Percival Puggina

24/03/2017

 


 A um ano e meio das eleições nacionais de 2018, o cenário é desalentador. Está em curso a rebelião dos escroques da República. Em fileira cerrada, ombro a ombro, bandoleiros da oposição e do governo avançam contra as leis penais e eleitorais, qual gatos a livrar e lamber o próprio pelo. As listas de Janot estão recheadas de nomes fortes para disputar vagas no entrevero político do ano que vem. E só um intenso trabalho de resistência às mudanças legislativas, de conscientização e informação poderá prevenir os grandes riscos de que, por escabrosos meios, se reproduzam os mandatos da Orcrim. Ao mesmo tempo, é paradoxal: se entrevistado, o mesmo eleitorado que tenderá a reeleger os quadrilheiros manifestará seu descontentamento com a representação política do país.

 A cada pleito, parecem brotar do ventre da terra, para se emaranharem nos altares do poder, personagens cada vez mais interesseiros, mais medíocres, menos honestos, menos comprometidos com o bem comum. Há quem conclua, dessa observação, que a política seja exatamente a lavoura onde se cultivam tais produtos e da qual nada melhor se haverá de colher.

  Convido o leitor para uma sincera análise dessa realidade. Quantos eleitores trocam seus votos por dinheiro, rancho, jogos de camiseta, brindes, favores concedidos, ou promessas feitas às respectivas instituições e associações? Quantos votam por preferências clubísticas e esportivas? Quantos se deixam sensibilizar por atitudes assistenciais como distribuição de cadeiras de rodas, óculos, remédios e caixões de defunto? Quantos são conduzidos pela publicidade ou pela presença na “telinha” e nos microfones? Quantos votam contra algo ou alguém, transformando a eleição num ato de ódio ou protesto? Quantos votam catando do chão um “santinho” qualquer ou em alguém que lhe seja indicado na boca da urna? Quantos votam porque o candidato é defensor vigoroso de sua corporação? Quantos votam porque o candidato é vizinho, amigo da família, manda cartões de Natal, conseguiu ou diz que vai conseguir emprego ou bolsa qualquer? Ora, eleitores displicentes, interesseiros e venais elegem, simetricamente, políticos omissos, mercenários e corruptos.

 Pelo viés oposto, pondere comigo: quantos eleitores têm como exigências a serem simultaneamente cobradas a formação moral e intelectual do candidato, a imagem que construiu com sua história pessoal, seus valores, sua dedicação ao bem comum, sua capacidade de influenciar e liderar outros, suas idéias e propostas para o município, o estado e o país?

Pois é, pois é. Faltam-nos estadistas porque nos sobram votantes com péssimos critérios. No produto dos escrutínios eleitorais, a quantidade de bons políticos eleitos será, sempre e sempre, diretamente proporcional ao número de bons eleitores.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/03/2017

 

Os que empurraram as esquerdas para suas vitórias e o Brasil para o fracasso retomam as antigas práticas. Astutamente, tendo suas opiniões perdido credibilidade nas questões internas, usam e abusam da cena internacional para continuar ministrando "lições" à opinião pública.

 Recordemos. Durante décadas, formadores de opinião, "trabalhadores em educação" e seguidores da Teologia da Libertação arrastaram o corpo social brasileiro para a valeta esquerdista. Era uma força irresistível a alavancar o PT para a condição de grande partido nacional, levar Lula à presidência da República e arrastar o Brasil para o caos. Nos microfones, as falanges midiáticas não poupavam sequer o público dos programas futebolísticos. Nas salas de aula, tornos e marretas ideológicas faziam cabeças em linha de produção. A CNBB e o clero dito progressista esmeravam-se em documentos e campanhas cujo cunho religioso se consumia em brevíssimas referências à Santíssima Virgem; tudo mais era perdição eufemística da mensagem cristã a serviço de determinada política. Certa feita, anos 90, designado pelo admirável arcebispo de Porto Alegre, D. Cláudio Colling, participei dos eventos que compunham o projeto da CNBB chamado "O Brasil que queremos". Nos bastidores de todos os eventos e mesas de trabalho, os assuntos mais abordados pelas pastorais presentes eram eleição vindoura e Lula-lá... A tudo testemunhei porque, como peixe fora d'água, lá estava.

Assim, ao longo de muitos anos, o povo brasileiro foi orientado pelos corregedores da opinião pública a pensar com critérios esquerdistas, estatistas, coletivistas. Toda a análise sociológica, histórica, política e econômica era promovida com lentes marxistas. Quando, nos anos 90, o Leste Europeu sacudia do próprio lombo sete décadas de opressão, ferrugem e lixo comunista, o Brasil da teologia da libertação, dos progressistas, dos movimentos sociais mantidos pelos inesgotáveis fundos petistas estava ávido de importar tudo para cá.

O que aconteceu após 13 anos do sucesso eleitoral de 2002 foi o inevitável fracasso operacional e moral de 2014, quando já não podia mais ser ocultado. E tudo fica bem resumido nestas estrofes narrativas e proféticas de Miguezin de Princesa em "Nunca recebi propina":

Prometeu melhores dias
Para um bocado de gente,
Vivia quase montado
No pescoço do vivente,
Mas, na hora de comer,
Só comeu quem foi parente.

Agora no xilindró,
Com saudade do faisão,
Come pão com margarina
E almoça rubacão
E diz: - Esse povo ingrato
Inda beija meu retrato
Nessa próxima eleição!

O poder petista, como tal, acabou. Junto com sua parceria, virou caso de polícia. A conexão publicitária entre esquerda e progresso, a ninguém mais convence. Com os foguetes queimados para levar o PT ao poder, torrou-se o prestígio de seus apoiadores. Por isso, leitor, você não ouve mais qualquer discurso esquerdista.

Que fazem, então, as falanges midiáticas, acadêmicas e pastorais? Reconhecidas as próprias limitações, dedicam-se a: 1) combater quem esteja à sua direita no arco ideológico, jogando rótulos entre os quais os de "ultradireita" e "fascista" são os mais recorrentes; 2) atacar propostas que busquem desfazer os estragos promovidos por um quarto de século de governos de esquerda; 3) investir contra conservadores e liberais como sendo os vilões a serem evitados.

Observe, então e por fim, o quanto se valem para isso do cenário internacional. Ali está o campo de prova onde reiteram suas convicções e "ensinamentos", sem que o passado os condene. Não, as falanges não se penitenciam nem redimem. Apenas mudam de estratégia. Agora, pretendem nos ensinar a compreender o mundo com seus olhos.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

19/03/2017

 

 Se o czarismo não dava origem ao melhor dos mundos, o movimento revolucionário que mudou o regime em 1917 causou à sociedade russa um dano incalculável. E não se deu por cumprido. Levado pelo imperialismo russo, o comunismo viria a estender fronteiras, impondo-se sobre nações até então livres e irradiando genocídio, miséria e servidão. O simples registro ou narrativa dos fatos que se desenrolaram a partir do velório da Rússia czarista não podem silenciar ante o simultâneo surgimento, ali e então, do primeiro, modelar e mais letal dos coletivismos totalitários que infernizaram o século XX. O nazismo e o fascismo aprenderam do comunismo. Deveríamos estar falando mais sobre isso, sempre que mencionados os fatos ocorridos às margens frias do Rio Neva, há exatos cem anos.

 As mulheres e os grevistas que a elas se juntaram para marchar nas ruas de Petrogrado, no dia 8 de março daquele ano fatídico, pedindo pão e paz, cantavam a Marselhesa e não podiam imaginar a intensidade das forças que desencadeavam. Talvez sequer soubessem que reproduziam o mesmo hino entoado na tomada do Palácio das Tulherias, quando, nos desdobramentos da Revolução Francesa, se liberavam as forças do Terror e a guilhotina fazia rolar três cabeças a cada dois minutos. A caixa de Pandora aberta em Petrogrado seria infinitamente mais maligna. Mas é bom relembrarmos: para cada Robespierre ou Saint-Just, a Revolução Russa iria, ao longo das décadas seguintes, mundo afora, disponibilizar multidões de sanguinários ditadores e monstruosos agentes políticos. Gerações de revolucionários e intelectuais, partidos e militantes se sucederiam para disseminar uma ideologia perversa na concepção e comprovadamente ainda mais perversa na execução, em todas as suas experiências históricas.

 Talvez convenha, aqui, lembrar o velho Winston Churchill, porque é sempre uma saudação à inteligência fazê-lo. Enquanto a chapa esquentava em Petrogrado, naquele março de 1917, Lênin estava exilado na Suíça. O curso dos eventos muito o agradava, mas não podia comandá-los através, apenas, das cartas que escrevia. Ele precisava chegar ao palco. Hábil que era, conseguiu negociar com os alemães autorização para cruzar o país em direção à Suécia. Foram oito dias em companhia de outros camaradas, dentro de trem blindado, até Estocolmo e, dali, para a Finlândia e Petrogrado. Churchill, referindo-se a essa inusitada travessia de um grupo de cidadãos russos, sendo a Rússia adversária da Alemanha na guerra, comentou que tal viagem se dera "num vagão lacrado como bacilo de peste". A frase e o lacre se justificavam plenamente.

Para Lênin, a Primeira Guerra Mundial era um conflito entre interesses imperialistas com o qual nada tinha a ver. Interessava-o aproveitar as consequências da guerra na vida das pessoas para fazer eclodir o que via como fundamental - o embate entre as classes sociais com vistas à ditadura do proletariado. Foi com tal visão que convenceu os alemães a lhe darem passagem e foi com essa perspectiva que chegou ao poder supremo no final do mesmo ano. E sobreveio o Terror. E nasceu o organismo dele encarregado, a Cheka, que viria a inspirar, menos de vinte anos depois, as SA e as SS nazistas, e os camicie nere fascistas. Alguém dirá que a política não é lugar de muito bons modos, que nunca foi domicílio da verdade e que, em maior ou menor grau, a repressão, ativa ou inativa, está sempre em seu estoque de meios.

O que só o coletivismo comunista e seus dois filhotes - nazismo e fascismo - fazem, porém, é uma política em que os adversários não são pessoas ou facções divergentes. São estes também, mas, principalmente, são grupos sociais inteiros passíveis de eliminação: burgueses, proprietários, etnias, nacionalidades. E tudo (...) O final do artigo pode ser lido em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/2017/03/1917-e-o-mundo-mudou-para-pior-9750819.html
 

Percival Puggina

17/03/2017

 

A tentativa de instituir o voto em lista fechada é a manobra mais descarada desde o início das operações da Lava Jato. Supera, em despudor, a missão do "Bessias" levando a Lula o ato que o homiziaria no ministério de Dilma. É mais desavergonhada do que a "anistia do caixa 2". A democracia dos canalhas alcança seu apogeu com algo tão indecente na motivação, tão contra a democracia na concepção e tão escancaradamente desonesto que estará coberto de razão o cidadão que registrar, na polícia, um boletim de ocorrência.

A ideia e a intenção estão em todos os noticiários desta sexta-feira 17 de março. Seus promotores, grandes figurões da política nacional, estão preocupados com os prejuízos eleitorais que lhes advêm do conhecimento de seus crimes e de suas inclusões nas listas de Janot. O que conceberam pode ser descrito como um gigantesco iceberg político sem nada submerso. Da ponta à base, o mastodonte está inteiramente visível nas páginas dos jornais. Nosso país nunca adotou o voto em lista fechada exatamente pelo motivo que, agora, a organização criminosa atuante na política brasileira passou a vê-lo com bons olhos: ele esconde os candidatos e o voto deixa de ser direto e pessoal.

Com efeito, nesse sistema:

1) cada partido elabora uma lista com os nomes em disputa;

2) no dia da eleição, o eleitor escolhe e vota na lista de sua preferência;

3) o percentual de votos dados a cada lista, em relação ao total de sufrágios da eleição, define quantas cadeiras cabem a cada partido;

4) são os partidos que estabelecem a ordem dos nomes nas respectivas listas;

5) é dentro dessa ordem que as cadeiras são preenchidas (se um partido tiver direito a dez cadeiras, por exemplo, os dez primeiros nomes de sua lista serão titulares).

Com medo da reação da sociedade ante os escândalos em que estão envolvidos, os piores elementos da vida pública brasileira, candidatos preferenciais a serem varridos das urnas em 2018, encontraram no voto em lista fechada um modo de se elegerem sem necessidade de encarar individualmente os eleitores. Pretendem, com essa manobra, caciques que são, retomar suas cadeiras e preservar o foro privilegiado escondidos na lista partidária, mais ou menos como se dá comprimido para cachorro, disfarçado dentro de um naco de carne. É assim, escondidos e sem votos pessoais, mascarados, que eles querem voltar aos negócios em 2018. Antes, desfiguravam a representação política comprando votos e abusando do poder econômico com dinheiro mal havido; agora, querem continuar abastardando a democracia com o voto em lista fechada.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

14/03/2017

 

 O mundo do crime declarou guerra ao mundo do trabalho. Nós produzimos e eles tomam nosso ganho - o dinheiro do bolso, o automóvel, a carga do caminhão, o gado no pasto. Guerra na cidade e no campo. Guerra sem dia ou hora de armistício. Não se trava contra o Estado de Direito, que bandido não é doido. Em muitos casos, formam um estado dito paralelo, mas não andam por aí atirando contra quartéis, porque sabem que lá dentro há bala e, de lá, vem bala. Não, eles querem o trabalhador da parada de ônibus, descendo do carro, entrando em casa, saindo do banco. E, não raro, tomam-lhe a vida.

 É uma guerra desigual, assimétrica. Enquanto o mundo do crime tem armas, o pessoal do trabalho árduo não dispõe de meios de defesa. Na tese oficial, esse seria encargo prioritário do Estado, mas ele, há muito tempo, jogou no tablado a toalha e a própria vergonha diante de sua impotência. O mesmo Estado, que tornou impeditiva a posse e o porte de armas pelos cidadãos, apresenta-se à sociedade como um impotente, "mãos amarradas" pelas próprias leis, decisões judiciais, carência de recursos humanos e materiais. Vendo e ouvindo o Estado, dá vontade de parafrasear João Bosco e cantarolar: "Tá lá o Estado estendido no chão... Em vez de reza uma praga de alguém". Estatisticamente está comprovado: esse Estado não consegue defender o mundo do trabalho.

Em tais condições, quando um lado está armado e o outro indefeso, toda guerra vira massacre. É como ataque de força armada hostil contra população civil desarmada. Deu para perceber a semelhança com as ações do Estado Islâmico? Temos a mesma coisa aqui, de modo fragmentado, mas tão ou mais letal, com 60 mil homicídios anuais e um número várias vezes milionário de "expropriações" ou butins levados a cabo, todo ano, pelas forças vitoriosas do mundo do crime.

Se você reclamar, se cobrar o direito ao uso e porte de armas, imediatamente se insurgirão as falanges opiniáticas da esquerda, acusando-o de ser um sanguinário irresponsável, militante pró bancada da bala, uma espécie de Comando Vermelho com sinal trocado. O massacre das vítimas, a impossibilidade prática de promoverem a própria defesa, deveria ser objeto de escândalo como escandalizam as ações do ISIS. Mas aqui é o Brasil e estamos habituados aos necrológios da sociedade nas páginas policiais.

Como escrevi outro dia, ao direito natural da pessoa humana à própria vida corresponde o direito de defendê-la. A proibição do Estado retira-lhe a efetividade, mas por ser ele natural, ele está ali, inerente à condição humana. É direito recusado, mas persiste sendo da pessoa. Se a legislação me permitisse ter e portar armas, eu até poderia, livremente, renunciar a isso. Mas não digo o mesmo do dever de proteger a vida dos meus familiares! Eu, ao menos, não sinto que possa dele abrir mão. É um dever moral, que considero inerente à condição de homem de família, com mulher e filhos sob seu zelo.

Por isso, em nome disso, mais e mais persistente deve ser o clamor nacional por um novo estatuto sobre a matéria. Danem-se as carpideiras de bandidos, os adversários de toda repressão sobre as práticas criminosas e as atitudes suspeitas, os sócios do clube da maconha e otras cositas mas; danem-se os eternos fiscais da polícia, os censores das opiniões alheias, os esquerdinhas militantes de todas as causas erradas. Quem assina este artigo é pacífico mas não é pacifista, não está a soldo de nenhuma indústria de arma, não é homicida em potencial e está indignado, sim, com o que fizeram do Brasil.

N.A. - No próximo domingo, dia 19/03, às 15 horas, no Parcão, em Porto Alegre, ato pelo Direito de Defesa.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

10/03/2017

 

 Difícil entender a conduta de muitos brasileiros. A parcela mais significativa do eleitorado é, historicamente, sensível às mais demagógicas promessas populistas. A biografia de muitos que entraram para nossa história como líderes benquistos e o catálogo de suas principais realizações não resiste ao crivo da relação benefício-custo e ao escrutínio de suas consequências. O Brasil anda devagar e o futuro é um horizonte que se afasta. De Getúlio para cá, incluindo o próprio, o populismo nos presenteou pela urna Juscelino, Jânio, Collor, Lula e Dilma. Não era outro o ânimo dos vices Jango e Sarney. Escaparam-se, em tempos recentes, o saudoso Itamar Franco e FHC em sua primeira eleição como cavalo do comissário de um governo bem sucedido. Já não se diga o mesmo dele em 1998, pois a reeleição enviou às favas os critérios do primeiro mandato.

 Recordista mundial em número de sindicatos, o Brasil cria 250 novas organizações desse tipo por ano. Segundo a revista Veja, em outubro do ano passado, havia 16.293 deles, prontos para servir de sinecura a dirigentes e de complicador às relações de trabalho. O motivo pelo qual os temos em tal quantidade (125 vezes mais do que os Estados Unidos e 180 vezes mais do que a Argentina) é o mesmo pelo qual são tantos os nossos partidos políticos. Há muito dinheiro fácil para uns e outros.

 "Nenhum direito a menos!", lia-se em faixa de passeata ocorrida há dois dias em Porto Alegre. "Queremos mais direitos e não menos!" proclamava outra, no mesmo evento. Ora, quem disse que muitos direitos são vantajosos ao trabalhador? Fosse assim, Portugal e Espanha estariam recebendo trabalhadores alemães e ingleses. No entanto, o que acontece é o contrário. Recursos humanos de países super-regulamentados migram para países onde as relações são mais livres. Aqueles têm as economias mais travadas e pagam salários mais baixos; estes são mais ágeis, prósperos e pagam salários mais altos. Li outro dia que na Venezuela, onde a lei proíbe a demissão de quem ganha salário mínimo, os trabalhadores, por motivos óbvios, têm medo de ser promovidos.

 Então, o Brasil preserva instituições irracionais, verdadeiras usinas de crises que promovem cíclica instabilidade da vida social e econômica. Cultua leis incompatíveis com o tempo presente como se fossem preciosidades jurídicas e esplêndidas realizações da generosidade política. Mas ai de quem propuser alteração em estatutos anacrônicos como os da previdência social e das relações de trabalho! Mas e o Brasil, deputado? Ora, o Brasil! Empregado tem nome e CPF. A empregabilidade não rende votos e o desempregado não tem sindicato.

A infeliz combinação de populismo, corrupção e leis erradas produziu a recessão, gerou 12,5 milhões de desempregados e derrubou a renda real dos brasileiros. Essa queda, porém, foi muito assimétrica, proporcionalmente maior para que ganha menos, chegando a 100% para o universo dos desempregados. Isso está muito errado!
Sim, mas não mexe, parecem dizer as próprias vítimas do perverso populismo e os eternos incendiários do circo alheio. Assim, o mero futuro já é uma utopia.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/03/2017

 

A propósito de artigo anterior com o título "Estancar a sangria", recebi mensagem de um leitor cujos argumentos convergiram para a defesa das duas decisões do STF que eu havia atacado: a soltura do goleiro Bruno e o pagamento de dano moral a presos em virtude das condições precárias dos estabelecimentos penais. Em resumo, diz ele, muito respeitosamente:


Quanto à soltura de Bruno:
" ... entendo correta a decisão monocrática do STF em face da impossibilidade lógica e racional de se admitir que um tribunal de 2ª instância (TJ-MG) demore mais de três anos para apreciar um recurso penal de cidadão que se encontre preso. Isto acontece no Brasil? Sim, mas é impensável tal ocorrência em um país sério. Muito embora a sentença condenatória tenha determinado que o réu não poderia apelar em liberdade, tendo em vista a forma e meios com que praticou o crime, bem assim por já possuir condenação penal anterior, mesmo assim, não pode, ou pelo menos não deve o poder judiciário nacional olvidar o fato de que a liberdade é bem indisponível de cada indivíduo, e não pode ficar perdido no tempo o julgamento de qualquer recurso que verse sobre a questão. Diante da realidade judiciária brasileira, onde, de forma infeliz e absurda, as leis processuais não definem excesso de prazo para julgamento de recurso, a demora em dele conhecer não pode ser infinita. Salvo equívoco, o STF apenas corrigiu esta falha, colocando em liberdade o condenado, sem prejuízo do cumprimento integral da pena a ele cominada, caso algum dia o recurso venha a ser julgado e mantida a pena estipulada na sentença condenatório de primeiro grau".


Quanto à indenização a preso:
"... entendo que o STF agiu acertadamente. Infelizmente, só agora, pronunciou-se sobre a questão. Embora seja difícil determinar com precisão, o que significa "dignidade da pessoa humana" ela é um dos fundamentos da Constituição Brasileira de 1988, insculpida que está no inciso III do artigo 1º da nossa Carta Magna. Certamente, por mais tênue ou disforme que possa ser considerada a dignidade da pessoa, ela passa longe de qualquer cela de delegacia, casa de custódia ou penitenciária dos nossos rincões pátrios. Ora, é elementar que no mundo moderno, em qualquer país sério, a condenação ou a espera de julgamento por delito cometido significa tão somente a restrição da liberdade e nunca a extinção dos direitos fundamentais da pessoa, nos termos em que são hodiernamente definidos. Durante séculos, vigorou no mundo e no Brasil, a teoria da irresponsabilidade do Estado, calcada no argumento de que o Estado não erra pois atua para atender o interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso. Com o progresso civilizatório que, a passo de jabuti, vem progredindo sobre o planeta, o Estado brasileiro viu-se abrigado a legislar e definir seu próprio comportamento enquanto autoridade maior de representatividade de um povo. Tendo em vista o disposto no caput do artigo 37 e seu § 6° da nossa Carta Maior, o Estado obrigou-se a atuar submetido à teoria da responsabilidade objetiva do estamento jurídico vigente, condição que habilita como boa e tempestiva, até prova em contrário, a decisão do STF em condenar o Estado a ressarcir , por meio de indenização, os danos por ele cometidos.

Minha resposta

Li com muita atenção e interesse sua mensagem e ponderei seus argumentos. Sei que o socorrem algumas razões, mas, certamente, não toda a razão. As suas são as razões da ordem jurídica. As minhas foram as razões da justiça como valor moral, da boa política, da ordem pública, da segurança social, da vida em sociedade, do papel pedagógico das instituições, dos pagadores de impostos e, por fim, de algo tão singelo, mas robusto, quanto as razões da vida como ela é. Não tenho formação jurídica, mas imagino que os reflexos sociais das decisões judiciais e do modo de executá-las sejam objeto de estudo nos meios acadêmicos.

Pergunto: indenizar praticamente todos os presos do país por maus tratos é preceito que cria esse direito, assim, como pedágio? Vale por quanto tempo? O preso recebe ao ingressar no sistema, cujo caos começa na carceragem da delegacia, ou só no estabelecimento penal? Ao retornar às ruas ou durante o cumprimento da pena?

Não estou solitário nessas ponderações. O ministro Barroso em seu voto contrário à decisão majoritária, propondo algo muito mais racional - a redução proporcional da pena - afirmou: “A indenização pecuniária não tem como funcionar bem. É ruim do ponto de vista fiscal, é ruim para o preso e é ruim para o sistema prisional. É ruim para o preso porque ele recebe R$ 2 mil e continua preso no mesmo lugar, nas mesmas condições”.

Quanto ao caso Bruno, o fato de esse bandido andar solto é motivo de vergonha para a justiça brasileira. É o legítimo caso para "Shame on you, your honor!" Como pode um ser humano, simples mortal, ainda que investido de poder de Estado, decidir solitariamente matéria de tal gravidade e tão intensa repercussão? O ministro Marco Aurélio serviu seu cálice de direito a um monstro e abasteceu até a borda, para os cidadãos de bem deste pais, uma represa de revolta e descrédito na justiça.

Por outro lado, o mesmo Estado que se entende obrigado a indenizar homicidas, estupradores, ladrões, contrabandistas, traficantes, porque ele, Estado, não lhes proporciona adequados estabelecimentos penais, lança no absoluto abandono as vítimas desses mesmos criminosos. Tais vítimas são, todas, contribuintes da máquina pública, de seus privilégios e prodigalidades; e, agora, também, pagadoras das multas ele impõe a si mesmo por aquilo que não faz. Ou seja, os lesados, os órfãos, as viúvas, vão custear as indenizações que o Estado decidiu pagar a seus malfeitores. Esse tipo de "justiça" anda muito distante da minha capacidade de entendimento.

Forte abraço
Percival Puggina


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

07/03/2017

 


 É bem provável que você já tenha ouvido falar de uma eterna luta entre a Fé e a Razão. A idéia básica desse ilusório conflito é a de que o ato de fé envolve algo que não se pode sentir ou compreender e que portanto você precisa optar: ou conserva a fé e perde a cabeça ou conserva a cabeça e perde a fé. Desde antes de surgir a imprensa, toneladas de pergaminho foram gastas para os tiroteios filosóficos que a questão proporciona. Era a fé cega (crê ou morre) trocando chumbo com a razão cega (não crê e morre igual).

 Quando os autores clássicos foram redescobertos, por volta do século XII, viu-se que a discussão apenas atualizava algo que noutro nível já tinha sido abordado por Platão e Aristóteles. E o achado não fez mais do que acrescentar sofisticada pólvora ao arsenal dos intelectuais.

O noticiário desse antigo bate-boca chegou até nós com a manchete de que a Igreja sempre se opôs à evolução das ciências e do pensamento, desejosa de manter a humanidade no nível de estupidez necessário à prosperidade da fé. Nada mais injusto e falso! A discussão sobre as relações entre a Fé e a Razão começou e evoluiu em ambiente católico, foi proporcionada durante séculos pelos maiores pensadores da Igreja e só encontrou solução dentro dela. Muitos santos e doutores da Igreja - Santo Anselmo, Santo Agostinho, São Bernardo, Santo Alberto Magno, São Boaventura, Santo Tomás de Aquino, entre outros - tomaram trincheira nesse debate fazendo com que, aos poucos, as idéias clareassem. A eles se juntaram sucessivas gerações de brilhantes intelectuais (em especial dominicanos e franciscanos) cujo prodigioso saber extasiava os estudantes das antigas universidades. Vale lembrar que todas as grandes universidades nasceram católicas e cresceram à sombra da Igreja.

 Foi com seus próprios mestres que a Igreja aprendeu que a Razão e a Fé se aperfeiçoam reciprocamente. Tornando-se também nesse aspecto mãe da civilização e da cultura, a Igreja criou as condições para que surgissem as correntes filosóficas apartadas da teologia. Muitas delas mais tarde se voltariam contra a Igreja e contra a própria humanidade.

 A razão e a fé efetivamente se aperfeiçoam. Mas quanta razão na fé que manifesta São Bernardo: “Que me importa a filosofia? Meus mestres são os Apóstolos; eles não me ensinaram a ler Platão nem a deslindar as sutilezas de Aristóteles, mas me ensinaram a viver. E acreditai: essa não é uma pequena ciência”. E não é mesmo.
 

Percival Puggina

06/03/2017

 

 Geração de conhecimento, formação de quadros e posicionamento doutrinário deveriam ser tarefas essenciais a qualquer partido que se constitua com o intuito de intervir de modo positivo na vida nacional. Partidos deveriam brandir seus programas. As soluções para os problemas nacionais deveriam emergir de debates travados em torno desses importantes documentos. Caberia a eles oferecer chaves de leitura para, nos diferentes momentos históricos, proporcionar compreensões e intervenções na realidade. Muitos chamam a isso ideologia. No entanto, como o termo, entre nós, foi consumido por meia dúzia de chavões, eu prefiro discriminar o conteúdo atribuindo-lhe, entre outros elementos, uma política, uma economia, uma sociologia, uma interpretação da história, uma ética, uma compreensão sobre a pessoa humana e sobre o sentido da vida.

A grande política, aquela que vai definir, no tempo, os espaços para as ações humanas, precisa disso tanto quanto a abertura de estradas precisa de fotos aéreas e trabalhos de campo. As mais decisivas ações humanas precisam ver ao longe. Precisam de horizonte, e quanto mais afastado, melhor. Esse esforço da mente que se ergue acima dos conchavos, sofismas, mentiras, animosidades e mesquinharias eleitorais confere à política um sentido respeitável, erguendo-a do justificado desprezo que suscita no cidadão comum.

No próximo dia 15 de março contaremos 32 anos desde a posse do "Tudo pelo social" José Sarney. Foi o último governo peemedebista, antes de Michel Temer, embora o PMDB tenha sido o maior partido de todos os governos desde então. Tal condição lhe assegura, com certo orgulho, o rótulo de "partido da governabilidade" porque ninguém governa sem o PMDB. Em breve saberemos se o PMDB governa com o PMDB. Pergunto: não declarou o ministro Moreira Franco que o partido não é leninista e não fechará questão na reforma da Previdência? A falta de convicções que permite governar com todos fez escola. A todo custo compensa ser governo porque os dividendos são bons. Como consequência, os partidos brasileiros resultam indiscerníveis na vida real; e inservíveis os programas subscritos em seus atos constitutivos. Assim, a par de uma reforma que dê racionalidade ao funcionamento das instituições, impõe-se que os partidos reformem a si mesmos.

É possível que isto nada diga aos ouvidos das lideranças políticas nacionais, mas este país, senhores, precisa decidir o que quer ser. E esta não é uma pequena escolha. Não é o traseiro na cadeira do cargo que muda a realidade, mas o que vai na cabeça de quem detém a caneta. Vamos continuar, mão na frente, mão atrás, iludidos pelas utopias, nesse indecoroso socialismo de pelados, patrocinado pelo Estado? Com raríssimas exceções, os partidos políticos brasileiros ou são socialistas ou não sabem o que são, compreendendo o Estado - logo ele! - como um Eldorado nacional, fonte de inesgotáveis riquezas que se dispõem a gerenciar para um suposto bem comum quase sempre muito privado. E assim vão-se sucessivas gerações sem que deixemos de ser o futuro do pretérito.

O panorama político europeu e norte-americano mostra claramente isso de que falo. Estão em discussão diferentes visões de história, de cultura, de funcionamento da economia, bem como formas e limites da integração. Partidos apresentam nomes que expressam ideias cujo sentido nasce daquelas percepções sobre as quais falei inicialmente. Enquanto isso, aqui no Brasil, por falta de assuntos que requeiram neurônios, discutem-se... ( Ler mais em zhora.co/percivalpuggina).

Especial para ZERO HORA, 04 de março de 2017