Percival Puggina

20/06/2022

 

Percival Puggina

 

A providência legislativa barrando a linguagem neutra nas escolas de Porto Alegre fazia-se mais do que necessária. Era uma questão de respeito à lei, aos colegiais e à tarefa de educá-los. Ninguém nega o direito de cada um “militar” nas causas em que crê. Mas Educação é coisa séria e o educando demanda responsabilidade de quem se propõe a fazê-lo sendo pago para isso.

A linguagem de gênero não é uma forma de comunicação moderninha nem um suposto avanço na dinâmica da linguagem como astutamente afirmam aqueles que a pretendem difundir. Longe de ser um fim em si mesma, ela introduz de modo prematuro e prejudicial a temática da ideologia de gênero nas escolas. Foi pensada como uma gazua estratégica para abrir o ferrolho estabelecido nas incontáveis vedações legislativas a essa ideologia nos três níveis de organização da Federação.

Não posso escrever sobre o assunto sem dizer que percebo a forma insidiosa como certas seitas políticas vão capturando fieis e fazendo cabeças, mesmo que, para profaná-las, seja preciso usar o privilegiado espaço das salas de aula durante inteiros anos letivos. As consequências são visíveis nos deprimentes resultados do nosso sistema de ensino e nos espaços em que tais seitas “militam”. Enquanto as estatísticas reafirmam isso em frequência anualizada, os pais o constatam nos problemas que estão enfrentando.

Na última sexta-feira, foi publicada no Diário Oficial a sanção do prefeito da capital gaúcha ao projeto que proíbe a linguagem neutra nas escolas e na comunicação da municipalidade.

O projeto tem a autoria dos vereadores, Fernanda Barth (PSC), Hamilton Sossmeier (PTB), Alexandre Bobadra (PL), Nádia Gerhard (PP), Ramiro Rosário (PSDB) e Tanise Sabino (PTB), Jessé Sangalli (Cidadania). Meu aplauso à maioria da Câmara Municipal, aos autores do projeto e ao prefeito.

É óbvio que os militantes não desistirão. Eles jamais desistem e é por isso que avançam em seus intentos valendo-se da passividade natural das famílias e das instituições.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

18/06/2022

 

Percival Puggina

 

         Na noite da última quarta-feira, quando o TSE anunciou o resultado da partilha dos R$ 4,96 bilhões destinados ao financiamento das campanhas eleitorais por ato legislativo que derrubou veto presidencial, me sobreveio justa indignação. Aquela dinheirama cortava pernas e asas da democracia.

É sabido que, com raras e louváveis exceções, detentores de mandato não votam contra o próprio interesse. É para redução de riscos pessoais que não votam o fim do foro privilegiado nem a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Normal é a ampliação dos próprios benefícios. Mantêm o milionário privilégio das emendas parlamentares para jogar o dinheiro vivo – e sofrido – de nossos impostos nos seus nichos eleitorais. A título de apoio à sua atividade pública, povoam os gabinetes com cabos eleitorais em permanente campanha pela reeleição. Não implementam o voto distrital nem adotam qualquer melhoria que possa colocar em risco a estabilidade de um sistema tão conveniente.

A esse abastecido e sempre atualizado cardápio, acresceu-se, a partir de 2015, a comodidade do financiamento público das campanhas eleitorais cujo fundão rapidamente evoluiu para a bolada acima referida. Quem vai mudar isso, por mais que a sociedade o deseje?

Ademais, surge a pergunta que poucos fazem: como é distribuído esse dinheiro dentro dos partidos? Imagine o poder que vai para as mãos do colegiado ao qual a tarefa esteja atribuída! É certo, e a experiência já comprovou, que há elevada discricionariedade nessa distribuição, constituindo-se tal poder em uma espécie de canga aplicada sobre as bancadas.

O produto final de toda essa artimanha é um ataque frontal ao natural desejo de renovação nos parlamentos, algo tão especialmente importante nas eleições de outubro. Se a democracia serve para expressar a vontade social, a nossa está desenhada para frustrar, para fraudar esse desejo. As ações e omissões de nossos congressistas, bem como sua surdez à voz das ruas, derivam das fornidas bases sobre as quais, ao longo de um inteiro quadriênio, operam em favor de suas reeleições.

É claro que pelo sistema anterior, com financiamento privado e teto de gastos, jamais o setor privado iria colocar quase R$ 5 bilhões nas mãos de candidatos e partidos. O resultado viria com campanhas mais modestas, que exigiriam mais trabalho prévio, maior sintonia com a opinião pública e com a voz das ruas. Esse sistema que escandalizou a nação na noite da última quarta-feira foi concebido e imposto pelos 11 gênios, os sábios da pátria, os tutores da sociedade, os devotos de uma democracia irreconhecível e de um Estado de Direito que se empenham em desestabilizar.

Sim, leitor, você tem razão. O que descrevi acima aumenta nossa responsabilidade, convoca nosso melhor discernimento, recruta nossa cidadania, suplica por nosso trabalho para eleger ou reeleger os melhores parlamentares. Sem estes, em número suficiente, não ocorrerão reformas que façam viger a vontade social que os atuais Congresso e STF, conjugando fantasmas fictícios e interesses reais, e agindo contra a democracia, trataram de obstar no quadriênio que se encaminha para o final.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

16/06/2022

Percival Puggina

 

         Com atraso mínimo de três anos, já bem andado o calendário de 2022, o Globo do dia 15 deste mês de junho publica editorial apontando alguns dos abusos de poder e tropelias que têm sido, nos últimos anos, marcas registradas pelo Supremo Tribunal Federal nos anais da História. São pegadas, digitais e material genético ali depositados pelos ministros de FHC, Lula, Dilma e Temer.

Pois foi nesse material já mofado que O Globo, como quem vê recorte de jornal velho, resolveu dar uma olhada. Sobre o ativismo, erros, demasias que ali se acumulam nada tem sido dito naquele espaço abençoado pelo ministro Alexandre de Moraes com o nome de “mídia tradicional”. Ao mesmo tempo, na liberdade das combatidas e cerceadas redes sociais, centenas, milhares, de criteriosos analistas vêm apontando ao longo dos anos males e malefícios que agora, e só agora, merecem a atenção do jornal.  

Em todo o Grupo Globo, repórteres, comentaristas, articulistas, âncoras têm feito uso de poderosos recursos de comunicação para ratificar a inocência, a correção e o serviço prestado por essa herança legada, ou sequela deixada no Supremo pela sucessão de governos de esquerda que comandou o país entre os 1994 e 2018. Os espaços de jornalismo do Grupo, quando se trata de ativismo e abusos praticados por ministros do STF – sempre contra a direita, o governo Bolsonaro e seus apoiadores – vai ouvir os “peritos” da advocacia chique do grupo Prerrogativas (“Prerrô” para os íntimos), dos Juízes para a Democracia, de ex-ministros petistas do STF e de ativistas de outros coletivos com igual perfil.

Totalmente inesperado, embora positivo, que assim, no clarão de um relâmpago, o editorial de O Globo reconheça como “insidiosa” (enganadora, traiçoeira, pérfida) a politização do STF. Surpreende que aponte como “sem cabimento” a concessão de prazo para o presidente tomar providências nas buscas pelos desaparecidos na Amazônia e registre as dificuldades do ministro Fachin em se desvencilhar da encrenca que sua retórica provocadora arrumou com os militares em torno das urnas eletrônicas.

“Não é de hoje que o Supremo invade competências de outros poderes” admite o editorial, transcrevendo opinião do jurista Gustavo Binenbojm, para quem “o STF brasileiro, ao lado do colombiano e sul-africano, está entre os mais ativistas do mundo”.

A recortagem de notícias velhas vai adiante lembrando a prisão do deputado Daniel Silveira, os inquéritos das fake news e dos atos “antidemocráticos”, a criação de crime sem lei federal ao equiparar homofobia ao racismo. A lista real é muito, muito mais extensa, mas o editorial é um sinal de reconhecimento à atividade de tantos que, como eu, apontaram cada um desses abusos e responsabilizaram o Grupo Globo por seu apoio explícito ou silencioso consentimento à politização do Supremo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

14/06/2022

Percival Puggina

 

           Enquanto os dias escoam para o mês de outubro, olho para o Senado e percebo que o Senado não olha para mim. Nem para você, leitor. O Senado olha para os senadores e estes só atentam para si mesmos. Com a mais generosa boa vontade, entre os 81, as exceções a esse quadro egocêntrico não chegam a vinte.

Eis uma das grandes missões da ação política em favor do Brasil ao longo deste ano eleitoral. Vinte e sete senadores serão escolhidos pelos eleitores no primeiro domingo de outubro. Cada estado deve passar um pente fino na atuação dos que se apresentarem buscando renovar os mandatos. É preciso conhecer e tornar conhecidas, entre outras, as respectivas posições em relação ao pacote anticrime, à CPI da Lava Toga, à CPI da Covid, à prisão após condenação em segunda instância e à governabilidade do país.

A rigor, toda a insegurança jurídica causada por excessos monocráticos e colegiados do STF, apontados por Marco Aurélio Mello quando ministro, podem ser atribuídos ao desequilíbrio causado pelas décadas em que coube à esquerda política (mais precisamente a José Dirceu) apontar ao Senado os ocupantes dessas cadeiras. Agora, é o que temos, um poder de estado fazendo política sem voto.

Para o Senado porém, diferentemente do Supremo, a vida segue outro curso. Nossa Câmara Alta é um poder cujos membros se submetem à manifestação periódica de seus eleitores. Então, em outubro, sela-se o destino de 27 senadores. Salvem-se os raros bons e renovação já! Os restantes 54 entram na contagem regressiva para 2026. Também a estes deve ir o recado dos cidadãos de seus Estados. É a hora da cobrança, da revisão de vida, do respeito ao eleitor, da transparência das condutas. Hora de compreender que dirigir é servir.

Vale o mesmo para a Câmara dos Deputados. Antes de reeleger alguém, informe-se sobre como esse seu representante votou na autorização para o processo contra o deputado Daniel Silveira, como se posicionou (ou não!) sobre o voto impresso, o fim do foro privilegiado (que o Senado aprovou por unanimidade na legislatura anterior, ciente de que a Câmara jamais aprovaria aquela PEC). Maliciosamente, os senadores de então sabiam que o interesse próprio dos deputados prevaleceria e a matéria jamais iria à votação. Assim, salvaram-se todos, senadores e deputados, para os arquivos mortos da impunidade e da prescrição. Procure saber o que pensa seu candidato sobre reformas institucionais que limitem os ensaios tirânicos e o uso do poder de Estado como arma de guerra cultural e política.

Durante décadas, os construtores de narrativas foram muito bem sucedidos. Especialmente no tempo das velhas “cartilhas”. Os ativistas de esquerda eram nacional e uniformemente abastecidos de construções retóricas, esfarrapadas desculpas e grotescas acusações que, reiteradas além dos limites da náusea, tinham, pela repetição, aquele indigesto e conhecido poder de convencimento estudado por Goebbels. Pois esse tempo acabou, rápido e a muito baixo custo com as antagonizadas redes sociais. Os dias escoam em direção ao mês de outubro.

*        Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

10/06/2022

 

Percival Puggina

 

         Volta e meia essa pergunta se apresenta à minha mente quando escolho certos assuntos... É incerto o espaço de liberdade de que dispomos. Há autoridades que não convém contrariar. Elas estão convencidas de que, assim, protegem o Brasil de autoridades que não convém contrariar.

         1. A sociedade e a confiança nas urnas eletrônicas como elas são hoje.

Tenho diante dos olhos a pesquisa Datafolha, conforme publicada pelo site G1 (27/05) a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas. O resultado da pesquisa, apresentada sob o título “73% dos brasileiros confiam na urna eletrônica”, é arrasador: 42% confiam muito, 31% confiam pouco, 24% não confiam e 2% não sabem. A malandragem da informação está em relação ao lado para onde é contado o termo médio. Pelo viés oposto ao adotado, a manchete seria “55% dos brasileiros não confiam na urna eletrônica!”.

Confiar pouco na urna eletrônica é não confiar; confiar pouco na fidelidade da esposa é não confiar; confiar pouco em determinada empresa é caminho para o encerramento de suas atividades; confiar pouco num senador é certeza de voto em seu adversário; confiar pouco na urna eletrônica é sinal de pouca confiança.

Então, eu redigiria assim o título da matéria sobre a referida pesquisa (Datafolha, note-se bem): “Apenas 41% dos eleitores brasileiros confiam na urna eletrônica tanto quanto os ministros do STF”. Ainda que desconhecêssemos o significado real do termo médio, é importante observar que os 24% que confiam nadinha nos aparelhos atuais, representam 36 milhões de eleitores que irão às urnas.  

Devido a esse sentimento, diferente do que o STF expressa, sucessivas legislaturas têm aprovado projetos de urnas com impressoras que o STF derruba, direta ou indiretamente (como Roberto Barroso fez no ano passado).

         2. Voto é coisa que se conta.

Nelson Rodrigues diria que a frase acima é o “óbvio ululante”. Ela foi reiterada ontem pelo presidente ao afirmar a uma repórter que o contestara dizendo não haver prova de fraude nas eleições nacionais: “Não se pode provar o que não se pode auditar”, ou seja, não se pode contar. A auditoria em determinado percentual de urnas aleatoriamente escolhidas seria suficiente para mudar por inteiro a confiabilidade do processo de apuração e apaziguar o ambiente institucional do país.

         3. O que não falta nesse tema são agravantes.

Ao contrário do que o bom senso recomenda na voz das ruas e das praças, a insegurança em relação aos processos de nossa democracia se agrava com a imposição de silêncio sobre o tema. Se agrava com a ativa instrumentalização do inquérito das fake news. Se agrava com a conduta antagônica de pelo menos nove ministros do STF que não ocultam seu desejo de ver pelas costas o presidente da República. Se agrava, por fim, quando a condução do processo eleitoral é confiada ao mais iracundo ministro, indisfarçável inimigo pessoal do presidente.  

         4. Tudo que começa errado desencadeia erros em cascata.

É o caso. Todas as tentativas de estabilizar o que foi sendo teimosamente desestabilizado não fizeram mais do que ampliar a incerteza, a insegurança e a instabilidade.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/06/2022

Percival Puggina

 

O interlocutor me advertiu: “Não gosto de política!”.  Mais ou menos como se dissesse "prefiro hip hop", "prefiro sorvete", "prefiro namorar". Eu também não gosto, respondi; aliás, detesto ter que viver sob o modelo institucional e a política que temos. Convenhamos, gostar disso, gostar mesmo, a ponto de o preferir a tantas delícias da vida é até sinal de mau gosto.

A política, porém, não perde sua importância em função de nossos agrados e desagrados. Ela vai influenciar nossa vida desde a qualidade da Educação até a sobrevivência na aposentadoria. Desde a concepção com ou sem aborto até a morte com ou sem direitos testamentários. É para lutar contra as deformidades que ensombrecem o céu da pátria que acordo todo dia de manhã, não raro após algumas horas de inquietude e insônia.

Nós temos, no Brasil, muitos maus hábitos. Um deles, com severos reflexos na política, é o de cair de pau nos problemas e fazer cafuné naquilo que os causa. Condenamos o que está errado e concedemos alvará de soltura para o que dá causa ao erro.

Está tudo errado. Mas não mexe. Morte às consequências! Longa vida às causas! “Vou desreformar tudo que foi reformado!” anuncia um ex-presidiário como plano de governo. Quando alguém sustenta a necessidade de promover mudanças para corrigir os erros, imediatamente as fisionomias exibem sinais de surpresa: de onde é que você tirou essa ideia? Nossas instituições são boas, dizem, só falta fazer com que elas funcionem. 

Nessa crença tola, muitos fazem desavisadas genuflexões e reverências perante aberrações cotidianas cometidas pelos poderes de Estado. É nessa crença tola ou nessa desinformação, que tantos se deixam manipular por certos detentores de poder, indivíduos que jamais seriam convidados para jantar com a família de quem os conhecesse.

Em 2010, lancei meu livro “Pombas e Gaviões” com uma advertência de capa: “Os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal intencionados”. Os ingênuos apontam os problemas e não se preocupam de corrigir o que lhes dá causa. Ficam no sofá. São as pombas. Os mal intencionados conhecem as causas e se beneficiam da ingenuidade dos ingênuos. São os gaviões.

Pela ingenuidade de tantos e pela malícia de uns poucos, o ex-presidiário é candidato a presidente da República. Por isso, e só por isso, os gaviões do Senado e do STF vendem o privilégio da mútua tolerância com o rótulo dourado de “harmonia entre os poderes”, paga pelas pombas.

Permaneceremos encalhados nas arapucas do século XX? A decisão estará nas mãos dos eleitores de outubro. Estou convencido, porém, de ser preciso ouvir o cívico e irresistível rugir das ruas, antes de ouvirmos o rugir das urnas.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/06/2022

Percival Puggina

 

Mito é um produto de imaginação, partilhado por uma cultura ou por uma sociedade, ao qual estão atribuídos certos significados, poderes, expressões de caráter, etc. Muitos eleitores de Bolsonaro o saúdam efusivamente proclamando “Mito, mito, mito!”.

Ainda que em nosso presidencialismo e nas tensões que marcam a relação do governo com o Congresso e com o STF os “poderes míticos” de Bolsonaro estejam condicionados à dureza dessas refregas, a aclamação tem forte apelo político e eleitoral. Isso é bom ao confronto assinalado para o mês de outubro.

A persistente observação da conduta adotada pela maioria dos ministros do STF acabou por tornar evidente para mim que também essa maioria vê Bolsonaro como um ser mitológico. Pessoas como Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Edson Fachin, não saem às ruas dizendo mito, mito, mito. No entanto, ao escalá-lo como inimigo preferencial, atribuem a ele construtos de sua própria imaginação. Projetam nele seus fantasmas. Para os ministros, o presidente é uma espécie de Coringa, num filme em que cada um se vê como Batman.

A vida me ensinou que posso muito bem avaliar o caráter de alguém conhecendo seus amigos e seus inimigos. Queiramos ou não, entre estas paixões humanas – amizades e inimizades – nosso caráter se desnuda por inteiro. A porta que assim se abre faz parte da sabedoria universal, expressa no conhecido “Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Sabem os pais, ensinam-no aos filhos, têm consciência disso os cidadãos.

O fato de alguns ministros revelarem sua malquerença e sua inimizade da forma como fazem, ultrapassando os limites da sensatez, é um enorme erro estratégico!  Ninguém valoriza mais seu inimigo do que aquele que faz de sua destruição o sentido de seu agir.

No momento em que um indivíduo investido em poder, ou o colegiado de um poder de Estado torna notória sua inimizade, imediatamente é acionado no observador, no cidadão, no eleitor, o mecanismo de comparação: “Quem são os amigos desses que revelam sua inimizade ao presidente da República? Com quem eles confraternizam?”. É exatamente o que, de modo simétrico, fazem os inimigos do presidente, combatentes entrincheirados em um poder que deveria ser neutro, quando se referem aos eleitores de Bolsonaro como malfazeja horda.

Eles precisam ver assim as famílias que saem às ruas e praças, rezando, cantando o hino nacional e expondo suas convicções enquanto agitam com orgulho bandeiras do Brasil.

Os inimigos do presidente, ao coibi-los, confrontá-los, desqualificá-los, prestam-lhe inestimáveis serviços.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

04/06/2022

Percival Puggina

 

No ano de 2001, aconteceu em Porto Alegre, a primeira edição do Fórum Social Mundial (FSM). Fui observador atento daqueles eventos. A capital gaúcha era, então, laranja de amostra para o esquerdismo mundial. O PT administrava a cidade desde 1989 e, pela primeira vez na historia do partido, governava o Rio Grande do Sul. A esquerda dava as cartas, jogava de mão e a conta da tragédia está até hoje pendurada no prego dos juros e da correção monetária.

Era natural que o FSM viesse para cá. Em nenhuma outra parte do mundo, em tempos de democracia, a esquerda raiz era tão bem sucedida eleitoralmente. Em nenhum outro lugar, tampouco, os organizadores disporiam de tanto acesso a facilidades e recursos públicos para organizar os eventos que se reproduziram na cidade ainda nos dois anos seguintes.

O FSM nasceu por contraposição ao World Economic Forum, conhecido como Fórum de Davos, que já havia 30 anos reunia lideranças políticas, especialistas em questões mundiais, grandes empresários e investidores para debater sobre os problemas do mundo.

Um dos momentos mais entusiasmados do primeiro FSM – lembro-me bem porque escrevi sobre ele – foi o debate travado ao vivo entre os dois fóruns que transcorriam simultaneamente. A argentina Hebe de Bonafini (falando pelas mães da Plaza de Mayo) levou seu auditório ao delírio enquanto acusava o grupo de Davos de ser responsável por todas as mortes de crianças ocorridas no mundo. Em suas palavras, os personagens de Davos eram hipócritas, arrogantes, monstros com cabeça, barriga e sem coração.

Por isso, conhecendo a História, impactaram-me de modo muito especial as palavras do amigo economista Alex Pipkin publicadas no grupo Pensar +, do qual ambos fazemos parte. Referindo-se a Klaus Schwab, no livro A Quarta Revolução Industrial, observa Alex:  

Esse senhor, criador do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, deixou transparente sua face e suas - medonhas - ideias.

Ele parece ser mais um intelectual interessado, regurgitando “boas intenções” na direção de salvar o mundo, numa transa sinistra entre governos e empresas, e em que empresas têm obrigações para com a sociedade, para muito além de ofertar produtos e serviços que resolvam melhor as necessidades dos consumidores e, portanto, os satisfaçam.

Claro que ele aspira, juntamente com burocratas estatais e líderes corporativistas, um Estado inchado e intervencionista, que consequentemente ceifa liberdades e direitos individuais dos cidadãos. Talvez por isso, aparenta que a relevância e o impacto do Fórum Econômico Mundial cresçam como rabo de cavalo. Aliás, é o palco adequado para celebridades e artistas que, mais uma vez, frequentam Davos.

Onde foram parar as ideias de liberdade econômica, de produtividade, de inovações, de interconectividade global, de espírito empreendedor, de desburocratizações…, enfim? Parece que a discussão desses tópicos da realidade empresarial de sempre, tornaram-se secundários para os “temas momentosos” que agradam a agenda política de burocratas e intelectuais. Não surpreende que o foco na cidade de neve, esteja nos quentíssimos ESG, diversidade e inclusão, e mudanças climáticas.

Vendo esse “mundo novo”, acho que li os livros errados, em que a grande maioria de estudiosos recomendava, para ser sucinto, que o Estado deveria sair do caminho e atrapalhar o menos possível as pessoas e as empresas.

Posto de outra forma, o intervencionismo governamental é a receita para a catástrofe econômica e social. Isso mesmo, social.

Agora, que viram o filme, me digam: o fato de a turma de Davos e a esquerda mundial puxarem para o mesmo lado dá ideia de que o mundo está ficando louco? Pois saibam que não. É algo muito pior do que isso. É  o esquema de poder da Nova Ordem Mundial, em pleno curso.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

03/06/2022

 

Percival Puggina

  

      Afinal, a quanta liberdade, segurança e dinheiro você pretende renunciar? No meu caso, zero. Não tenho vocação para vassalo. Por isso, reconheço a importância da política e de uma boa democracia. É questão de prudência.

No Brasil, as pessoas que mais falam em democracia parecem desconhecer um fato muito simples: o maior avanço em favor da democracia nos países livres aconteceu com o advento das redes sociais, possibilitando aos cidadãos um debate político com autonomia. O eixo do debate se descolou da mediação, quando não, da regência ou da “editoria” promovida pelos poderes de Estado e pela velha mídia. Que maravilha! Graças às redes sociais, as pessoas podem debater livremente, gerar opinião e se confrontar cotidianamente com o contraditório. Não surpreende, embora cause um justo mal estar, saber que aqueles cuja influência amorteceu demonstrem grande interesse em silenciá-las. Silenciá-las é silenciar-nos.

A essência de uma boa democracia não é o voto popular, ainda que ele seja indispensável. O voto é o meio (instrumento) para alcançar o objetivo (representatividade). Uma boa democracia exige correta representatividade e o mais amplo consenso possível sobre um conjunto de valores morais. Por ser a sede da representação popular em sua pluralidade, o parlamento é o coração do poder político. Essa atribuição não pode ser exercida por um poder sem voto, portanto, sem representatividade!

Por outro lado, a adesão majoritária a um núcleo de valores morais é indispensável a uma boa democracia pelo simples motivo de que não há democracia possível numa sociedade de canalhas, patifes, oportunistas, ladrões, corruptos e seus corruptores etc.

Estamos carentes nos dois aspectos essenciais de uma boa democracia. A representatividade que se obtém com o sistema proporcional de eleição parlamentar é falha e cumpre função oposta à que deveria: afasta o representante do representado, em benefício daquele e prejuízo deste. Todos os parlamentares que usam seus mandatos em benefício próprio, como alvará para operação de interesses privados – e não são poucos – têm grande estima por esse sistema. Nos seus círculos de convivência ninguém lhes cobra coisa alguma pelo que fazem ou deixam de fazer, contanto que se sintam atendidos em seus próprios interesses privados. Cidadania, porém, é outra coisa.

Quem passa uma tarde de votação na Câmara dos Deputados aprende para sempre o quanto o parlamentar é “dono” da representação e vota como bem entende ou lhe convém. Custeamos os 40 ministérios que o governo Lula rateou aos 11 partidos de sua base... Felizmente, ela não é melhor do que ele e o acompanha apenas quando o dindim aparece. Mas não é disso que precisamos. Estaremos muito melhor quando tivermos uma efetiva representação política e uma sociedade que compartilhe um bom conjunto de valores morais, capaz de discernir o bem do mal, o certo do errado, o justo do injusto.

Com isso, estou dizendo que todo bom cidadão deveria participar da vida política, minimamente como um eleitor esclarecido, e deveria, simultaneamente, ser um “guerreiro do bem” na guerra cultural em curso no Ocidente cristão.

A grande maioria de nossos congressistas, quando vão “às bases”, só conversam com companheiros, cabos eleitorais, pessoas que lhes devem ou que deles esperam favores, autoridades locais gratificadas por emendas parlamentares que lhes proporcionaram dividendo político, etc. O cidadão comum, que quer bandido preso, que não quer inflação, que deseja menos impostos, que quer liberdade de opinião, que percebe abusos de autoridade, que rejeita injustiças e assim por diante, não tem como nem a quem reclamar. Fica com seus protestos presos na garganta e vai ao “grande plenário” das redes sociais. Aí aparece alguém para silenciá-lo, tratá-lo e puni-lo como extremista.

Qual a solução? A solução é a adoção do voto distrital, tema de que a imensa maioria dos congressistas não quer nem ouvir falar. Com o território dos estados divididos em distritos e com cada distrito escolhendo um representante em eleição majoritária, esse parlamentar representa todos os cidadãos do distrito. Todos sabem quem é o seu representante e têm o direito de abordá-lo, cobrar dele as atitudes que toma ou não toma, os votos que dá ou não dá. E ele não tem como buscar votos fora do distrito, posto que só lhe servem os votos dos eleitores da circunscrição que o elegeu num pleito análogo ao do prefeito.

Assim como um prefeito não pode descartar um cidadão que não votou nele, posto que é prefeito de todos os munícipes, o parlamentar de um distrito é deputado de todos os cidadãos de seu distrito. O efeito sobre a representação (essência da democracia) é transformador em relação aos males que conhecemos muito bem no atual sistema. É sintomático saber que a maioria dos congressistas é contra.

Segure também você a bandeira do voto distrital com apuração pública. Quando ele for adotado, viabilizando o recall (manifestação periódica feita num distrito sobre manutenção do mandato de seu representante), aí podemos começar a falar sobre um sistema de governo mais inteligente do que o presidencialismo. Pense nisso!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.