• Percival Puggina
  • 13/10/2024
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Por que esses eventos são sempre lá fora e nunca aqui?

 

Percival Puggina

 

         Com a realização neste fim de semana, em Roma, do Fórum Esfera Internacional, a pergunta acima frequentou os meios de comunicação e as redes sociais. Uma fatia robusta do bolo do poder nacional viajou a Roma para se encontrar com contrapartes italianos do setor público e privado. Não seria menos oneroso ao Brasil realizar alguns desses eventos internacionais aqui?

A ideia de reter os alegres viajantes brasileiros no Brasil e trazer os italianos para cá ativou-me a lembrança de uma crônica do admirável autor português, Eça de Queiroz (*). Por isso e graças a ele, escrevo estas linhas entre boas gargalhadas e reflexões sérias sobre nosso país. Eça publicou a coluna em questão em outubro de 1871 e aborda o interesse da “companhia dos caminhos de ferro” em trazer turistas espanhóis por ferrovia para Lisboa. Apesar de reconhecer as intenções “amáveis e civilizadoras” da referida companhia, ele rejeita enfaticamente a iniciativa, alegando – vejam bem! – não estarem os portugueses “em estado de receber visitas”. A torrente de ironias que dispara torna impossível conter o riso.

Impossível, também, malgrado meu pouco talento, não traçar analogias e alinhar motivos para recusar a sugestão de trazer lideranças estrangeiras a se recrear em nossas misérias jurídicas, sociais, políticas e econômicas. Que teríamos a ganhar mostrando-lhes a realidade nacional, os inquéritos finis mundi, a pequena liberdade que nos resta, o dilapidado arcabouço fiscal, nossos presos políticos, o pouco proveito do voto popular como fonte da representação e servir-lhes o sabor azedo das esperanças murchas transformadas em bagaço seco e inútil? Ouçam, pois, os ufanistas do poder nacional e não nos humilhem pondo os olhos na verdade e na realidade.

Na antiga União Soviética, ao tempo da “Cortina de Ferro”, os eventuais visitantes eram sempre acompanhados de seguranças. Eles não funcionavam para garantir o bem estar dos estrangeiros, mas para impedir seu contato com os infelizes cidadãos locais. Era preciso manter a lenda do comunismo bem sucedido. Era para o bem estar da imagem. Conversar com o porteiro do hotel valia por uma conspiração contra o regime.

Que segurança jurídica temos para mostrar na vida real, com o mau odor dos fatos, aos juristas italianos? Que democracia exibiremos onde não mais que um punhado de bravos preserva os ouvidos e as vozes da representação política? Que afirmação sobre estabilidade fiscal se manteria de pé ante os visitantes se os números da dívida pública crescente pudessem ser expostos a um contraditório? Que segurança pessoal e pública pode proporcionar um país onde se alastra o mau hábito de matar turistas para roubá-los?

“O país está atrasado, embrutecido, remendado, sujo, insípido e não pode, em sua honra, consentir que espanhóis o venham ver”.  “O país precisa fechar-se por dentro e correr as cortinas”, impiedoso, prossegue o juízo de Eça de Queiroz, enquanto se forma sofrido nó na garganta de seu leitor brasileiro, século e meio depois.

(*)         Publicado no primeiro volume de “Uma campanha alegre”, sob o número XL, Ed. Brasiliense, 1961.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Manoel Luiz Candemil -   14/10/2024 17:55:59

Será crível que apenas brasileiros participam desses encontros e das decisões?

DANUBIO EDON FRANCO -   14/10/2024 10:28:39

Confesso que não sei o que dizer. Como é difícil (para mim, obviamente) manifestar um juízo de revolta que não seja com palavrões. Com a lembrança de Eça de Queirós, retratando a então realidade de Portugal, estamos nós na mesma situação. Não temos o que mostrar, mas, sim, a esconder; mais fácil, pois, fazer o encontro na sala dos outros. E lá se vai um séquito às nossas custas. Isso também não é novidade; bastas ver as últimas ou as constantes viagem do atual Presidente da República ou de sua companheira - a comitiva é sempre grande. Não há limite. No dizer deles o Brasil é maior do que o buraco para onde nos levam. Portanto, haja gasto. E agora para completar, ele quer comprar uma frota de aviões (frota é exagero, mas não está longe disso). O que tenho vontade de dizer não posso fazê-lo aqui, mas não vou desistir do meu país. Não ajudo muito, mas vou te deixar só.

Waldo Adalberto da Silveira Jr -   14/10/2024 10:03:47

Puggina, como sempre, é certeiro em suas análises !

Frederico Hagel -   14/10/2024 09:10:42

Muito boa análise irônica do pobre Brasil. Se nem ao menos nós cidadãos temos coragem de sair às ruas, o que dirá os turistas...sair pra ir às praias ver a meleca de povo e suas demonstrações grosseiras de sexo e hábitos e ainda ter sua carteira e telefone furtado, quando não levar um tiro?