Percival Puggina
12/09/2022
Percival Puggina
Nossa Constituição está longe de ser boa. Em breve, o número de emendas empatará com o número de artigos. Mas é a que a casa oferece. Ainda assim, se não à levam em conta, se a interpretam segundo a conveniência do momento, se a transformam em massinha de moldar, se os constituintes originais são destituídos, as instituições se desconjuntam. E, mesmo inculta, a nação percebe, se desestabiliza e se desgosta. Contam demais com a ignorância da sociedade aqueles que assim agem e julgam merecer de todos, indistintamente, os rapapés de praxe que recebem em seu habitual entorno.
Como sabem meus leitores, sou um estudioso da triste realidade do povo cubano. Escrevi dois livros e centenas de artigos a respeito. Vivi, felizmente por uns poucos dias, a experiência de estar sob vigilância pessoal num estado totalitário. Porque mantive contatos com dissidentes, fui seguido, fui filmado, e... fui mal atendido quando busquei orientação e apoio na embaixada petista da época. Os fatos me fizeram entender muito bem a realidade daquele povo. Agora, sinto insegurança semelhante em meu país!
Sinto-me sob ameaças. Percebo a liberdade de expressão restrita. Observo um patrulhamento com cunho oficialista. Tomo conhecimento da existência de um Big Brother vasculhador da esfera privada, pescando palavras no espaço virtual, avaliando conteúdos. Sinto a pressão sobre as redes sociais e a restrição à temática política. Estranho esses inquéritos abertos para permanecerem abertos, sigilosos e atemorizadores. Assim como vejo a censura acontecer, percebo a injustiça sendo feita e sinto, na minha humanidade, a condolência que devemos sentir sempre que alguém dela é vítima.
Subitamente, noto haver mais sentido ético superior no senso comum de justiça (assim, com jota minúsculo), do que na Justiça com jota maiúsculo. A exemplo de milhões de brasileiros, meus olhos se voltam para o inerte Senado Federal. Hoje, eminentes senadores afirmam de público aquilo sobre o que já escrevi tantas vezes: “o Senado não julga ministros do STF e ministros do STF não julgam senadores”. Com isso, se esteriliza um importantíssimo preceito constitucional, na ausência do qual, tem-se espaço aberto para a ditadura, para a tirania! São 18 denúncias (impeachment = denúncia) contra quase todos os ministros.
Fato: da mesma forma que presidencialismo sem instituto do impeachment é ditadura, qualquer outro poder de Estado cujos membros não possam ser julgados e afastados também nisso se converte!
É para a omissão do Senado que se voltam as críticas dos senadores que explicitaram o que acabo de escrever – Álvaro Dias, Lasier Martins e Eduardo Girão. No entanto, que se haverá de dizer do STF sobre a parte omissiva que lhe corresponde nesse latifúndio de omissões?
Em uma lista do site Congresso em Foco, de 14/09/2021, leio que 15 senadores são réus ou alvo de inquérito no STF, num total de 5 ações penais e 25 inquéritos. Deste outro lado da mesma moeda, nada se fala.
Por quê?
Talvez algum cubano me ajude a encontrar a resposta.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
10/09/2022
Percival Puggina
Poucas expressões resumem tão bem os episódios do dia 7 de setembro quanto a dos leitores cujos comentários eram expressos em apenas duas palavras: “Foi lindo!”.
Foi mesmo lindo o que cada um viu por conta própria e o que cada um intuiu ao saber que aquelas mesmas imagens e emoções se repetiram em centenas de cidades em todo o país e no exterior. Lindo!
Horas depois, neste ambiente psicossocial de beleza, nobreza, civilidade, amor ao Brasil, coesão ética e estética nas cores da pátria comum, fomos afrontados pela constatação de que havíamos dado causa a terríveis sentimentos em setores bem específicos da sociedade brasileira.
Não estou pensando em Lula porque até para perder tempo tenho um conjunto muito superior de possibilidades. Seu repertório de ofensas, disparates e a baixaria de sua elevada autoestima são previsíveis. Estou pensando naqueles que, de modo unilateral, romperam relações com a sociedade. Para estes foi um dia triste...
Estou pensando nos inconformados e inconsoláveis da mídia, a respeito dos quais o Alexandre do bem, o Garcia, diz terem brigado primeiro com os fatos e, agora, com o povo.
Estou pensando nos ministros do STF, que devem ter passado a noite meditando sobre a dormência dos snipers e a sonolência das equipes antibombas em contraste com a implosão de seus delírios e paranoias ao som do hino nacional.
Estou pensando no quanto me divertiram as redes sociais onde os revolucionários de opereta perderam sua melhor oportunidade para descobrir o Brasil e, nele, alguns fatos básicos da vida. O Brasil real não é o de suas cartilhas e narrativas. Aos 200 anos da Independência, a nação pôde ver a si mesma. Ela já encontrou seu caminho e não aceita garrotes na liberdade. Ela diz não à tirania, aos cambalachos e às “estéticas jurídicas e políticas” que tentam aformosear intoleráveis omissões e prepotências.
Nada posso fazer com o desespero dos “democratas” sem povo, dos “juristas” da tirania e dos modeladores de noticiário.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/09/2022
Percival Puggina
O editorial de Zero Hora deste 7 de setembro alertava para o fato de ser nacional e de todos os brasileiros a data em festejos. Claro, claro, só que não. Para muitos, tais eventos são repreensíveis, motivo de revolta e leitura plana, chapada. O aparelho educacional brasileiro (aparelho, sim) se encarrega de disseminar esses preconceitos.
Em ampla maioria, têm sentimentos de animosidade em relação ao Brasil. Pesquisas periódicas registram um percentual nunca inferior a um terço da população que tem vergonha de ser brasileira. Conservadores é que não são.
Não é o meu caso. Tenho orgulho de ser brasileiro, exatamente porque conheço nossa história e vejo nela as extraordinárias realizações que antecederam o Descobrimento, o valor de nossos grandes vultos e o papel que nos corresponde na preservação da civilização ocidental.
Tenho vergonha é dos maus brasileiros que em ambientes fechados, além dos filtros de acesso, bem como nas trincheiras de um obscuro poder paralelo, trazem para o horizonte das possibilidades da corrida presidencial um ladrão condenado unanimemente por nove magistrados em três instâncias.
Tenho vergonha é do jornalismo manipulador que apoia qualquer bizarrice do Judiciário e toda uma plataforma de omissões do Congresso Nacional contanto que isso prejudique o Brasil e seu governo, ou vice-versa.
Tenho vergonha é dos que, para desconstruir o amor à pátria, entopem a juventude brasileira com toda maledicência que encontram em suas sebosas e sinistras cartilhas. Catam o lixo da história e o exibem, no alto dos telhados e das torres, na mídia e nos salões culturais, enquanto a beleza, a nobreza e a grandeza são varridas para baixo dos tapetes.
Bolsonaro não é combatido pelo que é, mas em virtude dos princípios e valores daqueles que o veem como um fio de esperança capaz de dar um salto de décadas sobre sua omissão.
Os que são contra essas convicções, revolucionários com contracheque ou subsídio, combatem Bolsonaro agindo por dentro do Estado ou à beira de seus recursos. E são contra Bolsonaro porque querem preservar a situação anterior à 2018, perfeitamente descrita pelo bem informado circuito de Alckmin, Palocci, Gilmar Mendes, e outros.
Nota do autor: este breve texto resume a essência do que falei, à tarde de 7 de setembro, à imensa multidão que tomou todos os espaços da Avenida Goethe, junto ao Parcão, em Porto Alegre.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
04/09/2022
Percival Puggina
Os golpistas do WhatsApp agem há muitos anos com total liberdade, a ponto de a plataforma se transformar no novo espaço de nossas cautelas e receios. Roubos de contas e de identidade, achaques a amigos de grupos, “narrativas” de sequestros de parentes, o diabo. Não sei se qualquer desses casos saiu do balcão da delegacia para a mesa de um promotor e foi desembocar no gabinete de um juiz. Mas sei que se por lá chegou, “não deu nada”. Esses patifes só incomodam a sociedade – quem por ela nessas horas? – e estão sob salvaguarda de uma legislação penal que se tem por virtuosa e moralmente superior à sociedade. Nesta, com seus anseios por encarceramentos e segurança, vivem as repreensíveis vítimas da bandidagem.
Agora, os “golpistas do WhatsApp” são respeitados homens de empresa, cuja periculosidade, a olhos policiais, senatoriais e judiciais, se agrava com a potencialidade de seus recursos financeiros. Aprendeu essa, leitor amigo? Marx já advertia sobre os "perigos" do capitalismo. O marxismo, claro, levou miséria e morte a centenas de milhões de lares e coube ao capitalismo resolver a encrenca, mas isso não é coisa que se diga contra acusações tão severas.
Severíssimas. Eu li toda a decisão. Foi como viajar com Aladdin no seu tapete mágico observando o movimento de fantasmas nas esquinas digitais. Foram 15 minutos que valeram mais 15 de insônia porque entre hipóteses, possibilidades e probabilidades, ilações, insinuações, presunções, indícios e mal fixados pontos de vista, nada vi que não se dissolvesse no ar. Sólido, mesmo, é o perigo que o ministro percebe em cada conservador e apoiador do atual governo.
Somos tratados como não pessoas de uma não sociedade. Ela não é percebida pelos que dizem defender a democracia e o estado de direito. Pois sirvam-me isso e liberdade que estarei bem servido! Mas não me venham quebrando inocentes ovos de primeira para fazer omelete de terceira, porque o que está posto à mesa não guarda mais qualquer semelhança com o que diz o cardápio constitucional.
Abro jornal e levo um golpe por dia.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
02/09/2022
Percival Puggina
Não tenho apreço por tudo que a esquerda combate. Mas tudo pelo que tenho apreço é combatido pela esquerda.
Refiro, entre outras questões: a dimensão espiritual do ser humano e o cristianismo em particular, o caráter universal dos direitos humanos, o respeito à vida desde a concepção, a instituição familiar, a inocência das crianças, a prioritária responsabilidade dos pais, o amor à Pátria, a liberdade de opinião e expressão, o direito de propriedade, a liberdade econômica, a prioridade da sociedade sobre o Estado (com ação estritamente subsidiária), a neutralidade política do judiciário e da administração pública, a independência dos poderes, a democracia representativa, o combate às drogas, a intolerância para com o crime e a posse de armas.
Por fim, a ideia de que o Estado existe para proteger a sociedade e não para proteger a si mesmo e desfigurar a vida boa (moral) de que fala Aristóteles em vidão para os seus.
No entanto, a humanidade, a Academia, o Ocidente, os partidos e políticos de esquerda parecem disputar criatividade para propor novas formas de humanismo que não recusam violência e arbitrariedade com vistas aos fins enunciados.
Como consequência, aquele conjunto de princípios e valores listados acima, que conservadores e liberais mantinham em comum, vem cedendo lugar a um autoritarismo de estrutura corporativista que ganha proporções alarmantes. Explicitamente, no Brasil, contamina todos os compartimentos do poder, a saber, com destaque: presidentes das Casas Legislativas, ministros do STF, membros dos conselhos nacionais do ministério público e da magistratura.
Em seu livro Teorias Cínicas, os autores Helen Pulckrose e James Lindsay chamam atenção para um dos efeitos desse autoritarismo: a infiltração de tais ideias no mundo acadêmico, desencadeando uma intolerância cujas consequências ocupam estridentes espaços no noticiário cotidiano.
Misturados, intolerância e ativismo compõem quadros onde:
- a liberdade perde espaço;
- todos os poderes são exorbitados;
- os direitos humanos são distribuídos, como tira-gosto de coquetel, a grupos politicamente organizados;
- a igualdade de todos perante a lei morre em favor de um igualitarismo sob medida para o cliente da hora, como roupa de alfaiate, e sob o impulso de reivindicações que supostos credores lançam sobre supostos devedores;
- a liberdade de culto e o respeito às religiões atingem todos os níveis possíveis de negação e vilipêndio.
O que explica a expansão desse fenômeno, notadamente no outrora promissor Ocidente? Durante décadas pude observar um amplo conjunto de ações que seria exaustivo enumerar aqui, sintetizados na estratégia de Gramsci para a hegemonia (comunista) e ampliados na pluralidade de vias abertas pelos pensadores frankfurtianos para destruição das bases culturais do Ocidente.
Pessoalmente, jamais formarei consenso com a ideia de que a moral possa ser objeto de arreglo, mediante concessões e mediações. Não, ela não é legitimada por decisão de um coletivo qualquer! Todos esses desastrosos e desastrados movimentos, sem exceção, buscam aquilo que denominam “empoderamento”, todos buscam o poder. O resto é tudo resto e caminho.
Quem é contra a polarização não sabe em que mundo vive.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
01/09/2022Percival Puggina
Na excelente revista Oeste, li que a pedido da Globo o PT retirou os vídeos em que reproduzia a fala de William Bonner afirmando Lula nada dever à Justiça.
A Globo pede e o PT atende, claro.
Vai entrar para a história, contudo, a frase de Bonner. Ela foi maliciosamente construída pela Globo em laboratório de enganação. Não por acaso, inclui a dupla negação “não deve nada”, onde o “não” é usado como reforço da negação, comum na linguagem coloquial. Nada dever à Justiça, porém, não equivale a nada dever ao sentimento de justiça nem a ser inocente.
Mesmo assim, infestada de falsificação da verdade, a peça vinha sendo repetida como “prova de inocência”, embora as provas de culpa se acumulem em montanhas que não deixaram de existir.
Lula só está solto e pode ser candidato por razões que têm tudo a ver com as evidências de suas culpas.
Os advogados criminalistas sabem que quando as provas condenam seus clientes, o caminho a ser percorrido é o das nulidades processuais. Inocentes lutam para evidenciar a inexistência ou insuficiência das provas, lutam pela preservação da própria imagem, lutam pela honra. Nulidades processuais andam pelas frestas dos códigos quando a casa vai cair ou já caiu.
A frase de Bonner é marco do ridículo histórico fixado pelo modo como foram conduzidas as entrevistas feitas contra Bolsonaro e a favor de Lula. Nem este acredita em sua inocência, apesar do auxílio recebido do jornalismo 007. Por isso, vive como um prisioneiro por conta própria.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
30/08/2022Percival Puggina
Há quatro anos, os inimigos do presidente constroem narrativas, maximizam seus erros e escondem suas realizações. Para todos os ataques, os grandes veículos da imprensa brasileira proporcionam vasta propagação nacional e internacional. De sua parte, ele só dispõe de uma live semanal disponibilizada pela Jovem Pan e limitada à audiência desse veículo, naquele horário.
Diante de tal realidade, o debate da Band, com oportunidade de contestação, de revide e até de uma possível tréplica em direito de resposta deve ter sido, até mesmo, objeto de euforia. Deu-lhe oportunidade de falar através de canais até então bloqueados.
Foi nessa perspectiva que assisti os dois eventos midiáticos transcorridos no atual período eleitoral. Eles tornaram evidente o que era previsível. O jornalismo militante se tornou marqueteiro do PT. Na entrevista contra Bolsonaro, porque foi isso o que aconteceu, a ordem da Globo era fazê-lo sair do estúdio num ataúde político. No entanto, o presidente saiu mais vivo do que antes e a empresa tão reprovada e relegada por sua antiga audiência quanto vem fazendo questão de se tornar.
Dois dias mais tarde, a mesma Globo descalçou as chuteiras, vestiu as sandálias da humildade franciscana e entrou direto na campanha de Lula. William Bonner só faltou vestir estola sacerdotal, conceder a Lula absolvição plenária e enunciar um solene “Vai em paz e não tornes a pecar”.
O jogo eleitoral será muito pesado porque a política ficou assim desde que esquerda encontrou um opositor disposto a enfrentá-la e a derrotou nas urnas. Tudo que veio depois de 2019 é consequência. A agressividade entre os participantes da disputa, portanto, é mera continuidade e veio para ficar. Não foi trazida nem provocada por Bolsonaro pois sendo o alvo natural de todos, é o menos interessado nela.
Surpresa Zero, também, no debate da Band. O que realmente esteve deslocado no evento foi a performance dos jornalistas que dirigiram perguntas aos candidatos. Fosse quem fosse o interrogado, a questão proposta era um libelo acusatório ao presidente para ser comentado pelo oponente da vez.
Nada incomum para quem acompanha o noticiário. Qual tem sido a tarefa cotidiana das redações? Quatro anos disso e ninguém mais sabe fazer o básico da profissão. Virou vício. Então, algo importante como um debate presidencial vira instrumento para a repetição de chavões, etiquetas e narrativas decoradas e já vulgarizadas pela oposição. É como se o jornalismo, que já era militante, prestasse serviço aos marqueteiros do candidato que não pode sair à rua.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
26/08/2022
Percival Puggina
Sempre me chamaram a atenção os traços comuns que assinalam a vida dos tiranos através da história. Todos se veem titulares de uma tarefa indelegável e impostergável no seu tempo e todos transformam essa missão em fonte de um Direito que se sobrepõe às normas e ritos.
Fidel Castro foi o tirano sobre quem mais detidamente pesquisei. Tinha um sósia baixinho, Silvino Álvarez, usado em veículos, que funcionava como alvo de plantão. Embora a residência conhecida como Ponto Zero fosse sua moradia oficial, frequentemente trocava de “sede”. Fazia-se acompanhar de uma escolta de 14 guarda-costas dispostos em quatro viaturas, sendo incógnita e errática a posição daquela em que transitava. Preservou o irmão Raúl, mas se livrou de todos os comandantes que por popularidade poderiam ameaçar sua posição: Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Huber Matos. E assim foi fazendo ao longo das décadas.
Lênin era muito mais rigoroso. O terror que impôs tornou público o espaço privado, invadia residências, espionava fábricas e eliminava qualquer risco de divergência impondo-se sobre todos. Amotinados, grevistas, críticos eram enviados em balsas com pedras no pescoço e jogados no rio Volga, aos milhares. Nos anos de Stalin, tudo piorou porque o georgiano era paranoico, como foram Mussolini, Hitler, Mao, Saddam (cujo sósia cumpria agendas e circulava mais do que ele em ambiente público) e muitos outros.
É comum que tiranos sejam narcisistas. Têm-se em altíssima conta, sendo dessa vistosa autoimagem que seu poder toma vulto e transborda. Na outra ponta do mesmo circuito, porém, aparece o medo. Tiranos assombram-se com fantasmas da própria mente e criam seus bichos-papões. Por medo deles, largam pelo caminho o autocontrole, o senso de medida e de ridículo. Até a vida privada de alguns velhinhos lhes parece ameaçadora.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
26/08/2022Percival Puggina
Em março de 1983, João Paulo II foi à Nicarágua em meio a uma guerra entre os “Contra” e o governo comunista instalado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), a primeira revolução exportada por Fidel Castro para a América Ibérica. O clero local estava dividido por ação da Teologia da Libertação e alguns padres se haviam envolvido com a luta armada que assumiu o poder político local entre 1979 e 1990. O mais destacado desses rebeldes era o padre Ernesto Cardenal que foi Ministro da Cultura ao longo de todo o período.
Como padre e ministro de Estado, Cardenal foi ao aeroporto recepcionar o Pontífice. Lembro bem do ocorrido porque a visita repercutiu amplamente na imprensa. João Paulo II, polonês, vivera em sua dureza a experiência de um país comunista e foi um dos artífices da derrocada da União Soviética e da libertação de nove de seus Estados satélites na década seguinte.
A cena correu mundo. Assista-a aqui. O papa desceu do avião, não beijou o chão, como era seu costume, dirigiu-se às autoridades, postou-se diante do padre Cardenal (que se recusara a deixar o governo comunista) e passou-lhe um breve sermão, brandindo o dedo indicador diante dele. As atividades sacerdotais do padre estiveram suspensas durante o longo período de sua participação no governo.
Passaram-se os anos. Com breve interrupção, os comunistas continuam governando a Nicarágua, agora sob a ditadura de Daniel Ortega. Padres estão sendo presos. No último dia 19, foi a vez do bispo de Matagalpa ser “recolhido”.
“E Cardenal?” perguntará o leitor que chegou até aqui. Pois o padre Cardenal deixou o governo em 1987, rompeu com a FSLN em 1994, e passou a ser, ele mesmo, perseguido pelo regime até sua morte em 2020. Durante a missa de corpo presente, os comunistas profanaram a igreja. Chamavam-no traidor. A revolução consumiu, assim, um de seus criadores.
Enquanto o comunismo vai espalhando suas lições pelo mundo, aqui, os seduzidos por ele silenciam, concordam, ocultam e desconversam, como fez a CNBB, instigada pelos colegas da Nicarágua que buscavam apoio em sua resistência aos ataques do regime. Sem qualquer menção à ofensiva empreendida pelo governo de Ortega contra clero e fieis, a nota diz isto e apenas isto:
“Nós, bispos do Brasil, acompanhamos com tristeza e preocupação os acontecimentos que têm marcado a vida da Igreja na Nicarágua. Sentimo-nos profundamente unidos aos irmãos bispos e a todo o povo nicaraguense. Clamamos ao Bom Deus para que a paz e a justiça sejam alcançadas.”
Nesta terra abençoada, há quem concorde, quem finja não ver, quem chamado a se manifestar não reprove e quem afirme ser necessário quebrar ovos conservadores para fazer a omelete de uma revolução que já leva perto de meio século. São João Paulo II, rogai por nós!
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.