Twitter: percivalpuggina
A edição de ZH deste sábado, 20 de agosto, relata o assassinato de uma fotógrafa. Episódio tão brutal quanto comum. Ela saiu de uma agência bancária, foi abordada por indivíduos armados que a acompanharam até seu veículo. Ali ela resistiu ao assalto e levou um tiro no pescoço. Tudo à luz do dia, numa rua movimentada, em horário comercial. Houve perseguição policial e os criminosos acabaram presos. Um era foragido da Penitenciária Estadual do Jacuí e o outro tinha prontuário denotando vida criminosa persistente e contínua.
Aquela matéria me levou a pensar na execução da juíza Patrícia Acioli. É bem provável que seu assassino, quando identificado e preso, também ostente uma ficha criminal do tamanho de um rolo de papel higiênico. Se for assim, ela morreu porque o bandido, como milhares de outros, estava solto por desídia do Estado, favor legal ou benevolência jurisdicional. A fotógrafa gaúcha perdeu a vida porque o sistema não impediu que um dos seus assassinos se evadisse, porque deixou o outro solto e porque tal ou qual abertura das malhas da lei foi tramada para proteger seus executores. Essa triste rotina foi muito bem lembrada em recente artigo do presidente da Brasil sem Grades, Luiz Fernando Oderich.
Virou moda no Rio Grande do Sul, porque o sistema penitenciário superlotou, não trancafiar e até mesmo soltar presos. De fato, o Presídio Central, para usar um lugar comum, é circo de horrores. Não tem como piorar. Desumano. Tempos atrás, um defensor dos direitos dos presos convidou-me a visitar aquele estabelecimento para avaliar o que seja passar um ano inteiro ali. Ele pretendia me sensibilizar para a conveniência das progressões de pena e dos livramentos condicionais como forma de fazer com que os detentos retornem o mais rapidamente possível ao convívio social.
Recusei o convite. Uma simples visita já seria insuportável. No entanto, enorme percentagem dos que lá estiveram, dos que conheceram os caldeirões do inferno e conseguiram sair, são nada cautelosos em relação à possibilidade de voltar. Reincidem e voltam. Não estou dizendo que o Estado não deva ampliar o número de vagas prisionais e melhorar seus estabelecimentos de reclusão. Mas soltar preso porque as condições são precárias, em nome de valores humanos, é desconhecer os direitos humanos da fotógrafa assassinada ontem, da juíza de anteontem, dos policiais que saem às ruas para cumprir mandados de prisão, ou dos milhões de cidadãos de bem que os bandidos têm à disposição e usam como otários a serem depenados ou sacrificados aos seus piores impulsos.
Agora esses impulsos atingiram uma juíza que bateu de frente contra o crime organizado. Que tratamento terá e quais privilégios serão concedidos ao seu assassino, se vier a cair nas malhas do poder? Em 2003, quando foi executado o magistrado paulista, Dr. Antônio José Machado Dias, escrevi: Enfrentar o crime com rigor e o criminoso com a força integral de uma lei penal compatível com a realidade do país, é exigência da ordem pública, com a qual não se brinca nem se transige impunemente. Em alarmante freqüência, bandidos perigosos são liberados para atividades externas ou tendo cumprido somente parte insignificante da pena. Quando soltos, matam, estupram, assaltam. De então para cá a coisa só piorou.
Os que legislam, os que julgam e os que cuidam do sistema penitenciário deveriam fazer periódicos city tours obrigatórios para um choque de realidade fora dos processos e dos gabinetes, para sentirem o que pensam as pessoas que não têm carro blindado, direito a porte de arma, segurança pessoal institucional e andam pelas ruas com medo dos que a lei protege, a justiça manda soltar e o Estado deixa fugir.
______________
* Percival Puggina (66) é titular do blog www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.