Percival Puggina

22/10/2010
Dia atrás, durante uma entrevista sobre meu novo livro Pombas e Gaviões, perguntaram-me se eu era contra o pluralismo, o multiculturalismo e a tolerância. A resposta foi um triplo não. Não, não e não. Cada qual com o seu devido mas. O pluralismo é um dado da realidade. Ser contra o pluralismo é negar a liberdade humana e recusar o fato de que as pessoas veem a realidade desde diferentes pontos de vista e a escrutinam segundo critérios distintos. Mas... isso não significa adotar uma atitude passiva no contexto do pluralismo, como se todas as ideias fossem igualmente corretas. Não são. O pluralismo adquire valor na exata proporção em que as várias correntes de opinião reconhecem seus próprios fundamentos e as marcas deixadas pelas respectivas experiências ao longo do processo histórico. Ou seja, caro leitor: pluralismo é coisa séria e não se confunde com somatório de palpites, pressupõe honestidade intelectual, firmeza de convicções, sentido de história e possibilidade de confronto retórico e político. O que no Brasil chamamos de pluralismo é uma coisa volátil como fumaça - os achismos de cada dia - soprados por meia dúzia de plantonistas da tal opinião pública. Coloque-se um microfone na boca do transeunte para ouvir o que ele pensa e pronto: dificilmente se recolhe uma sequência congruente de ideias. Sabem-no muito bem os pesquisadores. Não se introduza num questionário perguntas em que qualquer resposta deva guardar coerência com a precedente. O trabalho resultará perdido por inconsistência das informações obtidas. Isso acontece por deficiência educacional e cultural, é claro, mas sob o ponto de vista político, também ocorre porque o sistema adotado pelo país serve para qualquer coisa, menos para formar e organizar correntes de opinião. Os partidos e suas condutas erráticas em torno das lamparinas do poder são a imagem mais visível desse pluralismo anarquizado que caracteriza o pensamento nacional (se é que existe algo que mereça esse nome). O multiculturalismo é outro dado da realidade, transversal à história humana. Mas ... reconhecer que convivemos com diversidades culturais, não equivale a afirmar que todas as culturas têm o mesmo valor e a mesma dignidade. Não! Existem culturais desrespeitosas à dignidade da pessoa humana, que agridem valores fundamentais, e talvez nada retrate melhor esse fato do que os relatos de Ayaan Irsi Ali em A infiel. Essa somali, após passar por todas as violências e mutilações a que são submetidas as mulheres naquela região da África, fugiu para a Europa quando pretenderam casá-la contra sua vontade. Foi parar na Holanda, onde se destacou no grupo dos refugiados. Convivendo com eles, na condição de tradutora, percebeu que as mulheres continuavam submetidas às práticas brutais e indignas de suas clãs originais e que as autoridades holandesas, em respeito ao multiculturalismo, toleravam a situação. Ayaan reagiu contra isso, mobilizou a opinião pública e acabou tornando evidente ser intolerável que seres humanos de qualquer grupo cultural fossem, em território holandês, submetidos a violências condenadas pela legislação daquele país. Foi tão bem sucedida em sua mobilização que acabou deputada. Bastaria esse exemplo, e eles se contam aos milhões, para mostrar que existem práticas culturais deploráveis, que diferentes culturas não costumam ser moralmente equivalentes e que algumas, inclusive, precisariam ser retificadas pelo muito que afrontam a vida e a dignidade da pessoa humana. Só uma percepção miserável dessa dignidade, associada a uma completa cegueira moral pode obstruir a percepção dos terríveis dramas associados a determinadas práticas culturais. Como disse um amigo meu, professor universitário para a aluna que o procurou afirmando não haver relações de superioridade ou inferioridade entre diferentes culturas: É, minha filha, gilete no clitóris das outras é refresco. A tolerância, por fim, é um importante valor social. O convívio fraterno e solidário entre os diferentes é sua principal consequência e a igual dignidade de todos, seu maior fundamento. Mas... a tolerância não se confunde com a permissividade que costuma andar associada à sua atual concepção entre nós. A tolerância com o intolerável, a tolerância para com quem se vale dela com vistas ao seu próprio agir intolerante, deixa de ser uma virtude social para se tornar um comportamento socialmente repreensível e irresponsável. É muito comum que, em nome da tolerância, a sociedade contemple de modo passivo a violência que pisa no jardim do vizinho, que invade sua casa, que o prende e o leva. Ou, no viés político, a tolerância para com dos partidos que pregam e estimulam a violência, valendo-se da democracia para agir contra a democracia. Pombas e gaviões (pombasegavioes@puggina.org), o livro que debatíamos naquele programa a que me referi inicialmente, é uma obra que se dedica a promover tais advertências, prestando um serviço ao verdadeiro pluralismo (o pluralismo consciente e esclarecido), ao verdadeiro multiculturalismo (que recusa toda agressão à dignidade natural da pessoa humana ainda que fundada em tradições de base cultural) e à verdadeira tolerância (que sabe discernir o que pode e o que não pode ser tolerado). ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Carlos Alberto Di Franco

17/10/2010
DILMA E O ABORTO Carlos Alberto Di Franco Publicado no Jornal O Vale 17/10/2010 Setembro. Reta final das eleições. A ameaça de 2o turno fez a campanha da candidata oficial reforçar a mobilização nos estados e acionar o presidente Lula como vacina contra uma onda de boatos que circulou entre católicos e evangélicos. Os supostos boatos, que fizeram Lula gravar uma inserção de emergência em defesa de sua candidata, eram fatos evidentes: a postura pró-aborto de Dilma Rousseff. Mas vamos aos fatos. Dilma em sabatina no jornal Folha de S.Paulo e em entrevista à revista Marie Claire em 2007 defendeu a legalização do aborto. Reproduzo suas palavras: Acho que tem de haver descriminalização do aborto. No Brasil é um absurdo que não haja. Logo, não se trata de boato, invenção ou terrorismo fundamentalista. Dilma mudou seu discurso quando passou a vislumbrar os riscos eleitorais de sua opção. Ela deixou de falar da legalização e, ambiguamente, diz que se trata de problema de saúde pública. Esconde sua verdadeira posição e não diz uma única palavra sobre a principal vítima do aborto: a criança morta no ventre materno. O PT, após o recado das urnas e em um exercício incrível de hipocrisia, estuda tirar o aborto de seu programa. O jornalismo de qualidade não pode se restringir às declarações dos políticos, mas à verdade dos fatos. O que interessa não é o que a Dilma diz, mas o que ela fez e, presumivelmente, fará como presidente da República. Vamos ver o que o atual governo, seu partido e sua candidata têm feito. Em abril de 2005, no 2o Relatório do Brasil sobre o Tratado de Direitos Civis e Políticos, apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, o atual governo comprometeu-se a legalizar o aborto. Em agosto de 2005, o atual governo entregou ao Comitê da ONU para a Eliminação de todas as Formas de Descriminalização contra a Mulher documento no qual reconhece o aborto como Direito Humano da Mulher. Em setembro de 2005, através da Secretaria Especial de Política das Mulheres, o atual governo apresentou ao Congresso um substitutivo do PL 1135/91, como resultado do trabalho da Comissão Tripartite, no qual é proposta a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez e por qualquer motivo, pois com a eliminação de todos os artigos do Código Penal, que o criminalizam, o aborto, em todos os casos, deixaria de ser crime. Em setembro de 2006, no plano de governo do segundo mandato do atual presidente, ele reafirma, embora com linguagem velada, o compromisso de legalizar o aborto. Em setembro de 2007, no seu 3o congresso, o PT assumiu a descriminalização do aborto e o atendimento dos casos no serviço público, sendo o primeiro partido no Brasil a assumir este programa. Em setembro de 2009, o PT puniu com expulsão os deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso por serem contrários à legalização do aborto. Em fevereiro de 2010, o 4o Congresso Nacional do PT manifestou apoio incondicional ao 3o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), no qual se reafirmou a descriminalização do aborto, além de atacar a liberdade de imprensa. Em junho de 2010, para impedir a investigação das origens do financiamento por parte de organizações internacionais para a legalização e a promoção do aborto no Brasil, o PT e as lideranças partidárias da base aliada boicotaram a criação da CPI do aborto que investigaria o assunto. São fatos comprováveis. Só fatos. Você, amigo leitor, ainda acha que estamos diante de boatos? Carlos Alberto Di Franco -- Diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra.

Mara Montezuma Assaf

16/10/2010
PARA TARSO CAMPANHA DE SERRA LEMBRA GOLPE MILITAR DE 1964 Mas erra. Quem preparava um golpe em 64 era Jango, o presidente João Goulart...Che e Fidel já estavam comemorando por antecipação com muito rum e charutos... Quem deu um contra-golpe nos golpistas comunistas foram as Forças Armadas, graças à Deus. Pena que depois morreu Castelo Branco e os militares começaram a sofrer da síndrome de abandono do poder...( estamos assistindo este filme nos dias de hoje) e resolveram ficar por mais de duas décadas . Mas não fossem eles, seriamos hoje um arremedo piorado de Cuba, devido à nossa dimensão continental ! Tarso Genro só está tentando escrever a História à sua moda... Agora, se Serra, que não é militar, está preparando um contragolpe democrático atraves de eleição, ao golpe pretendido por Lula que também abusa desesperadamente de meios democráticos - para se manter no poder atraves de sua pupila -...aí posso dizer que estou de pleno acordo com Serra e , como eleitora, dou o maior incentivo! Mara Montezuma Assaf

Percival Puggina

16/10/2010
Encerrou-se de modo totalmente exitoso o processo de salvamento dos trabalhadores soterrados na Mina de São José, no deserto chileno do Atacama. Durante os 17 primeiros dias ficaram sem comunicação com a superfície. Quando esta foi estabelecida e chegou o bilhete anunciando que estavam todos bem, o mundo se emocionou, os sinos repicaram no Chile e uma imagem de São Lourenço, rodeada de 32 bandeiras chilenas e uma boliviana, foi instalada num altar no Pátio dos Canhões do Palácio de La Moneda. A partir de agora, o que se passou naquela cova será objeto de muita investigação na área da saúde física e mental. Não creio que estejamos em terreno de certezas, como colhi de especialistas que pareciam dispor de uma sonda privilegiada para acessar o interior das mentes dos mineiros. Os seres humanos, em situações extremas, não reagem de modo igual. E o conjunto de interações que se estabeleceram entre eles certamente compuseram um mosaico fascinante, que vai render muita informação valiosa. O que acontece quando, num grupo humano razoavelmente numeroso, a esperança está presa por um fio e o desespero pende de espessa corda? É inevitável que durante tão prolongado convívio com a ideia da morte instalada em horizonte assustadoramente próximo, tenham sido levadas ao limite de cada um as respectivas fortalezas, virtudes e debilidades. Como estas características, quando emergentes, interagiram nas relações? E, principalmente, como, ao fim e ao cabo, operou a virtude da esperança? Diversas vezes, ao longo destes últimos dois meses, foram traçadas analogias entre a situação dos mineiros e o Ensaio sobre a cegueira, livro de José Saramago. Na obra, o recentemente falecido autor português retrata o caos que se instala num grupo de pessoas em confinamento durante um surto de cegueira. Aos poucos, por não verem o que os demais fazem, por saberem que não são vistos, lutando pela sobrevivência, os personagens de Saramago afloram seus piores sentimentos e retornam à barbárie. Animalizam-se em proporções inimagináveis e se estabelece a tirania dos mais ferozes. Pois a lição dos mineiros, já se sabe, foi bem outra. Foi humana. Realmente humana. Na fronteira do desespero, permaneceram homens e fizeram emergir algumas das condições indispensáveis ao convívio: liderança, ordem, regras. Ou seja, constituíram uma comunidade e se organizaram para a vida, enquanto aguçavam os ouvidos para o silêncio das rochas aguardando o ruído da sonda que os poderia salvar. Mas a principal contestação que os fatos do Atacama fizeram a Saramago no cotidiano de sua tragédia, dentro e fora do refúgio, foi a lição da fé. Há neles o que mais faltava ao competente português e a seus personagens. Fé. E por isso rezavam. Rezava-se muito, aliás, dentro e fora do refúgio. Assim que estabeleceram contato, os mineiros mandaram descer um crucifixo, uma estatuazinha de São Lourenço e organizaram um santuário dentro da cova. Comportaram-se como seres humanos. Na última quarta-feira, cada mineiro que renascia do útero rochoso do deserto fornecia ao mundo, também, uma lição sobre o valor da vida humana. Sua felicidade refletia um sofrimento. E seu sofrimento era um dedo em riste contra vilões bem conhecidos. Os que, no lado de fora das minas, desde seus gabinetes, tratam como custo de produção os índices de segurança que concedem aos que vão operar no lado de dentro, e os abortistas que tratam como coisa a vida que não veem. Ambos se encontram na mesma iniquidade. ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Reinaldpo Azevedo

11/10/2010
PROCURADORIA QUER IMPEDIR AERONÁUTICA DE CONTRATAR TRÊS PADRES E UM PASTOR O Ministério Público Federal do Distrito Federal entrou com uma ação na Justiça para anular um concurso público da Aeronáutica que irá contratar de três padres e um pastor evangélico. A Procuradoria também quer que as Forças Armadas não mais contratem religiosos. Segundo o Ministério Público, esse tipo de concurso fere o princípio constitucional da laicidade do Estado e gera discriminação. Lançado em agosto deste ano, o concurso para Capelães da Aeronáutica pretende selecionar os religiosos pagando um salário de R$ 4.590 para prestação de assistência religiosa aos militares. Uma lei de 1981 prevê o serviço de assistência religiosa. No entanto, para a procuradora Luciana Loureiro Oliveira, a contratação desses profissionais é inconstitucional. ?A laicidade, em síntese, não impede que o Estado receba a colaboração de igrejas e instituições religiosas voltadas à promoção do interesse público, mas veda, sim, qualquer tipo de favorecimento ou de discriminação no âmbito dessas relações?, diz a procuradora. A procuradora argumenta ainda que a admissão de servidores para apenas duas religiões é contrária ao princípio da isonomia e segrega os seguidores de religiões minoritárias. A ação tramita na 9ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal. Procurada pela reportagem, a Aeronáutica ainda não se pronunciou oficialmente. Comento Estado e Igreja estão separados no Brasil desde a República, e as relações têm sido harmônicas. Mas uma coisa a doutora Luciana Loureiro Oliveira não consegue negar, não é? O Brasil é um país esmagadoramente cristão, dividido em várias confissões, sendo a católica a majoritária. Laicismo não pode se confundir com perseguição religiosa. Os sem-religião nas Forças Armadas não estarão submetidos a nenhum constrangimento ? não receberão orientação nenhuma se não quiserem. Atender à maioria, nesse caso, não significa retirar direitos, então, da ?minoria?. Os que não forem cristãos ? certamente uma minoria também nas Forças Armadas ? simplesmente não vão procurar conforto espiritual numa crença que não é sua, a menos que queira, já que há valores que são universais. O fato de ser impossível contratar tantos orientadores quantas são as convicções religiosas não pode privar a esmagadora maioria de um benefício que nada retira dos demais. As Forças Armadas são, sim, laicas ? e isso quer dizer que a defesa do território brasileiro e de suas instituições, que também é um mandamento constitucional, não estará submetida a uma orientação de caráter religioso. Mas os homens preparados para a guerra ? para, então, manter a paz ? não existem no vácuo. O país tem uma história e uma cultura. O nome do que pratica a doutora é INTOLERÂNCIA. Esse é o mesmo espírito que animou o Programa Nacional-Socialista dos Direitos Humanos, que queria banir os crucifixos das repartições públicas. Daqui a pouco a doutora Loureiro vai pedir que se derrube a Catedral de Brasília, que compõe o conjunto arquitetônico que compreende a Praça dos Três Poderes. Onde já se viu? A menos que tenhamos ali, então, templos de todas as confissões cristãs, duas mesquitas (uma sunita e outra xiita), uma sinagoga, um templo budista, outro xintoísta, outro hinduísta ? e vai por aí , a catedral revela uma insuportável discriminação? É ridículo! Como está faltando safadeza no Brasil, então sobra tempo a procuradores para se dedicar a temas relevantes como esse. Eu sou assim: quando vejo uma pessoa de princípios como a doutora Loureiro, gosto de testar suas convicções no limite, entenderam? Soldados são preparados para a guerra. A existência de capelães e pastores nas Forças Armadas é uma realidade mundial ? nas chinesas, creio, não; preferem bala de prata? Seria ela contrária a que um orientador religioso pegasse na mão do soldado e fizesse com ele uma última oração em meio a tiros e bombas? Pelo visto, sim! No máximo, a doutora admitiria que alguém se aproximasse do moribundo e dissesse: ?Lembre-se de Voltaire, meu filho! Você só está aqui porque ao Iluminismo venceu o clericalismo no século 18? E tem mais: esse papo de vida após a morte é besteira! Morreu, fedeu!? Então pergunto: a doutora Loureiro é contra capelães e pastores nas Forças Armadas mesmo em tempos de guerra, ou sua laicidade intolerante só existe em tempos de paz? Aproveito para denunciar, minha senhora, que há hospitais públicos no Brasil que contam com capelas, onde doentes e familiares vão fazer as suas orações, buscando algum conforto quando, muitas vezes, todo o resto é irremediável. Pau neles, doutora! Não tem essa, não! Ou tudo ou nada! Doente, se quiser, que vá ler o Discurso sobre a origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Nunca houve doença terminal para a qual Rousseau não desse uma resposta, não é mesmo? Por Reinaldo Azevedo

Percival Puggina

10/10/2010
Quero pedir desculpas a todos que, nos últimos meses, me enviaram textos, análises e denúncias sobre erros e manipulações das pesquisas de intenção de voto para presidente da República. Tão logo identificava o tema - as pesquisas estão erradas, ou enganam - eu excluía esses e-mails sem me dar o trabalho de ler. Aquelas avaliações, do tipo estão inflando os votos de Dilma, me pareciam coisa de quem estivesse fora da casinha, surtando. Ora se os grandes institutos de pesquisa, todos juntos, errariam tanto e em tais proporções! Pesquisas erram, sabemos todos. Mas as suspeitas levantadas naquelas mensagens soavam inverossímeis. Embora lamentando a informação, a simples ideia de que Dilma não fosse vencer no primeiro turno me parecia um disparate ante a evidência cotidiana, expressa em números, desde várias fontes, nas páginas dos jornais. Ainda que a central única dos pesquisadores desejasse dar uma mãozinha à candidata do Lula não precisaria exagerar ao ponto de, na semana da eleição, apontar-lhe vantagens à base de dois por um sobre seu principal adversário. Não, não. Era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que a Dilma entrar no dia 4 de outubro sem a faixa presidencial embaixo do travesseiro. Quanto a isso, talvez pela primeira vez na vida Lula, Dilma, eu, e a maioria da opinião pública estávamos de pleno acordo. Portanto, mil perdões pelos e-mails que não li e pelo artigo que escrevi dizendo que as favas estavam contadas no pleito presidencial. Bato no peito e confesso: eu acreditei nas pesquisas de intenção de voto. Julguei que elas, separadamente e em conjunto, não fariam o que fizeram. Convenci-me de que dois por um era capote e de que margem de erro era, necessariamente, erro marginal, coisa insignificante diante da avassaladora vantagem da candidata do presidente Lula. Assim, as pesquisas turbinaram quem corria na frente; desanimaram quem vinha atrás; predeterminaram quais votos seria úteis e quais seriam inúteis; orientaram as apostas dos investidores financeiros e prejudicaram, também nisso, a equidade da disputa. Foi tal sua influência que chegaram ao cúmulo, diante da consagração eleitoral que desenhavam para Dilma, de retirar o presidente Lula daquela sua habitual modéstia e entregar-se a bravatas que não são do seu feitio... Alguém poderá alegar que me contradigo. Se as pesquisas influenciaram tanto, porque não produziram o resultado que sinalizavam? Por que Dilma não venceu conforme previsto? A resposta é simples. Tendo iniciado sua campanha contabilizando um único eleitor, Dilma foi erguida aos píncaros do reconhecimento político puxada, numa mão por esse único eleitor, o próprio Lula, e noutra pelas pesquisas que a apontavam como virtual vencedora. A altura a que chegou corresponde à resultante dessas duas forças que se compuseram para impulsioná-la. Enfim, o que presenciamos nesta eleição presidencial não pareceu ser apenas errinho metodológico. Foi algo que influenciou o resultado. A leniência nacional e institucional para com a divulgação das pesquisas de intenção de voto, de cuja inexatidão e obscuros equívocos, pleito após pleito, não se cobra um ovo, é contraditória com a clareza do processo eleitoral e com a própria fiscalização exercida em relação a todos os demais atores da cena política. Elas estão a exigir um regramento. Zero Hora, 10/10/2010

Percival Puggina

08/10/2010
Até o dia 3 de outubro era mais fácil encontrar-se um esquimó surfando em Copacabana do que um petista que fosse contra o aborto. Claro que eles existiam, mas raramente emitiam um pio sobre o assunto. A defesa do aborto, dentro do partido, é cláusula pétrea, reiteradamente pétrea. Ser contra o aborto suscita pedidos de excomunhão das hostes partidárias, como aconteceu com uns dois ou três deputados federais que se meteram a criticar seus pares e a reprovar as decisões que tomavam a esse respeito. Esses parlamentares foram condenados a penas de suspensão, uma espécie de silêncio obsequioso ao longo do qual o filiado, entre outras coisas, não pode fazer discurso em nome do partido, participar de comissões nem votar em instâncias partidárias. É o que acontece com quem se mete a reprovar o aborto e seus defensores dentro do PT. A poderosa Secretaria de Mulheres, uma espécie de dicastério, para continuar as analogias semânticas com a Cúria Romana, chegou a pedir, por esse motivo, a expulsão do deputado Bassuma, que acabou se desfiliando do partido. Em sucessivos congressos, o PT vem aprovando moções pró-aborto. Não satisfeito, criou um capítulo para o tema no PNDH-3, rumoroso decreto presidencial que propôs revoluções à Constituição Federal e foi integralmente aprovado, por unanimidade, no Congresso do PT realizado em meados de fevereiro deste ano. Os deputados petistas que integram a Frente Parlamentar em Defesa da Vida são constrangidos a bater em retirada. Teria muito mais, mas acho que chega para mostrar que o tema não é um assunto de gosto ou desgosto no partido da estrela. Quem se mete contra ele vai para o ostracismo. E tem que ser assim mesmo. Quando o PT defende o direito de abortar, está sustentando uma posição filosófica, política e ideológica, com consequências na vida social. Matéria grave. Pedro-Juan Viladrich, em ?Aborto e a sociedade permissiva?, ensina que o abortismo ideológico vê as coisas da seguinte maneira: ?Existe pessoa quando existe um mundo de consciência explícita, uma ordem de interioridade auto-consciente e um desabrochar da própria liberdade. Uma vez que não possui essas características, o feto talvez seja vida na perspectiva biológica, mas não é um ser humano do ponto de vista ideológico ou cultural; quem suprime um feto suprime vida biológica, mas não uma humanidade?. Compreendeu? Pessoa deixa de ser uma noção objetiva e uma realidade autônoma para se converter numa construção. Nas brilhantes palavras de Viladrich, tais ideólogos da cultura supõem que ao fazer uma ?ideia de homem? estejam fazendo o próprio homem ?à imagem e semelhança? de sua ideia e de sua vontade. E surge uma insuperável contradição. Só poderia criar o homem a partir de uma ideia quem pudesse criar a si mesmo a partir de uma ideia. Ora, o homem pode tirar-se a própria vida, mas não a pode dar-se; pode tirá-la de outrem, mas não a pode devolver. Por outro lado, não é a cultura que faz o homem (?porque a cultura não cria a si mesma?), mas é o homem quem faz a cultura. Logo, a cultura é a construção e o homem, o construtor. Quando a somali Ayaan Irsi Ali, autora do livro Infiel, chegou à Holanda como refugiada e percebeu que suas conterrâneas continuavam sendo surradas pelos maridos, botou a boca no trombone para exigir do governo holandês que fizesse valer seus princípios e valores para todas as culturas que acolhesse. E conseguiu. Quem é a favor do aborto coloca outros valores acima da vida humana, e derruba uma cerca inteira para a entrada do pensamento totalitário, para a revolução, para a recusa aos valores tradicionais. Por outro lado, ninguém precisa ser cristão para ser contra o aborto. Basta usar a cabeça com um mínimo de bom senso e respeito a si mesmo e ao próximo. Note-se, então e por fim: também para quem é contra, o aborto não é um tema de gosto ou desgosto. É questão essencial da humanidade! Pois veja, agora, leitor, as voltas que o mundo dá. Olhos postos no pleito do dia 31, está aí, o PT inteiro, se mobilizando para afirmar que Dilma Rousseff é contra o aborto! Explodiram a cláusula pétrea. Descobriram que o discurso pró-aborto faz perder votos? Mas quanto oportunismo! ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.

Editorial do Estadão

26/09/2010
O MAL A EVITAR Trecho eo editorial do Estadão dia dia 25/o9/2010) Efetivamente, não bastasse o embuste do ?nunca antes?, agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Percival Puggina

25/09/2010
Sou contra pesquisas eleitorais, mas essa deve ser uma contrariedade tão antiga quanto inútil. Elas vieram para ficar, crescer e multiplicar-se, suscitam grande interesse público e, devo reconhecer, não soa muito harmônica com a liberdade de informação qualquer iniciativa no sentido de as coibir. Isso não me impede, porém, de alinhar alguns argumentos que, como mínimo, servirão para reflexão do leitor interessado e para análise de quem tenha competência nos aspectos técnicos e constitucionais envolvidos. Apenas exponho argumentos, curioso sobre eventuais refutações. Há alguns anos, era comum dizer-se que ninguém podia desvendar os segredos contidos nas urnas, no ventre da mulher grávida e na cabeça de um magistrado. As ecografias e as pesquisas eleitorais encurtaram a lista. As primeiras retiraram da gravidez aquela incerteza que só se esclarecia no momento do parto. Os pais, agora, podem decidir se compram fita azul ou cor-de-rosa. Já as pesquisas suprimem do processo político um segredo que, paradoxalmente, dava transparência e veracidade ao que mais interessa apurar no processo de votação: a vontade soberana do eleitor, livre de quaisquer induções. Não parece estranho que se proíba a propaganda de boca-de-urna enquanto se aceita que, meses a fio, se vá escancarando a boca da urna e se revelando seu conteúdo? E mais: será que as informações dadas pelas pesquisas de intenção de voto tornam mais sinceras e verdadeiras as manifestações dos candidatos? Soa como pouco provável. Na maior parte dos casos, as pesquisas antecipam aquilo para que serviria, em tese, o primeiro turno ? reduzir o quadro de alternativas e compor um pleito entre apenas dois participantes. Tal antecipação gerou algo até então desconhecido, verdadeiro aleijão da democracia: o conceito de voto útil que torna inúteis aqueles atribuídos a quem, sabidamente, está fora da disputa. A todo rigor, inservíveis deveriam ser apenas os votos nulos e brancos. Jamais o voto positivo e consciente de um eleitor! É difícil imaginar benéfico ao sistema democrático saber-se, antecipadamente, que certos votos serão úteis e que outros serão inúteis. Ou, mais veementemente ainda: em determinadas circunstâncias, todos os votos, todo o comparecimento às urnas acaba sendo um gesto impotente, apenas formal e obrigatório, porque o resultado já foi antecipado. Há, também, a questão dos financiamentos das campanhas eleitorais. Com as pesquisas, os que se dispõem a fornecer recursos aos candidatos se conduzem menos por afinidade do que pelo desejo de agradar um provável vencedor. Também isso age contra a equidade das disputas. Por fim, não serve à melhor política que um bom candidato, merecedor dos votos de seus eleitores, assista-os serem drenados para um concorrente apenas porque tem possibilidades superiores de vencer ou de alcançar o turno seguinte. Como se vê, havia mais equidade, maior soberania do eleitor e menos forças de indução agindo sobre ele antes de que a ecografia das urnas começasse a revelar o sexo do bebê. Eis, então, a pergunta que fica para os juristas: será que a liberdade de informação supera, em valor, os outros valores da democracia também em pauta numa eleição? ZERO HORA, 26/09/2010