Percival Puggina
Nunca me acomodei num desses divãs porque, para pensar, prefiro a cadeira do computador. Outro dia, porém, estarrecido e irritado diante do que vejo consolidar-se como prática política no cotidiano nacional, escrevi que tais conflitos e arreglos estavam a me exigir um divã e um papo com psicanalista.
Uma ideia puxa outra e isso me levou a perceber que essa era uma necessidade comum a todos nós, brasileiros. A nação precisava de um divã para compreender as tumultuadas relações com que, querendo ou não, estava envolvida até o fundo da alma. E o divã era bem adequado a isso, principalmente para compreendermos como se caracterizam, em nosso subconsciente, estes três elementos: Pátria, Nação e Estado.
A Pátria é a mãe. Amada e amável, gentil, generosa, pródiga em riquezas naturais. Na célebre definição de Rui, “não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade”.
A Nação somos nós, herdeiros dessa tradição, fé, consciência e idioma; herdeiros da cultura, valores e verdades aprendidos no lar.
O Estado é essa criatura, esse ente político, que se vai tornando abominável. Criatura, sim, porque bem antes dele surgir na história havia a pessoa humana, gregária, havia a comunidade, e foi nela que nasceu o Estado. Discutam os filósofos os fatores causais e instrumentais desse nascimento, mas sua finalidade é servir. E se alguma dúvida houver, lembremo-nos: o Estado brasileiro tem a forma a ele conferida pela sociedade num processo legislativo em que os constituintes agiam como seu representante.
Se a Pátria é a boa mãe e se nós somos seus filhos, o Estado brasileiro, então, é o pai ou padrasto de maus costumes e mau caráter, que abusa de seu poder, que cerceia direitos fundamentais, que não ouve os que estão sob sua autoridade, que avança sobre seus bens. Gastador, perdulário, desonesto e injusto, cuida prioritariamente de si mesmo e descumpre o único papel que lhe corresponde: servir à nação.
Capturados nesse triângulo psicológico, habituamo-nos a reverenciar o Estado e aqueles que o encarnam, como entes ou entidades superiores. Falamos a eles olhando para cima, numa reverência que convalida seu poder e sua conduta. Errados, estamos! A relação foi invertida. O Estado não existe para ser o monstro que nos sufoca. Se sua função é servir, a soberania popular deveria fazer a sociedade ver o Estado na perspectiva segundo a qual o Estado a vê: de cima para baixo, com o devido respeito pela importância dos papéis que desempenha. A soberania, contudo, desculpem informá-los, é popular.
Há que emergir desse drama quase freudiano, dessa tumultuada relação “familiar” em que nós, os brasileiros, fomos capturados.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
José Rui Sandim Benites - 06/12/2021 17:56:58
Excelente dicotomia entre Pátria, Nação e Estado. O que quero falar é dos que querem se apropriar do Estado. Este ente abstrato que administram a carga tributária da Nação de contribuintes. Que se colocam como heróis da Pátria. E que não produzem nada. E mais das vezes querem se locupletar com o dinheiro alheio. E os incautos os transformam como heróis. Heróis são a Nação que produzem, que pagam os tributos e que financia o Estado. Mas vai explicar isto para o idiota que será sempre iludido, pelos entes políticos. Que nada fazem a não se administrar o dinheiro alheio. Mais das vezes, não tem nem profissão e se diz o mais honesto e, pai dos pobres. E, não tem condições de administrar, nem uma banca de jornal. E um bando de seguidores uns inconscientes e outros conscientes por que lucram de alguma forma da popularidade enganosa de egocentricista que enriqueceu com a política.