Na última quarta-feira, participando de um programa de debates na Rádio Bandeirantes aqui em Porto Alegre, saí em defesa de Índio Costa quando veio à baila o que ele havia dito a respeito das relações entre o PT e as FARC/PCC. Minha posição causou alvoroço no estúdio porque, a todos, aquelas afirmações pareceram fora de contexto e prejudiciais à candidatura de José Serra. Quando passei a relatar as tantas evidências em que se fundamentara o candidato a vice-presidente na coligação PSDB/DEM, percebi que os demais participantes do programa tinham na lembrança os fatos que mencionei. Mas todos haviam ficado negativamente surpresos quando o assunto foi tratado publicamente por um candidato à vice-presidência.
É muito estranho isso. Na política brasileira, o único partido que pode atacar seus adversários é o PT. Aos petistas é dado o direito de investir contra a honra e infernizar por mil modos a vida daqueles a quem se opõem. No contra-fluxo, todo revide é apontado conduta inadequada, deselegância e causa enfado. Isso vai prejudicar a campanha do Serra, alertam alguns, desatentos para o fato de que a campanha do Serra está prejudicada por muitos outros motivos, entre os quais a máquina publicitária do governo e o coronelismo oficializado, que troca comida por voto. Ou haverá alguém, no Brasil, que argumente de modo consistente contra essa afirmação?
O que de fato surpreende no que disse Índio Costa é a constatação de que algo conhecido, sabido e consabido, possa causar espanto quando na boca de um candidato a vice-presidente. No país da mentira, da enrolation, da mistificação assumida como prática de Estado, isso dá causa a muxoxos e narizes torcidos. Você já percebeu, leitor, que o nome do candidato virou motivo de gozação, servindo à mais vulgar ironia? Prestando-se para coisas assim, inteligentes e criativas, como menções a Funai, tanga, apito e cara pintada? Mas isso pode, porque na origem do desrespeito estão aqueles de quem tudo se tolera.
Tolera-se que Lula desatenda candente apelo da Colômbia, feito pessoalmente pelo presidente Uribe, em 2003, no sentido de que o Brasil declarasse as FARC como organização terrorista (coisa que elas são). Aceita-se que Lula cometa essa grosseria em nome de uma alegada intenção de servir como mediador no conflito colombiano. O então ministro do Interior daquele país, Fernando Lodoño, comentou a inusitada situação dizendo que o presidente do Brasil se oferecia para uma tarefa à qual ninguém o designou e nem está na lista das possibilidades (Folha Online, 27/02/2003). Qualquer governo com um mínimo de seriedade, ao contrário do que fez o governo petista, deveria conceder total apoio a Uribe no enfrentamento que faz às FARC porque não existe na América do Sul - sob o ponto de vista político, social, moral e institucional - algo mais nocivo, nem mais nutritivo para o crime. E o PCC é um braço bem armado das mesmas FARC no Brasil.
O governo brasileiro, no entanto, acolhe os membros daquela organização, troca afagos (na Venezuela tem democracia até demais, disse Lula) com o companheiro Chávez, que dá guarida às FARC em seu território. Ao mesmo tempo, somos obrigados a ler nos jornais, periodicamente, que esses bandidos usam, também, a Amazônia Brasileira como local de refúgio e fazem do Brasil através do PCC e outras organizações, uma de suas principais rotas de destino e trânsito para a droga que comercializam. Mas errado, reprovável, injurioso, incompatível com a seriedade de uma boa e reta campanha eleitoral, conforme os elevados padrões requeridos pelo TSE, foi o deputado Índio da Costa, ao trazer essa irrelevante pauta para a campanha eleitoral.
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* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.