• Percival Puggina
  • 06/01/2016
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UMA POLÍTICA CONTRA O TRABALHO

 

Leis e instituições devem estar ordenadas pela razão, a serviço do bem comum. Há problema grave quando as instituições operam para si mesmas, ou quando a lei determina práticas que entram em contradição com o bem comum. Não hesito em afirmar que a legislação trabalhista brasileira, os mecanismos criados para regular as relações laborais e os critérios dominantes na Justiça do Trabalho produzem tal efeito. Gerar empregos, no Brasil, não é bom. É péssimo. São tantas e de tal monta os encargos incidentes sobre as folhas de pagamento que os trabalhadores recebem menos do que deveriam e os empregadores pagam mais do que poderiam.

Um amigo meu, dono de construtora, precisava, há alguns anos, concluir uma obra em ritmo acelerado. Seus operários faziam hora-extra na satisfação de quem, trabalhando mais, ganharia mais para sustento de sua família. A fiscalização chegou ao local e constatou que dois deles haviam excedido o número de horas permitido. Esse fato gerou uma multa em montante escandaloso. Danem-se, perante a fria norma, os interesses comuns de empresários e trabalhadores.

Certo construtor contratou os serviços de remoção em caminhão do entulho gerado em sua obra. Encerrados os serviços e pagos os valores ajustados, foi demandado em juízo pelo caminhoneiro e condenado a pagar, para o caminhão, férias, fundo de garantia, 13% salário e tudo mais.

José, mau patrão, despede seus funcionários como forma de não pagar o que lhes é devido e empurra para frente, em longos processos, o cumprimento de obrigações patronais irrecusáveis. Diz José que mediante acordos acaba pagando menos do que deve. “Já que todos vão para a justiça, faço meus acertos lá, de uma vez só”, conclui ele.

Antônio, mau empregado, foi despedido. Seu patrão pagou tudo que lhe era devido e ainda assim precisou enfrentar uma ação trabalhista cujo montante superou todos os salários recebidos pelo trabalhador durante os meses em que serviu à empresa.

Que sistema é esse que beneficia o mau empregado e o mau empregador? Serve ao bem comum uma situação que inibe e penaliza a decisão de empregar e faz com que todo empresário anseie por operar com um quadro de pessoal inferior até mesmo ao mínimo indispensável (e que se ergue sobre sua cabeça como uma espada de Dâmocles)? Será assim que vamos gerar trabalho para os desempregados do país?

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

                


Odilon Rocha -   07/01/2016 22:00:40

Mas, Professor! Não é o Governo dos Trabalhadores? Empresários, empreendedores e executores (de todos os níveis) são trabalhadores! Desde que me conheço por gente, iniciando minhas primeiras leituras sérias no Correio do Povo, me deparo com a palavra reforma em tudo que é setor, e, se não me engano, a trabalhista estava lá, também. Entra ano, sai ano, e as tais reformas só no jornal. Jornal aceita tudo! Passados, mais ou menos, 40 anos, as reformas continuam sendo palco de disputas, gritarias, demonstrações veementes de urgência, mas só isso. Nada! É um país ordinário.

Pablo -   07/01/2016 19:22:04

Normalmente leio e gosto muito de seus textos, mas não deixo comentários. Entretanto, neste texto especificamente, acho que o seu exame foi superficial. No primeiro exemplo (do excesso de horas extras), parece ter faltado planejamento ao dono da obra. A lei admite 2 horas extras diárias por empregado. O objetivo principal é evitar os acidentes que ocorrem com maior frequência com empregados que trabalham exaustos. Trata-se, obviamente, de uma intervenção na liberdade individual, mas deve-se lembrar que parte relevantes dos custos decorrentes dos acidentes de trabalho são suportados pelo estado, via INSS e SUS. Para o dono da obra, o planejamento deveria ter sido feito de modo a considerar o cumprimento da regra, de resto muito simples. O mau patrão José certamente não sabe fazer contas. O pagamento em atraso da rescisão implica multas pesadas, juros e correção monetária. Ainda que ele consiga fazer acordos que considera vantajosos, o custo com a contratação de advogados e o tempo de trabalho de seu preposto certamente inviabilizam seu projeto. Além disso, o empregado que, normalmente, não demandaria contra ele, sente-se instigado a fazê-lo por não ter recebido corretamente o acerto rescisório. Em quase duas décadas atuando como advogado trabalhista, não conheci uma única empresa que tivesse mais de 20% de processos trabalhistas (comparativamente aos empregados demitidos). O número habitual gira entre 2% e 3%. José parece desejar ter 100%. Já o mau empregado Antônio parece não ter recebido tudo o que lhe era devido, não é mesmo? Ou não teria ganhado o processo. Parece que seu patrão foi mau defendido, ou não produziu, no curso do contrato de trabalho, os documentos que certamente lhe evitariam a condenação trabalhista. Por fim, quanto ao caminhão, resta saber por quanto tempo ele trabalhou para seu contratante, se o fez com exclusividade etc. Os exemplos dados revelam ignorância dos empregadores quanto à legislação trabalhista, e não a insegurança jurídica que dela emana. A insegurança existe e deve ser combatida, mas ela só pode ser razoavelmente medida quando a matéria é do pleno conhecimento de todos. Treinamentos resolveriam a questão dos infortunados patrões citados em seus exemplos. Eu, modéstia à parte, tenho exemplos mais interessantes. Cito dois. Um empregado da empresa X passou a sofrer de severa moléstia cardíaca. O perito do INSS determinou que ele voltasse ao trabalho. O médico do trabalhou negou-se a atestar sua saúde ocupacional. O INSS suspendeu o benefício (auxílio doença), e o empregado, sem ter o que fazer, demandou contra a empresa (simplesmente porque o processo trabalhista é mais célere que o processo contra o INSS). A empresa foi condenada a indenizar o trabalhador pelo período de afastamento. O trabalhador, antes mesmo do fim do processo, morreu em razão da moléstia. Tudo o que resta à empresa, agora, é uma ação de regresso contra o INSS. Nada que não se resolva em duas décadas, mais ou menos. O melhor exemplo, entretanto, não diz respeito ao direito do trabalho, mas ao espírito profundo do brasileiro. Um dono de empreiteira contratou (pessoalmente, não pela empresa) um pedreiro para fazer uma pequena obra em sua casa. O preço era de R$150,00 por dia de trabalho. O pedreiro disse que seriam necessários dez dias. Conhecendo os profissionais da área como conhece, o empreiteiro fez então uma proposta distinta: pagaria R$3.000,00 como preço fechado, independente do tempo de duração da obra. O pedreiro redarguiu: "não, desse jeito em não posso fazer só por R$3.000,00. Tem que ser mais." Erro de cálculo? Não. Ao cobrar por dia, ele faria a obra durar muito mais que os 20 dias que lhe renderiam R$3.000,00. Meu cliente, desiludido, desabafou comigo: "No Brasil todo mundo rouba todo mundo. O empregador rouba um tanto de hora extra, de adicional noturno etc., e o empregado, em troca, faz hora, rouba tempo." O que meu cliente não disse, entretanto, mas eu fiz ele saber, é que esse vício generalizado tem longa tradição histórica no Brasil, mas ele vem de cima para baixo, e não o contrário.

Genaro Faria -   07/01/2016 17:08:16

Há muito mais o que dizer sobre esse assunto, caríssimo professor Puggina, mas o que seu artigo expôs dá a medida do descalabro nas relações trabalhistas do país. Duas são as raízes desse mal: a) o imposto sindical e; b) a territorialidade da representação de uma categoria laboral. Em poucas palavras, sua origem está no Estado Corporativo, obra capital de Benito Mussolini, que inspirou a Carta del Lavoro da Itália fascista, modelo que o peronismo e o getulismo procuraram seguir com o propósito declarado de dar proteção legal ao trabalhador contra os abusos do patronato. Mas o principal objetivo dessa legislação era bem outro, como sua implementação vem provando indubitavelmente. Era o mesmo de todos os países socialistas da primeira metade do século passado, qual seja, vincular ao estado totalitário a representação sindical, garantindo desse modo o controle das massas operárias, tão caras aos demagogos da esquerda e da direita, sem as quais não se sustentam as ditaduras. Hoje, essa legislação é o traço mais distintivo entre as economias livres - onde a representação sindical não é composta por pelegos - e outras, como a nossa, em que essa representação é manipulada pelo poder central que a vincula como uma espécie de tentáculo burocrático. Não admira, pois, que todo o aparato legal que a contempla seja a molde de servir ao estamento político, mesmo no caso da representação patronal. Contar com sindicatos livres dessas amarras, autênticos, é quesito fundamental para a dignidade do trabalho numa democracia sustentável, para a justiça social e o desenvolvimento econômico nacional.

Rodnei -   06/01/2016 22:59:07

Mentiram pra mim desde que nasci. Esse país não é sério, é só um amontoado de malandros montados nas costas dos burros que não sabem (ou não querem) passar a perna nos outros.

Ricardo Moriya Soares -   06/01/2016 17:30:20

Eu não assino mais CT justamente por causa da loucura orwelliana que se transformou a legislação trabalhista - eu não assino e ponto! A Justiça do Trabalho nem deveria existir, pois funciona mesmo como uma espécie de justiça paralela - que vai de encontro ao princípio de igualdade da CF, privilegiando um grupo em detrimento a outro. Esta herança fascista deveria ter sido extinta em 1988, só que não, ocorreu justamente o oposto e em menos de 30 anos ampliaram os seus poderes e aumentaram exponencialmente as cobranças abusivas sobre recursos e outras taxas. O problema maior é que o povo como um todo aprova a manutenção da aberração chamada de CLT - será que a Justiça Comum não basta? Ou porque nada funciona direito na esfera púbica temos que manter enclaves totalitários que funcionam mesmo para destruir empresas e famílias? Por que não deixar a Justiça Comum mais eficiente (como em qualquer país ocidental!)? Não, não no Brasil.... Aqui governantes, advogados, políticos, professores, estudantes, etc. lutariam com unhas e dentas contra o fim de um modelo bizarro de justiça torpe, e no fim das contas, nada seria feito. Por isso, eu prefiro me virar sozinho e sem assinar a carteira de um desconhecido que pode muito bem destruir minha empresa e minha família... e tudo garantido por lei.