• Fábio Costa Pereira
  • 13 Novembro 2019

 

Em 1993 o poeta, ensaísta, escritor, editor e tradutor alemão HANS MAGNUS ENZENSBERGER, um dos filhos mais diletos da Escola de Frankfurt (1) , aluno preferido de Theodor Adorno, escreveu o ensaio PERSPECTIVA DE UMA GUERRA CIVIL.

No ensaio, HANZ MAGNUS introduz o conceito de Guerra Civil Molecular. Segundo ele, a Guerra Civil Molecular desenvolve-se em áreas urbanas e está ligada a subcultura marginal, sem qualquer objetivo político, possuindo alto grau de violência.

Diferentemente das guerras civis tradicionais, onde a violência é um meio para se atingir um fim, nas guerras moleculares não há qualquer fim a ser buscado ou inimigo certo a ser batido.

Não há, por igual, ideologias que legitimem os atos cruentos praticados. Há, por parte dos “guerreiros moleculares”, a perda da empatia, do altruísmo e da alteridade. É como se existisse um ódio contra tudo aquilo que funciona e que se expressa em “una furia destructora” (p. 48).

Ela começa aos poucos, de forma quase imperceptível. Instala-se no seio do contexto social através de pequenos atos de desordem. Estes, sem que o conjunto da população se aperceba, vão se avolumando, crescendo em número e complexidade, até o momento da total ruptura do tecido social, criando-se o caos.

Diz Hanz Magnus:
“El comienzo es incruento, los indícios son inofensivos. La guerra civil molecular se inicia de forma imperceptible, sin que medie una movilización general. Poco a poco, en la calle se van acumulando las basuras. En el parque aumenta el numero de jerinquillas y botellas de cervezas destrozadas. Por doquier las paredes se van cubriendo de graffiti monótonos cuyo único mensaje es el autismo: evocan um Yo que ya no existe. Los colégios aparecen com el mobiliário destrozado, los pátios apestan a mierda y orina, Nos hallamos ante unas declaraciones de guerra; aunque pequenas, mudas, el urbanita experimentado sabe interpretalas” (p. 47).

Este tipo de guerra é molecular por se manifestar em qualquer espaço, por menor que seja. Nesse sentido, mesmo um vagão de metrô pode ser o palco de uma guerra civil molecular: “De este modo cualquier vagón del metro pude convertirse en uma Bosnia em miniatura” (p. 28).

A Guerra Civil Molecular é como se fosse um vírus altamente contagioso, espalha-se rapidamente e com muita facilidade, contaminando, de forma letal, o seu hospedeiro, no caso a sociedade.

O “vírus” da guerra civil molecular, após instalado, muda o cenário urbano para pior. Passa imperar, em muitos sítios, a lei do mais forte. O Estado perde o controle destas regiões e a polícia não mais consegue impor a ordem. Aos moradores que lá residem resta, tão somente, duas opções, a submissão aos que se apossaram do território ou a mudança do local.

Sobre o assunto diz Magnus:
“En algunos barrios impera la ley del más flerte. La policia, que se siente inferior ya no se atreve a entrar allí, con lo cual se convierte tacitamente em cómplice, En todos estos casos puede hablarse em territorios liberados, em el sentido de que los criminales han conseguido liberarse de de la civilización y sus cargas” (p. 50).

De outro lado, nas regiões onde vivem os mais abastados, há uma mudança na estética nas casas, ruas e bairros. Muros altos, cercas, guardas armados, carros blindados e vídeomonitoramento passam a integrar a cena urbana. As residências tornam-se verdadeiros presídios, não para impedir a fuga de quem nelas estão, mas sim para impedir o ingresso de criminosos.

Com o recrudescimento da guerra civil molecular a polícia e a justiça perdem o controle da situação e as cadeias, ao revés de lugares onde as penas devem ser cumpridas, convertem-se em centros de recrutamento e treinamento de novos guerreiros (p. 52).

Os guerreiros moleculares não se escondem nas brumas do anonimato, publicam os seus feitos nas mídias sociais e buscam, assim, galgar prestígio junto a seus pares. É como se a guerra civil molecular ganhasse o “status” de série televisiva e os seus protagonistas de atores dos filmes sobre as suas próprias barbáries (2). Nas palavras de Hans Magnus, “La guerra civil se convierte en uma serie televisiva. Los combatientes muestran sus crimines ante las câmaras. Puede que piensen que así aumenta su prestígio.” (p. 67). É como se este tipo de guerra seguisse um roteiro que, ao final, termina com a ruína do contexto social como o conhecemos.

Vejamos o roteiro da Guerra Civil Molecular: normalidade, início da alteração do quadro de normalidade, a instalação da crise, sinais do começo da guerra civil molecular, a guerra civil molecular e, finalmente, o caos.

No primeiro estágio da guerra civil molecular prevalece um pretenso estado de normalidade. A vida em sociedade parece manter-se intacta e as instituições funcionam sem maiores sobressaltos. Eventuais conflitos ainda são resolvidos pelas vias normais, desde a autocomposição até a intervenção estatal. O monopólio do uso da força permanece nas mãos do Estado.

Quando a normalidade começa a sofrer alterações, o Estado não mais consegue dar resposta aos conflitos interpessoais, fazendo com que a confiança da população decaia. Há a baixa adesão às normas que regulam a vida em sociedade. Cria-se a cultura de transgressão das leis. De forma silenciosa a guerra civil molecular vai se instalando.

Na sequência, a crise começa a dar sinais de sua presença, tornando-se perceptível. Há a deterioração do aparato estatal destinado à imposição e manutenção da lei e da ordem. As instituições encarregadas da tarefa de dar segurança perdem muito de sua capacidade de agir e são detectados altíssimos índices de corrupção.

Com a escalada da crise, a guerra civil molecular encontra terreno fértil para se instalar e se sedimentar. Passa-se a perceber a multiplicação de inúmeros blackspots (3). O Estado perde a soberania sobre expressivas porções de seu território. Percebe-se a atomização das relações sociais, cada um cuidando apenas de sua própria segurança e de seus familiares. A empatia, a alteridade e a solidariedade cedem espaço ao egoísmo nas relações interpessoais.

Instalada a guerra civil molecular, há a proliferação de cartéis e organizações criminosas, cada uma delas buscando o seu quinhão. Os conflitos entre estas organizações tornam-se frequentes, para a manutenção e mesmo para a expansão de mercados e territórios. A autoridade estatal não mais se constitui em uma ameaça crível aos criminosos.
Finalmente, a guerra civil molecular se torna generalizada, deixando tal natureza e passa a se constituir em macroscópica. Instala-se o caos e o Estado se fragmenta. O fim que se prenunciava com a instalação da guerra civil molecular, passa a ganhar contornos concretos.

Eis que o fim chega e o Estado não mais é Estado.

* O autor é procurador de Justiça no MP/RS


[1] No artigo A Escola de Frankfurt, o marxismo cultural, e o politicamente correto como ferramenta de controle, CLAUDIO GRASS diz: "A Escola de Frankfurt professa que o homem, na condição de mamífero e sendo um mero produto da natureza, destituído de qualquer espiritualidade, é totalmente limitado em sua existência, sendo conduzido pelos seus mais básicos e primitivos instintos e guiado por suas necessidades básicas. Não há espaço para o livre arbítrio, não há capacidade de julgamento crítico e nem há a habilidade de distinguir o certo do errado. Não há presciência e não há racionalização. Essa posição tem suas raízes nas bases marxistas da Escola, uma vez que o marxismo afirma que o homem é um produto da sociedade: sua mente e seu espírito são determinados e moldados pelo mundo material. Por causa dessa vulnerabilidade aos fatores externos, a mente humana é vista como frágil e manipulável, de modo que, assim sendo, o homem não pode ser responsabilizado por suas próprias decisões. Essa ideia serviu como base para a "descriminalização do crime", que é uma das teses da Escola de Frankfurt. Segundo Habermas, dado que o homem é um produto da sociedade, é inevitável que ele ceda aos seus impulsos primitivos e às suas tendências criminosas, uma vez que ele foi criado sob o jugo da violência estrutural de um sistema capitalista criminoso." (Disponível em: https://www.mises.org.br/article/2401/a-escola-de-frankfurt-o-marxismo-cultural-e-o-politicamente-correto-como-ferramenta-de-controle. Recuperado em 12 de novembro de 2019).

[2] No Brasil, nos dias atuais e infelizmente, as organizações criminosas que usam a violência como instrumento de trabalho, tanto para conquistar e manter territórios, quanto para aterrorizar adversários e a população em geral, determinam aos seus "prepostos", em execuções de devedores e rivais, que filmem o ato de barbárie.

[3] Territórios dentro do território de dado Estado onde a soberania lhe é negada. Esta porção territorial passa a ser dominada por organizações criminosas ou terroristas. Há imposição de regras de convívio social próprias, draconianas em sua essência. E, à população que lá se encontra e está sob o jugo destes "invasores", é negada a incidência do ordenamento jurídico próprio de Estados Democráticos de Direito.

Continue lendo
  • Maria Lucia Victor Barbosa
  • 12 Novembro 2019



A decisão do STF, em 8 do 11, transcorreu com pose, pompa e longos discursos como é habitual. O resultado foi o de seis ministros contra a prisão em segunda instância e cinco a favor. Uma vitória frágil por apenas um voto.

Durante um bom tempo o STF aceitou a prisão em segunda instância defendida, inclusive, pelos ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber e Dias Toffoli, os quais voltaram atrás. Tal reviravolta aumentou a sensação de insegurança jurídica, pois não se sabe o que vale e o que não vale nas decisões do STF, que em um momento pende para um lado e em outro modifica o que foi acordado.

O resultado beneficiou de imediato o presidiário, que se encontrava recolhido por seus crimes na cobertura da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Ele foi o primeiro a ser rapidamente solto, como antecipadamente havia anunciado a cúpula de seus correligionários.

Segundo o tão citado art. 283 do Código de Processo Penal (CPP), “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Em que situações se estabelece a prisão preventiva? “Como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal” (art. 312 da CPP).

Isso significa que a prisão transitada em julgado pode ser aplicada ou não, dependo de quantos advogados famosos e caros o criminoso possui. Nesse caso ele pode matar, estripar, estuprar, roubar, enfim, cometer os crimes que lhe aprouver e não será preso, porque a Justiça brasileira tarda e falta, e até o processo chegar ao Supremo ou o bandido estará morto ou seu crime ou crimes prescritos. Para as “pessoas comuns”, sem recursos financeiros, vale a prisão preventiva

De todo modo, vai ser difícil ser preso no Brasil graças a Lei de Abuso de Autoridade, com a qual o Congresso presenteou os facínoras e puniu os honestos, os corretos, os que cumprem com seus deveres. Segundo essa anomalia, uma simples condução coercitiva sem intimação prévia do investigado ou de uma testemunha, pode enquadrar um juiz e as penas vão de 3 meses a 4 anos de prisão. Na verdade, criminosos terão carta branca e a autoridade que ousar prendê-los ou mesmo algemá-los é que será presa. A lei já fez efeito e autoridades já deixaram de prender por medo de serem punidas.

O presidente do STF, ao chegar ao término da votação sobre a prisão em segunda instância, jogou a batata quente para o Congresso, em que pese a Suprema Corte ultimamente ter também legislado. Mas, se a Constituição é abstrata, qual é a definição exata de trânsito em julgado? Se mudar a Constituição é complicado ou não pode ser feito no caso das Leis Pétreas, não poderiam os legisladores fazer uma lei complementar alterando o Código Penal, definindo o que é trânsito em julgado para que a partir de uma sentença penal condenatória possa a prisão ser efetuada na primeira ou na segunda instância?

A dificuldade dessa possível solução reside no fato de que muitos integrantes do Congresso, notadamente do PT e do chamado Centrão, têm problemas com a Justiça, incluindo a Lava Jato e não vão votar contra si mesmos. No momento eles têm foro privilegiado, mas posteriormente podem não ser reeleitos e até presos.

Lula já devia estar em prisão domiciliar, mas avisou que não aceita isso e nem usaria tornozeleira. Agora solto pela decisão do STF, saiu dizendo que vai ser mais de esquerda e reiterou seus ataques raivosos, pesados, cheios de ódio aos que considera seus inimigos: a Polícia Federal, o Ministério público, a Receita Federal, o arqui-inimigo Sérgio Moro e o mega adversário, presidente Jair Bolsonaro.

O chefão petista não recuperou seus direitos políticos como disse Haddad. Continua condenado na primeira instância, no TRF-4, no STF, no caso, do Tríplex de Guarujá. Foi condenado em primeira instância com relação ao sítio de Atibaia, o Instituto Lula e o apartamento de São Bernardo. Pesa ainda sobre ele os processos de tráfico de influência na compra dos Gripen da FAB, do “quadrilhão” do PT na Petrobrás, das propinas da Odebrecht. Por isso ele se diz o homem mais inocente do mundo, um injustiçado preso político.

Só falta agora se realizar o desejo de Lula da Silva através do STF: Moro ser considerado um juiz parcial no caso do tríplex, com base na ação criminosa de Hackers comandados pelo jornalista do site Intercept. Então, ele recupera seus direitos políticos. Contudo, se isso ocorrer, desmoralizando ainda mais o Supremo perante a sociedade, não está garantida a eleição do ex-presidiário. Portanto, não será prudente ele sair por aí em caravana. A última foi um desastre político e pode ser pior agora porque a repulsa ao PT permanece e pode até ter aumentado.


*Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

 

Continue lendo
  • Cel Carlos Alberto Bastos Moreira
  • 11 Novembro 2019

VITÓRIA DE PIRRO
Cel Carlos Alberto Bastos Moreira


PIRRO, rei do "Ponto " em 280 AC , na batalha de HERACLÉIA: "e mais uma vitória como essa e eu estarei derrotado".


Pirro praticamente perdera todo seu exercito nessa batalha contra os romanos.

O Consul ( general ) romano, Publio Valério e 30 mil legionários X 25 mil homens de Pirro.

Mas Pirro tinha 200 elefantes de combate, coisa que os romanos não conheciam nem esperavam que pudessem aparecer em campo de batalha. Quanto a Pirro, ele soube bem escondê-los (aos elefantes ), por anos. Soube alimentá-los e dar-lhes mordomias, por anos, esperando deles tirar proveito em ocasião especial.

Ante o poderio desses animais, houve inicialmente , nas fileiras romanas, uma flutuação hesitante nos " coortes " e "Legios" ( grandes Unidades) a qual era consequência da "surpresa" que se espalhou às Centurias ( sub - unidades ) da melhor Infantaria que já entrou em campo de batalha, nesse planeta. - as legiões do Exercito Romano..

Jovens "patrícios" da oficialidade, provindos da melhores famílias, filhos de veneráveis "matronas" e iniciando carreira de comando
em "pelotões", dando exemplo e ensinamento, chegaram a jogarem-se sob os pés dos elefantes, a fim de lhes deceparem parte das patas com golpes de "gladio". Muitos esmagamentos...

Tropa contida da debandada pelos seus mais duros Centuriões (capitães) ... comandantes de centúrias...( a Cia de Inf Romana tinha cem homens , como efetivo).

Assim como essa juventude de hoje tem o corpo todo tatuado... um "centurião" daqueles tempo chegara ao seu posto de comando pelo numero de cicatrizes que obtivera em campanha e batalhas. Os caras eram duros...

Mas Pirro venceu. Entretanto perdeu quase todo seu exercito, esgotando seus recursos, caso tivesse que combater novamente e brevemente.
Daí teria dito: " - Mais uma vitória como essa e eu estarei definitivamente derrotado".
E Exercito Romano voltou em outra campanha.... E Pirro nem elefantes tinha mais, embora os romanos já soubessem como lidar com eles...

Quem tem medo de Pirro?

Quem tem medo de Lula não entendeu que ele apenas um cadáver ambulante, o qual arrastará com ele, pára os infernos, a ralé que aplaudiu essa curta " vitoria de Pirro.

Os "romanos" voltarão.... Ele sabe disso. Nesse ínterim vai se embebedar muito, antes de voltar para o calabouço. Vai "comer" uma ou outra militante certamente, também....Mas não foge ao seu Destino...

Lula é um passado que fede. Um cadáver sem formol...
Não o temam.
Permaneçam nas fileiras; evitem o "pânico" que produz a "debandada": salvação individual ilusória que nos faz oferecer as costas ao inimigo.

Não haverá mais " elefantes" dessa vez.
"Sustentem o fogo, que a Vitoria é nossa."

PS : Creiam-me; eu estive em Heracleia... e me lembro...
 

Continue lendo
  • Harley Wanzeller
  • 07 Novembro 2019

 


Houve tempo em que um muro era o pesadelo.
Tempo de profundo desespero,
Quando o muro refletia um breu maligno em sua face branca,
E ocultava um mundo livre desenhado em cores,
Logo ali... Perto...
Justo na face contraposta.
Houve tempo de impositivo desapego,
Sofrimento expresso na falta da mesa posta,
Indigesto choro da criança que, faminta, crescia alheia ao sossego, tão sonhado na cidade da cicatriz.
Tempo de pesadelo.
Tempo infeliz.

Houve tempo em que o horizonte era o muro.
Muro-templo da canalha doentia.
Muro-mente de arrogância e covardia.
Muro deprimente...
Talhado pela foice da qual me defendia,
Ornado com um martelo macabro desenhado nas mãos de um opressor,
Em um delírio à luz do dia.
O martelo batia...
Sem piedade, socava minha têmpora,
Num esforço demoníaco para convencer-me de que tudo...
Absolutamente tudo...
Era engano meu.
Vã esperança da conquista de minha consciência.
Ela não estava à venda.
Mas ainda assim, o louco era eu.
Nada entendia sobre a "carrasca mais-valia".
Meu corpo gritava,
Não comia.
Meu estômago, doía.
A mim, restava mortificar um lúcido sofrimento,

Na esperança do mundo oculto, por trás daquele muro.
Sofrimento?
Aos olhos do cego, não deveria.
Era indigno, até mesmo, de minha dor.
Um "ingrato".
Filho bastardo da social-patifaria.
Exposto à epilepsia verbal dos vampiros de retina vermelha que, aos berros, lançavam vozes agressivas.
Martelavam minha consciência.
Não paravam! E Insistiam...
- Abraça a utopia!
- A realidade não existe!
- Tua dor não é dor, pois nossa cor é rubra!
- Tua fraqueza se dissipará na promessa de nossa luta.
- A morte se incumbirá de teus valores!
- O mundo acolherá a verborragia!
De fato, se acolhesse, o louco seria eu ao exercitar minha lucidez em terras de malucos.
Era este o tempo em que vivia.

Tempo do muro.
Construído por empilhamento de ossos.
Cadáveres nossos guardados debaixo de um tapete fino e caro,
Comprado com o último pedaço de pão,
Furtado de um irmão,
Em lugar que desconhecia.
Meu pai? O muro tomou.
Minha mãe? O muro extraviou.
Meus filhos....
- Ah... quanta saudade de meus meninos!
- Shhhhh... silêncio!
Não convinha o muro "ouvir",
Senão, os levaria!
Bastava-me rezar...
Um consolo, um amém!
- Que os dias logo passem, para que nasça um novo dia!
O dia em que o "amarelo-esperança" cravado em minha bandeira,
Ofuscaria as cores que o ladeiam: o negro-fúnebre de meu luto, e vermelho-sangue de meu sacrifício!
Esse dia chegaria!
O muro sucumbiria junto aos seus artífices,
Logo, minha alma se encheria...
Provaria da liberdade.
Faria pazes com a alegria.
Ao fim, respiraria a vivacidade sem baionetas apontadas ao peito.
Sentiria em gosto o beijo retido do outro lado do muro.
Reencontraria minha felicidade ao estalo de palmas efusivas,
Risos incontidos,
Lágrimas de alívio.

Meus olhos, então, se abriram...
Era tempo de novo tempo!
Dia de novos dias!
Os ouvidos, atentos, não contiveram a excitação.
Ao som de picaretas livres e badalos dos sinos felizes,
O muro da desgraça ruía.
As promessas se cumpriram.
Os humanos se enxergaram.
Conduziram a grande a festa,
Entoando gritos em pura sinfonia:
- Enfim, o tempo do muro se foi!
- Cessou o tempo do mal!
- Agora, é tempo de verdade!
- Comemorem! Temos liberdade!
- Bem-vindos ao nosso "Natal"!
Conheci, assim, a tão amada cidade,
Emergida de cicatrizes e feridas.
Parida dos sonhos da humanidade, em noite que parecia dia.
Nascia, ali, minha casa.
Minha valente querida...
Enfim, a conhecia!
Nascia a dourada Berlim.


Harley Wanzeller é magistrado. 20.03.2019
(Homenagem ao símbolo de resistência humana representado pela queda do Muro de Berlin, em 09 de Novembro de 1989)

 

Continue lendo
  • Alex Pipkin, PhD
  • 05 Novembro 2019

 

Fui assistir ontem o "Coringa". Gostei, especialmente se a proposta de valor do diretor Todd Phillips era deixar para o público assistente, a missão de construir teses e identificar as "reais" mensagens da película.

Saí do cinema pensando se a ficção dentro da ficção, não passou-se meramente de um sonho na cabeça - tresloucada e ressentida - do personagem Arthur Fleck, o coringa.

O diretor, a bem da verdade, deixa quase tudo em aberto. É possível interpretar e especular de várias maneiras sobre as mais diversas temáticas abordadas. Isso é legal?!

Prato cheio para psiquiatras, psicanalistas e assistentes sociais!

Se não me equivoco, é um filme muito mais psicológico do que relacionado com política. Tanto Arthur Fleck, como também o Joker, são dois em um de uma mente doentia, sofrida e ressentida com o seu notório fracasso; um criminoso doentio que se delicia com a crueldade e o sadismo de seus próprios atos.

Mas como o filme permite divagações-mil, especulo e opino sobre alguns pontos.

Arthur Fleck é alguém que não possui nenhuma referência moral, um tipo de niilista que não acredita em nada. Talvez tenha apenas alguma obrigação quanto ao cuidado de sua mãe, mas após descobrir que ele é adotado e sistematicamente espancado pelos namorados desta, mata-a "com grande prazer".

Diga-se de passagem, o diretor Todd Phillips incorre em "grave erro da verdade", quando tipifica o suposto pai de Arthur, Thomas Wayne, com um "capitalista sem escrúpulos", desprovido de virtudes morais - pelo menos em relação àquilo que se sabia sobre a família Wayne!

Na ficção, Arthur não se apega a necessária ficção para a vida na realidade, baseada em princípios religiosos, morais e/ou propósitos sociais. Enfim, não tem nada a perder!

A corrente do politicamente correto poderia interpretá-lo como uma vítima da sociedade, distintamente do indivíduo que utiliza tal narrativa do "tudo é permitido" para extravasar seu ódio, ressentimento e inveja, dando vazão as suas emoções, impulsos e reflexos de sua doença.

O problema é que, como quase todos sabemos, seus sentimentos desprovidos de qualquer tipo de princípios e moral, servem de sustentáculo para uma massa de irresponsáveis convulsionarem e explodirem uma espécie de revolução social.

A massa encontra uma face - doentia - para se apoiar e justificar o injustificável. Todos sentem-se literalmente no direito de agirem de forma inconsequente.

A tese é por demais conhecida: o mundo é injusto e perverso conosco e, por isso podemos, ao bel-prazer, rebelarmo-nos contra ele.

A linha divisória imaginária entre homens e crianças, parece-me, é aquela que está umbilicalmente ligada ao nosso ser racional, moral, social e relacional no sentido de respeitar e se ajustar ao comportamento aceitável e necessário para a vida em sociedade.

A capacidade de imaginar aquilo que os outros sentem e pensam, por meio do espectador imparcial, é o que impede que todos nós despejemos no contexto social a "loucura" que todos nós temos! Loucura e estupidez humana, como atesta a história da humanidade, existem de verdade!

O louco age como um louco desimpedido, em especial, após se auto reconhecer "fortalecido" com seus ataques mortais, e é seguido por uma manada na qual os membros do grupo se comportam criminosa e irresponsavelmente, transformando suas emoções e vontades em verdades absolutas.

Apesar disso, como não me considero cegado por crenças políticas...

Há uma passagem no filme que me fez pensar na importância do papel do Estado. Na verdade, essa cena evidencia a incompetência do Estado na gestão de serviços necessários para a estabilidade e a própria sobrevivência de uma vida "mais saudável" em sociedade.

A passagem demonstra visivelmente os organismos burocráticos de assistência social, que verdadeiramente não prestam o serviço de apoio e assistência adequados aos debilitados.

Sou crítico do Estado "provedor", contudo, o "Coringa" traz a tona a prudência e a importância do que chamo de Estado "necessário".

O desenvolvimento econômico, indutor do social, é alcançado no livre mercado, através da livre e sadia concorrência, premiando o mérito daqueles que alcançam os melhores resultados para a sociedade. É genuinamente por meio da eficiência econômica que se consegue gerar mais empregos, renda e riqueza, permitindo o aumento e a melhoria das condições sociais da população.

No entanto, o Estado desempenha um papel crucial no acolhimento fundamental via fornecimento de saúde, assistência, remédios e outras questões ligadas a construção de uma "rede de proteção mínima" para os comprovadamente mais carentes e necessitados, aqueles sujeitos a completa vulnerabilidade social e abandono. No Brasil, nem se fala...

Evidente que há formas muito mais profissionais e inteligentes de se ofertar tais serviços, distintas daquelas estatais e burocráticas evidenciadas na película.

Bem, após ver e refletir sobre o joker, ratifiquei minha costumeira visão de que na inexistência de uma "régua moral", sinalizadora dos limites da "liberdade" individual e grupal (apesar da estupidez de muitos), fica extremamente azeitado o caminho para todos os tipos de extremismos e imposições primitivas de crenças políticas tanto a esquerda quanto a direita! Minha leitura!

Alex Pipkin, PhD

 

Continue lendo
  • Alex Pipkin, PhD
  • 31 Outubro 2019

 

O "homo brasilis", brasilis tal qual uma espécie "insciente", é aquele que derivou do homo sapiens europeu, especialmente português, por volta do século XVII.

O "homo brasilis", creio eu, ainda se caracteriza por um "certo" respeito àquela criação humana denominada de Estado. Até quando... muito complicado estimar!

Afinal, essa instituição instada no século XVI, visava exatamente a coordenar os vários e distintos interesses e objetivos individuais, por vezes conflitantes, a fim de possibilitar a convivência harmônica em sociedade.

Cabe enaltecer que a razão primordial da existência do Estado, dá-se por conta do provimento e da manutenção da ordem social, objetivando conter os naturais impulsos e pulsões humanas. Mas isso é coisa do passado; cultura censuradora!

Os humanos se diferenciam dos animais e das plantas, justamente por suas capacidades cognitivas, utilizadas por meio da linguagem, permitindo-os produzir e transmitir informações e, desse modo, impelindo-os a essencial cooperação entre estranhos.

Essa integração e cooperação, resultado do avanço civilizacional, possibilitou-nos o alcance de um maior desenvolvimento econômico e social, inquestionável.

De fato, o progresso dos homens, de alguma maneira dos brasileiros, ocorreu por conta da capacidade de pensar e agir, racionalmente, na direção da construção daquilo que pode ser visto a olhos nus: máquinas, equipamentos, estradas, escolas e tudo mais, ou seja, os símbolos e emblemas visíveis do progresso econômico e social.

Entretanto, o crescimento é indissociável da criação de normas formais como a lei e, em especial, de normas e crenças invisíveis, ficções e mitos, capazes de unir as pessoas, aumentando a colaboração e impulsionando a criatividade. Cooperação por meio da interação entre ideias, imagens, conceitos e imaginação!

Dentre tais ficções, tristemente, a mais devastadora dos verdadeiros sonhos do progresso verde-amarelo, é a ideologia "vermelha", aquela da perfectibilidade humana! Como tal utopia se enraizou profundamente em solos latino-americanos, especialmente por aqui?

Desde muito, mas sobretudo a partir dos anos 90, vem sendo gestado o "homo brasilis"...

Como? Pelo aparelhamento das "grandes" instituições nacionais, aparelhadíssimas, em que seus "líderes" discursam bondosamente, penetrando nas mentes brasileiras a falácia do tudo é permitido e as mentiras da pós-verdade contemporânea.

A ditadura do pensamento esquerdizante nas universidades brasileiras exerceu com brilhantismo seu "papel"! Jovens foram induzidos a supervalorizar suas inteligências - escassez de realidade, experiências e maturidade - tentando impor seus sentimentos e emoções, tal qual uma certeza subjetiva acerca daquilo que sentem; isso é inequivocamente o "real, verdadeiro e justo"! Deve ser imposto. Pior, acreditam que aquilo que sentem é um princípio válido para suas ações "sociais".

O "homo brasilis" foi instigado, passando a exigir todos os seus direitos naturais, a la Rousseau, sem qualquer tipo de avaliação racional de suas correspondentes responsabilidades! Que legítima regressão nas virtudes e capacidades humanas ligadas a moral e a prudência!

De fato, suas "abissais" capacidades cognitivas não são suficientes para que ele não pense confusamente na relação presente entre liberdade e responsabilidade.

O relativismo moral é, talvez, aquela marca que melhor representa o "homo brasilis", já que o mundo começou ontem; nada do que foi construído e resistiu ao teste dos tempos importa. Só os prazeres do presente em detrimento de um futuro mais próspero.

Hábitos de comportamento, tradições e costumes são sinetes do passado repressor, portanto, devem ser destruídos! Tudo deve obedecer aos desejos, impulsos e vontades humanas. Viva a virtude humana!

Esse "homo brasilis" é o começo do fim do homem brasileiro!

Ele simboliza, de fato, a involução das capacidades cognitivas nacionais, fruto de enormes mutações morais, e o ferrenho apego a ficção ideológica da superioridade moral, estampadas em nossas pobres instituições! O reflexo aí está: completo desarranjo e conflitos profundos entre os três poderes, alimentados pelas obtusas pretensões ideológicas, visões de mundo e interesses próprios e/ou corporativos.

Será porque o inteligente e (ir) racional "homo brasilis" é tão visionário e preditor da certeza futura, aquela em que ele não precisará depender da razão humana individual, já que "máquinas inteligentes", resultado do extraordinário desenvolvimento das tecnologias digitais, pensará e agirá por ele?!

 

 

Continue lendo