• Percival Puggina
  • 17/04/2020
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O GENOCÍDIO DAS ESPERANÇAS

 

 Querem me convencer de que nunca foi tão fácil tomar decisões! Bastaria dobrar os joelhos às explicitações dadas em nome da Ciência. É como se a realidade subisse numa barrica e exclamasse: “Não percam meu tempo nem queimem seus neurônios, perguntem aos cientistas!”. Em tempos de Covid-19, esse brado cruza oceanos, percorre vales, sobe montanhas, desce rios, toma cafezinho na sala de espera, pede vaga nos gabinetes. Auguste Comte – quem diria? – renasceu na sala de redação.

 Tenho lido que, com o avanço da pandemia, alguns casos graves obrigarão os médicos a fazer a escolha de Sofia, ou seja, a optar por uma entre duas soluções dramáticas, descartando idosos para preservar a vida dos mais jovens por falta de condições para hospitalização e cuidados. A ciência estaria a recomendar o isolamento horizontal como forma de diminuir a demanda sobre o sistema de saúde, “achatando a curva”, no ilustrado dizer dos peritos.

No entanto, Sofia fez há mais tempo suas escolhas. E note-se, escolhas festejadas por muitos que agora criticam a falta de imensos recursos desviados ou roubados. Refiro-me às obras supérfluas, como os vistosos coliseus da Copa do Mundo e à sangria a que a corrupção submeteu empresas estatais como a Petrobras; refiro-me ao custeio de privilégios e abusos e à aplicação de recursos públicos para financiar partidos e campanhas eleitorais. A cada ocasião dessas, Sofia fazia sua escolha de modo festivo e condenava muitos à morte nos corredores do SUS.

  Onde estavam, nessas horas, os que agora fazem perguntas espertas em entrevistas coletivas?

Qual o objetivo das medidas de segurança sanitária que vêm sendo adotadas no país? Respondo: evitar a expansão da contaminação, “achatar a curva” para descongestionar o atendimento, proteger a saúde de todos e preservar a vida de muitos. Ninguém duvida de que o isolamento horizontal, completo, absoluto, dá um para-te quieto no vírus. Que vá morrer de inanição, o desgraçado! É a escolha de muitas autoridades locais e regionais, subitamente investidas de um poder tirano. Alegando a proteção à vida e valendo-se do medo da população, obrigam todos a fechar a porta e passar a tranca. Há cidades onde quem botar o nariz na rua vai à força falar com o delegado.

Minha pouca ciência me diz que esse tipo de isolamento, dito lockout, não é possível. Para as pessoas ficarem em casa é indispensável que as regras de isolamento não valham para todos. Minha pouca ciência me diz que, mantida a situação atual por uns poucos meses, afundaremos na mais profunda e extensa recessão da história. Causaremos o genocídio das esperanças, dos postos de trabalho, dos famintos sem renda nem alimento que estaremos produzindo aos milhões. Prevenir essa situação também é conduta humana virtuosa.

A receita do ex-ministro Mandetta – foco, disciplina e ciência – tem, na ciência, um longo questionário de perguntas não respondidas. Ao dizer isso estou valorizando ainda mais o precioso, louvável e heroico trabalho desenvolvido pelos profissionais da Saúde, contando com as poucas armas que lhes são disponibilizadas, inclusive pela ciência. Com efeito, ao buscarmos respostas para perguntas essenciais sobre esse vírus, sobrevêm inquietantes incertezas. Qual a sua letalidade? A quantos ele já infectou? Quem já foi infectado pode voltar a padecer dele? Pode ele se tornar novamente ativo em uma mesma região? Em caso de retorno do vírus, a estratégia de combate será sempre a mesma? E uma perguntinha de fazer por telefone: dentre os medicamentos experimentados em países com grande número de pacientes, quais e com que dosagem respondem pelo maior número de bons resultados?

Tenho medo de que quando aparecerem com as respostas já seja tarde demais.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


marco -   20/04/2020 14:45:01

Lembrando. Nosso Supremo já definiu qual é a posição da "ciência".

cloe -   20/04/2020 13:27:18

Bom dia; que esta semana nos traga esperança. Como sempre os artigos que publicas, sempre inteligentes. Sabes que sou tua fã de cadeirinha. Fazendo minha parte, recolhida mas lamentando os acontecimentos. Quisera ser mais jovem para contribuir ativamente. Parabéns. Que muitos leitores tenham discernimento e inteligência. Feliz semana e ótimo feriado. abçs

Dalton Catunda Rocha -   18/04/2020 18:19:36

Para quem não sabe, Bolsonaro teve coronavírus. E para quem não sabe, quem tem coornavírus pode sair dele, completamente doido. Ver site: https://istoe.com.br/o-coronavirus-tambem-pode-afetar-o-cerebro/

ODILON ROCHA -   18/04/2020 15:21:54

Caro Professor Na mosca, as suas excepcionais perguntas. É o que eu venho dizendo, desde o início; onde estão as perguntas certas? Por favor, as envie ao novo Ministro! Em tempo: as janelas e portas das residências tem proteção contra o maldito vírus?

Rubia Cristina Benini -   18/04/2020 09:40:03

Me sinto como BRASILEIRA sem proteçao nenhuma!

Nivaldo Presalino -   18/04/2020 01:22:48

Excelente artigo, como sempre, professor. Gostaria de deixar apenas três citações direcionadas, quais sejam: Para os membros do Congresso Nacional e STF, principalmente: "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus." - John Dalberg Para alguns governadores e prefeitos, principalmente: "De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto." - Rui Barbosa Para alguns cientistas e infectologistas de plantão (nem sabia que o Brasil tinha tantos infectologistas, e não conseguimos acabar com a dengue, zika, malária, tuberculose, etc), principalmente: "Cuidado com os falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores." (Mateus 7:15).

LUIZ R. VILELA -   17/04/2020 21:56:51

Dizem que a esperança é a última que morre. Também é dito que nada é mais comprido que a esperança de pobre. Agora se este pobre também tiver tido a desventura de ter nascido neste Brasil, que agora esta sob tutela ditatorial de alguns governadores de estados, ai esta completamente desesperançado. Se ficar, o corona vírus come, mas se correr o covid 19 pega. A situação esta verdadeiramente insustentável, morre do vírus ou de fome, até porque a grande maioria da população não recebe salário de governador, sequer tem cartão corporativo, como as autoridades e muito menos crédito para comprar fiado ou pegar empréstimos bancários. A situação esta para lá de complicada. A nossa comunicação social, argentária por natureza, embora atualmente seja aliada da ideologia de esquerda, prega a queda de quem lhes cortou os rendimentos, tornou-se aquilo que o folclórico prefeito Odorico Paraguaçu chamava de "marronzista", porque ao contrário do ex ministro Rubem Ricúpero, que escondia o que era ruim, e só divulgava o que era bom, a nossa "comunicação social", só divulga a desgraça, até porque o que dá IBOPE é a tempestade e não a bonança. Este isolamento horizontal, além de fazer crescer a pobreza por falta de trabalho, ainda estimulará o crescimento demográfico, afinal pobre sem dinheiro para comprar comida, não terá como comprar anti -conceptivo ou preservativo. A população deverá aumentar. Bolsonaro já esta escalado para ser o bode expiatório, pelo que de ruim acontecer.

Menelau Santos -   17/04/2020 20:52:46

Ótimo artigo Professor. Nem isolamento vertical, nem horizontal. Eu quero mesmo é o isolamento do Jornal Nacional.

Luiz A. Simões -   17/04/2020 18:18:09

Medicina é uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade"

Vanderlei Zanetti -   17/04/2020 17:10:35

Se hoje ultrapassamos aos 76 anos de expectativa de vida é graças ao capitalismo e aos GIGANTESCOS investimentos feitos no último século, nas áreas da medicina e saúde. E de onde vem o dinheiro para a medicina e saúde? Vem da riqueza da economia. Portanto, cada dia que passa, aqui em Sampa, com a já prolongada quarentena até o dia 10 de maio, dia das mães, nossas riquezas econômicas, sem nenhuma dúvida, também irão dia a dia se deteriorando.

Rodrigo -   17/04/2020 14:36:44

Exatamente peo fato de termos respostas, de não termos tempo até que se produza repostas robustas com grande chance de acerto, é que devemos agir com precaução. Precisamos buscar pelas assimetrias nos desfechos e evitar o pior cenário. Por exemplo: qual o risco de não se fazer nada, de se fazer um pouco e de se fazer o lockout? Diante destes cenários, vê-se qual é o mais catastrófico e busquemos evitá-lo até que tenhamos maior conhecimento e ajamos de acordo. Mais ou menos o que está sendo feito.

Jorge Schwerz -   17/04/2020 14:15:20

Parabéns pelo artigo Puggina! Há muitas perguntas que a ciência não respondeu, mas os obtusos se prendem às respostas rasas por ser mais fácil e de grande uso para os políticos oportunistas...Será que algum desses explicou o porquê que em todos os países que fizeram o "lockdown" os casos explodiram em dias e semanas depois?

Anatolio -   17/04/2020 13:32:45

Mestre arquiteto das palavras matou a pau os detratores e inconsequente s detratores da boa razão.adiante com vv. Lúcidos esclarecimentos...

Luiz Carlos de Azevedo -   17/04/2020 13:26:56

A sua lucidez é a minha lucidez ainda que sem a cultura acadêmica que você carrega e mesmo com meus 76 anos. O que me impressiona é observar que a maioria das pessoas, adolescentes, jovens, adultos, maduros e idosos não consegue ter uma opinião, mìnimamente, racional indo atrás da primeira asneira que ouvem para, logo em seguida, abandonar aquela por outra recém exposta e, pior, ambas tão absurdas quanto as que se seguirão só porque fulano ou sicrano é o "filósofo" do momento na mídia. No "brasil"menor temos três destes, pródigos em frases de efeito e citações do tamanho de seus egos mas que trocadas por "aquilo" valem menos ! Uma ótima sexta-feira à você!