Percival Puggina

03/05/2020

 

 Não passa um dia sem que algum leitor, estarrecido ante o desastre político em curso no Brasil, me pergunte: “E aí, qual é a solução?”.

 O Brasil que em 2014, graças à vitalidade das redes sociais, começou a acordar para o flagelo esquerdista que o acometera durante três décadas ao longo das quais comprara gato por lebre, foi mudando de lado. Descrevo o processo como uma “iluminação” que acendeu luzes para a destruição de seus valores, para o assalto ao futuro do país, para a ruptura sistemática da ordem. Era imensa a lista dos malefícios de natureza social e moral em curso, com outro tanto na geração de riqueza e postos de trabalho. O braço festeiro gastador do Estado conseguiu transformar em voo de galinha as extraordinárias oportunidades proporcionadas pela primeira década deste século. Consolidara-se no país um capitalismo de compadrio, padrinho de corruptos e corruptores.

 Bolsonaro elegeu-se portando bandeiras com forte ressonância popular. Era combatido pelos que haviam construído passo a passo a realidade social, política e econômica a que o país chegou no ano de 2018. Seus adversários falavam pelos cotovelos na mídia militante, no ativismo judicial dos ministros do STF, nos partidos de esquerda e no centrão desalojado de seu poder. Em consonância com seu modo combativo de ser, o presidente passou a arrostá-los ostensivamente e varou o ano de 2019 perdendo quase todas, contra quase todos. Ele só tinha seus eleitores em seu favor, representados, de forma visível, por aqueles que, nas redes sociais e aos milhões, saíam às ruas para expressar seu apoio. E, ainda assim, nesse tumulto, o governo, como tal, ia bem.

No carnaval, o coronavírus desembarcou no país e o governo ganhou mais um adversário, invisível, a causar imenso dano social e econômico. Não bastante isso, entra no mês de maio do segundo ano de seu mandato num confronto de versões, em palco policial, contra seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.

Como conservador, tenho apenas uma resposta à pergunta feita no primeiro parágrafo deste artigo. As instituições brasileiras, um susto permanente, são de péssima alfaiataria e vestem um corpo social desconjuntado. O sistema não é funcional, como estamos vendo pela enésima vez. Tem sido dito em relação ao momento atual, “as instituições estão funcionando”. Há total razão em quem o afirma. Os males que estamos enfrentando são resultado desse funcionamento. Esse é um dos estragos que elas fazem ao funcionar! Há piores. Ou obrigam o governo a comprar maioria parlamentar ou a maioria do Congresso e o STF protagonizam a governança do país. Todas as deposições de presidentes – Getúlio, Jango, Collor e Dilma – aconteceram por falta de apoio parlamentar.

Espero que o circo não tenha aberto a jaula. Que a investigação iniciada sábado siga seu curso e que nela a prudência separe o joio do trigo, o grave do fútil, e o bem do Brasil se sobreponha aos interesses individuais em jogo.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

01/05/2020

 “Estamos assim: os governadores mandam nos estados, os prefeitos nos municípios, o presidente não manda em ninguém e o STF manda em todo mundo”. Luís Ernesto Lacombe.

 Ontem à noite (30/04), ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro ocupavam as telas dos canais de notícias. Instigados pela mídia militante, criticavam o presidente da República por haver manifestado opinião sobre a decisão que o impediu de nomear Alexandre Ramagem para o Polícia Federal. Deixavam a prudência no encosto da poltrona e opinavam sobre um assunto em relação ao qual, em tese, ainda poderão ser chamados a deliberar. O Ministro Celso de Mello funciona como líder da oposição no STF e critica duramente, por tudo e por nada, o presidente e seus eleitores. Alexandre de Moraes atropela a CF, transforma suas suposições em evidência impedindo a nomeação de Alexandre Ramagem. E Bolsonaro não pode dizer que aquela casa faz política? Dá-me forças para viver!

 O estrelismo faz do nosso STF caricatura de uma Suprema Corte. Amigos constitucionalistas me dizem que tal notoriedade, vinda de um protagonismo exacerbado na cena política, não ocorre em países onde o estado de direito está consolidado em instituições racionalmente concebidas. No Brasil, há bom tempo, as sessões plenárias do STF são assistidas com os corações aos pulos e desembocam em passeatas e carreatas.

Não deixa de ser curioso que, quanto maior o protagonismo, quanto maior o estrelismo, mais estridentes as vaias e imprecações lançadas contra alguns senhores ministros de verbo solto e juízo contido. Chegamos ao exagero de podermos reconhecer os membros do nosso STF pela voz. Não é necessário olhar a tela da TV para saber qual o ministro que está sendo entrevistado. Com um pouco mais de experiência, antecipamos o que dirá. Curtem a notoriedade, mesmo com enorme prejuízo à própria imagem.

Chegam ao estrelato por relação de amizade ou de confiança com o presidente que os indicou à aprovação do Senado em sessões de “sabatina” que a tradição converteu em eventos laudatórios. Ou seja, os meios pelos quais os ministros assumem o poder que tudo pode e sobem as escadas da fama são os mesmos que o ministro Alexandre de Moraes considera inadmissíveis como critério para escolha de um delegado-geral da Polícia Federal. Ele mesmo é ministro do STF graças à indicação feita pelo notório Michel Temer que, antes, o fez Advogado-Geral da União.

Num país de péssima alfaiataria institucional, onde tudo está politizado e envolve dois interesses conflitantes, é contínuo o fluxo de questões políticas que chegam ao STF vindas das partes e interesses em jogo. Por isso, resulta completamente impróprio que o STF se intrometa num assunto em que a norma é tão clara: “O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial”. Ponto.

Ao invadir espaço de competência exclusiva da presidência da República, Alexandre de Moraes arromba ainda mais a porta de entrada para uma cultura jurídica que vem alçando o STF à posição de verdadeiro condutor da política nacional. Trata-se daquilo que alguns colegas dele já se apressaram a afirmar: o STF caminha no sentido de se converter em poder moderador da República! Algo assim, sem voto nem respaldo constitucional é apropriação indébita exercida contra os poderes republicanos, cuja única fonte é o povo brasileiro.

Não sei que fim levou o tal túnel que estava para ser construído no STF proporcionando discrição à entrada e à saída dos senhores ministros. Pronto ou não, ele deveria mostrar a todos o quanto é frívolo e quanto mal faz ao país o protagonismo e o estrelismo sem estrelas que acometeu aquela corte.

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

29/04/2020

 

 Você, cujo idealismo perdeu a virgindade, não chore não. Debatemo-nos durante tanto tempo contra o poder instalado no país! O Brasil fora tomado por um enxame composto por corrupção, esquerdismo, Foro de São Paulo, corporativismo, patrimonialismo, globalismo e revolução cultural! Não havia dúvida sobre a necessidade de combater esse enxame.

 Bolsonaro vestiu o elmo dos templários, abraçou com dedicação algumas das pautas conservadoras e liberais, encontrou milhões de brasileiros à espera de alguém para guiá-los e foi seguido, esperado, aclamado. Era líder tosco, mas de refinamento fora suficiente a rápida dose de Michel Temer.

 A eleição do novo presidente suscitou iras cósmicas. Aglutinaram-se contra ele macabras potências encasteladas nos poderes de Estado. Os mais altos torreões da República passaram a dardejar sortilégios e quebrantos sobre o novo mandatário. Com apoio da mídia militante, que o combateu antes, durante e depois da campanha eleitoral, submeteram-no à mais orquestrada desqualificação. E encontraram pela frente um osso duro de roer, com fortíssimo apoio popular.

 Qualquer assunto que pudesse ser usado em desfavor do presidente servia para uma pancadaria midiática que a tudo amplificava e repercutia sem cessar até o surgimento de assunto novo, ou melhor. Surpresa? Não. Imagino que, com alguma experiência da cena nacional e seus atores, isso era de esperar. Inusitada, para todos, foi a persistência com que milhões de brasileiros, ao verem o que acontecia, passaram a sair às ruas em apoio ao presidente. Nenhum dos ataques a ele, porém, teve o impacto da fala de Sérgio Moro enquanto se demitia do cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública. Ali rufaram os tambores para o combate final. Bolsonaro não estava sendo acusado por um editorialista ou por um parlamentar oposicionista, mas por uma personalidade mundial, magistrado que só não tinha o respeito de bandidos e de seus defensores.

Quando ele terminou de falar, percebi uma debandada entre os apoiadores do presidente. O idealismo perdera a virgindade. Trincara-se o cristal. Para muitos, a vida nunca mais seria a mesma...

Quando o presidente falou, expondo o indispensável outro lado da história, quando as “provas” vieram a público para serem examinadas sem a lente de aumento da mídia militante, tudo começou a voltar ao seu lugar. Foi lastimável ver uma figura pública como o ex-ministro usando contra o presidente o mesmo truque de printar conversa de whatsapp aplicado contra ele Moro.

Aliás, acho que nem Glenn Greenwald faria a uma amiga e afilhada a baixaria que Moro fez a Carla Zambelli. E apresentou à TV Globo como “prova”. 

Escrevo, então, àqueles para os quais o cristal trincou. Não há cristal na política. Como tantas vezes tenho escrito, a política é um jogo que se joga. Não é um jogo que se assiste de camarote, com ar condicionado ligado e garçom na porta. A política põe na mesa o bem comum, e os adversários são conhecidos. Durante décadas impuseram ao país os seus padrões e seus patrões. Nós os vimos envolvidos numa guerra sem trégua contra a escolha do eleitorado em 2018. Será necessário apresentar bem mais do que um par de dois para que minhas palavras os favoreçam na volta ao poder.

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/04/2020

 

Durante os festejos dos Quinhentos Anos houve grupos políticos que tudo fizeram para desmerecer a comemoração. Enquanto os olhos do Ocidente se voltavam para o Brasil, alguns conterrâneos cuidaram, afanosamente, de transmitir a imagem de um país bem diferente do que ele é. Exibiram-no dividido e racista. Porque não amavam a pátria, anarquizaram sua festa. O Rio Grande do Sul, então governado por Olívio Dutra, foi o próprio anticlímax com uma campanha publicitária cujo slogan era: “Aqui são outros quinhentos!”. Aqui era um pedaço do Brasil onde o PT dava as cartas e jogava de mão.

 Em Porto Alegre, nas proximidades do Gasômetro, um grande relógio marcava, regressivamente, a aproximação da data. E assim ficou ele, assinalando o tempo, até ser depredado e incendiado enquanto indígenas de picadeiro, militantes petistas, dançavam em círculo, encurvados, como viam os apaches fazer em filmes de faroeste... O ridículo, exatamente por ser ridículo, não concede limites à ridicularia.

Assim como é verdade que temos problemas sociais, também é verdade que damos ao mundo um exemplo de integração racial. Há aqui brasileiros de todas as cores e todas as cores aqui se misturam. A mestiçagem é nosso maior orgulho étnico e quem procurar alguma “raça pura” (como se fôssemos animais de tirar cria), seja por interesse ideológico ou antropológico, terá dificuldade de encontrá-la no Brasil.

Qual o problema, se contamos menos índios puros do que ao tempo do Descobrimento? Certamente temos, também, menos portugueses puros do que tínhamos no séc. XVI. E os milhões – as dezenas de milhões – de brasileiros que resultaram do caldeamento entre o branco e o ameríndio? E quantos milhões de cafuzos e mulatos compõem o tipo brasileiro, que se caracteriza, precisamente, por não ter tipo algum? Não foi o meu Rio Grande do Sul povoado por paulistas (que já eram mestiços) e por lagunenses (resultantes de cruzas com carijós) que aqui se entreveraram, na cama e na campanha, com charruas e guaranis? Não é o gaúcho produto dessa mistura, ao qual se agregaram alemães, italianos, poloneses, etc.? Quão reacionária é a ideia de que os brancos deveriam ter ficado na Europa, os indígenas na América, os amarelos na Ásia e os negros na África!

Fica no ar, então, uma pergunta: a quem servem as exibições de contrariedade recorrentes a cada 21 de abril? Por que tratam como “genocídio” o povoamento do Brasil? Por que ensinam isso nas salas de aula, suscitando desapreço a pátria em crianças e adolescentes? Maldade! Pura maldade!

Tais condutas são impulsionadas por interesse dos grupos de esquerda, que não sobrevivem fora do conflito, da luta de classes e do ódio daí decorrente, e por interesse das ONGs internacionais que deitam olhos cobiçosos sobre a Amazônia Brasileira e usam a questão antropológica como uma de suas cunhas de penetração. É problema grave fazer um grande país com mentes cuidadosamente apequenadas em sala de aula.


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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


   

Percival Puggina

20/04/2020

 

Perderam a eleição para Bolsonaro porque preferiram atacá-lo em vez de se perguntarem por que o povo o seguia. Agora, pelo mesmo motivo, caçam fantasmas e conspiram contra ele.

 

 No noticiário desta manhã de segunda-feira, alguns veículos se desencaminharam e noticiariam sobre as carreatas ocorridas ontem em inúmeras cidades do país, descrevendo-as como “de apoio ao presidente”, “a favor do fim do isolamento”, “contra Rodrigo Maia”, “contra João Dória”. No entanto, para os grandes noticiosos da noite de domingo o que importava era exibir cartazes com que manifestantes pediram intervenção militar e lançaram maldições, anátemas e imprecações contra o Congresso e o STF. A cereja do bolo, porém, era o presidente da República falando a um grupo de intervencionistas. O G1 (Globo) reproduziu uma seleção de frases então proferidas pelo Presidente. O que disse ele?

"Todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro. Tenho certeza, todos nós juramos um dia dar a vida pela pátria. E vamos fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil. Chega da velha política", afirmou.

Bolsonaro falou aos manifestantes que podem contar com ele "para fazer tudo aquilo que for necessário para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de mais sagrado entre nós, que é a nossa liberdade".

Arrepiaram-se, fingidos, os barões assinalados. Era preciso induzir a população a temer o autor de frases tão simples e o perigo representado por não se sabe bem o quê. Então, acusaram-no de tossir uma vez e não fazê-lo sobre o cotovelo... Desabituados a usar palavras que expressem pensamentos reais, viciados com bastidores, useiros de conchavos e conspirações, grandes autoridades da República medem o presidente com sua própria escala. Não funciona.

Li hoje um artigo em que o autor, advogado e empresário Luiz Carlos Nemetz faz a seguinte resenha de patranhas belicosas do Congresso pilotado por Maia e Alcolumbre contra o presidente.

Deixou caducar as medidas provisórias do 13º do bolsa família, da carteira estudantil, da revogação do imposto sindical, da publicação de balanços; desfigurou completamente o pacote anticrime e de combate à corrupção; enfraqueceu a operação lava-jato com a lei de abuso de autoridade; articulou o aumento do fundo partidário e impediu seu uso para combate à COVID-19; aprovou o orçamento impositivo; não põe em pauta o marco do saneamento de gastos, da PEC emergencial 186/19 e do pacto federativo; junto com o Senado não vota a prisão em segunda instância dando chances para que a nata da aristocracia medieval corrupta não seja investigada, nem punida e, mesmo quando condenada, saia às ruas e goze a vida com os bilhões que roubaram.

Agora, neste exato momento, articula com os seus, a completa desfiguração do Plano Mansueto, que é um programa de acompanhamento e equilíbrio fiscal, que, em síntese, visa ofertar aos Estados uma solução para que consigam equilibrar suas folhas de pagamento e quitem suas despesas mais urgentes.

É estarrecedor que uma suposta elite dos poderes Legislativo e Judiciário tenha desvirtuado de tal modo sua percepção sobre a finalidade do poder que exercem! Nada aprendem das manifestações da opinião pública que com exaustiva frequência superlota ruas e avenidas por não encontrar outro canal de expressão.

Com mais sensatez e menos presunção, com mais senso de responsabilidade e menos vaidade, com mais amor à pátria e menos amor próprio, haveriam de chegar às câmeras de TV e às páginas de jornal para refletir sobre a estupidez de nossas instituições e sobre as razões de seu próprio descrédito junto à sociedade. Desapreço, aliás, que cresce a ponto de muitos ansiarem por uma ditadura.

Não temam, senhores, por uma ditadura de Bolsonaro. Temam, antes, as consequências de vossa ambição, de vossos conchavos, de vossa fatuidade e de vosso desprezo aos cidadãos.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

19/04/2020

 Há seis meses escrevi um artigo em que apontei os principais inimigos e os principais apoiadores do governo Bolsonaro. Não estava articulada, até então, a perigosa armação política que vem tecendo seus fios na cúpula dos poderes de Estado. Parece conveniente, por isso, jogar um pouco de luz sobre as ambições napoleônicas de seus líderes, que vão muito além da rebelião do centrão e do desejo de vingança da esquerda, inconformada com o resultado da eleição presidencial de 2018. O somatório das condutas mostra o objetivo das ações: criar e dar consistência à fantasia de um país ingovernável por um presidente sem apoios.

Até bem pouco tempo, vendo suas principais mercadorias (base de apoio e voto parlamentar) encalhadas nas prateleiras do Congresso, o centrão vinha impondo sucessivas derrotas ao presidente. De umas semanas para cá, palavras e expressões como “solidão do presidente”, “desestabilização”, “incapacidade” passaram a rechear discursos parlamentares e a povoar o vocabulário do jornalismo militante que cresce como inço na imprensa nacional. Sempre tentando fixar, contra os fatos, a ideia de que o presidente está em isolamento vertical...

A esse jornalismo cabe papel importante na estratégia de desestabilização. É preciso afastar do presidente os seus eleitores, constrangê-los, atacar sua sustentação popular. O modo de fazer isso é exatamente o mesmo que jogou liberais e conservadores brasileiros para o acostamento da política nacional, e ali os manteve inertes durante meio século. Trata-se de lançar sobre eles adjetivos que os desqualifiquem, dizendo serem, ou cães raivosos, ou idiotas de carteirinha, robotizados, incapazes de perceber as mancadas do mito. A mesma mídia que se presta para essa tarefa, se manteve distraída e desatenta em relação às condutas escandalosas que desaguaram na Lava Jato. Assiste de modo passivo e silencioso sua posterior transformação numa pingadeira. E tenta, agora, afogar o presidente num ruidoso tsunami de ninharias.

Cobram de quem permanece firme com o presidente uma isenção supostamente nobre e virtuosa. Afirmam, ou sutilmente sugerem, que cidadãos cientes de sua elevada dignidade devem agir como magistrados romanos. E não falta quem se deixe empolgar pela ideia de que tal conduta seria meritória, a cobrar tapinhas nas costas e bons adjetivos agraciados pelos adversários em virtude de sua – admitamos - omissão e insignificância.

Não ter lado diante do que está acontecendo no Brasil é irresponsabilidade.

Como qualificar, numa disputa política, quem faz exatamente aquilo que o adversário quer? E note-se: o adversário que espertamente reprova qualquer atitude mais eengajada que não seja em seu próprio benefício, está fazendo política e desgraçando o Brasil. Infelizmente, num cenário assim – pasmem! – há cidadãos de memória curta e ânimo fraco que saem da geral, sobem ao camarote, e desde lá assistem o jogo sem torcer, sem ter lado, sem se envolver com o fato de estar sendo disputado um campeonato onde quem perde ou ganha é o Brasil.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

17/04/2020

 

 Querem me convencer de que nunca foi tão fácil tomar decisões! Bastaria dobrar os joelhos às explicitações dadas em nome da Ciência. É como se a realidade subisse numa barrica e exclamasse: “Não percam meu tempo nem queimem seus neurônios, perguntem aos cientistas!”. Em tempos de Covid-19, esse brado cruza oceanos, percorre vales, sobe montanhas, desce rios, toma cafezinho na sala de espera, pede vaga nos gabinetes. Auguste Comte – quem diria? – renasceu na sala de redação.

 Tenho lido que, com o avanço da pandemia, alguns casos graves obrigarão os médicos a fazer a escolha de Sofia, ou seja, a optar por uma entre duas soluções dramáticas, descartando idosos para preservar a vida dos mais jovens por falta de condições para hospitalização e cuidados. A ciência estaria a recomendar o isolamento horizontal como forma de diminuir a demanda sobre o sistema de saúde, “achatando a curva”, no ilustrado dizer dos peritos.

No entanto, Sofia fez há mais tempo suas escolhas. E note-se, escolhas festejadas por muitos que agora criticam a falta de imensos recursos desviados ou roubados. Refiro-me às obras supérfluas, como os vistosos coliseus da Copa do Mundo e à sangria a que a corrupção submeteu empresas estatais como a Petrobras; refiro-me ao custeio de privilégios e abusos e à aplicação de recursos públicos para financiar partidos e campanhas eleitorais. A cada ocasião dessas, Sofia fazia sua escolha de modo festivo e condenava muitos à morte nos corredores do SUS.

  Onde estavam, nessas horas, os que agora fazem perguntas espertas em entrevistas coletivas?

Qual o objetivo das medidas de segurança sanitária que vêm sendo adotadas no país? Respondo: evitar a expansão da contaminação, “achatar a curva” para descongestionar o atendimento, proteger a saúde de todos e preservar a vida de muitos. Ninguém duvida de que o isolamento horizontal, completo, absoluto, dá um para-te quieto no vírus. Que vá morrer de inanição, o desgraçado! É a escolha de muitas autoridades locais e regionais, subitamente investidas de um poder tirano. Alegando a proteção à vida e valendo-se do medo da população, obrigam todos a fechar a porta e passar a tranca. Há cidades onde quem botar o nariz na rua vai à força falar com o delegado.

Minha pouca ciência me diz que esse tipo de isolamento, dito lockout, não é possível. Para as pessoas ficarem em casa é indispensável que as regras de isolamento não valham para todos. Minha pouca ciência me diz que, mantida a situação atual por uns poucos meses, afundaremos na mais profunda e extensa recessão da história. Causaremos o genocídio das esperanças, dos postos de trabalho, dos famintos sem renda nem alimento que estaremos produzindo aos milhões. Prevenir essa situação também é conduta humana virtuosa.

A receita do ex-ministro Mandetta – foco, disciplina e ciência – tem, na ciência, um longo questionário de perguntas não respondidas. Ao dizer isso estou valorizando ainda mais o precioso, louvável e heroico trabalho desenvolvido pelos profissionais da Saúde, contando com as poucas armas que lhes são disponibilizadas, inclusive pela ciência. Com efeito, ao buscarmos respostas para perguntas essenciais sobre esse vírus, sobrevêm inquietantes incertezas. Qual a sua letalidade? A quantos ele já infectou? Quem já foi infectado pode voltar a padecer dele? Pode ele se tornar novamente ativo em uma mesma região? Em caso de retorno do vírus, a estratégia de combate será sempre a mesma? E uma perguntinha de fazer por telefone: dentre os medicamentos experimentados em países com grande número de pacientes, quais e com que dosagem respondem pelo maior número de bons resultados?

Tenho medo de que quando aparecerem com as respostas já seja tarde demais.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

14/04/2020

 

Vivemos numa época em que a negação de verdades é vista como um serviço à liberdade e evidência de sensatez. Pelo viés oposto, afirmá-las é dar sinais de prepotência intelectual. “Tudo é relativo!”, proclama-se, enquanto se anuncia que a experiência individual (individualismo) ou comunitária (coletivismo) são as únicas fontes de conhecimento. Não é preciso muito esforço para reconhecer o quanto as afirmações de tais fontes são variáveis e não verificáveis. Na prática, o que se produz por essa via é a grosseira valorização do palpite: “Aqui vocês (ou você) decidem legitimamente sobre tudo!”

Quem diz que tudo é relativo afirma o relativismo como uma verdade. Certo? No entanto, se tudo for relativo, também essa “verdade” será relativa e a própria frase destrói o que pretende ensinar, a menos que admitamos o relativismo como a única verdade não relativa.

Existe a verdade e existe o bem! E quem nega isso, ao contrário do que imagina, não presta serviço à liberdade. Quantos pais, ocupados com bem educar seus filhos ouvem deles: “Puxa, só aqui em casa as coisas são assim!”. Tal frase é, talvez, a primeira evidência que colherão de o quanto foi a sociedade invadida por conceitos destrutivos de seus próprios alicerces.

O historiador Paul Johnson, admirável autor de “Tempos Modernos, o mundo dos anos 20 aos 80”, discorrendo sobre a repercussão social do trabalho científico de Einstein, escreveu:

“O mundo está desconjuntado, como tristemente observara Hamlet”. Era como se o globo giratório tivesse sido tirado de seu eixo e lançado à deriva num universo que não mais comportava normas e medidas preestabelecidas. No princípio dos anos 20 surgiu a crença de que não mais havia quaisquer absolutos: de tempo e espaço, de bem e de mal, de conhecimento, sobretudo de valores. Erroneamente, a relatividade se confundiu com o relativismo, sem que nada pudesse evitá-lo.

Mais adiante, referindo-se ainda a Einstein, o autor registra o desalento do cientista ao perceber as consequências da teoria da relatividade na vida real das pessoas.

“[Einstein] viveu para presenciar a transformação do relativismo moral – para ele uma doença – em pandemia social, assim como para ver sua equação fatal dar à luz o conflito nuclear. Houve vezes, no final de sua vida, em que afirmou desejar ter sido apenas um relojoeiro.”

Ora, tanto a física de Newton, quanto a de Einstein e a de Max Plank eram válidas para os respectivos parâmetros, mas sair delas para armar barraca nos porões da dúvida sobre bem e mal, certo e errado, verdade e mentira é maltratar a ciência e torturar os cientistas. O mundo desconjuntado de Hamlet volta as costas a Deus, enquanto se preocupa com a natureza, com os animais e as plantas, e descuida absolutamente do ser humano e da sociedade, da cultura e da civilização.

Que sentido pode haver em orientar-se pelo terrível silêncio da matéria, relativizando tudo que de fato importa ao homem?

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/04/2020

 Existem vários Brasis. Nestes dias de covid-19, um deles está em confortável prisão domiciliar e acha o ministro Mandetta muito carismático. Outro mora na Rua da Amargura, num apinhado barracão de zinco, “pendurado no morro, pedindo socorro à cidade a seus pés”. E tem 600 merréis para viver até sabe Deus quando, doutor. Outro habita o setor público e sabe tudo de direitos e cláusulas pétreas arremessadas sobre o setor privado, produtor de todos os bens e serviços, gerador de quase todos os empregos, exaurido pagador de todos os custos e garantidor de todas as dívidas.

Em 1215, na Inglaterra, o rei João I, dito João Sem Terra, assinou com os barões um documento que ficou conhecido como Magna Carta, limitando o poder da realeza, especialmente seu poder de tributar. Surgia ali o óvulo fecundado, o zigoto da responsabilidade fiscal, que no Brasil tem sido, historicamente, fraudada, frustrada e vilipendiada em todos os níveis de governo. É neles, nesses níveis, que os parlamentos aprovam, minuciosamente, um a um, todos os privilégios que entornam o caldo da despesa pública. É também neles que prospera a fabulosa máquina da política e da administração, que em grande parte funciona para si mesma.

Quantos planos de recomposição de dívidas já testemunhei como cidadão e pagador de impostos? Quantos serviram apenas para alargar os horizontes de novos surtos de irresponsabilidade fiscal? Não se pode desprezar o peso desse fator cultural na operação da política brasileira. De uns anos para cá, inverteram-se os papéis cumpridos em oito séculos de história da Magna Carta. Alternam-se e altercam-se. Ora os reis, ora os parlamentos são pródigos, gastadores, perdulários. É deles o pé de cabra que arromba o erário em plena luz do dia, sob as vistas da mídia que hoje só tem olhos para escanear e sacanear o presidente Bolsonaro.

O PLP 149/2019, chamado Plano Mansueto, foi mais um desses planos de saneamento de estados e municípios, que poderiam refazer suas dívidas, condicionados a iniciativas de cunho liberal que reduzissem o peso da máquina pública. Venda de estatais, contenção da despesa de pessoal no limite máximo de 51% da receita, etc. compunham a parte principal das condições exigidas pelo PLP.

Aí, mais uma vez, o Congresso Nacional, precisamente a Câmara dos Deputados, mete o pé de cabra legislativo e arromba o Tesouro Nacional, elaborando um substitutivo que, de carona no “corona”, transforma o projeto num imenso donativo federal. O projeto permite que governadores e prefeitos joguem, incondicionalmente, suas dívidas históricas no colo da União, acomodam seu fluxo de caixa como se não houvesse covid-19, nem recessão, enquanto os deputados garantem o sorriso agradecido de seus prefeitos e governadores.

E a União? Ora, quem se importa com o Brasil? Mete o pé de cabra, arromba o Tesouro e bota o estrago na conta do Bolsonaro, porque bons, mesmo, são o Maia e o Alcolumbre. Não é mesmo, senhores da grande imprensa?

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.