O AGRONEGÓCIO NO SANATÓRIO DA POLÍTICA
Não sei se o leitor já percebeu que os partidos políticos brasileiros estão se esfarelando no ralador da própria insignificância. Nestes dias que correm, por exemplo, celebram-se os mais exóticos enlaces. Sobre o balcão dos acordos nupciais, o setor público ? governo e administração ? é negociado como espólio dos vencedores. Vamos transacionar o que interessa: quem fica com o quê? Trata-se de um fenômeno nada recente, que, pouco a pouco, reduziu os partidos políticos brasileiros ao mínimo denominador comum que lhes resta ? sua função cartorial. Por força de lei, ninguém pode disputar eleição se não tiver filiação partidária. Ponto. Eis aí o que são nossos partidos. E eis aí tudo que eles são.
Recordo que durante anos clamava-se pela fidelidade partidária como condição para que os legendas retomassem sua significação. Tratava-se, como sempre escrevi e disse, de uma campanha contra as consequências do fenômeno, promovida com total desconsideração pelas suas causas. Até o TSE e o STF acreditaram nessa. Instituíram, por conta própria, a fidelidade partidária. E os partidos? Melhoraram? Os maus políticos ergueram um milímetro seus padrões de conduta? A única coisa que talvez tenha acabado é a venda de filiação partidária, mas esse nunca foi o maior nem o melhor negócio nos nossos parlamentos. No Congresso Nacional vendem-se muito mais interesse público e votos do que mandatos.
Uma das muitas expressões desse mesmo problema institucional se evidencia no fato de que a função própria dos partidos ? a agregação política de pessoas com as mesmas crenças, ideologias e valores ? acaba convergindo para outras forças existentes na sociedade. São os grupos de interesse, que, ao fim e ao cabo, compõem verdadeiras bancadas. E isso não é bom para a democracia nem para o bem comum. Mas é conseqüência inevitável da regra do jogo, da conjugação da eleição proporcional com o sistema de governo que adotamos. Nossa democracia está deixando de ser uma democracia por partidos para se tornar uma democracia por grupos de interesse.
Enquanto não adotarmos uma regra melhor, superior, é preciso levar em conta que a atividade política deve ser exercida com ideais elevados e senso prático, dentro das regras estabelecidas. Há uma eleição em outubro deste ano e, diante desse pleito, como deve se orientar a força política do agronegócio?
O agronegócio é um dos grupos de interesse articulados no país. O setor, que tem enorme peso na nossa vida econômica e social, enfrenta adversários que agem em total desrespeito ao Estado de Direito, com impressionante suporte no próprio Estado de Direito. Trata-se, obviamente, de uma inequação típica da esquizofrenia nacional: os fora da lei recebendo amparo institucional! Loucura pura. Situação demencial, que clama por corretivo político, jurídico e institucional. Diante disso, ainda que outras causas não existissem (e existem), justifica-se plenamente, por realismo e idealismo, a articulação política do agronegócio brasileiro em relação aos pleitos de 2010. Que a insanidade não afete o setor e não vá ele repetir erro anterior, indo bater à porta do hospício e entregando-se à gestão dos internos, como boa parte dele fez em 1998.
* Publicado originalmente na revista Somando edição de março de 2010.
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* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.