Percival Puggina
21/12/2021
Percival Puggina
Todos os poderes de Estado, expostos ou não ao referendo popular, todos os órgãos públicos, todas as empresas privadas ou estatais, todos os prestadores de serviço, do presidente da República ao entregador de pizzas, estão sujeitos a reclamações e a manifestações de desagrado e inconformidade.
Não acredito que alguém, em seu perfeito juízo, se considere acima do bem e do mal, imune a manifestações de desagrado e de protesto que são mero exercício da liberdade de opinião. Em tempos que já vão longe, a esquerda acusava os militares de interpretarem assim o próprio poder. Nos dias que correm, a mídia militante e o STF esquerdizado nos governos petistas assim se veem.
São reflexões que me vieram à mente ao ler hoje (20/12), com dose dupla de irritação, editorial do Estadão mencionando um discurso do ministro Luiz Fux. O jornal ainda reverbera seu desconforto com a indicação de alguém que serviu o governo Bolsonaro para uma cadeira no STF, agravado tal ato pela condição religiosa do novo ministro. Em seus editoriais, como se sabe, o Estadão tem meia dúzia de pautas em torno de um único assunto: ferro no Bolsonaro.
Em momento algum passou pela cabeça do editorialista o fato de estar, o pleno do STF, repleto com sólida maioria de indicados que passaram pelo crivo ideológico de José Dirceu, bem como por servidores do PT, dos governos petistas e do governo Temer. Em meio a tantas anomalias jurídicas e atos de arbítrio, a única figura que o jornal suspeita estar no lugar errado é o ministro André Mendonça.
Com muitos adjetivos, advérbios e poucos substantivos substanciais, o jornal manifesta sua irritação com as críticas de Bolsonaro ao jornalismo militante, que o ataca em fluxo contínuo, só interrompido em “nossos comerciais, por favor”. Imagino com quanta alegria o editorialista comentou este discurso do ministro Fux no encerramento do ano judiciário, exaltando de boca própria o poder a que pertence:
“Esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo enfrentaram ameaças retóricas que foram combatidas com a união e a coesão de seus ministros. E ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte”.
O que vejo é parte expressiva do Poder Judiciário silenciada pela Lei Orgânica da Magistratura, convivendo calada com aquilo que o ministro, muito impropriamente, chama “decisões corajosas” da nossa Suprema Corte. Algumas delas, segundo interpretação de muitos, incluem atos que extrapolam o Estado de Direito e interferem na autonomia dos poderes, e atos que ameaçam a liberdade, em inquéritos cujo sigilo não se sabe se encobre algo real ou fantasmas criados pela mente.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
19/12/2021
Percival Puggina
“Perdi a esperança. Não voto mais. A política brasileira nunca vai mudar porque as mudanças dependem de um Congresso e de um STF que não querem nem ouvir falar nas necessárias alterações. Tudo está sendo feito para favorecer as reeleições da atual representação parlamentar e manter o Supremo com a atual configuração e com a atual conduta”.
As palavras que você acaba de ler me chegaram em mensagem de um leitor. Exceto por pequeno detalhe, são bem verdadeiras as alegações que faz, mas a decisão tomada a partir delas está errada. E a causa do erro, como em tantas situações, está no detalhe: a política brasileira, queira meu leitor ou não, vai mudar sim! Isso é inevitável porque a política não é estática. Ela muda. Em certas condições, muda para melhor; noutras muda para pior.
Se uma certeza eu tenho em relação a essa questão, que se faz oportuna e significativa, a poucas semanas de um pleito nacional, é esta: se os eleitores indignados com a política que temos não comparecerem às urnas porque estão amuados, desesperançados, obviamente a vantagem será dos piores candidatos, votados por maus eleitores que, sim, comparecerão às urnas. Haverá número ainda menor de bons políticos e número ainda maior de maus políticos. E isso significa mudança. Mudança para pior na representação parlamentar, na presidência e nos governos estaduais. Em síntese: um desastre, cujas consequências provavelmente se derramarão sobre uma geração inteira.
Por outro lado, a omissão, o voto nulo, ou em branco, é o ponto culminante de uma omissão anterior. Cidadãos conscientes deveriam ser ativos em todo o período anterior e posterior à eleição. Todos já deveriam saber como votaram deputados e senadores o veto do presidente da República ao Bolsa Reeleição, também conhecido como Fundão Eleitoral, no montante de R$ 5,7 bilhões (clique aqui, ou siga o link no final do artigo). Todo cidadão ativo deve escolher seus candidatos o mais cedo possível, ao longo dos próximos meses e trabalhar para elegê-los.
Ao longo do ano que se avizinha, ainda estaremos pagando a conta de dois males simultâneos: a pandemia e o “fique em casa, que a economia a gente vê depois”. Era tranquilo dizer, pegava bem exigir, parecia haver um elevado senso moral a orientar tais condutas. Como em quase tudo na vida em sociedade, porém, há o que se vê e o que não se vê. Ou só se vê depois. Vale o mesmo para essa versão do fique em casa aplicada ao exercício da cidadania, que começa bem antes do voto e não se esgota no voto.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/12/2021Percival Puggina
Os números divulgados por pesquisas eleitorais influenciam a realidade. Saber em que proporção representam a posição dos cidadãos poderia, muito bem, ser uma das 12 penitências de Hércules. Requer esforço sobre-humano do qual me declaro incapaz. No entanto, sinto-me habilitado a afirmar que se as pesquisas mais recentes expressarem algo próximo da realidade, temos duas opções :
1ª) a maioria do eleitorado brasileiro é um fenômeno parapsicológico, cuja opinião e cujo querer só pode ser captado por pesquisadores dotados de poderes supranormais; ou
2ª) esses eleitores viraram argentinos (que é a hipótese menos absurda).
Os brasileiros conservadores já deveriam estar acostumados ao fato de que as pesquisas erram e erram feio. Até quando colhidas em boca de urna. Já deveriam saber que muitas delas são a própria campanha eleitoral fora do período eleitoral.
Os números anunciados pelas emissoras de TV são o palanque, e os comentários são os comícios nestes meses que antecedem o início das campanhas propriamente ditas. Em alguns casos, como nas análises da Globo em relação às avaliações do governo Bolsonaro, quase se ouve o espocar dos foguetes.
É absurdo imaginar que essa maioria identificada pelas pesquisas, outrora formada por ruidosos militantes, tenha emudecido, cravado facão no toco, decidido votar em Lula e quer, literalmente, que tudo mais vá para o inferno. Esse notável movimento de massa faz, em silêncio, aquilo que os argentinos fizeram com mais ruído, encaminhando a nação vizinha para acelerada venezuelização.
O sujeito oculto dessa revolução ou o objeto oculto de sinistra manipulação vestiu terno, colocou gravata, ajeitou o cabelo e isso, em nada contribuiu para dar-lhe um ar de gente séria. Na Europa, Lula tem sido paparicado pela esquerda que vê nele a possibilidade de retomar o poder e restaurar a hegemonia que tão caro custou e continua custando ao Brasil.
A maioria do eleitorado não pode votar em Lula e, ao mesmo tempo, querer liberdade, defender princípios e valores morais, proteger a instituição familiar e a inocência da infância, desejar o combate à corrupção e o fim da impunidade...
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
15/12/2021
Percival Puggina
Parecia impossível, mas nos habituamos a viver perigosamente, contando com a sorte de não estarmos à hora errada, no lugar errado. O mundo do crime prospera como nenhum outro ramo de “negócios”, consolida-se compondo e fortificando estados paralelos, nos toma como presas e tem, da lei, proteção superior à de suas vítimas.
O bandido brasileiro, apoiado por uma retórica de conveniência e pela autoproteção dos corruptos, sabe que opera com baixíssimo risco de ser preso e pagar por sua ação. É uma espécie de “camarada em armas” de certa intelectualidade que anseia por uma revolução. Atua em ramo altamente rentável e de baixíssimo risco. Teme muito mais a duríssima lei que rege o submundo do que a lei que rege a sociedade. Aquela é eficaz; esta, mera hipótese.
Muito nos perguntamos sobre os motivos que levam tantas pessoas esclarecidas a se seduzir pelo pensamento revolucionário, marxista, apoiando ou difundindo ideias que acabarão por sufocar sua própria liberdade. Não sou eu quem o assegura. Esse é o centenário e constante grito da história.
Penso que a vida e a experiência permitem constatar um fator essencial a motivar adesão a caminho tão sinistro. Refiro-me à estética revolucionária, à glamourização da vida criminosa, operada pelos salões de beleza dos meios culturais e educacionais.
Neles, a realidade presente e os fatos passados entram de um jeito e saem de outro, inteiramente modificados. O que é feio por natureza sai formoso pela jeitosa manipulação dos detalhes e ocultações. Desse trabalho, nasce a suposta superioridade moral do pensamento revolucionário.
Eis aí, a meu ver, a principal causa da insegurança em que vivemos. Ela jamais será corrigida e nossa liberdade jamais recuperada, se continuar havendo mercado para a ideia de que o criminoso é vítima da sociedade e do sistema, é alguém de quem não se pode esperar outra conduta que não seja buscar, pela violência e pela organização criminosa, o que de direito lhe pertence.
Esse é um dos conceitos mais hediondos, mais falsos e corrosivos da ordem pública que se pode compartilhar. Retoquem o visual quanto quiserem, isso não mudará os fatos. O criminoso sabe que sua ação está errada, tem consciência moral sobre a natureza do ato que comete, mas planeja sua ação e a pondera numa perspectiva econômica. Coloca na balança o lucro e o risco. E sabe que, no Brasil, como regra geral, salvo azar, “não dá nada”.
Todo criminoso – com arma, caneta ou mandato – pensa exatamente assim.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
12/12/2021
Percival Puggina
Estrela brasileira, no céu azul, iluminando de norte a sul,
mensagens de amor e paz, nasceu Jesus, chegou o Natal,
Papai Noel voando a jato pelo céu,
Trazendo um Natal de felicidade, e um ano novo cheio de prosperidade.
Varig, Varig, Varig
Não é preciso ter cabelos brancos para lembrar um dos mais notáveis jingles brasileiros, o famoso comercial com que a Varig marcava os fins de ano ao longo do século passado. Bastava entrar na telinha das TVs a frase cantada “Estrela brasileira” para adultos e crianças entrarem juntos na canção de Caetano Zamma.
Era um primor. Tão simples quanto marcante. Num tempo em que os comerciais terminam e a gente fica se perguntando – “Era de quem, mesmo, esse anúncio?”, o da Varig transcorria inteiro com todos sabendo de quem era, cantarolando junto e lá no final, vinha a assinatura em três notas musicais, cada uma repetida, rapidamente, três vezes: dó, ré, mi bemol. Por vezes, nem o nome da empresa era cantado. Não precisava.
Os mais idosos, que o assistiram ao longo das décadas, dificilmente deixarão de se emocionar ao recordá-lo. Aqui na minha volta, ao menos, não escapou ninguém. As lágrimas me rolaram mais intensas, porém, ao perceber que nesse meio tempo não perdemos apenas a Varig. Ficaram pelo caminho tantas virtudes e tão estimados bens de alma nacional de cuja perda essa canção dá testemunho e lamenta, com letra e música!
O jingle ia ao ar, era saudado pela leveza e beleza e lembrava que o Natal marcava universalmente o nascimento de Jesus. Durante o dia 25 de dezembro, paravam as fábricas; brilhavam mais as luzes e as ruas; na guerra, sustavam-se as batalhas, silenciavam-se os canhões e confraternizavam beligerantes trincheiras.
É assim por ser Natal! Não é por “Boas Festas”! E é Natal porque nasceu Jesus! Ou é isso ou é um dia qualquer!
O diabólico “politicamente correto” enlouqueceu o Ocidente. O formidável furto do Natal é um dos maiores golpes do século! De repente, fomos convencidos de que o presépio exposto ao público é uma ofensa aos olhos de quem tem outra cultura. Comprou-se por dois vinténs de suposto “avanço civilizacional” a ideia de não ser adequado festejar o Natal cristãmente numa sociedade multicultural. Para que acabemos sem cultura alguma e sem qualquer tradição, isso nos veio imposto, lenta e subliminarmente, contra a tradição e a cultura da imensa maioria da sociedade brasileira.
Enlouqueceram-nos! Em estado normal, a mente humana não aceita essa empulhação, não vai para o brete onde aquilo que realmente a humaniza é dilacerado, trinchado até que se torne irreconhecível.
Aos que, usando seus poderosos meios de comunicação e podendo resistir se omitem e submetem, uso a frase da garota Greta: “How dare you!” (Como vocês se atrevem!”).
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
08/12/2021
Percival Puggina
Confundir estado laico com estado ateu é como confundir estado sólido com estado gasoso.
Diz-se laico do estado não religioso. Ateu é o estado totalitário que se faz objeto de culto. Surpreso com saber? Mais ainda ficará quando perceber que há quem queira precisamente essa anomalia para si e para todos nós.
Fiquei pensando nisso ao perceber a estarrecida surpresa de muitos jornalistas brasileiros, primeiro com a indicação e, logo após, com a aprovação de André Mendonça para a vaga existente no STF. Diversos senadores manifestaram-se, também, a respeito da tal suposta incompatibilidade. Não duvido que muitos dos votos contrários tenham sido motivados por ela. Sim, sim, no Senado há gente para todos os desgostos.
“Na vida e em casa, a Bíblia; no STF, a Constituição”. A frase do ministro só não esclareceu quem, diante da luz da verdade, imediatamente coloca óculos escuros. Fotofobia da razão e da alma. O Brasil estaria bem mais feliz se os dez colegas do novo ministro tivessem a Constituição como Bíblia de suas decisões e não a transformassem no Livro de uma seita muito particular, a serviço de suas próprias opiniões e irmandades.
Bem entendido isso, torna-se oportuno sublinhar que é discriminação e preconceito não admitir opinião ou argumento originário de algum ditame religioso, ou a ele semelhante.
Afirmar em tais ocasiões que “o estado é laico”, como quem passa a tranca na porta e encerra o assunto, é retórica farsante. É usar a palavra para bater a carteira do auditório.
Sabem por quê? Porque a única consequência da aceitação dessa trampolinagem é cassar a palavra da divergência sob uma alegação falsa. Não há o menor sentido em que opiniões com fundamento moral desconhecido ou inexistente, diferentes tradições, chavões jornalísticos, contraditórias referências científicas e até o mero querer de alguém ou de alguns sejam legitimados, mas se declare inadmissível algo inerente ou assemelhado ao saber cristão, amplamente majoritário na sociedade.
Com muita ênfase, os constituintes promulgaram a Constituição “sob a proteção de Deus”. Determinaram ser "inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livro exercício dos cultos" (art. 5, inc. VI). Afirmaram que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença" (art. 5, inc. VIII).
Não, não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar. Foi exatamente contra essa pretensão totalitária que os constituintes ergueram sólidas barreiras constitucionais.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
04/12/2021
Percival Puggina
No dia 5 de dezembro de 1891, há 130 anos, morria em Paris a extraordinária figura humana de D. Pedro II, último monarca brasileiro e aquele que mais entranhadamente amou nosso país. Porque nascido aqui, diferentemente de seus antepassados que reinaram no Brasil (D. Maria I, D. João VI, D. Pedro I), esta era sua pátria e seu chão e foi um pouco desse chão que ele levou, como lembrança, dentro de um travesseiro quando, deposto, partiu para o exílio com sua família.
Sua mensagem de despedida nos diz o seguinte:
"A vista da representação que me foi entregue hoje, às três horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com a minha família para a Europa, amanhã, deixando assim a pátria, de nós estremecida, à qual me esforcei por dar constante testemunhos de entranhado amor e dedicação durante meio século que desempenhei o cargo de Chefe do Estado. Na ausência, eu, com todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos, por sua grandeza e prosperidade".
Dois anos mais tarde, matou-o uma pneumonia contraída ao passear em dia frio às margens do Rio Sena. Materialmente pobre, com a ajuda de amigos, vivia o exílio parisiense hospedado no modesto hotel Bedford. No Brasil, com notícia de sua morte, a instável política republicana que dava seus primeiros passos desautorizou, receosa, atos públicos em reverência ao monarca deposto. No entanto, manifestações e sinais de luto, bandeiras a meio pau, tarjas pretas e comércio fechado revelavam o pesar com o óbito e o desconforto com a política estabelecida pelo golpe republicano.
Longe daqui, inúmeras nações se fizeram representar na missa de corpo presente, realizada na Igreja da Madeleine, em meio a pompas reais e admiráveis sinais de apreço. As cenas então filmadas tornam evidente a reverência popular, política e a significativa presença das grandes Academias de Letras, Ciências, Artes honrando o notável brasileiro.
Mais de 200 coroas de flores exibiam mensagens: “Ao grande brasileiro, benemérito da Pátria e da Humanidade”, “Um negro brasileiro, em nome de sua raça”, “Tempos felizes, em que o pensamento, a palavra e a pena eram livres”. Dentro do caixão, acompanhava seu corpo o conteúdo de um pacote encontrado nos aposentos do hotel. Com ele, um bilhete: “É terra de meu país, quero que seja posta dentro do meu caixão se eu morrer longe de minha pátria”.
O exemplo e o amor ao Brasil tão longamente demonstrado por D. Pedro II nos 49 anos em que usou, modesto e honrado, a coroa do Império, exercendo com sabedoria o Poder Moderador, nos sirvam de inspiração! Mormente nestes tempos em que poderes, tão impropriamente exercidos, restringem as liberdades de pensamento, palavra e pena.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/12/2021
Percival Puggina
Em comentário a um artigo que escrevi sobre mazelas nacionais, uma leitora se exclamou dizendo não ver saída nem solução. “O que posso fazer eu, que sou uma pobre tia do Zap?”, perguntou.
A indagação carregava clara desconsideração do próprio valor. Expliquei a ela que a expressão “tia do Zap” foi criada em laboratório com o intuito de suscitar precisamente esse sentimento, levando as mulheres a abdicarem de sua atividade como cidadãs em uma sociedade politicamente conflituosa.
Quem dera muitos milhões de mulheres se acrescentassem aos milhões de tias do Zap já motivadas! De fato, o Brasil já muito lhes deve. Elas estão nas ruas e estão nas redes sociais e estavam na linha de frente da mobilização que promoveu a derrota esquerdista em 2018.
É fácil compreender as razões da importância das mulheres para o apoio à preservação de princípios e valores, a saber: a preservação da inocência das crianças, a valorização do papel da instituição familiar, a defesa do direito ao trinômio vida-propriedade-trabalho, as mais veementes demandas por segurança pública, o combate à criminalidade e ao avanço das dependências químicas, a proteção da juventude contra influências nocivas no ambiente escolar.
Estas pautas são tão inerentes à condição feminina que, se explicitadas, constariam da agenda da imensa maioria das mães, avós e tias do Zap. Sabem por quê? Porque esses apreciáveis bens materiais e espirituais estão sob intenso ataque em todo o Ocidente e onde se façam sentir as filosofias embusteiras, tóxicas e destrutivas que nele prosperam periodicamente.
Tal enfrentamento político e cultural coloca o Brasil e seu atual governo no olho de um furacão publicitário e midiático. A política que rola aqui, em particular a futura eleição brasileira, interessa ao mundo e às suas tias do Zap bem mais do que os acontecimentos nos Estados Unidos, onde os mesmos problemas são enfrentados e onde as tias do Zap foram derrotadas em 2020.
Aos tropeços e por linhas tortas, com falta de meios e experiência, essa é uma empreitada em defesa da civilização ocidental, de sua cultura e de seus valores, frente a um novo totalitarismo emergente. O estrago que já fez mostra aonde quer chegar e certamente as mães, as avós, as tias e as educadoras de verdade percebem-no com cotidiana clareza.
Se há uma guerra contra a cultura ocidental e se essa é uma guerra sem armas letais, seus alvos e vítimas estão na essência do conservadorismo – religiosidade, instituição familiar, história e tradição.
Eis por que vejo com tanta esperança a ação das tias do Zap. Eis por que convivem elas com esse misto de justificado orgulho e malévolo preconceito.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
30/11/2021
Percival Puggina
Nunca me acomodei num desses divãs porque, para pensar, prefiro a cadeira do computador. Outro dia, porém, estarrecido e irritado diante do que vejo consolidar-se como prática política no cotidiano nacional, escrevi que tais conflitos e arreglos estavam a me exigir um divã e um papo com psicanalista.
Uma ideia puxa outra e isso me levou a perceber que essa era uma necessidade comum a todos nós, brasileiros. A nação precisava de um divã para compreender as tumultuadas relações com que, querendo ou não, estava envolvida até o fundo da alma. E o divã era bem adequado a isso, principalmente para compreendermos como se caracterizam, em nosso subconsciente, estes três elementos: Pátria, Nação e Estado.
A Pátria é a mãe. Amada e amável, gentil, generosa, pródiga em riquezas naturais. Na célebre definição de Rui, “não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade”.
A Nação somos nós, herdeiros dessa tradição, fé, consciência e idioma; herdeiros da cultura, valores e verdades aprendidos no lar.
O Estado é essa criatura, esse ente político, que se vai tornando abominável. Criatura, sim, porque bem antes dele surgir na história havia a pessoa humana, gregária, havia a comunidade, e foi nela que nasceu o Estado. Discutam os filósofos os fatores causais e instrumentais desse nascimento, mas sua finalidade é servir. E se alguma dúvida houver, lembremo-nos: o Estado brasileiro tem a forma a ele conferida pela sociedade num processo legislativo em que os constituintes agiam como seu representante.
Se a Pátria é a boa mãe e se nós somos seus filhos, o Estado brasileiro, então, é o pai ou padrasto de maus costumes e mau caráter, que abusa de seu poder, que cerceia direitos fundamentais, que não ouve os que estão sob sua autoridade, que avança sobre seus bens. Gastador, perdulário, desonesto e injusto, cuida prioritariamente de si mesmo e descumpre o único papel que lhe corresponde: servir à nação.
Capturados nesse triângulo psicológico, habituamo-nos a reverenciar o Estado e aqueles que o encarnam, como entes ou entidades superiores. Falamos a eles olhando para cima, numa reverência que convalida seu poder e sua conduta. Errados, estamos! A relação foi invertida. O Estado não existe para ser o monstro que nos sufoca. Se sua função é servir, a soberania popular deveria fazer a sociedade ver o Estado na perspectiva segundo a qual o Estado a vê: de cima para baixo, com o devido respeito pela importância dos papéis que desempenha. A soberania, contudo, desculpem informá-los, é popular.
Há que emergir desse drama quase freudiano, dessa tumultuada relação “familiar” em que nós, os brasileiros, fomos capturados.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.