Enquanto Lula, condenado, excitava sua militância em overdose de si mesmo, pus-me a pensar sobre os caminhos que o levaram do torno da Villares ao trono da República e, daí, ao escorregador moral cujo mais provável término parece ser a porta da penitenciária.
Creio que essa trajetória encontra importante pista na resposta à seguinte pergunta: qual o bem de maior valor concedido por qualquer vendedor no balcão da corrupção política? Não, não é o que ele materialmente entrega. Não é o contrato, a Medida Provisória, o financiamento privilegiado. O mais valioso é aquilo a que ele renuncia em si para fazer essa entrega. Todo ser humano sabe que sua liberdade deve estar orientada para o bem, para a verdade, para a conduta digna. Desde algum lugar, a consciência emite conhecidos sinais de recusa à mentira, ao vício, ao ato ilícito. A corrupção, portanto, envolve a venda disso, a venda da consciência em troca de algo. Nessa mercancia, o corrupto vai alienando sua integridade, sua dignidade, seu amor próprio. Nunca é um ato singular, a corrupção. Na política, a pluralidade de atos dessa natureza constrói e consolida muitas carreiras. Mais adiante, nas últimas cenas dessas tragédias humanas, possivelmente vão-se os amigos, a família e a própria liberdade.
É bom saber, portanto, que a corrupção não funciona como um precipício onde há uma única e decisiva queda, mas como um escorregador por onde o corrupto resvala pouco a pouco, vendendo sempre o mesmo bem de Fausto: sua consciência, sua alma.
O desconhecimento que temos ou a pequena importância que atribuímos aos primeiros movimentos nesse escorregador moral ajuda a corrupção a se disseminar nos níveis quase demográficos constatados em nosso país. Trata-se de algo semelhante ao observado em tantos vícios que criam dependência a partir das primeiras e pequenas doses. Faz lembrar, também, às enfermidades adquiridas por desinformação. Os indivíduos desconhecem o mal que aquilo lhes causará no tempo.
Rodrigo Loures, saindo furtivamente à calçada da pizzaria, escrutinando a rua e correndo para o carro com a mala que recebera de um emissário da JBS é imagem bem recente de tragédia clássica: o homem que se percebe como vilão, malgrado os aparatos do poder e o reconhecimento social. Não era ele o homem do homem?
Todo corrupto, porém, antes de ganhar triplex, sítio em Atibaia, conta corrente com alcunha na Odebrecht ou em nome de empresas offshore, "trust" na Suíça, mala de dinheiro, efetivou outras operações comerciais nas quais amordaçou a voz da consciência. E sempre a teve como mercadoria de troca. Para o político, a moeda com que a consciência é comprada pode ser sonante. Mas pode, também, ser voto na urna, emenda parlamentar, prestígio, poder, ou algumas dessas mordomias que a vida pública proporciona.
São muitas as formas da corrupção política e eu estou cada vez mais convencido de que a mentira (corrupção da verdade) é a primeiríssima em todas as piores biografias. As demais se vão encadeando por aí, umas às outras, sem que qualquer delas fique para trás, plasmando personalidades desprezíveis. O corrupto completo, o corrupto de aula de Direito Penal, cujas escorregadas acabam muito perto da porta da cadeia, fala como um falsário, corrompendo a lógica e a razão; distorce os fatos, corrompendo a história; difama adversários, jogando sobre eles seus próprios erros e lhes corrompendo a imagem. Por aí vão, na pluralidade de seus negócios, até que um Sérgio Moro apareça no caminho e o sol comece a parecer quadrado.
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
VITORIO PEROZZO - 19/07/2017 19:10:35
Parabéns amigo PUGGINA. É graças a esse tipo de alerta que podemos formar uma opinião para poder transmitir aos amigos os FATOS com base em alguém com conhecimento de causa. UM GRANDE ABRAÇORossini - 17/07/2017 20:02:20
Puggina, este teu artigo é memorável! Sinto vontade de imprimir em por na parede da minha sala.Susana - 15/07/2017 21:19:59
O que preocupa é que o Lula está em plena campanha e seus discursos, plenos de falácias, mentiras e auto-engano, hipnotizam sua militância, que não é pequena. Queira Deus que haja mais pessoas sensatas neste país do que o Lula possa imaginar e que nas próximas eleições, se candidato, ele possa receber também o julgamento nas urnas.Juan Koffler - 15/07/2017 21:17:40
... mas sim na índole asquerosa, leniente e permissiva das largas massas sociais que NUNCA deveriam possuir direito a sufragado. Reflita e se convencerá. Com todo respeito!Genaro Faria - 15/07/2017 21:15:15
Lula é uma dessa figuras excepcionais da espécie. O que está escrito no texto não vale para ele, eu penso. Melhor, segundo testemunham muitos que o conheceram desde priscas eras. Ele nunca teve nenhum caráter. Por isso não precisou vender a alma ao diabo para receber do pai da mentira seus favores sinistros. Como diria outro crápula, Antònio Gramsci, Lula é um "intelectual orgânico". Já nasceu pronto para brilhar na história na sarjeta .Juan Koffler - 15/07/2017 21:12:49
Parabéns ao comentário inteligente de Dalton Rocha. Pontual e equilibrado. Quanto ao seu artigo, meu preclaro Puggina, sinto dizer-lhe que você "choveu no molhado", tal qual as toneladas de artigos disseminados na mídia, sentido lato. Enquanto os prolixo artigos se sucedem em verdadeira enxurrada, caindo na mesmice do lugar-comum, o indigitado objeto da sua análise vomita estrondosas gargalhadas já festejando o previsível resultado dessa imensa montanha de peroraçoes inócuas, vazias e cansativamente repetitivas. A impressão que emerge desse discurso já por demais cansativo, sinaliza para um "gran finale" mais que previsível: impunidade. Não se iluda, meu caro. O problema central não reside nas posturas torpes e criminosas desse energúmeno - marca registrada da nossa politicalha - mas sim na histórica éCarlos Edison Fernandes Domingues - 15/07/2017 18:11:41
PUGGINA ! O que escreveste é uma mensagem para lapidar. Sinto-me feliz por estar lendo e relendo exatamente em 15 de julho, quando sei que comemoramos o DIA NACIONAL DO HOMEM. Procuro ser um homem que, a família, a escola e a religião contribuiram para amalgamar, consolidando uma linha de conduta que repele a corrupção. Carlos Edison DominguesJoma Bastos - 15/07/2017 17:10:16
Ótimo artigo! Bom Final de Semana!Antonio Augusto d´Avila - 15/07/2017 15:32:17
O Dalton Rocha tem razão quanto ao patrimonialismo, mas o patrimonialismo tem suas raízes fincadas na monarquia hereditária, o monarca era o senhor de todo o seu reino. Apenas substituímos a monarquia hereditária pela monarquia eletiva. Quanto ao resto tudo continua igual.J. Falavigna F. - 15/07/2017 12:58:48
Prof. Puggina, o texto é tão belo e pleno de verdades que já esquecíamos que elas ainda existiam no curso de nossas jornadas. E os áulicos da desinformação tentaram corromper as mentes, tornando-as desprovidas da capacidade de pensar livremente. E conseguiram, em parte. Mas, agora, escorregam para o quarto frio das prisões, onde as portas gradeadas das penitenciárias irão separá-los da verdade e deixá-los a sós com a mentira. Lá, não poderão negociar, pois não possuirão sequer resquícios de moral e de dignidade para mercantilizar no balcão de trocas ou de vendas a sua consciência. Esqueceram que a Verdade é incorruptível e não anda de braços dados com a mentira. Espero que leiam das tribunas dos Legislativos esta ode ao restabelecimento da moral e da dignidade entre os políticos brasileiros. Ad sumus!Dalton C. Rocha - 15/07/2017 11:58:47
O verdadeiro problema do Brasil não é Temer. Como também não era Dilma, não era Lula, nem FHC, nem Collor, nem Sarney, nem Jango ou Jânio. O verdadeiro problema do Brasil é, o patrimonialismo. A eterna mania nossa de confundir patrimônio público, com patrimônio privado. Afora isto, estamos sempre apostando em fracassos e vergonhas. Em 1888, nós fomos o último país das Américas a acabar com a escravidão e seguimos hoje, tendo coisas abjetas, tais como o monopólio estatal do petróleo e o imposto sindical. O petróleo é dos árabes. E a Petrobrás é da CUT. Dei-me um país, que tenha monopólio estatal do petróleo e, eu lhe darei um país pobre e uma cleptocracia. Qual deveria ser o hino do PT? Aquela música que diz: “Onde está o dinheiro? O gato comeu, o gato comeu. E ninguém viu. O gato fugiu, o gato fugiu. O seu paradeiro está no estrangeiro.” Quem quiser, que veja a música completa neste site: https://www.youtube.com/watch?v=92rr8EcDc90 "Porém o suprassumo da cretinice é contestar a fidelidade de Lula ao comunismo mediante a alegação de que é um larápio, um corrupto. Qual grande líder comunista não o foi? Qual não viver como um nababo enquanto seu povo comia ratos? Qual partido comunista subiu ao poder sem propinas, sem desvio de dinheiro público, sem negócios escusos, sem roubo e chantagem?" > http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/el_mayorAdalberto Braga - 14/07/2017 20:55:43
Eu não me queixo por ler na sua página, artigos escrito por outros, mas bem que poderiam ser pelo menos no padrão deste seu. A escolha dos artigos de outros autores postados por você não deve ser criticada, já que a Página é sua, mas para cada postagem de outro, nós somos privados de artigos como esse, excepcional.Jonny Hawke - 14/07/2017 19:37:14
O meu medo é que Lula entregue todo mundo pra se livrar da cadeia como faz todo bom esquerdista e vire herói nacional. Ele não é como Dirceu, ele não honra pela ideologia!