Embora registremos um número excessivo de partidos políticos, nenhum se apresenta ou pode ser definido como conservador. O fato surpreende por dois motivos. Primeiro porque o eleitorado que se diz conservador constitui parcela expressiva e crescente da sociedade brasileira. Segundo porque, no Império, tivemos um Partido Conservador cuja contraparte era o Partido Liberal. Apesar de haverem respondido pela estabilidade política do período, os dois foram extintos após a proclamação da República.
Ao longo dos anos, a cada eleição para o Congresso Nacional, torço pelo sucesso de candidatos comprometidos com aquilo que, para simplificar o entendimento, chamo de conservadorismo nos valores e de liberalismo nas concepções políticas e econômicas. No detalhe, não é bem assim, sei. Em ampla proporção, os conservadores são, também, liberais. O que os distingue não é o liberalismo dos liberais, mas o conservadorismo dos conservadores. É ele que deveria demarcar as fronteiras políticas de um partido conservador.
No entanto, pergunto: serão realmente conservadores os conservadores brasileiros? O principal motivo da inexistência de um partido conservador no Brasil está, a meu ver, em que os conservadores convergem bastante bem sobre o que não querem mudar, mas isso é pouco para dar consistência e permanência à mobilização política. Conservadorismo não é estagnação, nem utopia, nem salto ao desconhecido, mas ação com memória do passado, pés no chão e olhos abertos.
Dado que o conservadorismo tampouco é uma doutrina, sendo-lhe impróprias quaisquer receitas de bolo ou vade-mécum, parece importante ressaltar que o adjetivo conservador, atribuído a uma pessoa, indica alguém que respeita o passado e a tradição, alguém que não anda às turras com a História cobrando contas ou amaldiçoando as próprias origens. Sublinhe-se: o passado que se respeita e a tradição tanto podem ser representados pelo que se aprendeu dos antigos na singela universalidade do ambiente familiar, quanto se aprofundando no saber dos clássicos, perenizado na linha do tempo.
Eis o ponto, enfim. O conservadorismo é incompatível com conceitos que dominam a cultura brasileira a respeito da identidade nacional. Um partido conservador não pode nascer entre os que pensam de si aquilo que os brasileiros pensam! O conservadorismo não combina com conceitos que saltitam diante dos meus olhos, cotidianamente, nas redes sociais. O complexo de vira-lata, a ideia de uma nação explorada, de riquezas exauridas, descoberta por acaso, povoada por gente da pior qualidade, de passado constrangedor e futuro incerto, nada, absolutamente nada tem a ver com o pensamento conservador! Entendido isso talvez possamos compreender o motivo do sucesso do Brasil Paralelo, suas séries e entrevistas, mostrando que nossa história é indissociável da história de Portugal e não começa no século XV, mas no século XI; que, por isso, somos herdeiros de um idioma latino, de uma cultura ocidental e de uma religião universal; que nós estamos nos cantos de Camões e foram choradas por nós as lágrimas que, nos versos de Fernando Pessoa, deram sal ao mar de Portugal.
Milhares contam haver chorado de emoção ao assistirem esses vídeos. Descobriram, roçando as plantas daninhas da mentira e da ocultação da verdade, que têm raízes seculares, firmes e respeitáveis, lançadas em solo nobre, enriquecido por migrações que nos individualizam como nação, tornando-nos únicos em nossa pluralidade.
Sem essa percepção não haverá conservadorismo no Brasil. Com ela, entenderemos a existência das plantas daninhas e dessa depressiva ocultação da verdade que eficazmente o sufoca em nosso país.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Mario - 11/02/2018 13:32:50
Parabéns pelo texto, Prof. Puggina! Ótima análise!Odilon Rocha - 07/02/2018 13:24:01
Caro Professor Fiquei feliz em saber que o que eu pensava ser o conservadorismo é exatamente o que está ali, no seu magistral texto. Um país sem memória é um país perdido. Fatos históricos, sem dúvida, contribuem. Povoamento também. É interessante relacionar um artigo do Rodrigo Constantino, desta semana, sobre a tentativa - se já não foi aprovado - em macular o hino do Canadá com o seu. http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/hino-canadense-sem-genero-e-sintoma-de-um-mundo-doente/ Pode parecer coisa sem grande importância, ridícula, sem maiores repercussões. Não é. Um abraçoalysson - 06/02/2018 02:52:14
Não tenho uma palavra para elogiar este artigo, mas um conjunto de discernimentos que baseiam meu raciocínio ao lê-lo: os da verdade. E estas são as quais nosso país precisa de um "up-grade" de escala cultural (no sentido do sublime, do melhor) para que possamos permear o nosso imaginário com o nosso verdadeiro legado e não o que a esquerda nos enxertou. PARABÉNS Prof. PUGGINA!PERCIVAL PUGGINA - 06/02/2018 00:04:50
Prezado Antonio Ramalho Mira. Sinceramente, fiquei sabendo hoje da existência desse projeto. Li uma espécie de manifesto, na página do Paco no Facebook e achei muito insuficiente. Logo em seguida há uma proposta de progressiva e total militarização das escolas públicas que, convenhamos, nada tem a ver com conservadorismo. Exigências disciplinares a alunos e professores, novos regimentos escolares, fim de certas demasias do ECA, etc., são medidas mais do que necessárias, mas entregar a educação nacional para as FFAA não faz sentido.Zé - 05/02/2018 19:38:25
Muita confusão, intencional ou não, sobre essas definições de conservador , liberal, neo-liberalismo, Liberal-conservador. Até o XIV, na nossa matriz Ocidental, imperaram o escravismo e a servidão do feudalismo. Com a retomada do comércio após as navegações e a formação dos Estados Modernos a partir do Sec XV o mercantilismo passou a dominar e sustentar o absolutismo monárquico. Nos Sec XVI o absolutismo e a dominação de Roma passaram a ser contestados pela Reforma e pelo descontentamento de uma burguesia enriquecida pelo comércio mas sem pertencer à alta nobreza. Para essa burguesia interessava a liberalização da economia sem interferência do Rei e dos "amigos do Rei" o que levaria às revoluções Inglesas do Sec XVII. A revolução Puritana foi marcada por esse espírito Calvinista de profundo conservadorismo moral e profunda aversão aos abusos dos Reis, da nobreza e do Papa. Esta seria a origem do termo liberal-conservador. O termo conservador via emergir após a Revolução Francesa onde toma o significado de contra-revolucionário que mais tarde seria também identificado como reacionário. O termo liberalismo ficará consagrado após a obra de Adam Smith (1776) onde são alicerçados os pilares da sistema econômico liberal. Nos EUA os termos Conservador ou liberal focam os costumes, os primeiros defendendo a tradição e a moral Cristã e os últimos advogando a inserção do progressimo ou a liberalização dos costumes. A primeira corrente muito comum no Partido Republicano e a segundo a mais comum entre os Democratas, embora alguns republicanos grandes defensores do liberalismo econômico em oposição ao protencionismo mais arraigado dos Democratas, também por vezes defendem a liberação também nos costumes, sendo conhecidos como Libertários, que até muito duvidosamente são classificados no campo da Direita política. No Brasil há muita confusão com esses termos. Em nosso meio, o termo conservador foi utilizado pela esquerda para imputar aqueles que lhe faziam oposição a aura de reacionários. A esquerda política também usou pejorativamente o termo Neo-Liberal (corrente dos economistas de Chicago) como "traidores da pátria" e "entreguistas" que odiavam os pobres. Já o termo liberal foi apropriado por indivíduos que apesar de professarem as idéias de Smith sobre o Liberalismo, aceitam toda a agenda do progressismo nos adotados pela esquerda. Na verdade deveriam se denominar Libertários e forçosamente no campo da esquerda, mais precisamente centro-esquerda ao lado dos Sociais-democratas Fabianos. No Brasil, até bem pouco tempo, o termo liberal-conservador foi execrado por todas as correntes e campos políticos, negando-lhe até a existência em nosso meio ou sendo considerado apenas macaquiação ou estrangeirismo Anglo-Saxão. Esta história vem mudando notadamente após as jornadas de junho de 2013 e com a expansão da Religião Evangélica e a Teologia da Prosperidade em nossas cidades, principalmente nas periferias e cada vez mais Brasileiros vêm se auto denominando Liberais-Conservadores e embora ainda não haja partido político seguindo esse princípio, já temos Jair Bolsonaro como candidato à Presidência, que renunciando ao seu passado de militar estatista, vem abraçando paulatinamente este pensamento que é o único e verdadeiramente gerador de desenvolvimento econômico e estabilidade social.Ismael de Oliveiira Façanha - 05/02/2018 18:16:32
Sem dúvida, há uma ruptura com a linha do Passado no Brasil de hoje; assim, qualquer adolescente argentino, sabe quem foi Carlos Gardel, mas qual dos nossos jovens sabe que existiu um Francisco Alves, um Silvio Caldas, um Vicente Celestino, citando apenas 1% dos gênios da nossa MPB? Na esfera da Cultura Cívica, a massa mais jovem nada sabe, tudo desconhece. Interrompida a trajetória parabólica da consciência vinda do passado, e que tangenciando o presente iria apontar e definir o futuro, o Amanhã desse país foge das nossas vistas. A fé e a esperança bruxuleiam no Brasil em que estamos a viver.Antônio Ramalho Mira - 05/02/2018 16:14:18
Professor Puggina, é sempre maravilhoso o que o Sr. escreve. Já pensei e lamentei dessa falta. Vi, uma vez, a criação de um partido conservador, o PACO, e me perguntei por que não havia ninguém de expressão envolvido na organização do mesmo. Em que pé está , será viável? O que é o PACO? Com estima, obrigado.Antonio Henrique Pinheiro - 05/02/2018 16:04:02
Parabéns, Percival pelo texto e pela observação muito bem analisada e registrada.Genaro Faria - 05/02/2018 13:01:51
Nós temos católicos maçons, católicos comunistas e católicos umbandistas. O que mais será preciso lembrar para nós darmos conta de que até a religião é tão irreconhecível em nossa cultura? O Brasil, afinal, é um país do futuro que desconhece o seu passado, ou é um país apenas conformista? Precisamos buscar a rodilha onde quebramos o pote. Quem sabe assim nós recuperemos a dignidade da monarquia como espelho da nossa identidade nacional.Rafael - 05/02/2018 12:06:19
Parabéns sr. Percival, baita texto!