23 de abril de 2009
L?inha Quinho caminhando no gingado t?co, como se deslizasse num forr?lestial, trazendo sob a axila direita dois volumes. Ao ver-me, abriu seu sorriso radiante e falou: “Doutor, que prazer v?o”. Respondi: “Todo meu, meu amigo, que livros s?esses?”. Ele: “Comprei naquele sebo da Augusta, meio lix? o aspecto. Um real cada. Mas s?livros bons. Li, reli e tresli. Decorei-os de t?bons”.
Peguei os volumes e me espantei: A Rebeli?das Massas, do fil?o espanhol Ortega y Gasset e A Nova Ci?ia da Pol?ca, do alem?Eric Voegelin. Olhei para ele agradavelmente surpreendido. As p?nas soltavam-se pelo peso do tempo e da m?ualidade das edi?s.
– Quinho, esses caras s?bambas. N?sabia que os conhecia.
– Eu os tenho lido sempre. Gasto parte de meu tempo na Biblioteca M?o de Andrade, tenho at?arteirinha. Vou l?elo menos tr?vezes por semana, p? leitura em dia. Esses tesouros est?l?Mas por um real at?u compro. Dif?l ?uardar.
– Veja, Quinho, esses n?s?autores comuns. Ningu?os l?
– Mas devia, n??doutor? N?d?ara compreender o Brasil sem saber o que esses fil?os escreveram. Veja bem, como explicar que elegemos um presidente semi-analfabeto, que gosta da branquinha e tem cara de cachaceiro? Nem pega bem. E, ainda por cima, esse presidente ?ue vem a sancionar o acordo ortogr?co e instalar a Lei Seca, uma franca ironia da hist?, doutor. Est?udo fora dos eixos, nem esse cachaceiro deveria ser presidente e nem essas leis deveriam ter sido aprovadas, assim. Tudo invertido.
– Explique, eles abordam isso? Estudaram isso, Quinho?
– Sim. O Ortega nesse livro fala da rebeli?das massas que ele j?ia no in?o do s?lo XX. Aquela coisa horrorosa do Hitler e do comunismo no mundo todo, matando meio mundo. Est?udinho explicado l? A guerra civil espanhola, fato que previu e que o fazia sofrer, est??amb? H?uem pense que as massas se rebelaram por causa do sufr?o universal ou meramente pelo golpismo dos extremistas de direita e de esquerda. Nada disso. A rebeli?come? muito antes. Essa quest?do sufr?o universal ou do golpe de Estado ?cess?, como ?cess? a forma de governo. Veja, onde impera o comunismo instalam-se dinastias, como a dos Fara?Tanto faz como os governantes sejam escolhidos, se por votos ou por baionetas. O ponto ?ue o n?l moral e intelectual do povo caiu demais e essa gente moralmente deformada passou a escolher os governantes. Agora temos os piores no poder. O senhor viu o Obama nos Estado Unidos? Igual aqui. Os piores agora est?governando l?um perigo para a humanidade.
Quim tomou f?o e abandonou o sorriso habitual. Eu desconhecia esse aspecto professoral de sua personalidade. Continuou:
– Ortega aponta que a subida das massas coincidiu com a debandada dos egr?os, das elites. As massas agora escolhem seus pares para governar, escalados para atender a todos os seus apetites. Por isso que a?esse livro ele sublinha a necessidade e se respeitar a tradi?. Chama de “direito ?ontinuidade”. Essa ?ma das grandes contribui?s do espanhol, mas onde est?amb?a sua grande fraqueza te?a. Lendo a sua obra veremos que ele n?gosta muito do cristianismo, mas a l?a do seu argumento leva necessariamente a pensarmos que essa tradi?, essa continuidade, ?recisamente os valores morais tradicionais do cristianismo. O cristianismo, e s?e, ? corda que une a Antiguidade com o tempo presente.
– N?entendi, repliquei.
– Olha, doutor, ??ue a filosofia do Voegelin se agiganta e completa a an?se orteguiana. Voegelin vai mostrar que os movimentos que ele chama de gn?cos, a falsifica? da mensagem crist??ue vai tomar o lugar da moral tradicional. A pol?ca moderna assume essa fei? religiosa secular, algo superado pelo cristianismo. A?il?os patifes como Rousseau e Marx e esse tal de Nietzsche, que tinha um bigod?igual ao meu, aloprado de jogar pedra na lua, ?ue ir?formar a mente das multid? Veja s?aponta para mim a banca de jornal – tudo que se v?scrito ali, nas revistas, livros e jornais que vendem, s?reprodu?s mais ou menos integrais desses tr?caras. ?o relativismo moral dando fundamento ao relativismo pol?co. Como o povo ter?oa forma? moral quando se ensina nas escolas esse lixo, que ?eproduzido pela imprensa? Pessoas assim s?colher?Lula e Obama, doutor, e at?ol?cos piores do que eles. Elas n?t?a menor id? do que est?fazendo.
– Voegelin falava tamb?da representa? existencial, arrisquei opinar.
– Isso ?uito importante, doutor. Se o n?l moral das massas encontra-se no est?o criminoso, seus governantes ser?o espelho disso. Hitler foi a alma do povo alem?a seu tempo, como Stalin foi na R?a. Cada lei que se aprova com o parlamento controlado por essa gente ?ma esculhamba?. O Estado n?mais est? servi?do Bem, da Justi? como era no passado, com todas as suas limita?s. Ele agora existe para satisfazer as bestialidades, para ajudar no v?o da pregui? para eximir o povo dos deveres e conferir-lhe direitos conflitantes e descolados da realidade. Est?gora a servi?do racismo oficial, como nos tempos de Hitler. Em resumo, puseram o Estado a servi?do Mal. Tentam em v?abolir o direito natural. A vida material das pessoas s?as e trabalhadoras, cumpridoras dos seus deveres, virou um inferno. At? pr?ca da boa moral privada est?endo criminalizada. Os governantes fazem essas maluquices precisamente para atender aos baixos instintos coletivos. ?o momento em que o tra?criminoso do homem comum se transforma no molde das institui?s pol?cas. S? legitima para governar agora quem se submeter aos caprichos da multid? que n?quer nada com o batente, s?er vida boa, bolsa disso e daquilo, sa?de gra? educa?, aposentadoria, “direitos”. Doutor, isso n?vai dar certo n?
Fiquei pensativo, olhando a capa dos livros. O que Quinho dizia era s?o demais, a realidade imediata se dava inegavelmente aos olhos.
– Doutor, a impress?que d? que os governantes fazem isso apenas para se eleger, mas ?m erro pensar assim. Se a multid?estivesse moralmente sadia, com a alma ?egra, jamais daria ouvidos a candidato de n?l t?baixo e ficaria contra as leis que ferem o bom senso e a boa moral, que jamais seriam aprovadas. O senhor viu a ultima elei? para prefeito. Que diferen?faz os nomes que concorreram? Veja que o discurso dos candidatos ?uito homog?o. O programa de todos eles ?raticamente o mesmo, a cartilha de como melhor atender aos nossos v?os coletivos. Felizmente aqui em S?Paulo n?elegemos a Marta do PT. J?ensou? Posso dizer que o grau de loucura coletiva paulistana ?enor que a m?a da loucura coletiva do Brasil.
– O que fazer para reverter a situa?, Quinho?
– Sei n? doutor, da ultima vez deu em fornos cremat?s e na Segunda Guerra Mundial. Monte de gente morta. Sei n? Isso n?est?e cheirando bem. Viu o ?io cocaleiro na Bol?a? Esse sargent?na Venezuela? Sei n? o neg? est?eio. Eu at?uero ver se esse povo do PT vai passar o poder. 3 vezes tenho d?a.
Ficamos em sil?io. Parecia que a atmosfera particular que divid?os ali era diferente da do ambiente. O ar ficou pesado, a ang?a estampada em meu rosto.
– Doutor, o neg? ?ezar. Rezar mesmo, que o tempo ?e ora?s. Fico pensando em Santo Agostinho. “Haver?ez justos em Roma?” Temos dez justos em Sampa? Doutor, eu me apavoro quando penso no santo e na queda do Imp?o Romano.
–Quinho, porque est?as ruas? Ficou inevit?l perguntar.
– Ora, doutor, vivo uma forma particular de monasticismo. Durmo pouco, pratico o voto de pobreza e castidade, pratico o bem, rezo e estudo o que posso. Tenho um mosteiro desprovido de paredes, um claustro sem isolamento. E assim penso que fa?louvor a Deus.
Despedi-me. Depois dessa perdi a vontade de chegar em casa, mas tinha que voltar.