Percival Puggina

09/04/2011
Os comunistas brasileiros são renitentes. Foram os últimos a chorar quando Stalin morreu. O facínora russo estava paradinho dentro do caixão havia vários dias, entre archotes e com algodão nas narinas, como descreveria Nelson Rodrigues, e os comunistas brasileiros ainda não acreditavam que as notícias de sua morte expressassem um fato real. Menos ainda, uma realidade espiritual. Para eles, Stalin era um símbolo, uma instituição, uma entidade, espécie de messias, filho de um sapateiro e de uma lavadeira, nascido em Gori numa noite em que o luminoso céu da Geórgia fora riscado por uma estrela vermelha. Em 1989, quando caiu o Muro, alguns renitentes me acusaram de acreditar em boatos por ter comentado sobre as estátuas de Lênin que estavam sendo derrubadas no Leste Europeu, coisa que a revista Manchete estampara em fotos de meia página. Jogar ao chão estátuas do líder da Revolução de 1917 era mais do que um sacrilégio. Era uma impossibilidade material, tipo arremessar montanhas ao mar. Como católico, chego a invejar o tamanho dessa confiança. Veja, por exemplo, leitor, a mística expressão de fé incondicional contida na carta que D. Paulo Evaristo Arns mandou a seu queridíssimo Fidel em 6 de janeiro de 1989, por ocasião dos 30 anos da revolução cubana. Lá pelas tantas, o paparicado e purpurino cardeal arcebispo de São Paulo lascou assim: A fé cristã descobre, nas conquistas da Revolução, os sinais do Reino de Deus, que se manifesta em nossos corações e nas estruturas que permitem fazer da convivência política uma obra de amor. E mais adiante: Tenho-o presente diariamente em minhas orações, e peço ao Pai que lhe conceda sempre a graça de conduzir os destinos de sua pátria. Grandes defensores da democracia D. Paulo Evaristo e seus admiradores! Note-se que no mês anterior, em dezembro de 1988, uma delegação de bispos alemães havia estado em Cuba. Em matéria sobre a visita, publicada na revista 30 Giorni de jan/89, eles contaram que a Igreja cubana não tinha acesso à Educação, que todos os religiosos estrangeiros haviam sido expulsos, que o contingente de sacerdotes e religiosos reduzira-se a 15% do que já fora, que quem se proclamasse cristão ficara excluído da possibilidade de ascensão funcional e que, como consequência, apenas 1% dos cubanos frequentava a igreja. D. Paulo escreveu a Fidel em cima de tal fato. E foi acalentar no sono dos que são capazes de arder todo e qualquer bem na fogueira dessa ideologia malsã, a irresponsabilidade do que escrevera. Referia-se, então, ao mesmo regime que, vinte anos depois, como prova de benevolência, ainda liberta às pencas dissidentes políticos! Alguns bispos cubanos, felizmente, responderam a D. Paulo. A longa carta que lhe mandaram, entre outras coisas, relata esta grande novidade: Cuba sofre, já há trinta anos, uma cruel e repressiva ditadura militar, num estado policial que viola, constante e institucionalmente os direitos fundamentais da pessoa humana. Ao fim da dissertação, os três bispos que a assinam concluem: Deus queira que seu país nunca tenha que passar pela trágica experiência que nós estamos atravessando. Esse deve ter sido o trecho que mais desagradou D. Paulo, subtraindo-lhe, por instantes, o melífluo sorriso que adorna de falsidade suas manifestações. Afinal, reproduzir no Brasil a experiência cubana era tudo que ele mais desejava. Oh, raios! Como é que os bispos cubanos lhe esfregavam no rosto o fato de estarem rezando contra seus mais caros anseios pastorais? É provável que o leitor esteja duvidando. Não é razoável. Nada disso pode ser verdade. Um cardeal católico não poderia dirigir tal louvação a uma ditadura que tanto perseguia a Igreja e que já durava 30 anos. Pois é tudo exato e veraz, letra por letra, meu caro. Tenho em mãos cópia das correspondências, que à época li nos jornais. As duas foram transcritas na imprensa brasileira e a de D. Paulo foi reproduzida em espanhol no Granma, com grande destaque. Aliás, eu mesmo escrevi para o Correio do Povo, em 26 de janeiro de 1989, um artigo intitulado A epístola de Paulo, (o Evaristo), tecendo ironias sobre a falta de juízo do cardeal paulista, cujos olhos, ao reverso do apóstolo dos gentios, cada vez mais se revestiam de escamas. E acrescentei que a mesma carta a Fidel poderia ter sido enviada em circular, por D. Paulo, para os governos da Alemanha Oriental, Bulgária, Polônia, Hungria, Albânia e tantos outros. Afortunadamente vivíamos, então, os primeiros dias do ano da Graça (poderíamos dizer, sem exagero, o ano da Grande Graça) de 1989, quando começariam a desabar os regimes do Leste Europeu. Contados vinte e dois anos sobre aqueles episódios, seguiram para a Espanha, dia 7 deste mês de abril de 2011, mais 37 prisioneiros de consciência do regime cubano! Totalizam-se, assim, 126 libertações negociadas pelo Vaticano. O total remanescente nas masmorras, contudo, permanece desconhecido das organizações de Direitos Humanos e da opinião pública mundial. Duas perguntas se recusam ao silêncio: 1ª) se todos esses prisioneiros podiam ser libertados, por que estavam presos? e 2ª) se estavam presos porque era assim que deviam estar, em vista do bom Direito e da boa Justiça, por que foram libertados? A brutal malignidade do regime que D. Paulo reverencia e que tantos brasileiros cultuam evidencia-se muito mais nessas duas perguntas do que nas improváveis respostas que a elas sejam dadas. Não lhes falta, sequer, o despudor de apresentar o regime cubano como símbolo da autodeterminação, apesar de ser conduzido a grades de ferro pela determinação unipessoal de um tirano que aplaudiu o massacre da Tchecoslováquia pelas tropas russas e que interveio militarmente, com soldados de seu povo, em revoluções comunistas pelo mundo afora. Esse tirano que D. Paulo, Lula, Dilma, Zé Dirceu, Frei Betto, Chico Buarque e muitos outros veneram montou uma ordem social tão esquizofrênica e tão canalha que produziu este resultado sem igual na história do operariado mundial: quando, no ano passado, foi anunciada a demissão de uma quinta parte da força de trabalho cubana, mediante pagamento de um mês de salário por cada dez anos de atividade, a Central dos Trabalhadores de Cuba aplaudiu a providência! E eles continuam crendo. Continuam sonhando com jogar montanhas ao mar. E gostando do que veem em Cuba. São óbvias as tendências sádicas e a falta de caráter de quem louva e apoia um regime assim. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

01/04/2011
Não é a conduta do governo que causa estranheza. O governo segue a lógica do lobo, cujas razões nunca incluem o ponto de vista do cordeiro. Quando convém aos lobos, as águas do rio sobem encostas. Não há novidade nisso. O mundo é assim desde que pela primeira vez, num grupo humano primitivo, certo grandalhão decidiu que mandaria no pedaço. Surpreendente é que numa sociedade civilizada, em pleno século 21, tantos setores da mídia reproduzam para seus clientes - nós, os cordeiros - a retórica brutamontes do lobo. O governo Dilma anunciou, com semitons de generosidade, que a tabela do Imposto de Renda seria corrigida em 4,5%, representando, esse gesto de benevolência, renúncia fiscal de R$ 1,6 bilhão no atual exercício. O Google registra cerca de 20 mil reproduções dessa informação. E daí?, perguntará o leitor. E daí que estamos perante exemplo típico do que descrevi no parágrafo anterior. Que renúncia fiscal ocorre quando o governo corrige (inclusive em percentual inferior ao da inflação medida) a tabela do IR? A quase totalidade dos trabalhadores e aposentados do país, uma vez ao ano, tem reposto seu poder de compra mediante reajuste de salário ou provento em percentual mais ou menos equivalente ao da inflação ocorrida. Sobre o que recebe, paga imposto de renda. Se a tabela do tributo não é reajustada em conformidade com a inflação, o que ocorre pode ser definido de duas maneiras distintas. Numa, o governo está tributando a inflação pois obriga o trabalhador a pagar mais imposto pelo mesmo poder de compra. Noutra, ele está, por via indireta, ou seja, por omissão, elevando a alíquota. Portanto, falar em renúncia fiscal é um desaforo oficial. Vamos expor isso de outra forma. Suponha, leitor, que dona Dilma suba nos tamancos e proclame que acabou, para sempre, a renúncia fiscal. Não haverá mais qualquer reajuste na tabela do IR das pessoas físicas. Sabe qual a consequência? Ao cabo de 15 anos, admitindo-se uma inflação de 4,5% a.a., o governo terá tomado, por essa via tributária - é a aritmética que o prova - metade do poder de compra que a sociedade detinha no primeiro ano de aplicação da norma. Havendo inflação, congelar a tabela do IR é tão esbulho quanto congelar salários. A alcatéia, contudo, não se satisfaz com meros artifícios retóricos. Sofismas não engordam o caixa. Então, anuncia o governo - e os complacentes reproduzem ipsis literis - que, para compensar a tal renúncia fiscal, a alíquota do IOF incidente sobre compras feitas no exterior será aumentada. Pronto! Acabou a generosidade. A alcatéia dá de mão na tesoura. Lobo do século 21 não come cordeiros. É mau negócio. Acaba com o rebanho. Mais lucrativo é tosquiá-lo periodicamente. E retorna-se ao sofisma: os brasileiros estão gastando muito no exterior. De fato, do jeito que a coisa vai, gastaremos, neste ano, algo como US$15 bilhões fora do país. Na perspectiva do lobo, o brasileiro, esse perdulário, não pensa no bem da pátria. Em vez de gerar empregos aqui dentro, vai gerar empregos lá fora. O sofisma entra pela janela e chuta a razão pela porta. Até as pedras sabem que os brasileiros estão gastando no exterior porque está mais barato gastar lá do que aqui. Simples como isso, porque nossa moeda ficou excessivamente valorizada frente ao dólar. Aliás, as compras de viagem fora do país são parcela pequena na coluna das nossas despesas externas. Sobre o prejuízo maior, perguntem à indústria nacional. Perguntem aos exportadores de manufaturados. Muito mais do que os uísques e perfumes comprados em Rivera, ou as bugigangas de Miami, são as massivas importações de manufaturados feitas pelo mercado brasileiro que afetam negativamente nossa balança comercial e danificam o mercado de trabalho do país. O consumidor não sofisma. Não vive de discurso. O consumidor faz as contas e sabe que se tornou vantajoso fazer turismo no exterior. É mais barato lá do que aqui. E não por culpa dele, consumidor. Digam-lhe os lobos o que disserem. Se o governo não controla seus próprios gastos e precisa buscar dinheiro no mercado, elevando juros, atraindo dólares e derrubando a cotação dessa moeda, é ele e não a sociedade que está causando prejuízo grave às contas e à economia nacional. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

José Carlos Aleluia

01/04/2011
CARTA ABERTA AO REITOR DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA PROF.JOÃO GABRIEL SILVA, MAGNÍFICO REITOR DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (José Carlos Aleluia é professor universitário, Membro da Comissão Executiva do Democratas e Presidente da Fundação Liberdade e Cidadania) Na condição de professor universitário venho perante Vossa Excelência manifestar a minha perplexidade ? e porque não dizê-lo?, indignação, diante da concessão do título de doutor honoris causa, pela instituição que ora Vossa Excelência representa, ao ex-Presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Tomando como referência o significado que tem, para nós brasileiros, a Universidade de Coimbra, entendo que a iniciativa destoa aberta e completamente de toda a sua tradição. Aprendemos que as personalidades que lideraram o processo da Independência e que assumiram os destinos do novo país ?a começar do Patriarca, José Bonifácio? formaram seu espírito na Universidade de Coimbra. Aplaudimos com entusiasmo a concessão daquele título a ilustres representantes da contemporânea cultura brasileira, a exemplo do saudoso Miguel Reale. Em eventuais excursões a Portugal, todo membro da comunidade acadêmica brasileira sente-se no dever de conhecer a instituição que consideramos parte integrante de nossa história. A concessão do mencionado título contraria frontalmente toda a idéia que nos fizemos da Universidade de Coimbra pelo fato, sobejamente conhecido, de que o ex-Presidente sempre se vangloriou de não haver freqüentado qualquer curso. Insistentemente, perante a nossa juventude, buscou inculcar a noção de que o sucesso pessoal independe de qualquer esforço no sentido de aprimorar o conhecimento. E, sobretudo, por uma administração desastrosa em matéria educacional. No plano estritamente político, notabilizou-se por institucionalizar a corrupção, alegando inclusive tratar-se de fenômeno arraigado, que não lhe competia combater. Esteja certo de que, com esse passo temerário, de um só golpe, a Universidade de Coimbra deu-nos uma clara demonstração de não ter qualquer compromisso com o respeito à memória que seus antecessores souberam construir. José Carlos Aleluia

Leonardo Faccioni

30/03/2011
NA UCS, UM PALCO PARA OS GENOCIDAS (Extraído de um texto produzido por aluno da UCS sobre o I Congresso Internacional de Direito e Marxismo, em realização naquela universidade caxiense com suporte financeiro da CEF) Num evento nascido para, como de praxe, criticar tudo isso que está aí a título de capitalismo (um termo eclético o suficiente para abranger tudo o que houver sob a triangulação Geisel - Pinochet - Mercantilismo setecentista, plus a democracia, à qual chamam burguesa), não se pode deixar de indagar a origem do dinheiro. No melhor espírito neofascista que caracteriza a república sindicalista, os organizadores garantiram portas abertas ao receber patrocínio de empresa estatal - aquela mesma que, tão amiga do proletariado, estupra sigilos bancários de caseiros inimigos dO Partido, que é O Povo - assegurando, assim, uma boa penca de participantes internacionais. Que tão repulsivo congresso se dê em instituição privada, fundada - dentre outros - pela Igreja Católica e instalada em região das mais aburguesadas e prósperas do subcontinente não deixa de ser sinal dos tempos, de uma mentalidade que vai muito além daqueles bárbaros selvagens que, apontava Ortega y Gasset, criam-se a leite com pêra para, esnobes e megalômanos, crescer e destruir suas próprias civilizações, imaginando - e aí estamos com Hayek, um Nobel - guardarem mais informação e conhecimento em suas cabecinhas ditatoriais do que nas construções autônomas e livres de todo o resto da humanidade.

Érico Valduga

28/03/2011
ESTA NÃO É A JUSTIÇA QUE PRECISAMOS Érico Valduga em Periscópio Data vênia, esta não é a Justiça que precisamos. Pode haver exemplo mais claro da impunidade que protege os corruptos do que a prescrição do crime? Nosso legado, prezados leitores, é a hipocrisia Que país estamos legando para os nossos descendentes, no qual os ladrões do dinheiro público, com nome e sobrenome, escapam de punição por causa das prescrições dos códigos processuais? É o caso de 22 dos 38 réus do Mensalão por formação de quadrilha, crime que prescreverá em agosto próximo, segundo informou a matéria do repórter Felipe Recondo publicada na edição de ontem do Estadão, reproduzida neste site e por Periscópio. Aliás, o jornalista informou que o episódio foi o maior escândalo da ?era Lula?. Está enganado: trata-se do maior escândalo desde a proclamação da República no Brasil, e caminha para a impunidade que, tornada regra pela Justiça inepta e lenta, é a principal responsável pela posição do nosso país como um dos líderes de todos os rankings da corrupção no mundo. O que é pior, se algo ainda pode ser pior, é que diversos processados já foram como que reabilitados por seus partidos e pela sociedade brasileira (no caso, quem cala, consente) antes da decisão judicial. Milhões de reais dos cidadãos, atendidos em média por serviços de saúde e educação de quinta categoria, por alegada falta de recursos nos cofres públicos, foram comprovadamente desviados para bolsos privados. E nós não nos espantamos, tanto que o tema recebe tratamento marginal nos meios de comunicação. Não nos espantamos mais, ao ponto de um ex-presidente da República, o mesmo que afirmou desconhecer a roubalheira verificada em seu primeiro mandato, declarar que a sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria m ostrar que o Mensalão ?é uma farsa?. Farsa? O deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), que foi obrigado a renunciar à presidência da Câmara dos Deputados, confessou ? confessou, sim, depois de tentar mentir ? que a sua mulher recebeu R$ 150 mil em dinheiro vivo, quantia proveniente do operador da impressionante maracutaia, Marcos Valério. Fazia parte da quadrilha e por isto é réu. Mas, a provar que a cultura da impunidade lavra nas instituições, em meio à cumplicidade cínica de eleitos e eleitores, ele acaba de ser escolhido pelo seu partido para a presidência da comissão permanente mais importante da Casa de cuja direção foi apeado, a de Constituição e Justiça, nada menos. Isto é farsa.

Percival Puggina

27/03/2011
As Campanhas da Fraternidade perderam a capacidade de me surpreender. Há alguns anos ainda me arrancavam uns oh!, uns puxa-vida!, uns mas-que-coisa!. Agora, nem isso. Já é previsível. Silenciam as baterias das escolas de samba e a campanha da CNBB entra na avenida para incinerar a espiritualidade quaresmal. Todo ano muda o tema. Mas o samba-enredo vai na mesma batida: ao sul do Equador só existe um pecado. E uma classe de pecador. Os europeus que vinham para o Brasil no século 16, distantes de seus códigos originais, naquela nudez tropical onde só a natureza era virgem, botavam prá quebrar. Vem daí a frase tão sedutora aos embarcados nas aventuras ultramarinas: não existe pecado ao sul do Equador. Pois a cada quaresma, o comando da CNBB recicla a frase. É como se nestas bandas só existisse o pecado da produção, do mercado, do consumo e do lucro. Em tudo mais têm os fiéis indulgência plena, contanto que militem na guerra santa contra um desenvolvimento social e econômico que passe pela economia de empresa. Para os puxadores do samba do atraso, ou nos arrependemos do lucro, ou arderemos no inferno. Ou saímos definitivamente desse lupanar chamado mercado, ou sufocamos em sulfeto de hidrogênio (aquele composto malcheiroso, normalmente associado à presença do maligno). De lambuja, neste ano, somos orientados para o neopaganismo do Leonardo Boff: o hino da CF-2011 canta a mãe terra e declara que o planeta é a mais bela criatura de Deus! Surpreso, leitor? Eu não. Falando em sulfeto, li, desde a curva do cabo até a ponta do rabo, o texto-base desta Campanha da Fraternidade. Não proponho a ninguém a mesma penitência. Suas 32 mil palavras enchem 63 páginas. Metade delas introduz no confessionário cristão pautas tão penitenciais quanto clorofluorcarbonetos, metano, dióxido de carbono, ozônio, potencial hidrogeniônico, hexafluoreto de enxofre e dióxido de enxofre (só pode ser no meio desse enxofre todo que o diabo se esconde). Tal conteúdo, que ninguém precisa ser assessor da CNBB, católico ou bispo da Teologia da Libertação para baixar da internet e passar por sabichão, chega ao texto com os objetivos fundamentais acima. Lembrando-os: pau na economia de empresa, pau no mercado, pau no consumo. Nesta quaresma, a classe dos judas a serem malhados ganhou mais um membro. Há outros pecadores públicos abaixo do Equador. São os produtores de commodities agrícolas. Gente perversa, que cultiva grande quantidade de coisas tão descabidas como trigo, soja, arroz, algodão e cana. Atenção! Há muito, muito mesmo, a corrigir no uso que fazemos dos recursos naturais. Tampouco estou negando a necessidade do zelo ambiental, nem desconsiderando o fato de que devemos manter em relação à natureza um senhorio responsável, na condição de zeladores prudentes de um patrimônio precioso que devemos legar às gerações futuras. Mas considero necessário dizer que, em essência, são os paradigmas civilizacionais do Ocidente, tão condenados no nº 61 do documento, que, bem ou mal, permitiram ao planeta acolher mais cinco bilhões de habitantes no último século. Tese oposta leva ao que faz o texto-base quando aconselha, no nº 51, que os sistemas de produção, para manter mais gente no campo, deveriam ser antieconômicos e os alimentos deveriam custar mais caro! Terminei a leitura da peça com a convicção de que ninguém representa melhor o espírito desta quaresma do que os fanáticos do Greenpeace. Até quando os bons bispos vão tolerar essa situação? ZERO HORA, 27/03/2011

Percival Puggina

25/03/2011
Imensa maioria da sociedade ficou de cara com a decisão do STF que postergou para 2012 a vigência da Lei da Ficha Limpa. Já encontrei gente convencida de que o artigo 16 da Constituição Federal foi uma artimanha concebida com a finalidade de beneficiar políticos desonestos... O referido preceito, com a redação que ganhou em 1997, diz assim: ?A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência?. Não é preciso conhecer a história do Brasil na segunda metade do século passado para saber-se o que motivou tal disposição. Ela é uma vacina contra casuísmos que, alterando de última hora as regras eleitorais, sirvam para beneficiar a maioria parlamentar (via de regra a poderosa base do governo) em prejuízo da minoria. Tivemos muito disso durante o regime militar, por exemplo. O foco da norma está posto no respeito às regras do jogo e ao eleitor. Ou, em outras palavras, à segurança jurídica e à própria democracia. Se o leitor destas linhas, assim como eu, não tem em boa conta o discernimento de grande parte do eleitorado, nem apreço algum por grossa fatia dos partidos e seus representantes, não é contra a Constituição nem contra a decisão do STF que se deve insurgir. Sua decepção deveria ter sido instigada já quando leu nos jornais que a Lei da Ficha Limpa foi aprovada na Câmara dos Deputados por 388 votos contra apenas um. E no Senado Federal, logo após, por 76 votos a zero. Bastava para deduzir: aí tem!... E não deu outra. Era para não valer. Impossível que juntos - deputados, senadores, assessores do Congresso Nacional, entre outros - não conhecessem o teor do art. 16 da CF ou inferissem que, no STF, a força do preceito da anualidade acabaria minimizada. Não podia ser e não foi. Por pouco, mas não foi. Prefiro uns patifes a mais no Congresso do que ver o Supremo rasgar a Constituição por pressão popular. Agora, usarei o direito do autor para falar da minha decepção. O que me entristece profundamente é saber que em momento algum, nos debates travados sobre o tema ao longo destes últimos dias, subimos um milímetro na compreensão de que estivemos tentando corrigir as consequências em vez de atacarmos as causas da enxurrada de mazelas na política nacional. Lamentamos seu efeito destruidor. Choramos as vítimas do mau uso dos recursos públicos. Deploramos as desigualdades dos pleitos e os abusos dos poderosos. Como nas enchentes, descuidamos da prevenção e não nos ocupamos, um segundo sequer, do modelo institucional ficha suja com o qual convivemos! Enquanto isso, a usina da criminalidade política continua em plena atividade. O PCC da política, o Comando Vermelho da política, que se valem do nosso pavoroso modelo institucional, atuam e continuarão atuando mesmo na remotíssima hipótese de que a impunidade acabe e todos vão tomar banho de sol em horário certo no pátio de algum presídio. Lá de dentro, com celulares ou sem celulares, continuarão se valendo das franquias e facilidade de um sistema que lhes facilita a vida e coloca o país no vergonhoso 69º lugar no ranking da ética. A nota 3,7 que recebemos nos situa a apenas 2,6 pontos da Somália, que é o último dos 180 países avaliados, e a longínquos 5,6 pontos da Dinamarca, que encabeça a lista dos melhores padrões éticos. Decepção, para mim é isto. É saber que em momento algum do último pleito muitos cidadãos que hoje reprovam o STF se interessaram em saber o que seus candidatos pensavam sobre reforma institucional e política (estavam mais interessados em achar alguém que lutasse por seus interesses pessoais ou corporativos). É perceber que a nação ainda crê, firmemente, que seja possível colher resultados diferentes agindo, sempre, do mesmo modo. É ver tantas pessoas convencidas de que a Lei da Ficha Limpa será capaz, mantida a regra do jogo, de moralizar os comportamentos dos políticos, dos partidos e dos eleitores. É achar-se preferível atropelar o princípio da presunção de inocência (inciso LVII do art. 5º da CF), segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a reformular o modelo recursal do direito brasileiro que dá garantias eternas de impunidade aos réus endinheirados! Escreva aí, leitor: quando, em 2012, os recursos contra a Lei da Ficha Limpa entrarem no STF invocando esse outro preceito constitucional, a lei se desfará em cacos, evidenciando a incompetência de sua concepção. Como bem disse em recente programa de tevê o advogado Ricardo Giuliani - os responsáveis pela atual decepção (e pela futura) são os que criaram ilusões na opinião pública através de uma norma eivada de inconstitucionalidades. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Érico Valduga

24/03/2011
A DESCONSTITUIÇÃO DO PODER POLÍTICO E A CASA DO POVO Érico Valduga Como podem os cidadãos entender que o Estado sem dinheiro, na véspera de anunciado déficit de caixa, contrate novos empréstimos e mais servidores? Não faz muito, o governador Tarso Genro afirmou que uma ?pauta de desconstituição política?, da que convenientemente não deu detalhes, mas creditou-a à mídia, estaria gerando na opinião pública ?uma aversão ao Estado, à política e aos partidos?. Se ele se referia, por exemplo, ao noticiário sobre o escândalo do Mensalão, obrado pelo PT na Câmara dos Deputados em 2006, lembre-se que a imprensa nada mais faz do que a sua obrigação, que é publicar fatos irregulares ou que desmentem o habitual discurso bonitinho. Contudo, muito mais trabalha pela desmoralização da arte de governar quem, como ele e sua maioria na Assembleia Legislativa, propõem e aprovam, sob o apelo da urgência, a contratação de n ovos empréstimos pelo Executivo, no valor total de R$ 2 bilhões; e a criação de mais 325 cargos públicos, a maioria de livre indicação, com despesa estimada de R$ 20 milhões no primeiro ano. Salvo se os governantes petistas e seus associados do PDT e PSB possuem informações que a sociedade não tem sobre o estado do dinheiro de todos, o que é pouco provável, aquilo que foi aprovado contradiz o discurso da recuperação das finanças públicas, que continuam em má situação, como advertiu o secretário da Fazenda, Olir Tonollier, ao ponto de prever, em janeiro, um déficit de caixa de R$ 400 milhões ao final deste mês de março. Recorde-se que outros R$ 50 milhões foram consumidos pela leva anterior de autorizações para contratação de cerca de 300 servidores, entre CCs e concursados, e aumentos de salários de altos funci onários, além do perdão da dívida de agricultores, parte deles pensionista do Incra, sob a estranha justificativa que sairia mais caro cobrar débitos individuais inferiores a R$ 2.7 mil. Parece, prezados leitores, que fica claro quem contribui para a desconstituição da política.

Percival Puggina

18/03/2011
Assisti em DVD àquele entulho hollywoodiano que chegou às telas com o nome de Che. O filme será considerado péssimo se não for entendido como uma sacada do capitalismo para faturar com um ícone do comunismo. Nessa perspectiva, convenhamos, tem os méritos da ironia. Também, como sempre acontece com esse tipo de obra, a gente acaba aprendendo algo na leitura de suas linhas transversas. Assim, mais de uma vez durante a projeção do filme, os comandantes guerrilheiros, ao recrutarem voluntários para enfrentar o exército de Fulgêncio Batista, descartavam aqueles que não trouxessem suas próprias armas. Não ter armas restringia a cidadania dos revolucionários. A esquerda, quando quer o poder, precisa de armas. Quando está no poder tem medo delas. Ponto e atenção: não estou defendendo o uso de armas para o exercício da dimensão política do ser humano. Tão logo chegou à pasta da Justiça, o ministro José Eduardo Cardozo anunciou que vai retomar a campanha pelo desarmamento. O novo ministro foi o representante do PT na última reunião do Foro de São Paulo (FSP), realizada em Buenos Aires no ano passado. Como todo mundo sabe, o PT jura em cruz que as Farc - terroristas e traficantes de drogas e armas - não fazem parte desse fórum das esquerdas latino-americanas criados por Lula e Fidel em 1990. Mas quando morreu o comandante Tirofijo (Manuel Marulanda), o plenário da 14ª edição do FSP, reunido em Montevidéu, em 2008, aplaudiu entre soluços a homenagem póstuma de Daniel Ortega ao nosso irmão comandante Marulanda (...) lutador extraordinário que vem batalhando há longos anos, como guerrilheiro, a luta mais longa na história da América Latina e do Caribe?. Em março daquele ano, em entrevista ao jornal francês Le Figaro, transcrita por Reinaldo Azevedo, o camarada Marco Aurélio Garcia afirmou esta posição benevolente do governo brasileiro: Je vous rappelle que le Brésil a une position neutre sur les Farc: nous ne les qualifions ni de groupe terroriste ni de force belligérante. Les accuser de terrorisme ne sert à rien quand on veut négocier. Isso é o que eles de fato pensam. Claro que quando a política aponta algumas inconveniências nesse pensamento, é hora de adequar o discurso. E isso é o que eles de fato fazem. Pois bem, embora o estado com menor índice de armas registradas no Brasil (Alagoas), seja, disparado, o estado com maior índice de assassinatos, o ministro acha que é hora de retomar a campanha pelo desarmamento. Os apóstolos da tese acreditam, piamente, que, se as pessoas de bem depositarem suas armas nas mãos do Estado e confiarem suas vidas e patrimônio aos bandidos, o país será muito mais seguro e menos violento... Quando a gente tenta mostrar que as mãos na nuca da vítima nada podem contra a mão do agressor no cabo da arma, eles alegam que o Estatuto garante a posse de arma a quem se comprovar sob risco. Tá certo. Vou encaminhar ao ministro a minha certidão de nascimento: Sou cidadão brasileiro, ministro!. Será que isso não é risco suficiente? Se não for, deveremos impor aos bandidos uma regra de aviso prévio pelo qual todos fiquem obrigados a notificar suas vítimas com antecedência de trinta dias para que não resultem expostas à ignorância do risco que correm, e não tenham inibido seu humano direito à legítima defesa. Pronto! Organizamos o crime desorganizado: assalto, estupro e latrocínio com agendamento e citação por edital. Vou assumir aqui outro risco. Vou propor ao ministro algumas extensões de sua teoria. Seria um pacote de leis preventivas visando a proibir o porte de fósforos, isqueiros e cigarros acesos para acabar com os incêndios; recolher todas as carteiras de habilitação para zerar os acidentes de trânsito; fechar as praias das 10 às 16 para reduzir o câncer de pele; e cassar todos os títulos eleitorais para acabar com a carreira dos maus políticos. ______________ * Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.