Percival Puggina
24/08/2022
Percival Puggina
Quando tudo parece muito ruim;
quando ministros do STF proferem decisões como quem dispara o gatilho e
quando leem a Constituição como magos em torno de obediente bola de cristal;
quando quem tem o dever constitucional de reagir não o faz;
quando quem tem o dever moral de denunciar, aplaude ou silencia;
quando a violência judicial é incitada pela orquestração midiática;
quando um ladrão pode concorrer à presidência da República e tantos não se importam com isso;
quando o Big Brother sem votos mudou-se para a cobertura e vai deixando vítimas,
devemos começar a pensar sobre o que vem depois.
Sim, porque haverá um depois. Hoje, o Brasil está assim, mesmo com nossa intimidade e nossos direitos de opinião e expressão respaldados pela claudicante Constituição Federal e legitimados pelo resultado eleitoral de 2018.
Mas, e se o pior acontecer? Se a nação for levada ao desvario pela manipulação midiática, da qual as cenas teatrais da última segunda-feira, representam um pequeno espasmo dos contorcionismos cotidianos no carretel dos noticiários? Se o poder que tudo pode se sentir legitimado, a ditadura consolidar-se na cobertura e os ratos ocuparem o prédio?
Na reta final da eleição mais decisiva de nossa história, somos levados a entender que os passos já foram dados, os postos tomados, as portas aferrolhadas. A grama do vizinho pisoteada; sua porta arrombada; já levaram seu computador, seu celular, seus papéis; já vieram buscá-lo. Mas aquilo não era com você, certo?
Há mais de um século é contada a sequência dessa história. Os que hoje trovejam o horizonte nacional, são fraternais amigos de ditadores vizinhos e distantes que estão fazendo exatamente isso. Outubro é logo ali. Faça a sua parte.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
23/08/2022Percival Puggina
Quando você mistura ideologia, narrativa e história, qualquer disparate pode acontecer porque a ideologia quer controlar os acontecimentos passados para utilizá-los em suas pretensões quanto ao porvir. Foi assim que, em socorro aos revolucionários de guarda-pó e toco de giz, surgiu uma História do Brasil feita sob medida para suscitar rejeição ao país amargura e revolta. A quem esse ânimo serve? Serve a todos que, numa revolução às antigas, sangrentas, fariam uso de valas comuns, de “paredóns”, de campos de concentração ou de gulags.
A lamentável história do Brasil contada à nossa juventude põe foco nas lixeiras. De modo sorrateiro, suas narrativas fogem das alturas e de todo brilho, de tudo que possa causar dignidade e criar orgulho cívico. Silenciam sobre nossos heróis. Buscam os baixios, os pântanos, e escondem montanhas porque elas insistem em permanecer iluminadas quando tudo mais se faz escuro. Sob a luz da grandeza e do amor à Pátria, revoluções não acontecem. Por que conhecer Caxias quando temos Marighella para estudar? Por que nos interessarmos pela vida de Mauá quando temos Prestes? Por que Maria Quitéria (quem?), Bonifácio, Nabuco, Tamandaré, Rio Branco, D. Pedro I, Pedro II, Isabel, Rui? Quem tem Caio Prado não precisa de João Camilo (quem?).
Por aí vai aquela que chamo de Revolução 2.0, a revolução sem dor física e com contracheque. Tendo sorte, carro oficial, subsídios de fundações internacionais. As velhas revoluções eram violentas. Tão violentas quanto mal sucedidas e fajutas, tão mal sucedidas e fajutas que até os comunistas que as fizeram ou apoiaram passaram a dizer que elas nunca foram realmente comunistas. É a narrativa dessa ideologia para sua própria história. Tais revoluções não eliminavam seus inimigos por ações pessoais, mas por classe social. Suas vítimas eram intelectuais, religiosos, proprietários rurais, empreendedores. Por aí, somando-se as parcelas, chega-se a algo como 100 milhões de descartes humanos. Apesar de toda a carnificina e do terror fracassaram de modo absoluto.
A Revolução 2.0 faz diferente. Desmonta a sociedade, dinamita seus fundamentos morais, sua cultura, sua estrutura de base familiar, desacredita e neutraliza as religiões que têm um Deus com a pretensão de ser maior e mais valioso do que o Estado. Coisifica o ser humano, transforma-o num boneco de sal diluído no grande coletivo. Promete ao homem uma liberdade sem obrigações e lhe entrega obrigações sem liberdade. Promete-lhe direitos sem deveres e lhe entrega deveres sem direitos.
Encerro com exemplo local, caseiro, porto-alegrense, dessa historiografia. Em 3 de agosto de 2017, certa cronista local escreveu para ZH uma crônica afirmando o seguinte:
(...) o fato é que sempre estivemos irreversivelmente lascados, pois desde que essa história começou (1500), foi um tropeço atrás de outro, um país descoberto por engano, por causa de uns ventos inesperados que conduziram as caravelas para outro destino que não a Índia e foram parar aqui sem querer, e quem dá importância ao que foi sem querer? Descuidos não são levados a sério, nunca fomos e jamais seremos a primeira opção nem pra nós mesmos. O Brasil é um acidente de percurso do qual se tenta tirar alguma vantagem para que o engano de rota não resulte em total perda de tempo.
Se você discorda, se ainda acredita que um dia seremos um país íntegro, digno, consistente, me declaro invejosa da sua fé. Sou uma ratazana descrente que não abandona o navio porque tem parentes no convés, apenas por isso.
Essa crônica, creiam, foi tema do vestibular da UFRGS! Há bem poucos dias, a mesma autora publicou outra crônica contando que certo show de Caetano Veloso com a família a fez recuperar a esperança no Brasil...
E foi assim que Caetano, num domingo de agosto, servindo à narrativa e à ideologia, salvou o Brasil de sua sina histórica... O ponteiro do relógio segue seu curso e, para tantos, a vida passa no toque dessa banda.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
21/08/2022Percival Puggina
Como eu não nasci ontem, tenho a vantagem de não usar fraldas na memória. Falo do que vi. Quase sem exceção, o mesmo jornalismo que faz campanha contra o presidente da República atacava-o quando candidato ao pleito de 2018. Colavam-lhe etiquetas, diziam-no homofóbico, racista, misógino e perigosamente agressivo. A maioria do eleitorado não lhes deu crédito.
Eleito, Bolsonaro virou a Cartago dessa mídia. Tinha que ser derrotado! Destituído, preferivelmente. E a luta dos companheiros continuou implacável. Quantos foram afastados das redações por marcharem de passo errado com o batalhão? Era preciso haver unidade em relação aos objetivos comandados!
Desmentidas, as velhas e inúteis etiquetas foram rapidamente deixadas de lado para serem esquecidas pois eram testemunhas da derrota. Essa esquerda malsã, porém, não faz políticas sem etiquetas. Logo, Bolsonaro passou a ser acusado, inutilmente, de negacionista, genocida e fascista. Também por aí a tarefa não ia bem; a CPI foi um fiasco, o depois chegou e a gente viu. A eleição se avizinhava.
Resolveram, então, atacar Bolsonaro por se constituir num perigo à democracia e ao estado de direito. Não há matéria na imprensa mencionando o presidente da República e a eleição de outubro sem que esse risco e a necessidade de proteger a nação contra algo terrível, medonho, não se faça presente. Para que a derradeira etiqueta funcione, há que aplicar-lhe camadas e mais camadas de adesivo.
É isso que explica:
Como de hábito, a ausência de qualquer elemento probatório que justifique a etiqueta não é suficiente para silenciar os ataques determinados pela cartilha. Sempre há um senador pronto para transformar os tribunais superiores em puxadinhos de seu gabinete.
Ontem (19/08), em poucas palavras, falando em Resende, Bolsonaro desfez a narrativa e a etiqueta foi para a lixeira.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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18/08/2022Percival Puggina
Havia algo errado ali, uma demasia, um excesso. O ato de posse do novo presidente do TSE fez pensar numa cerimônia de coroação. Nunca antes se viu tamanha concentração de autoridades da República em evento do Poder Judiciário. Assistiam à coroação de Sua Alteza Eleitoral, D. Alexandre.
As ruidosas manifestações de apoio deixaram à mostra a velha fenda existente entre a elite brasileira e a sociedade. Entre os “donos de poder” e seus súditos. Era muita unanimidade em torno de quem está longe dela. Que a posse restitua ao ungido o equilíbrio e o bom senso que tanto lhe tem faltado.
Os aplausos concedidos à locução “Estado de Direito e Democracia” trazem lágrimas ao coração de quem, como eu, tanto se tem empenhado pela reforma de tudo que há de torto em nosso estado de direito e de vicioso em nossa democracia. Terei assistido ali o velório de minhas esperanças, sob os auspícios dos donos do poder? Sou conservador, não quero revolução! Quero reforma, mediante aplicação da inteligência aos fatos sob nossos olhos, à luz forte da história vivida.
Nosso modelo institucional e nosso sistema eleitoral são feitos sob medida para perpetuação de quanto há neles de perverso. As mudanças ocorridas ao longo do tempo apenas pioraram o pacote inteiro porque nossos congressistas são beneficiados pelo modelo vigente e fazem a regra do jogo conforme lhes convém. Resultados: mais dinheiro público para campanhas caríssimas, maior representação dos grupos de interesse, número crescente de partidos e candidatos, maiores dificuldades para renovação dos parlamentos. Sendo ínfima a percentagem de eleitores que consegue eleger a pessoa em quem votou, poucos podem ser cobrados legitimamente por ações e omissões.
Por fim, repilo, com veemência o adjetivo golpista aplicado contra quem clamou por transparência no sistema eleitoral. É desonesto e ardiloso usá-lo para alavancar aplausos.
A diferença entre um sistema blindado e um transparente não é sutil; é, digamos assim, transparente. A diferença entre golpismo e clamar às instituições, ao longo de anos, por essa transparência, é a mesma que existe entre uma verdade com carimbo da história e o oportunismo de uma falácia de ocasião. A comprovação do que afirmo é dada pela recorrência com que esse assunto retoma o cenário institucional por iniciativa da sociedade ou do Congresso.
Escrevo em defesa de mim mesmo exatamente por ser democrata e por haver subido em dezenas de carros de som nos últimos anos para chamar a atenção das instituições da República sobre seus abusos e omissões. Muitas vezes, pedia-se por transparência no sistema eleitoral.
O assunto morreu? Não. Voltaremos a ele em 2023. Essa não é, porém, a pergunta certa. A pergunta certa é: fez sentido esticar a corda, criar um grande estresse político nacional, pressionar abertamente a Câmara dos Deputados, desgostar dezenas de milhões de eleitores em relação a um pleito tão importante e arrastar essa pauta indefinidamente alegando defender a democracia e o Estado de Direito?
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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15/08/2022
Percival Puggina
Não é apenas no Brasil que isso acontece. Onde exista autoritarismo explícito ou totalitarismo, os poderosos que mais coíbem as liberdades de opinião e expressão são os que mais saliva gastam com a palavra democracia.
Já se tornou inteiramente supérfluo apontar fatos para comprovar essa afirmação. Há mais de um século, tiranias de partido único adotam o adjetivo “democrática” para sua identidade nacional. Não eram, mas se denominavam “Repúblicas Democráticas e Populares” e algumas ainda carregam o binômio como se valesse um vintém. Por mais que agrida à Justiça e à Liberdade como valor, todo regime de partido único, todo ditador diz estar protegendo a sociedade – a porrete, cadeia e paredão – com o manto do Estado de Direito e resguardando a Democracia das investidas de seus detratores.
Leia as cartas e manifestos dos últimos dias. Gastam hectolitros de saliva para apresentar seus subscritores com o elmo dos guardiães do Direito e da soberania popular. Parecem integrar um curioso círculo secreto – a nobre Ordem dos Cavalheiros da Urna, à qual só têm acesso os jurados em ato de fé.
Parem com isso! Quem não sabia já intuiu que Democracia tem uma dimensão técnica e uma dimensão ética. A primeira pouco significa na ausência da segunda! É dos valores, dos elevados e indispensáveis valores que falamos insistentemente no Brasil. É em nome deles que saímos às ruas e praças, insistentemente, ao longo dos últimos anos.
Desde 2019, porque democratas, dezenas de milhões participam de manifestações em todo o país clamando por:
Eu iria adiante que a lista é longa, mas não é necessário.
Qual desses pleitos e pautas afronta a democracia e o Estado de Direito? Não foram esses pedidos proclamados dos carros de som aos poderes de Estado?
Eventuais e raras exceções, sempre sob a lente de aumento da mídia alinhada com os derrotados e insatisfeitos de 2018, não fazem a regra, não falam pela imensa maioria. Quem não gosta muito do que lê nas redes sociais experimente falar durante anos sem ser ouvido por quem deveria ouvir.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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12/08/2022Percival Puggina
Quando o jornalismo assume as condutas a seguir descritas, acolhe, também, responsabilidade pelas consequências. Refiro-me às seguintes ações e omissões:
- silenciar, durante 43 meses sobre todas as ações abusivas, truculentas e inconstitucionais do STF e só prestar atenção aos malfeitos daquele poder quando os ministros encomendam lagostas ou aumentam os próprios vencimentos;
- isentar STF e TSE de sua total responsabilidade na atual crise política ao impor suas vontades, durante três anos, contra manifestações de rua por urnas com impressoras e auditoria nas apurações;
- desconhecer, ou quando conhece, desprezar, ridicularizar e adulterar os legítimos conteúdos das manifestações populares;
- nada dizer sobre o sinistro processo de dominação e imposição do pensamento único na Educação brasileira, nem sobre o amplo uso das universidades públicas para fins rigorosamente políticos e partidários;
- fazer de conta que não vê o imenso rol de privilégios financeiros e normativos autoconcedidos pelos congressistas na presente eleição em detrimento do desejo de renovação manifestado pela sociedade;
- perseguir de modo sistemático o presidente da República, que dispõe apenas de um ou outro programa de tevê e redes sociais para se fazer ouvir;
- repetir chavões contra o presidente e contra a maioria conservadora da sociedade como quem copia e cola de alguma cartilha oposicionista;
- avaliar o desempenho parlamentar contando projetos de lei e despesas de gabinete, sem se interessar pelo mais importante, que é clareza ou obscuridade das posições, a coerência ou incoerência das condutas e a efetiva contribuição para o bem (ou mal) do país;
- acolher centenas de milhares assinaturas à Carta da USP como sendo a mais legítima representação possível da sociedade e, por anos a fio, desprezar a voz de dezenas de milhões de cidadãos que vão às ruas sem serem ouvidos pelo Congresso e pelo STF;
- jamais escrever uma linha sequer sobre os gravíssimos motivos da poluída interação havida entre o Supremo e o Senado da República.
Poderia prosseguir, mas basta. A mais grave consequência da desinformação, da notícia transformada em retórica, da estratégia editorial persistente, é o agravamento da crise que diz combater; é fugir da solução e jogar a nação no colo do problema. Nosso país precisa resolver seus embaraços institucionais e eles não se solucionam com sofismas, cartilhas ideológicas, etiquetas e ocultações.
Não é dever da mídia tornar a nação mais sábia. É seu dever, porém, não intoxicar a democracia.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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09/08/2022Percival Puggina
Li, recentemente, artigo criticando os que se aventuram a opinar sobre Educação sem o preparo acadêmico específico. Educação, a exemplo de outras ciências, segundo aquele texto, somente poderia ser abordada, com propriedade, por profissionais da área. Traduzindo: cada macaco no seu galho.
Como também eu, cá no meu canto do arvoredo, tenho dado pitacos, posso explicar perfeitamente o que leva tantos primatas a se imiscuírem nessa sofisticadíssima pauta: estamos todos apavorados com o que vemos acontecer na educação nacional. Não é que as coisas vão mal. Não, as coisas vão de mal a pior, numa decadência acelerada que acende sinais de alerta em todas as direções. Ou, se não em todas, ao menos na direção de quem atribui importância à sustentabilidade do nosso desenvolvimento através da maior riqueza de qualquer nação – o povo que a constitui. Se estivéssemos num conflito militar contra inimigo externo, gente de todas as áreas de conhecimento estaria escrevendo a respeito. E o fato inegável é que os generais da Educação conduziram o Brasil para a vitória de uma pedagogia que derrota a nação.
O que era perfeitamente previsível quando comecei a escrever sobre isso há quase trinta anos passou a ser constatado e medido. Os indicadores da educação nacional nos arrastam para constrangedoras companhias no ranking mundial. A despeito disso, os profissionais da área, os mestres dos educadores, em primeiríssimo plano, continuam acreditando nas teorias que deram causa ao desastre. São professores que tratam de fazer de seu espaço de trabalho um “coletivo” a serviço de uma “causa” e suas “narrativas”. Veem a si mesmos como intelectuais orgânicos (Antonio Gramsci), trabalhadores em educação, torneiros de mentes vulneráveis com a tarefa essencial de promover a “formação para a cidadania”. Seguem teses segundo as quais, por exemplo, “não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes” (Paulo Freire). Assim, alunos e professores bebem-se uns aos outros na fonte equivalente dos respectivos conteúdos! (Este parágrafo reproduz artigo que escrevi para Zero Hora em 5 de junho de 2011...)
Se o método de alfabetização é perfeito, mas só prepara semianalfabetos enquanto vai lançando as bases ideológicas para o que virá depois, que resposta os pais zelosos podem dar a essa prestação de serviços? O mercado em condições de “comprar” Educação para seus filhos vai em busca de alternativas em outros estabelecimentos do ramo, ou nas escolas cívico-militares, ou no homeschooling, tão odiado pelo sistema devorador que não aceita perder uma presa sequer.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
05/08/2022Percival Puggina
Pois não é que a FIESP resolveu surfar, também, na onda dos manifestos iniciada na USP? Tarefa ingrata, essa de seguir o sulco das incongruências alheias, mas algum redator o fez.
Os uspianos, nos dois primeiros parágrafos de sua “Carta aos brasileiros e brasileiras”, resolveram dar aula de OSPB. A FIESP, nos dois primeiros parágrafos de seu manifesto resolveu juntar alhos com bugalhos e ligou a Semana de Arte Moderna de 1922 com a atual necessidade de encontrar “caminhos que consolidem nossa jornada em direção à vontade de nossa gente”.
Cultura é lindo, mas você entendeu o que uma coisa tem a ver com a outra? Eu não.
Em seguida, diz: “Nossa democracia tem dado provas seguidas de robustez. Em menos de quatro décadas, enfrentou crises profundas, tanto econômicas, com períodos de recessão e hiperinflação, quanto políticas, superando essas mazelas pela força de nossas instituições”.
Oi? O conceituado The Economist Democracy Index, nos dados referentes ao ano de 2021, coloca o Brasil em 47º lugar e qualifica essa robustez como “falha” (flawed democracy), com pontuação inferior a países como Botswana, Cabo Verde, Timor Leste, África do Sul. A pontuação desse índice leva em conta o processo eleitoral e o pluralismo, as liberdades civis, o funcionamento da governança, a participação política e a cultura política. E note-se, despioramos: em 2018 ocupávamos o 50º lugar.
Surpreende que a assessoria da FIESP reduza a democracia a mero processo, à sua dimensão instrumental (mesmo esta tão deficiente na concepção), desconhecendo: a) a assiduidade com que a representação popular no Congresso vota em benefício próprio e contra o interesse nacional; b) o quanto essa democracia é surda à voz das ruas; c) o fato de que os cidadãos dessa democracia não se sentem representados por quem os deveria representar; d) que as instituições menos confiáveis do país são o Congresso Nacional e os partidos políticos.
O empresariado da FIESP faz de conta que não vê o deslocamento do eixo político para a cúpula do Poder Judiciário! Sua fala à nação rasga a mais fina seda ao combo STF/TSE desconhecendo aquilo que juristas notáveis, em consonância com dezenas milhões de brasileiros, denunciam como truculência, desrespeito à Constituição, ativismo judicial e protagonismo descabido em questões que não lhe correspondem.
É bom lembrar aos esquecidos, aos alienados e aos coniventes, que o ministro Fachin, uma semana antes de tomar posse como presidente do TSE, em entrevista ao Estadão (16/02), afirmou que “a Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers, e não apenas de atividades de criminosos, mas também de países, como a Rússia, que não tem legislação adequada de controle”. A fé na invulnerabilidade do sistema eleitoral leva a crer que nossos ministros não acreditam mais em hackers. “Pero que los hay, los hay”. Daí o desejo de que se viabilizem meios visíveis e paralelos de apuração e controle. Simples assim.
A democracia é mais do que ciclos eleitorais periódicos e completos, que estes até Cuba tem. O que falta lá é o que está perdendo respeito também aqui: as liberdades fundamentais de pensamento, opinião e expressão, e um ativado senso moral nos poderes de Estado como indispensável sinal de respeito à soberania popular. Sem isso, qualquer manifesto pela democracia e estado de direito é conversa fiada.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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04/08/2022Percival Puggina
Quem expulsa o sagrado acaba por consagrar o profano.
Certa feita, após um debate em programa de rádio, ofereci carona ao meu adversário, líder de um partido de esquerda. Rodamos cerca de 20 minutos conversando como gente normal, sem audiência, sem microfone e sem reservas, confirmando ser a existência de um público que torna os debates mais acirrados. Lá pelas tantas ele me disse ter inveja dos cristãos. A fé – afirmou – é muito mais suave e leve do que a lei e a força para conter o mal existente no ser humano.
De fato, na falta do Absoluto, tudo se relativiza e o querer humano se converte na medida de todas as coisas. Há muitos anos, tive o privilégio de conhecer e conversar longamente, aqui em Porto Alegre, com um eminente professor de Filosofia do Direito em Granada, posteriormente eleito para o Congresso dos Deputados e, em 2012, guindado ao Tribunal Constitucional espanhol. Cito trecho de um texto que o Dr. Andrés Ollero me enviou sobre o relativismo:
“Quando se identifica democracia com relativismo, se verá como inimigo quem insinue, mesmo remotamente, que algo possa ser mais verdade que seu contrário. O mais cômico desse assunto é que – desafiando o princípio da não contradição – o relativismo se converterá em valor absoluto, subtraído de toda crítica.”
Alguém dirá, não sem razão, que o Direito Natural absorve, querendo-se ou não, a ideia de um Deus, de uma sabedoria universal, ou algo assim. E isso não seria cabível num Estado laico. O problema dessa objeção é que ela, como um “tchick” de faca Tramontina, corta a palavra de quem fala e investe com retroescavadeira sobre imensa biblioteca que, não por acaso, contém séculos de sabedoria humana.
No meu livro Pombas e Gaviões escrevi, sobre a aceitabilidade do argumento religioso:
“Tenho certeza de que ninguém duvida da conveniência de prestar atenção a quem, num debate, traga, para a formação das opiniões, um conteúdo científico adicional. Esse acréscimo de “saber” pode não ser considerado válido ou aplicável, pode não produzir consequências, mas será certamente reprovada por imprópria ao convívio civilizado a atitude de quem recusar ao próximo o direito de expor, com base nele, os fundamentos de sua posição. Não vejo motivo para que um argumento cadastrável como “religioso”, ou “não profano”, seja apartado liminarmente desse mesmo debate”.
Não sei quantos leitores compartilham esse ponto de vista, tal a confusão introduzida em uma sociedade outrora conservadora com a tomada militante dos espaços de formação das consciências e das opiniões.
O que sim sei é que esses novos direitos, a imposição de novos códigos e convenções através do politicamente correto está criando um deus ex-machina, difuso e confuso, a controlar pensamentos, palavras e obras. Sem lei que as defina como crime, qualquer pessoa pode ter sua vida devassada e devastada, ser jogado à desgraça por palavra imprópria ou ideia considerada politicamente incorreta. O braço pesado da lei vai ficando mais e mais descontrolado.
É o que estamos vivendo em nosso país com a relativização da Constituição pelo ativismo e narcisismo judicial e com a sacralização do Supremo ante o genuflexo Senado da República.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.