como se elas, seus ditames e objetos de culto fossem merecedores de devoção. Observar isso é recreativo para quem tenha preservado o senso de medida e de justo valor. Como podem as pessoas usar tais lentes para contemplar a si mesmas? Mormente quando põem em relevo a própria miséria ou quando a miséria do ditame transparece sob a luz dos fatos?

Lula, como se sabe, disputou a eleição presidencial em condição análoga a de um efeito holográfico, um corpo de luz não identificável com a pessoa real que usava o mesmo nome e apelido. Era um Lula autorizado a competir sem que seu passado, seus amigos e seus governos pudessem ser mencionados se não fosse para elogiar.

A Revista Oeste, por exemplo, foi censurada ao mostrar a relação do candidato com ditadores de esquerda, entre eles, Daniel Ortega. Embora a história dessa relação bem conhecida viesse de longa data, o parceiro nicaraguense, cujo governo é denunciado por torturas, violência contra opositores, fechamento de Igrejas e perseguição de religiosos, reconhecido como ditador pela OEA, não pode ser referido na disputa presidencial brasileira. E esse caso é apenas um dos tantos em que a verdade teve que ir para o porão numa hora em que deveria ser apregoada dos telhados.

Em março, o próprio embaixador da Nicarágua na OEA se encarregou de denunciar a ditadura em seu país, durante reunião do Conselho da instituição em Washington! “Tenho que falar, ainda que tenha medo, e ainda que meu futuro e o da minha família sejam incertos”, disse, acrescentando que seu país tem 177 presos políticos e mais de 350 mortos desde 2018.

Agora, sob comando do Lula real, o Brasil escreve à OEA solicitando que sejam suprimidas do documento preliminar da próxima reunião as críticas à ditadura de Ortega por violação dos direitos humanos dos dissidentes. Como se sabe, para a esquerda, direitos humanos são atributos dos esquerdistas. A representação do Brasil petista pede que em vez de “a volta à democracia” seja solicitado “fortalecimento da democracia”.

O que mais precisa acontecer para que entendamos ser esse um sintoma de nosso próprio problema? Que é por estarem essas ideias no poder que ficou assim o que chamávamos liberdade, democracia e estado de direito?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

17/06/2023

 

Percival Puggina

        Em chamada para o editorial de hoje, a Gazeta do Povo envia mensagem com estas palavras:

Embora a indicação seja uma prerrogativa do presidente da República, a de Cristiano Zanin é uma afronta direta ao espírito do Estado Democrático de Direito e a todos os brasileiros. A nomeação não pode ser aprovada. Não cabe outra posição aos senadores da República. Chancelar o nome de Zanin seria um acinte – mais um – ao povo brasileiro e às instituições democráticas.

O editorial “O Senado Federal e o dever de barrar a indicação de Zanin” pode e deve ser lido aqui.

Pensando sobre essa indicação, lembrei-me do debate eleitoral entre Lula e Bolsonaro no qual, Lula, ao vivo e a cores para todo o Brasil, disse que “não é prudente, não é democrático, um presidente da República querer ter os ministros da Suprema Corte como amigos”. Na sequência,, foi ainda mais enfático: “Você não indica um ministro da Suprema Corte para votar favorável a você ou te beneficiar. Os ministros da Suprema Corte têm que ter currículo, as pessoas têm que ter história, têm que ter biografia e essa gente tem que fazer o que precisa ser feito”. Cristiano Zanin assistiu a esse debate na condição de mais improvável ministro do STF em um eventual futuro governo de seu cliente.

Agora, ao indicá-lo, Lula disse estar fazendo exatamente o que, segundo ele mesmo, um presidente não deveria fazer. Embora isso me soe como algo que carece de explicação, nem vou perguntar a ele o que queria dizer quando falou que “essa gente tem que fazer o que precisa ser feito”. Nem indagarei a você, leitor, se ficou surpreso com a mudança do discurso de Lula...

Indicação de alguém para uma função de Estado, tendo a relação de amizade pessoal como motivo sublinhado por quem indica, me faz lembrar a interveniência do próprio STF quando Bolsonaro nomeou Alexandre Ramagem para o cargo de Diretor Geral da Polícia Federal. Naquela ocasião, o ministro Alexandre de Moraes deferiu liminar em mandado de segurança considerando viável a ocorrência de “desvio de finalidade do ato e de inobservância dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.

Se não me falha a memória, esses princípios, baleados, capengas, arfando na ladeira dos acontecimentos, ainda lá estão, no bê-á-bá da Constituição.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

15/06/2023

 

Percival Puggina

         Certos acontecimentos nacionais só tem uma explicação racional. Felizmente, para bem de minha saúde pessoal e familiar, eu não tenho prova alguma do que penso saber que sei, exceto a inexistência de outra explicação. Assim, não posso verbalizar. Calo-me e sobrevivo.

Estamos em meio a um fervor punitivo massificado. O Brasil que sonhava com bandido na cadeia se depara com a sanha de prender e arrebentar adversários políticos. Não é a mesma coisa. É o que a casa oferece enquanto devolve cocaína e meios de transporte para traficantes. Muitos transformaram a persecução de índole política em meio pessoal de recreação. Quem conhece a história do Volksgerichtshof (Tribunal do Povo, na Alemanha do III Reich) sabe que seu presidente Roland Freisner encontrava certo sentido lúdico no que fazia.   

Nessas circunstâncias, morar no campo, sem internet e longe de quaisquer meios de comunicação pode se tornar opção para a vida saudável, obtida com o distanciamento das próprias razões para não perder a razão.

Estas advertências me ocorrem ao saber, por exemplo, que a deputada Dani Cunha conseguiu emplacar um projeto em que criminaliza a negativa de abertura ou manutenção de conta e concessão de crédito a pessoas politicamente expostas como ela mesma... A congressista é autora do projeto que criminaliza a mera crítica a tais personagens. Lembrei-me da resposta de meu pai, deputado estadual nos anos 60 e 70 aqui no Rio Grande do Sul, quando lhe perguntei como votaria projeto de aumento dos subsídios parlamentares: “Não votarei matéria em benefício próprio, meu filho”.  Lembrei-me de Castelo Branco mandando o irmão devolver o carro com que colegas o haviam presenteado. Lembrei-me de Peracchi Barcellos doando à Santa Casa um apartamento com que amigos o presentearam ao deixar o governo gaúcho. Lembrei-me de que já fomos assim.

Não irei, mas até que morar no campo não é má ideia, numa fria e chuvosa tarde de inverno, neste ano de trevas e temores de 2023.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.