Percival Puggina
15/12/2023
Percival Puggina
A mim não assustam as derrotas nem os vencedores, mas os desanimados.
Tenho certeza de que Lula recebeu muitas sugestões no período anterior à indicação de um nome ao Senado para preencher a vaga aberta com a aposentadoria da “inesquecível” ministra Rosa Weber (aquela que pediu aos presos de 8 de janeiro aplausos para o colega Alexandre de Moraes).
Tanto o desejo de indicar alguém quanto o de ser indicado correspondem a aspirações normais. O bolso do casaco de Lula deve ter recolhido muitos cartões e, entre eles, é possível que existissem uma ou das boas sugestões envolvendo indicados que, além de reputação ilibada e notável conhecimento jurídico, acumulassem virtudes como prudência, sabedoria, empatia, humildade (ou, no mínimo, ausência de soberba).
Lula, porém, incidiu no seu erro padrão: ponderou todas as possibilidades e fez a pior escolha possível. Não é por obra e força do acaso que essas coisas lhe acontecem. Ninguém escolhe o pior quando tem diante de si um discriminado e explicitado leque de alternativas. Sou obrigado a admitir que a escolha do menos recomendável é produto do critério adotado por Lula.
Ele sabe que tem o Senado sob seus cordéis. Foi a mais proveitosa aquisição para seu patrimônio político e ele nem pode dizer que não é dele, mas de um amigo dele. Qualquer dia vai entrar no Senado de bermudas. Ele sabe, também, que podia indicar o capeta, ou “capiroto” como o denominam no Norte do país. A sabatina exalaria cheiro de enxofre e o indicado seria ministro do Supremo.
Foi pensando assim que optou pela indicação mais desagradável à oposição para transformar sua aprovação numa provação, num castigo, a seus adversários, especialmente àquela bagatela de 58 milhões de eleitores que a mídia amestrada diz ser de extrema direita.
Todos sabem o que aconteceu em 30 de outubro do ano passado. Foi a tal “vitória do amor”, não foi? Os ativistas da esquerda proclamaram essa vitória como resposta institucional ao desejo de pacificação do país, tão repetidamente anunciado como objetivo pelos ministros do Supremo. Nada melhor, então, do que colocar no STF alguém que, ao longo do ano em curso, foi o chicote verbal do governo e se revelou uma crescente ameaça à liberdade de expressão da oposição. Sua determinação em controlar a liberdade de expressão levou-o a declarar, em audiência, falando aos representantes das plataformas das redes sociais, que deviam adotar como referência para sua conduta o que tinham vivido no ano eleitoral de 2022, ou seja: um regime que censura e multa.
Repito: a mim não assustam as derrotas nem os vencedores, mas os desanimados.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
13/12/2023
Percival Puggina
O ministro Gilmar Mendes, falando sobre a decisão do STF que assustou até o jornalismo amestrado ao estabelecer a responsabilidade dos veículos sobre acusações criminais feitas por entrevistados, disse textualmente (transcrição, palavra por palavra do ministro, no vídeo da declaração, divulgado pelo site Poder 360°):
“Temos que ter cuidado. O caso que se discutia é um caso muito circunstancial – esse caso envolvendo o Diário de Pernambuco em que o entrevistado imputou falsamente a alguém a prática de um crime. No entanto até essa pessoa tentou, via direito de resposta, fazer esse esclarecimento e não conseguiu, junto ao veículo. Portanto, o caso é bastante circunstancial. O problema, me parece, não está na decisão, no acórdão, mas eventualmente na tese que se tenta transpor. E aí vem vários questionamentos que a imprensa tem feito. Por exemplo, em casos de entrevista ao vivo, como que se vai fazer o controle? Ou em situações nebulosas, ou muitas vezes brigas entre grupos ou facções políticas em que se faz uma imputação sabendo-se que ela é falsa. Tudo isso precisa ser tematizado e, se for o caso, esse tema pode voltar ao Tribunal em embargos de declaração para que a tese seja devidamente esclarecida. É inequívoco, todos sabem, o valor que o Tribunal dá à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Como também, a ideia de que se tem que preservar a honra, a dignidade e a imagem das pessoas. Isso está estabelecido em todos os acórdãos que o Tribunal lavrou sobre isso nesses 35 anos.”
Eis aí, por uma fresta, o panorama da insegurança jurídica causada por uma formação do STF que parece mais empenhada em “empurrar a História”, impor estratégias e visões de mundo de sua maioria menchevique e bolchevique do que em guardar e aplicar a Constituição de 1988. A consequência se mede em insegurança jurídica para a sociedade e em atropelo à autonomia e às prerrogativas dos demais poderes.
Na afirmação que fez, o ministro estampa com crueza algo que há muito deixou de ser circunstancial. Recorrentemente, o STF afirma A e, tempos depois, o contrário de A, naquilo que o ex-ministro Joaquim Barbosa, coincidentemente, definiu como “maioria de circunstância que tem todo tempo a seu favor para continuar sua sanha reformadora”.
O produto dessa conduta é insegurança jurídica, como a criada pela mudança de posição em relação ao marco temporal ou como a reversão da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância (quando em três anos a Corte mudou duas vezes de opinião), ou, ainda, como fez em relação à contribuição sindical.
Por isso, cada vez que leio na imprensa matérias cujos títulos dizem “STF forma maioria para...” seja lá o que for, desconfio que de algum modo a sociedade ou os indivíduos saíram perdendo algo.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
11/12/2023
Percival Puggina
Hoje de manhã, chegou-me um vídeo desses rapidinhos que têm uma infinidade de nomes. Plic-ploc ou algo assim. Nele, bailarina seminua rasga uma Bíblia em requebros supostamente eróticos. Admitamos ou não, trata-se de uma performance com intuito cultural, vale dizer, esteticamente não vale o furo de um tostão furado, mas a ação da moça opera no campo da cultura. A sucessão e a repetição levam à habitualidade, a moça passa a ser aplaudida e é a Bíblia que causa constrangimento...
Foi longa a discussão dos intelectuais de esquerda sobre como superar a cultura e a tradição religiosa cristã do Ocidente. O caminho encontrado consistiu em abandonar a luta de classes e mobilizar os descontentes articulando os supostamente excluídos e oprimidos.
Essa estratégia invadiu a própria estrutura da Igreja mediante a Teologia da Libertação (TL). No momento em que substituíram o pobre do Evangelho pelo excluído da TL ou pelo oprimido de Paulo Freire, proporcionaram aquilo que Fidel reconheceu como o mais inestimável serviço à revolução (palavras do ditador cubano transcritas por Frei Betto, muito orgulhoso delas, em “O paraíso perdido”).
As utopias políticas são muito sedutoras. Só eu sei o quanto escrevi e falei denunciando os perigos da TL no ambiente católico e na sociedade. Ganhei inimigos. E dormi em paz. “Diversidade na pluralidade!”, diziam-me. Sim, claro, contanto que eu não falasse e não escrevesse. Quanta celeuma causei por criticar uma tal “utopia cristã”!
No entanto, se tudo fosse uma questão de sistema, Cristo teria proposto um, em vez de perder seu tempo propondo-se a si mesmo, do modo como o fez.
A política, lembremos sempre, acontece num ambiente cultural onde estão fixados os elementos simbólicos através dos quais os indivíduos, majoritariamente, respondem de modo instintivo, emocional e racional aos estímulos que sobre eles incidem. Ciente disso, a Igreja não pode ceder um milímetro em seu papel no mundo da Cultura. Que lhe tomem à força; mas que não ceda nem conceda.
Há algo profundamente corrosivo e corruptor no arcabouço cultural do globalismo, da Nova Ordem Mundial e dessa coisa totalitária que chamo Lei Geral dos Povos. Refiro-me à negação categórica de todo absoluto. O motivo é simples: é preciso que esse poder central cultural e político unificado seja absolutizado, negue a Deus, extirpe o fundamento das religiões e as vinculantes que exercem sobre as sociedades.
O catolicismo, ao qual caberia o papel de principal antagonista desse propósito, tornou-se o mais vulnerável porque os católicos já aceitaram o relativismo como parte de suas vidas. O católico médio se tornou um relativista. Por isso, ouço: “Os dez mandamentos, a Lei de Deus, são do tempo de Jesus, Maria e José. Está claro que hoje não servem mais”.
Sempre vale lembrar as palavras de São Paulo aos Gálatas comunicando que “quando chegou a plenitude dos tempos Deus enviou seu Filho, nascido de mulher e nascido, também, sob a autoridade da Lei para resgatar os subjugados pela Lei a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
10/12/2023
Percival Puggina
Em palestra ao Ministério Público Federal, no dia 7 deste mês de dezembro, abordando o combate à corrupção com ênfase às ações preventivas, em certo momento, o ministro Alexandre de Moraes disse o seguinte (transcrição palavra por palavra do vídeo original que pode ser assistido aqui):
“[A corrupção] é uma chaga que corrói a democracia, como nós vimos nestes últimos tempos com um abalo sísmico no mundo político, que teve suas consequências - é importante dizer isso porque esse vácuo deixado teve a consequência do retorno de uma extrema direita com ódio no Brasil e quem enxerga essa sequência está falhando; talvez realmente não houvesse o que fazer – não é? – depois que se descobriu a corrupção, mas sim antes, preventivamente. Então nós temos que aprender com nossos erros institucionais e nos perguntar por que chegamos a esse ponto. Por que chegamos a um ponto em que a corrupção perdeu a vergonha na cara naquele momento do mundo político e o combate – todos os sistemas preventivos falharam – o combate à corrupção acabou criando um vácuo muito grande e esse vácuo gerou uma situação de uma polarização, ódio e o surgimento não só no Brasil, mas no Brasil principalmente, de uma extrema direita com sangue nos olhos e antidemocrática também.”
Confesso que não entendi. Deve ser Dilmês gramatical. É fato, porém, que a corrupção foi um “abalo sísmico”; aliás, foi o primeiro de três terremotos, como veremos a seguir.
Cada um com seus fantasmas; mas as instituições de Estado não devem, elas mesmas, combatê-los ao arbitrar uma campanha eleitoral. Instituições como o TSE não existem para si mesmas, nem para os amores ou rancores político-ideológico de seus membros. Elas existem para a sociedade que periodicamente se manifesta nas urnas. A democracia, por sua vez, não convive com censura. Ela precisa de campanhas eleitorais em que sejam livremente abordados os problemas do país. Excessos de controle que inibam o debate, apaguem o passado, proíbam temas e condenem a natural polarização inerente a uma campanha entre dois candidatos servem ao oposto da democracia.
Sem essa liberdade, a corrupção que tanto preocupa dezenas de milhões de brasileiros, entre os quais o próprio ministro, não pode ser exposta com o vigor necessário ao longo do ano de 2022. Sucessivas pás de cal jogadas pelo STF sepultaram a Lava Jato e ressuscitaram corruptos confessos e já condenados. Eis aí o segundo grande terremoto destes anos de severas frustrações cívicas.
Pouco antes de assumir a presidência do STF, o ministro Luís Roberto Barroso foi entrevistado nos EUA pelo professor Mangabeira Unger. Em certo momento, falaram sobre ativismo judicial. Barroso fez o habitual relato do que considera notáveis realizações progressistas do STF. O professor, que foi ministro de Lula e tem conhecidas posições esquerdistas, concordou com esse entendimento, mas acrescentou haver, também, um ativismo nocivo. E apontou, como exemplo, o conjunto das ações com efeito político-eleitoral do STF/TSE nos anos recentes (entrevista aqui).
Qualquer cidadão que soube “juntar os pontinhos”, como naqueles exercícios infantis de antigamente, pôde visualizar o desenho dessa estratégia sendo construída dentro dos tribunais superiores, bem como sua finalidade. Era o terceiro terremoto consecutivo em nossa história recente. Foi ele que misturou as palavras no confuso discurso do ministro Alexandre de Moraes transcrito acima e foi ele que deu origem ao constrangido sorriso do ministro Barroso ao contestar a contundente observação do professor Mangabeira Unger.
Concluindo. No nosso modelo institucional, apesar de todo meu desgosto com a maioria da nossa representação parlamentar, tarefas que possam ser definidas como “correções de rumo” e dar “empurrões na história” cabem legitimamente a quem tenha voto, ou seja, ao Congresso Nacional. O oposto é “abalo sísmico”.
(1) Fala do ministro Alexandre de Moraes ao MPF em 7 de dezembro: https://www.cartacapital.com.br/politica/vacuo-no-combate-a-corrupcao-levou-extrema-direita-ao-poder-diz-moraes/.
(2) Entrevista do ministro Luís Roberto Barroso ao prof. Mangabeira Unger: https://youtu.be/ZMWRUS_kccM
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
07/12/2023
Percival Puggina
Era uma vez um boneco de sal que, ganhando vida, saiu a caminhar. Foi descobrindo os encantos da natureza, a beleza dos outros seres, a buliçosa energia das cidades, a paz dos campos. Subitamente, do alto de uma colina, avistou enorme vastidão de água. Era o mar. Atraído, andou até a praia e extasiou-se ante a uniforme imensidão que na cadência das ondas se desfazia em espuma e areia. Curioso, perguntou: “Quem és?” E o oceano lhe respondeu: “Vem e vê.” O boneco de sal deu alguns passos em direção ao mar e percebeu que seus pés se diluíam na água. Assustado, voltou a interrogar o oceano e obteve a mesma resposta: “Vem e vê”. Decidido a desvendar o mistério da água, continuou em sua marcha até se desintegrar por inteiro. E o oceano, então ,lhe disse: “Agora sabes quem sou porque fazes parte de mim”.
Desconheço a origem desta fábula, mas lendo comentários onde ela é narrada, fica muito clara a sedução que exerce sobre coletivistas. “Integrar-se ao outro para entendê-lo”, “Ser parte de um todo maior”, “Corrigir o individualismo” são algumas das expressões que suscita. Credo!
Para mim, o boneco de sal, curioso sobre a natureza do mar, é um sinal de alerta, apontando para um dos males que acomete o ser humano, as organizações sociais e as ideologias políticas. Por natureza, somos seres individuais com existência social e ignorar qualquer dessas duas condições costuma dar problema.
Tenho ouvido de pais e mães, insistentes relatos sobre o desarranjo psicológico causado pela integração de seus filhos aos coletivos ideológicos, políticos, ídentitaristas ou partidários que atuam na cadeia produtiva da Educação. Esse sistema de tão maus resultados aferidos pelo Pisa se empenha muito para não perder um único aluno. É contra colégios cívico-militares e contra o homeschooling como foi contra o Escola Sem Partido. Então, todo dia, alguém me escreve: “Perdi meu filho para a universidade tal!”, “Perdi minha filha para o Colégio São Fulano ou para Escola Santa Beltrana”. Inúmeras vezes são, sim, educandários confessionais, universidades pontifícias, tomados por dentro pelos seus “coletivos” – ou serão “coletives”? – onde os estudantes se dissolvem como bonecos de sal.
Alerta aos pais: Acompanhem o estudo e a vida escolar de seus filhos. Não permitam que se despersonalizem a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Isso é vendido a eles como libertação, mas é possessão. Os cordéis de tais coletivos são puxados por seguidores de pedagogos e filósofos cujo objetivo era esse mesmo: tomá-los de vocês.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
06/12/2023
Percival Puggina
Nosso sistema eleitoral proporcional afasta o eleito do eleitor e até o voto dado a alguém que não se elegeu migra desse candidato para sua legenda, onde outra pessoa o aproveita... É ótimo para gerar desconexão e descompromisso dos candidatos com seus eleitores, mas é péssimo para o espelhamento da vontade dos cidadãos, inerente às democracias representativas. Nossa cultura política soma omissão, desatenção e esquecimento. Como consequência, a imensa maioria não acompanha a vida pública.
Com exceções sempre raras, os políticos não têm interesse em mudar esse sistema feito por encomenda para lhes proporcionar total liberdade. Um congressista pode votar contra o interesse dos cidadãos em temas como liberdade de expressão, propriedade, tributos, tamanho do Estado, porque tem certeza de que esse fato não chega ao conhecimento de quem nele votou.
Conscientes disso, os partidos de esquerda tratam de se tornar orgânicos estruturando-se na sociedade através de inúmeros movimentos. Esses organismos, denominados “coletivos”, são mobilizados em torno de pautas que reativam a luta de classes para suposto benefício de grupos “minoritários”, “oprimidos” ou “excluídos” que buscam representar. Todos reagem ao comando partidário nos temas de interesse de cada um ou da sigla. Basta ao comando assobiar para que um enxame de entidades interessadas em “empoderamento” proclame manifestos e dispare seus mecanismos de comunicação. A velha e marxista luta de classes se reconstitui, assim, através de minorias com contas a receber e maiorias com contas a pagar.
Surge, assim, o problema: como aglutinar nessa dialética o topo da cadeia alimentar, os esquerdistas de 1ª classe que se refugiam em condomínios de luxo, que rodam de SUV, que têm senha para as salas VIP e cujos filhos estudam nos melhores colégios? No discurso que vale para todos os demais, esses companheiros são o “incluído” padrão, são o “opressor” padrão. O que fazer com eles? Suponho ter sido dessa constatação que surgiu a franquia “Para a Democracia”. Ela inclui, por exemplo, Juízes para a Democracia, Ministério Público para a Democracia, Artistas para a Democracia e, mais recentemente, Mães e pais para a Democracia, que sempre aparecem para defender a militância política de esquerda nas salas de aula onde estudam os filhos dos outros.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
04/12/2023
Percival Puggina
Como era e se esperar, as escolas cívico-militares estão sendo atacadas por várias frentes. Sou inteiramente a favor delas! E não é por serem “cívicas”, nem por serem “militares”. Eu as quero em todo o país, no maior número possível, simplesmente porque funcionam muito melhor do que as outras. E os motivos são óbvios.
A educação brasileira é um fiasco! E uma tragédia social. Entre os 65 países avaliados pelo PISA ficamos na posição 54. E não é diferente no levantamento mais amplo do World Population Review (posição 90º entre 185 países) ou nas análises da OCDE. Nem nas tantas avaliações internas, como as do Ideb, do Enade ou no que se percebe nas provas do ENEM. Ainda temos 10 milhões de analfabetos e quase 30% de analfabetos funcionais com severas dificuldades para entender o que leem ou perante qualquer problema matemático que vá além das quatro operações.
O incrível disso é não se perceber reação dos setores envolvidos na operação do sistema. As reclamações surgem das famílias, de instituições privadas, de algumas ONGs e até dos setores de recursos humanos de corporações empresariais que informam ser o Brasil um dos países onde é mais difícil contratar profissionais qualificados.
Por quê? Pergunte isso a Paulo Freire e aos pedagogos paulofreireanos! No entanto, faça a pergunta ciente de que vão enrolar na resposta porque apresentarão o responsável bem distante, fora da cadeia produtiva da Educação. Será o capitalismo, será o mercado e será o Governo, sempre que o governo não for petista.
O problema, no entanto, é político e ideológico. Ressalvadas as exceções, as salas de aula foram invadidas por professores que não ensinam e estudantes que não estudam. “Passam” de ano mesmo que não tenham aprendido coisa alguma porque o objetivo do sistema é preparar militantes motivados para combater qualquer coisa que não tenha sido canonizada pela esquerda.
Um sistema assim só pode dar às Escolas Cívico-Militares o mesmo tiro na nuca que dão no homeschooling e em qualquer iniciativa que lhe suprima uma vítima sequer.
Em resumo: contra as Escolas Cívico-Militares operam os defensores das Escolas Político-Ideológicas, moldadas pela pedagogia paulofreireana. Essa pedagogia está alinhada com os objetivos políticos, a visão de mundo, o marxismo e as referências políticas que Paulo Freire encontrou entre os grandes ditadores comunistas de seu tempo e é, hoje, abraçada por seus continuadores.
Cabe às comunidades proteger sua juventude dos fazedores de cabeças e promover uma educação que cultive hábitos de estudo e favoreça o desenvolvimento de talentos.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
03/12/2023
Percival Puggina
A vida me permitiu que um dia, no ano de 2001, eu fosse a Cuba ver de perto aquilo que era vendido no mercado brasileiro como evidência do sucesso social, político e econômico do comunismo. Antes de viajar, devorei vários livros proporcionados pelo amigo Flávio Del Mese, publicados nos primeiros anos da ditadura Castro, e pesquisei imagens, entre as quais essa clássica em que Fidel declara aos miseráveis cubanos: “Vamos bien!”. Ao voltar e relatar o que observei, as pessoas me pediam que reproduzisse em livro aquelas observações.
Para fazê-lo, retornei à ilha em 2002. Minha inexperiência em lidar com as restrições impostas por uma ditadura comunista fizeram com que ficasse exposto à observação do sistema de inteligência do estado cubano. Eu fizera contato telefônico com líderes dissidentes que estavam grampeados e, depois, os contatara pessoalmente. Eu conto tudo isso no livro “A tragédia da Utopia”. O ponto a que quero chegar é o seguinte: nessas viagens e na que fiz em 2011, quando entrava no avião para retornar ao Brasil, experimentava gratificante sentimento de alívio: “Felizmente, volto a meu país, onde as coisas não são assim!”.
Pois agora, também aqui, as coisas são assim! Já temos um presidente que se diz comunista e é parceiro de seus ditadores. No Congresso Nacional, uma centena de bravos enfrenta quinhentos deputados e senadores que querem viver de “bolsa governista”. Uma Suprema Corte política, onde ministros usam amplamente o vocabulário de um dos lados em antagonismo e se comprazem em relatar seus sucessos nesse campo. Já temos todo o ambiente cultural tomado e expelindo o contraditório. A cadeia produtiva da educação está aparelhada, o jornalismo foi amestrado e quem se recusou, expurgado. As instituições religiosas estão infiltradas. Há censura, repressão, exílio e até poucos dias tínhamos mais presos políticos do que Cuba. Se incluir os de tornozeleira, há muito mais desses infelizes aqui do que lá. As plataformas de redes sociais estão garroteadas por monocrática determinação do ministro da Justiça que disse:
“Esse tempo da autorregulação, da ausência da regulação, da liberdade de expressão como valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua, esse tempo acabou no Brasil, tenham clareza definitiva disso. (...) Os senhores e as senhoras viveram o processo eleitoral de 2022 no Brasil. Adotem isso como referência. É o que nós faremos com os senhores.”
A palavra ídiche “pogrom”, nascida na perseguição aos judeus russos no final do século XIX e estendida ao acossamento de grupos sociais inteiros, é agora perfeitamente aplicável ao que acontece com a direita no Brasil! Ela é acusada de todos os males por defender a liberdade e os valores de grande estima na cultura ocidental. Quem a ataca, estranhamente diz combater o discurso de ódio mostrando os dentes, se declara contramajoritário dependendo de quem ganha a eleição, é imoderado e cobra moderação, ouve Lula falar e não percebe as fissuras se abrindo rancorosas na sociedade.
As liberdades são malvistas, o direito à propriedade privada é relativizado; o direito de herança é exorcizado; o Estado cresce e encarece; a dívida pública é culpa de quem empresta e não de quem gasta mais do que arrecada, pede emprestado e não pode pagar; a sociedade empobrece, a economia patina e a indústria perde competitividade. Enquanto isso, o governo itinerante, vagando de um para outro entre os mais luxuosos hotéis internacionais, quer financiar os camaradas de sua pátria grande. Comunismo é assim, testemunho de vida... Me poupem!
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
01/12/2023
Percival Puggina
Já ouvi muito disso, da boca de políticos. Alguns o fazem pela própria natureza, porque são assim, escorregadios em relação à verdade. Seu discurso é, sempre, uma tentativa de impor a versão ou narrativa que lhes convém. Não leram Shoppenhauer, não sabem quem eram os sofistas, mas são intuitivos em convencer os outros independentemente dos desvios por onde andem os argumentos.
Os últimos dias, porém, trouxeram alguns exemplos estridentes de um tipo de discurso que, no uso da liberdade de opinião e, por apreço à verdade, me permito apontar.
Todos acompanharam o episódio que deixou um cadáver na história das ações penais referentes aos acontecimentos do dia 8 de janeiro. No dia seguinte ao óbito, o ministro presidente do STF abriu a sessão lendo uma declaração em que, após lamentar a morte e solidarizar-se com a família de Cleriston Pereira da Cunha, disse:
“As estatísticas revelam que morrem quatro pessoas por dia em presídios brasileiros, em geral de causas naturais que, todavia, podem ser agravadas por condições carcerárias. Aliás, para enfrentar tais condições o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o estado de coisas no sistema carcerário e a elaboração de plano para melhoria de suas condições (sic). Registro que não é o Judiciário que administra o sistema penitenciário” (íntegra aqui).
O ministro fez aí cinco afirmações, todas verdadeiras, mas nenhuma, nem todas juntas, respondem à questão que continuará perturbando o sentimento nacional sobre as decisões e condutas em relação àqueles réus. A imensa maioria deles era formada por cidadãos sem antecedentes criminais, com emprego e endereço conhecido, incluindo pessoas idosas, doentes, mães com filhos pequenos. Não bastasse isso, fortes indicações de estarem respondendo processo no “endereço errado”. Por que Cleriston não obteve autorização para ir para casa, mesmo com documentação médica e pedido da PGR? Essa pergunta parece irrespondível.
Nem Beto Simonetti, presidente da OAB, consegue preservar o silencioso consentimento que vinha conferindo aos excessos em curso e exclamou em Belo Horizonte, na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que a independência do Poder Judiciário não pode “camuflar o abuso de autoridade”. E acrescentou: “A supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa é inaceitável” (aqui).
Nesse mesmo evento, o ministro presidente do STF, ouviu a contundente fala do presidente da OAB de Minas Gerais (aqui) que atribuiu ao STF um vasto catálogo de excessos praticados nos últimos anos. Ao falar (aqui), Barroso reiterou a habitual autolouvação que acompanha os relatos dos membros da Corte. O vocabulário usado, a expressão “populismo autoritário”, a acusação de “aparelhamento do Estado” (feita sem apresentar provas, como diriam os amestrados da Globo) adotadas como ponto de partida para as subsequentes execrações, devolveu o sorriso aos “progressistas” do auditório. Exaltou a função contramajoritária do STF como sendo essencial à democracia durante o quadriênio anterior. Contudo, essa função, ao que se vem notando, foi desativada em 1º de janeiro deste ano.
Novamente, em momento algum, o presidente do Supremo respondeu as recorrentes críticas que tão bem revelam a inquietude nacional. E são elas as que mais importam para dezenas de milhões de brasileiros. Em questões de tal gravidade, dar por respondido sem responder, criando um silêncio recheado de palavras pinçadas em vocabulário político com identidade conhecida, não faz bem ao país.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.