• Reinaldo Azevedo
  • 11 Dezembro 2015

(Do blog do autor em veja.abril.com.br/blog/reinaldo)

Estava antes mesmo de ele ser candidato ao Supremo. Sua proximidade com o MST o tornava, a meus olhos, suspeito. Coube a ele a relatoria das ações movidas pelo PCdoB contra o rito do impeachment: uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), à qual se agregou incidentalmente pedido de liminar contra a votação secreta para a escolha da comissão do impeachment — liminar que ele concedeu. No dia 16, as questões vão a plenário, e os 11 ministros poderão se manifestar.

Na ADPF, o PCdoB aponta o que considera incompatibilidades entre o rito do impeachment estabelecido na Lei 1.079 e a Constituição de 1988. Há, sim, uma que é flagrante: o texto menor prevê que o presidente se afaste tão logo a Câmara admita, por maioria de dois terços, a denúncia — foi o que aconteceu com Fernando Collor, já na vigência desta Constituição, que prevê o afastamento só depois que o Senado dá início ao processo. A diferença é pequena, de dias. As demais reclamações do PCdoB não passam de conversa procrastinatória.

Cito um caso: o partido alega que o direito à ampla defesa obrigaria o presidente da Câmara a ouvir o da República antes de dar início à tramitação. É papo pra boi dormir. Desde a aceitação, o Regimento Interno da Casa estabelece até 10 sessões para que a defesa se manifeste. A Lei 1.079 garante amplo direito de defesa ao acusado no Senado, que é quem processa e julga o supremo mandatário da nação, sob o comando do presidente do STF.

Pois é... Fachin suspendeu o rito do impeachment porque entendeu que o voto secreto para eleger a comissão pode não estar de acordo, vamos dizer, com o espírito da Constituição — ainda que nenhum dispositivo preveja o voto aberto. Mas, já escrevi aqui, rende um bom debate. Será que o princípio da publicidade, conforme estabelece o Artigo 37, impõe o voto aberto quando a própria Carta é omissa a respeito, uma vez que ela é explícita quando quer voto fechado?

O conjunto dos ministros vai dizer.

O que me incomoda na fala de Fachin é outra coisa. Consta que ele vai propor um rito novo para o impeachment, do começo ao fim — isto é, desde o início da tramitação da denúncia, na Câmara, ao julgamento propriamente, no Senado.

É mesmo, é?

Tenho boa memória. Fachin fez a defesa solene da independência dos Três Poderes na sabatina de que participou na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Um de seus compromissos foi respeitar a autonomia do Poder Legislativo, deixando claro que não cabe ao Supremo fazer leis.

Respondendo a uma questão do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), disse que as respostas que dava na sabatina tinham um valor vinculante — vale dizer: ele poderia, depois, ser cobrado por elas caso não as cumprisse. Transcrevo literalmente o que disse:
"O que estou a dizer aqui tem um sentido vinculante do que penso e do que será a minha conduta. Sei que isso constitui objeto não só do registro da minha e da vossa consciência, mas isso constitui também objeto dos registros que esta Comissão terá caso eu venha, eventualmente, a ser aprovado para colocar em prática os compromissos que estou assumindo, que não são compromissos meramente retóricos".

Não sei que "rito" doutor Fachin pretende sugerir — e este só vai prosperar com a concordância da maioria dos ministros, mas me vejo obrigado a lembrar que não cabe ao Supremo legislar.

Mais: parece-me que não honra a boa tradição jurídica — não é mesmo, ministro? — criar regras novas depois de começado o jogo, mormente quando outro presidente da República já foi deposto com esse arcabouço legal que aí está. Tecnicamente, Collor primeiro renunciou e só depois foi impichado pelo Senado, quando já não tinha mandato...

Julgar uma ADPF, entre outras ações, é tarefa do Supremo. Fazer leis, bem..., aí não é. Uma coisa é definir que determinada lei, há muito em vigência, entrou em desacordo com uma Constituição que lhe é posterior; outra, muito distinta, é legislar abertamente sob o pretexto da harmonização dos textos constitucional e legal.

Pode até ser que precisemos de uma nova lei para definir os crimes de responsabilidade. Caberá ao Congresso redigi-la. A Fachin e aos demais ministros cumpre apenas zelar para a que a aplicação das leis que temos se faça de acordo com os princípios da Constituição que também temos.

Se Fachin quer fazer leis, ele tem de estar abrigado sob uma daquelas duas conchas da Praça dos Três Poderes.

Espero que o ministro não proponha um rito que, como vou dizer?, leve à conclusão de que a deposição de Collor, em 1992, foi inconstitucional. Afinal, as leis eram as mesmas. A Constituição é a mesma.

Ou é privilégio de um presidente de esquerda ser maior do que as leis e a Constituição?
 

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  • Paulo Briguet
  • 10 Dezembro 2015


(Publicado originalmente em www.jornaldelondrina.com.br)

Há dois grupos em conflito: os filhos da CUT e os filhos do Brasil. Eles podem ser facilmente reconhecidos pelas cores que usam nas manifestações: os filhos do Brasil vão de verde-amarelo; os filhos da CUT preferem vermelho.

Os filhos do Brasil, mais numerosos, fazem seus protestos no domingo, porque precisam trabalhar na segunda-feira. Os filhos da CUT, em menor número, fazem seus protestos no meio da semana, porque têm estabilidade no emprego ou foram liberados pelos chefes. Sem contar o pão com mortadela, é claro.

Os filhos da CUT invadem propriedades (como fizeram com a Fazenda Figueira, em Londrina, uma das mais produtivas do Brasil). Os filhos do Brasil garantem uma safra recorde e carregam a economia do País nas costas. Mesmo assim, os filhos do Brasil são chamados de capitalistas, burgueses, exploradores e escravocratas. Enquanto isso, os filhos da CUT recebem polpudas verbas federais para continuar realizando suas marchas e invasões.

Os filhos da CUT chamam os filhos do Brasil de golpistas. E, no entanto, é o presidente da CUT que incita seus correligionários a pegar em armas para defender a “presidenta”. Os filhos da CUT chamam os filhos do Brasil de fascistas. E, no entanto, são os filhos de CUT que poderiam dizer, com Mussolini: “Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”. Os filhos da CUT chamam os filhos do Brasil de inimigos da democracia, mas quem defende a turma do mensalão e do petrolão são os filhos da CUT; e também são os filhos da CUT que querem censurar os filhos do Brasil nos jornais e nas redes sociais.

Os filhos do Brasil constituem a imensa maioria, algo como 91% da população. Mesmo em minoria, os filhos da CUT são muito perigosos, porque nada têm a perder, exceto o poder. E, vamos admitir, eles são muito mais experientes em estratégias e manipulações. Sem contar que os filhos do Brasil são amadores na política, não têm emprego estável nem ajuda oficial; precisam lutar pela sobrevivência, e isso consome tempo e energia. Só os filhos da CUT podem se dedicar à política em tempo integral.

Os filhos da CUT estão muito nervosos de um tempo para cá, principalmente depois de certas prisões efetuadas pela Operação Lava Jato. Ultimamente eles também não têm apreciado bonecos infláveis. Por falar em Lava Jato, há um teste infalível. Se você estiver em dúvida se alguém é filho da CUT ou filho do Brasil, pronuncie calmamente as palavras “Sérgio Moro”. Se o sujeito sorrir, é filho do Brasil. Se fizer careta ou sair correndo, é filho da CUT.

Os filhos da CUT também são filhos do Brasil, e merecem perdão. Mas ajudaria se eles parassem de mandar em nós. Misericórdia!

 

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  • Bernardo Santoro
  • 10 Dezembro 2015

(Publicado originalmente em http://www.institutoliberal.org.br)

A insatisfação de todo o Brasil com o Governo é visível e indiscutível. A esquerda que hoje ainda tenta defender o Governo Dilma do impeachment, através do frame político “impeachment é golpe”, não está interessado em outra coisa senão em cargos, comissões e negócios. Dentro da visão esquerdista pragmática, mas ética, o PT também não os representa, afinal, não faz gestão participativa, cria corporocracia, faz negócios obscuros e se interessa pouco por gestão microeconômica (nesse caso, graças a Deus). Em suma, ninguém sério, seja de que espectro político for, defende essa gangue.

No entanto, cada vez mais os principais apaniguados do Governo continuam reverberando com certo sucesso o frame político supra citado. Primeiro porque a classe artística e esportiva brasileira é abastecida por recursos da população, e depois porque o PT realmente possui uma militância muito aguerrida.

Não creio que esse discurso vai colar, mas a resistência à queda do Governo petista está realmente atrasando o trabalho de recuperação do país. Essa resistência é economicamente irracional.

O plano de governo do Vice-Presidente, apresentado pela Fundação Ulisses Guimarães, chamado “Ponte para o Futuro”, de cunho liberal, já é um sucesso entre o empresariado nacional. Cada vez que qualquer movimentação pró-impeachment é bem sucedida, a bolsa sobe, o dólar desce e os mercados se estabilizam. Não há mais freio para a gastança pública, com projeção de déficit nominal, apenas em 2015, de meio trilhão de reais. Inflação em dois dígitos. Aumentos da carga tributária para além de 40% do PIB. Exportações estagnadas mesmo com desvalorização cambial extrema. Economia deixando o patamar da recessão e entrando em depressão. Se fôssemos listar os problemas econômicos, faltaria espaço no blog.

Sobre a ótica jurídica, a Operação Lava-Jato já enviou ao TSE provas de que dinheiro público sustentou a campanha presidencial da Dilma em 2014. O TCU já declarou que a presidente, com as pedaladas fiscais, cometeu crime de responsabilidade.

Do ponto de vista político, resta claro que não existe mais sustentação no Congresso. O Governo perde votações simples, e o Dep. Ricardo Berzoini, quando da questão da votação das chapas que conduziriam o processo de impeachment, declarou que se o Governo não conseguisse aprovar a sua chapa, era sinal de que, mesmo que não ocorresse o impeachment, não haveria mais clima institucional de continuação do Governo.

Então por que a demora para se resolver, de uma vez por todas, essa questão que tem implicações políticas, econômicas e jurídicas que lastreiam uma decisão pró-impeachment?

Porque as instituições políticas brasileiras tem uma lógica burocrática, fruto da escolha do presidencialismo como sistema de governo.

O presidencialismo é um sistema de governo onde o Presidente exerce o poder executivo e o parlamento o poder legislativo, de maneira separada (o grau de separação depende do país). Nesse tipo de sistema, um Presidente possui, em regra, um grande poder administrativo, e há uma clara escolha pela estabilidade dos processos políticos, só havendo a possibilidade de destituição do Presidente em casos extremos.

No parlamentarismo, o poder executivo também é exercido pelo parlamento, através de um gabinete liderado pelo Primeiro-Ministro. Como ele é intrinsecamente ligado à sua base política, caso o gabinete já não seja mais apto a exercer a liderança nacional, vota-se uma moção de desconfiança simples, e o gabinete é afastado. Convoca-se novas eleições e o povo escolhe novos representantes. O processo político é mais instável, no entanto, os maus governos podem ser destituídos com maior rapidez e eficiência, quando já não mais traduzem a vontade popular.

Ironia das ironias, em um país como o Brasil, onde quase 90% da população já deixou claro em pesquisa que não quer mais ver Dilma Presidente do Brasil, continuamos aturando a nossa estocadora de ventos particular, fazendo com que o presidencialismo, que é um sistema que supostamente traz mais estabilidade política, se torne o causador direto da manutenção dessa intolerável instabilidade.

Precisamos, após essa tempestade e a queda do PT, refletir se o sistema presidencialista de coalizão do Brasil, sustentado por mensalões, petrolões e jetons, deve ser mantido, ou se poderemos finalmente mudar para o sistema político que efetivamente funciona em mais de 90% do mundo civilizado. E que não venham falar que, nesse modelo, Cunha seria o chefe da nação, pois é justamente em presidencialismos de coalizão, que figuras que negociam com cargos e influência chegam a esse nível de poder.

* Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.
 

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  • Marcelo Aiquel
  • 10 Dezembro 2015

 

 O Brasil assistiu, incrédulo e assustado, o show de chinelagem explícita que os nossos parlamentares deram, ontem (08/12), no Congresso Nacional.

 Alguns eufóricos com a demonstração de fraqueza dos governistas, outros desesperados com o crescimento repentino das forças oposicionistas, os deputados e senadores eleitos demonstraram à nação como um bando de incivilizados se comporta sob a menor pressão.

 O que se viu foi lamentável. Homens e mulheres que, teoricamente deveriam dar o exemplo de respeito e educação, batiam boca, trocando insultos e safanões como moleques no recreio de uma escola.

 Até parecia reunião de condomínio em prédio de fim de linha. Não! Nestas, com certeza, há mais respeito e educação. Por mais ogros que sejam os moradores.

 Sem comando, o que se viu foi o ocaso de um poder da República.

 A histeria e o descontrole grassavam nas dependências do Congresso, sem dar importância – os mais exaltados – sequer à transmissão das imagens e do áudio das galerias.

 Para fazer valer o que “acham seu direito”, comportaram-se como um grupo de desordeiros em um jogo de futebol, festejando a conquista de qualquer objetivo como se estivessem comemorando um gol de seu time na final do campeonato.

 Que vergonha!
 Chefes de família; pessoas que receberam a confiança de milhares (quiçá milhões) de eleitores; agindo como uma horda de bárbaros sem controle.

E, o pior: enquanto muitos se vangloriavam dos “feitos” desavergonhados, outros – que matreiramente ficam insuflando rebeliões sem mostrar a cara – assumiam o papel de indignados com o resultado do show.

Fala-se em uma necessária “faxina” no Congresso. Com certeza ela urge. Mas, juntamente com os acusados da hora, há que se incluir nesta “limpeza” muito mais gente que gosta de posar de vítima.Mas, em nada colabora para demonstrar um mínimo de equilíbrio, educação, e seriedade.

Pobre Brasil. Está nas mãos deste tipo de gente...
Que chinelagem!

Marcelo Aiquel - advogado

 

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  • Francisco Ferraz
  • 07 Dezembro 2015

(Publicado originalmente no site politicaparapoliticos.com.br)

A política é uma atividade muito complexa e complicada, uma área de que os mais prudentes se aproximam com cuidado, humildade, muito estudo e uma disciplina rigorosa, destinada a conter a arrogância intelectual, a precipitação e a confusão entre valores pessoais e a realidade. Tomemos um exemplo da realidade política brasileira atual: o episódio envolvendo o senador Delcídio Amaral e que o levou à prisão.

Se alguém declarasse que com uma única ação política teria o poder de provocar as a seguir listadas consequências políticas, seria por todos considerado um inconsequente e não mereceria nenhuma atenção: 1) levar à prisão o senador Delcídio e o empresário André Esteves; 2) constranger o STF e alguns de seus ministros; 3) revigorar a legitimidade do juiz Sergio Moro e a equipe da PF e MP e a presunção de veracidade das acusações já feitas; 4) remover do centro da cena política o deputado Eduardo Cunha; 5) reforçar as ameaças que pairam sobre Lula e conseguir calá-lo; e 6) constranger o vice-presidente da República.

Embora nem mesmo o autor da gravação pudesse ter previsto o conteúdo da conversa em todos os detalhes, a reunião provocou todas as consequências acima, do mais alto interesse público, e outras que me dispenso de acrescentar. Como é possível que isso tenha sucedido? Praticamente ninguém se faz essa pergunta. Se forçarmos uma resposta, ao acaso será tributada a ocorrência. Acaso mencionado de forma vulgar (azar de Delcídio) ou acaso referido de forma sofisticada (a inter-relação de múltiplos atores e variáveis).

Não se faz essa pergunta porque estamos acostumados no Brasil a encarar a política de outra forma. No nosso discurso político, resultados positivos para a sociedade são consequências sempre de intenções virtuosas em relação à sociedade. Essa concepção leva a política – discussão, deliberação, decisão – para o plano das intenções, subalternizando o plano dos resultados. Decide-se em quem votar pela escolha entre intenções declaradas. Decide-se o que fazer sem confrontar com os meios materiais de realização.

Curiosamente, entretanto, esse não é o caso das consequências “virtuosas” da reunião com o senador Delcídio. Ali cada um dos presentes participava com seu interesse individual. Nenhum tinha como motivação o interesse público. Apesar disso, aquela reunião produziu resultados fortemente favoráveis ao interesse público e muito positivos para a sociedade, provocados por indivíduos dominados por interesses pessoais, egoístas, imorais e ilegais.

Essa constatação implica, então, reconhecer a colisão frontal entre a concepção dominante de que resultados virtuosos decorrem de intenções virtuosas e a realidade de que resultados altamente virtuosos e positivos foram produzidos por intenções viciadas, imorais e ilegais. Não se trata de um confronto menor. A constatação da dependência dos resultados da natureza ética da intenção abriga nossa propensão a resolver litígios pelo recurso ao Judiciário, a visão da superioridade ética do Judiciário, da sua capacidade para encontrar “a” justa solução dos litígios e nosso desprezo por soluções negociadas, sempre eticamente inferiores à revelação do direito.

Mas se não podemos atribuir às boas intenções aqueles resultados positivos para a democracia e se não nos satisfaz atribuí-los ao acaso, como, então, explicar a sua causa?

Devemos olhar essa ocorrência por outra lógica. Afinal, há que lidar com um aspecto eticamente perturbador nesse caso: foram ações moralmente condenáveis que provocaram resultados moralmente positivos para o País, como as acima referidas. Devemos tais resultados, assim como tantos outros da Operação Lava Jato, a um fator crucial e decisivo: o instituto da delação premiada.

Objetivamente, esses resultados da Lava Jato, assim como todos os demais que, por zelo e competência, o juiz Sergio Moro e sua equipe produziram, ao desvelar o escândalo amazônico do petrolão, devem-se ao instituto da delação premiada.
Sem a delação premiada (um prêmio dado ao criminoso que colabora com a Justiça, uma negociação entre o interesse público e o interesse individual do acusado), muito pouco do que hoje sabemos sobre a dimensão da corrupção brasileira teria chegado ao nosso conhecimento e se tornado uma realidade política, econômica, ética e judiciária.
A delação premiada opera ao contrário daquela concepção da nossa cultura política: intenções virtuosas, resultados benéficos. Na delação a relação é: intenções egoístas, resultados benéficos. Nela a alquimia política é diferente do senso comum: são interesses individuais, egoístas e sem preocupação com o interesse coletivo que, na sua transição da esfera individual para a coletiva, resultam em benefícios públicos.

Maquiavel foi o primeiro a revelar essa lógica quando detalha como o príncipe liberal, ao gastar mais do que o cofre da República tem, se vê obrigado a tornar-se um príncipe mesquinho e autoritário para permanecer no poder, ao criar impostos, cortar despesas e saquear seus súditos. Por outro lado, o príncipe mesquinho, zeloso nos gastos, firme ao evitar pressões, por não gerar expectativas que não pode satisfazer, terá condições de em algum momento gastar em favor do povo, sem ameaçar seu reino.

A fórmula de Maquiavel sobre a peculiar alquimia das virtudes próprias da vida privada quando transferidas para a vida pública não é muito diferente da fórmula de Mandeville na sua Fábula das Abelhas: Vícios Privados Benefícios Públicos, tampouco da lógica do capitalismo desde Adam Smith, em que o interesse e o egoísmo individual racionalmente buscado (vício privado) pela ação das leis do mercado resulta no enriquecimento da nação (benefício coletivo).

Qualquer relação entre a situação da presidente Dilma e do modo de governo do PT com essa análise de Maquiavel é intencional e exemplo evidente do conselho político que o grande florentino deixou e chega ao Brasil com 502 anos de atraso.

* Francisco Ferraz é professor ee Ciência Política, Ex-Reitor da Ufrgs, É diretor do site ‘política parapolíticos.com.br’


 

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  • Genaro Faria
  • 06 Dezembro 2015

 

 O título é de um daqueles que um dia lemos quando ainda éramos tão jovens que ele mais nos impressionou do que nos ensinou. Não por culpa dele, mas da profundidade que nossa pouca idade não nos permitiria mergulhar.

 Mas não é dessa obra de estreia de Clarice Lispector, tão marcante na literatura brasileira, e em minha vida, que eu que falar. Não quero falar desse coração íntimo, no entanto tão estranho, que não aceita o desprezo do intelecto sem cobrar um preço devastador do ser humano. Sobre seu palpitar e a fúria selvagem com que se lança contra aquele que deveria ouvi-lo, mas o desdenha, é melhor abrir o livro de Clarice para ouvir suas advertências.

 Meu propósito é infinitamente mais modesto. Até porque, desde muito pequeno, eu tenho medo do escuro. E o lugar mais escuro do universo fica dentro de nós. Deve ser por isso que Deus plantou nele Seu mais insondável mistério.

 Não, eu quero falar de outra fera. Que é muito menos misteriosa. Essa fera coletiva, superficial, que se chama povo. Aparentemente, uma fera epidérmica, sem alma, racionalmente manipulável desde que se domine sua psicologia. Como se pode colocar um cabresto ou uma coleira e controlar os instintos de outros animais. Sim, outros, porque para os que assim cogitam, nós somos apenas mais uma espécie, quiçá, dotada de um intelecto mais inteligente. E por isso mesmo mais útil, porém mais rebelde. Difícil de ser domesticada.

Uma fera, portanto, que não tem nome. E muito menos, sobrenome. Que dirá uma história que as mais remotas lembranças poderiam contemplar, sob a pátina do tempo. Ou que a fotografia de um velho álbum de retratos possa testemunhar de um tempo findo, intangível, e por isso mesmo tão lindo.

É desse coração selvagem, mas perfeitamente domesticável, que cuidam os marqueteiros, bilionários, das campanhas eleitorais. Seu mister é produzir um boneco, ou uma boneca, que precisa vender que o produto dos concorrentes.

E vende mesmo, sobretudo se os ventos dos patrocinadores da campanha publicitária puderem soprar com mais força.

Mas o povo não é um coletivo de corações que se despreze, guardados em algum baú, no porão, como os bonecos de pano, bodoques e outros brinquedos da fantasia de nossa infância, sem vida, sem presente nem futuro. Mortos.

O povo é a soma de cada um dos corações selvagens, individuais e intransferíveis, que não se confundem com outros. Não se anulam.

É o indivíduo, cada um de nós que se insurge contra todo modelo que ignora essa natureza. Que por tão insondável, maravilhosa e única, inigualável, só pode ser divina.

Assim é o nosso coração selvagem. Para nos proteger dos bárbaro e, ao mesmo tempo, nos desafiar a voltar ao baú do porão para tirar de lá as asas da eternidade que esquecemos de voar.
 

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