Percival Puggina

07/03/2021

 

Percival Puggina

         Para se livrar do presidente da República, a mídia militante vem fazendo isso com o Brasil. Não há limites para a ação cotidiana e dedicação exclusiva.

         A oposição propriamente dita retraiu-se perante a persistência e a intensidade com que esses meios de comunicação operam. Num regime de feitio democrático, caberia a ela, claro, antagonizar o governo. No entanto, a fração partidária da oposição opta por discreta contenção. Delega o trabalho diário à mídia, que o executa com superior amplitude e resíduos de presumível credibilidade. Mesmo que a estas alturas seja mera ilusão, a opinião expressa no editorial, a notícia, a manchete de um grande veículo de comunicação parecem mais confiáveis ou isentas do que a fala de quem tem o carimbo político.

         Internamente, ademais, vivemos uma convergência incomum entre os interesses ideológicos sempre dominantes nas redações e os interesses empresariais dos veículos da mídia militante. Por motivos diferentes todos querem se livrar do zelador. Vemos a morte da moderação e da prudência.

O que acabei de escrever não desenha, infelizmente, o quadro inteiro. Ele se expande e se agrava pelos reflexos no plano internacional. A contaminação do jornalismo e da cultura do mundo ocidental pela filosofia revolucionária não é menor nem menos ativa lá fora do que aqui no Brasil. Ao contrário, é de lá que vem toda a droga intelectual fumada e cheirada nestes trópicos. São de lá os filósofos canonizados nas cátedras, inspiradores de teses tão estapafúrdias quanto prósperas.  Por isso, a vitória eleitoral de um candidato conservador no Brasil foi mais indigesta à cultura hoje dominante na Europa do que a vitória de Trump nos Estados Unidos. Lá, o rodízio no poder é sempre um resultado corrente no jogo democrático. Aqui, não. Um quarto de século fluiu com a esquerda embaralhando, dando cartas, jogando de mão e ainda portando coringas de reserva no bolso. Os conservadores e liberais brasileiros foram os otários desse jogo.

A guerra contra o presidente começou logo após as primeiras pesquisas eleitorais. Os laboratórios de linguística aplicada ao charlatanismo político trabalharam febrilmente disparando etiquetas para lhe desconstruir a imagem. Contra essa avalanche, a inabilidade verbal de Bolsonaro não lhe presta serviços, seja na defesa, seja no ataque. No exterior, foi fácil aos interesses políticos, ideológicos, econômicos contrariados empacotar tudo com o rótulo “Brasileiro”.

O processo não parou mais e já vai para o terceiro ano consecutivo. Perder a capacidade de manipulação foi duro golpe para aquela parcela da mídia que se considerava reitora das opiniões, dos costumes e, claro, dos resultados eleitorais. Tentando retomar o antigo poder, buscando socorro, vem recebendo intenso e firme apoio externo. Estava armado o complô contra o Brasil! Nele se unificam apetites amazônicos, inconveniência geopolítica de um governo conservador antagônico ao globalismo em curso no Ocidente e interesses comerciais contrariados pelo competente agrobusiness nacional (nada lhe diz o empenho de tantos em reduzir a área plantada no Brasil?).

Nunca a estatística foi tão manipulada, a matemática tão vilipendiada, uma doença tão politizada. São profissionais da mistificação. E estão destruindo o Brasil para afastar o zelador. Só assim se entende a manchete que, em outros tempos, caracterizaria crime de traição à pátria, encimando matéria (1) de O Globo do dia 5 deste mês de março: “Pária global: Brasil vira 'ameaça sanitária' no mundo”. Quem subscreve e proclama isso não ama o próprio país.

  1.     Visto aqui: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/paria-global-brasil-vira-ameaca-sanitaria-no-mundo-24910781

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

Percival Puggina

06/03/2021

Percival Puggina

         Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o Brasil, desde a Constituição de 1988, vive o mais longo período de estabilidade política de sua história republicana.

       Como assim? Estabilidade política é mercadoria inexistente nas prateleiras dos últimos 131 anos de nossa história! A crise tem sido companheira cotidiana de gerações de brasileiros. Acompanha-nos no trabalho e não nos dá folga no lazer. Participa do nosso almoço, do nosso jantar, deita conosco e nos perturba o sono. Um bom compêndio de História da República será, forçosamente, uma descrição de nossas instabilidades e a visão do passado como roteiro para um futuro incerto.

         Escrevi, outro dia, que as crises se sucedem numa cadência à qual nos adaptamos. Equilibrismo treinado em terremoto. Talvez seja isso que leva o referido ministro a considerar estável um período durante o qual ocorreram dois impeachments presidenciais. Período como o atual, em que política, nos poderes de Estado e na mídia militante, é a arte de gerar crises e desestabilizar o governo. 

         Não deixa de ser interessante observar o modo obstinado como, na democracia estável do ministro Alexandre, os poderes mostram os dentes contra quem os critica. A moda, agora, é prender a divergência lançando mão de releituras fofas da Lei de Segurança Nacional. A LSN se tornou fofa a ponto de lembrar aquelas almofadas a que as crianças pequenas se agarram durante a noite. A Ordem Política e Social não era tão referida desde os tempos do DOPS.

         Claro, tudo é feito em nome da solene defesa das instituições democráticas. Trata-se, não obstante, de uma colagem a cuspe do substantivo instituições com o adjetivo democráticas. Essa colagem autoriza uma atuação não democrática, impositiva e contraditória à vontade expressa nas urnas. Tudo sob a alegação vazia de estarem ameaçadas por um presidente supostamente perigoso, autoritário, pronto para dar um bote, mesmo que não se vislumbre quando, como, nem com quem.

         Instituições inerentes à democracia, sim. Aderentes a ela, não! Afirmam-no, mas não o demonstram. São contestados pelos fatos. Os denominados atos antidemocráticos encontram exemplos fartos nas próprias instituições! O Supremo ultrapassa a linha amarela quando invade competências dos outros poderes, quando constitucionaliza seu querer e seu não querer, e quando rejeita com o fígado algo tão essencial à democracia quanto o resultado das urnas de 2018. Transpõem a linha amarela os congressistas sem voto no plenário que recorrem à sorority ideológica do outro lado da praça para obter da caneta de qualquer um o que não conseguiram no plenário de todos. Em tempos vistos pelo ministro Alexandre como de estabilidade institucional, parlamentares pensam leis de autoproteção, que os amarrem às próprias cadeiras para não serem presos!

         Mas essas, leitor amigo, são as crises de hoje. O dólar sobe, o freio da economia entra no automático, o vírus não respeita os profetas de ocasião. O modelo institucional que produz tais realidades de nosso cotidiano, porém, resiste a tudo e a todos. O ministro Alexandre denomina “estabilidade democrática” a cristalização dessa maçaroca política que já leva 131 anos dando errado. E segue contando.

*Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/03/2021

 

Percival Puggina

            Que fique claro. Sou contra discriminações e opressões. Não me serve o chapéu do branco machista e preconceituoso. Percebo, porém, que, como quase tudo no Brasil, diferenças e desigualdades vêm sendo politizadas e frequentemente denuncio o quanto isso não contribui para a harmonia social. O discurso usual das diferenças e desigualdades, aliás, age contra o objetivo supostamente integrador, seja criando-as onde não existem, seja acentuando antagonismos existentes.

            Isso não surpreende. As revoluções são feitas assim e os revolucionários sabem como o estopim opera. Para quem quer revolução, reengenharia social, nova ordem mundial, a humanidade inteira sob um único querer e o big brother controlando tudo, o caminho de menor risco e brutalidade é esse. É uma politização demente. Mesmo assim, dela provém a acusação de serem contra as minorias todos aqueles que se opõem à manipulação partidária dessas pautas.

            Trata-se de uma simples relação de causa e efeito que resulta evidente na mera observação de um número infinito de comprovações. Os militantes de quem falo aqui não saem a público para defesa incondicional das minorias que adotam. Quando o fazem, estão a tratar de seus militantes na causa, ou da utilidade de algum acontecimento à causa. Quem pertence à minoria, mas não é, simultaneamente, militante político e não serve ao projeto de poder, é discriminado e tratado como traidor. Minoritário dentro da minoria! Penso que isso mostra como a causa é política e sua benemerência passa longe de uma virtude real. O interesse pelo poder supera o interesse pela causa.

            É pensando nisso que ressalto sua contradição com uma realidade que frequentemente denuncio. Refiro-me à discriminação de um grupo inteiro, comprovadamente discriminado, oprimido, excluído! Refiro-me ao que acontece na Educação brasileira, em geral, e nas universidades federais de modo ainda mais acentuado, com professores, autores, materiais didáticos e, até mesmo em relação a alunos que não sejam de esquerda.

            Não pertencer à fraternidade dos adoradores dos mártires do mensalão e do petrolão, tão injustamente apanhados na rede da Lava Jato, é inaceitável.  Não integrar os quadros dos devotos de San Maduro, San Fidel e San Guevara de la Higuera, transforma qualquer um em objeto de execração. Não ser consagrado à Ordem dos Barbudinhos de Paulo Freire fecha muitas portas.  

Na educação brasileira, ideias divergentes são discriminadas. Vistas em certos casos concretos podem, mesmo, ser indigitadas como fobias que criam ambiente de perigo para quem as pretenda expor. Sobram exemplos e faltam soluções.

            Escreveu-me outro dia um professor de História. É filiado a um partido de esquerda e, eventualmente, diverge de minhas posições num modo cordial. Disse-me que, atuando no magistério, em seu círculo de relações, é raro encontrar algum professor que reconheça viver o povo cubano sob uma ditadura.

***

        Um ambiente tão pouco plural é insalubre, asfixiante à formação da consciência social, política e econômica dos estudantes brasileiros. Seu discernimento é contido como se estudantes cubanos fossem. A Educação de nosso país precisa superar esta fase de hegemonia, esse tempo trevoso em que mergulhou levada pela mão maliciosa de tantos militantes, ativistas, ideólogos que detêm o privilégio da cátedra, da bibliografia e da caneta que dá nota.

            Claro, não vou pedir quotas para professores que não sejam de esquerda, mas que a situação está a sugerir esse tipo de galhofa, lá isso está.

*Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

27/02/2021

 

Percival Puggina

         É fato. Há um Brasil que fala e fala muito. Fala nos microfones, diante das câmeras e nas redações dos jornais. Fala nas cátedras, nas salas de aula e em conferências. Fala nos púlpitos, nos tribunais e nos manifestos. Fala nas lives e nas redes sociais. Falam uns aos ouvidos dos outros. Mas se algo os caracteriza é o desconhecimento tátil, olho no olho, do Brasil que não fala, parte significativa do Brasil real. Para conhecê-lo, é preciso observação persistente e continuada e poucos, pouquíssimos vão até ele. Poucos se importam. Pouquíssimos se importam! Não se importam os que mantêm suas festas e superlotam seus points. E falam, uns para os outros.

         É fato. Há um Brasil mudo, dos ônibus de subúrbio, dos brasileiros cuja única esperança é continuar sobrevivendo em meio às próprias carências, tendo a fome como companheira do desemprego.

Esse Brasil não veraneia nem festeja.

Esperneia e, com sorte, toma uma cerveja.

         Também sou do Brasil falante. Também falo e sou ouvido pelos que igualmente falam. Faço conferência, escrevo, assino manifestos e gravo vídeos, que são ouvidos e assistidos por outros falantes como eu. Também eu não conheço o Brasil mudo. E vice-versa.

         Outro dia, enquanto era atendido por um trabalhador no Brasil falante, indaguei-o sobre como ficaria sua situação a partir das novas regras impostas àquela atividade. Seu olhar foi um discurso. Um manifesto. Uma live inteira.

         Não acredito que a paralisação de tantas atividades não possa ser substituída por outras medidas menos danosas a parcela tão significativa da sociedade! Não acredito! Assim como não me convencem os que acham que está tudo bem, mesmo que as UTIs estejam superlotadas, tampouco me convence esse Brasil alto-falante, que fala quase sozinho, hegemonicamente, dizendo sempre a mesma coisa. E deixando mudo - mudo! - o outro Brasil

         Não, não está tudo bem. E novamente não. A solução não pode ser, necessária e exclusivamente, essa que aumenta a miséria de dezenas de  milhões. Ouçam menos a si mesmos, senhores. Ouçam menos a quem só fala.

*Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

25/02/2021

 

Percival Puggina

         Outro dia, em plena via pública, uma senhora foi afrontada por outra que lhe contestava o direito de usar turbante de origem africana. Tais adereços, alegava ela, seriam próprios da cultura negra e seu uso por pessoas brancas constituiria uma “apropriação cultural” e uma fragilização de seu papel como “instrumento de resistência à dominação”.

         Recebi da Editora Avis Rara um exemplar do livro “O ano em que a terra parou”, do jornalista Luciano Trigo. Suas primeiras linhas relatam o caso dos Red Skins (peles-vermelhas, equipe esportiva de Washington), que foram constrangidos pelo “politicamente correto” a mudar seu belo nome, símbolo e uniforme, porque seriam preconceituosos. Definitivamente não eram! Eu os vi, eram símbolos esteticamente perfeitos, conhecidos e vigorosos. Mas basta acusar. Na mesma linha, uma banda norte-coreana precisou alterar seu clipe com milhões de visualizações porque, em certo momento, aparecia uma divindade hindu.

         Aqui no Rio Grande do Sul houve uma tentativa de mudar o quase bicentenário Hino Rio-Grandense por racista e escravocrata... Tais tolices já não se restringem ao Ocidente, onde os mesmos segmentos enquanto zelam pelo que lhes é peculiar, deitam e rolam em cima do cristianismo, seus símbolos e presença na cultura dos povos. Vão além e espalham pelo mundo objetivos globalistas, fazendo com que o muito dinheiro de uns sustente o fanatismo de tantos e todos sirvam ao projeto de poder de outros mais. Quem defende such bullshit afirma ser teoria conspiratória identificar aí um projeto de dominação. Descobriram que pessoas bem educadas e respeitosas se constrangem quando acusadas de discriminar algo ou alguém e, facilmente, se transformam em propagadoras, por adesão, daquilo que deveriam, com firmeza, rejeitar.

         A senhora com o turbante portava o adereço por considerá-lo bonito. Diante do espelho, lhe caía bem aos olhos. A esquerda precisa decidir se quer o multiculturalismo ou se quer dividir a sociedade em guetos culturais. Não dá para querer o multiculturalismo quando convém para exigir tratamento privilegiado e rejeitá-lo quando não serve à causa.

Pertencer a algum grupo minoritário não é fonte de direito.

***

         O senador Alessandro Veira e os deputados federais Tábata Amaral e Felipe Rigoni querem reincluir no edital do Programa Nacional do Livro Didático para Ensino Fundamental I (6 anos ou +) questões de gênero, orientação sexual, homofobia e transfobia, violência contra a mulher, racismo etc..

         O fato é que o projeto de dominação existe, financiado e, em boa parte, proporcionado por grandes corporações que atuam atrás do palco, em circuito mundial, num espetáculo representado por ativistas políticos. Como toda a empreitada da esquerda, é operada por gente que não sabe perder.

         Para o globalismo e a Nova Ordem Mundial, temas nacionais e morais são irrelevantes porque é um projeto internacionalista e sua moralidade é muito simples: consiste em ser frontalmente avessa, de A a Z, aos princípios e valores compartilhados pelo Ocidente. Sua preservação, num ambiente de liberdade, deveria ser tema central de nossas preocupações.

***

         Nestes dias, muitos olham para a realidade mundial e só veem a Covid-19. Há muito mais do que isso a preocupar quem observa a movimentação das peças. Negar o flagrante antagonismo instalado mundialmente, em nome de uma boa convivência impossível, é estupro consentido. O enfrentamento político é inerente à democracia. Talvez nunca quanto neste período o voto consciente se fez tão necessário, dada a suprema natureza dos bens em jogo.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

23/02/2021

 

Percival Puggina

 

Alguém precisa informar aos ministros do STF, em especial aos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, que há uma diferença entre aquilo que chamamos instituições e democracia propriamente dita. As instituições são importantes, mas são instrumentais. Muitas vezes, o apreço à democracia impõe ao cidadão consciente o dever de se manifestar quando alguma instituição age em desfavor ou contra a democracia, ou passa a atacar a vontade manifesta nas urnas, ou quando o Judiciário assume papel de oposição ao Executivo. Ou ainda quando projetos de interesse nacional são esterilizados nas gavetas dos presidentes da Câmara e do Senado e quando denúncias contra membros de algum poder não são sequer examinadas como determinam os regimentos internos.

A sociedade, por outro lado, tem direito natural às próprias percepções. Só alguém cuja vida política se conduz às apalpadelas, ou submetida exclusivamente aos próprios interesses, não percebe que há uma carência de funcionalidade em nossas instituições, em nossos poderes de Estado.

A insensibilidade quanto a isso, a ignorância dessa realidade por parte das elites dirigentes do país dói. Dói em quem não deveria. Dói nos cidadãos pagadores de todas as contas. Dói mais, sempre, nos mais carentes. Dói em quem arduamente produz e escassamente consome. Dói nas perdas causadas pela instabilidade institucional que marca todos os períodos democráticos de nossa história republicana. Se algo assim não berra aos ouvidos e não fulge aos olhos de um ou de vários ministros do STF, a ponto de dizerem que o clamor decorrente age contra a democracia, então fica evidente que quem o diz se perdeu no bê-á-bá dos problemas nacionais. E das dificuldades alheias. No conhecimento e no convívio de suas excelências, os seres humanos mais parecidos com povo são os serviçais de suas residências.

Em palestra realizada hoje, neste dia 22 de fevereiro em que escrevo, o ministro Alexandre de Moraes afirmou:  “Se é verdade que o Brasil vive o mais longo período de estabilidade democrática de toda a República, a partir da Constituição de 1988, também não é menos verdade que com essas milícias digitais estamos sofrendo o mais pesado, o mais forte, o mais vil ataque às instituições e ao Estado democrático de direito”. Se para o ministro “estabilidade democrática” consiste em haver eleição na periodicidade certa e na sequência prevista, então Cuba é uma referência democrática há 62 anos.

Nossas instituições – exatamente elas, em seu desalinho e concepção irracional – proporcionam uma incessante instabilidade política que se reflete em tudo mais! Saímos de uma crise para outra, de um escândalo para outro. Crises e escândalos, todos, vão ficando para trás. Aquelas, as crises, sem solução porque as causas persistem; estes, os escândalos, escorados na mais reverente impunidade. Nossa bolsa de valores está sempre à beira de um ataque de nervos, à espera de um mal súbito, ambulâncias à porta. O mundo não vê o Brasil como um país de boa governança e estabilidade política e jurídica.

A desditosa combinação de um STF herdado de tempos enfermos e um Congresso Nacional de reduzido padrão moral proporciona partidos políticos em excesso e eleições custosas ao contribuinte. Mandatos são obtidos com verbas públicas de distribuição obscura (para dizer o mínimo), em eleições não auditáveis. Um grupo político hegemônico como o antigo PRI mexicano se instituiu e opera na base de todos os governos há 32 anos e há quem veja azul a grama dessas realidades. Definitivamente, os problemas que perturbam a nação não são os mesmos que afetam a sensibilidade dos ministros do STF. Suas desavenças com alguns jornalistas militantes e as ditas “fake news” são infinitamente menos importantes que as fake analysis cotidianas da grande mídia militante e a ação política exercida por membros do Supremo.

Ninguém está tão longe da solução quanto quem sequer percebe que a democracia em nosso país tem problemas institucionais infinitamente maiores que os que possam ser causados por meia dúzia de jornalistas nas redes sociais. Essa é a mais escancarada manobra diversionista da história do Brasil.

*   Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

20/02/2021

Percival Puggina

Depois da sexta-feira negra, da Black Friday da Câmara dos Deputados, quando a dignidade do Poder Legislativo foi negociada no baratilho do oportunismo de uns e da covardia de outros, não me peçam devoção às nossas “instituições”. A irracionalidade de nosso modelo institucional faz do país um sanatório.

Elas impõem frustrações aos cidadãos, à normalidade da vida e à estabilidade política. Elas criam obstáculos à liberdade, à ordem, ao progresso, à justiça e à segurança. Querem mais?  Elas vivem no fausto, desprezam a razão e manipulam as leis. Não me peçam devoção. Não me peçam fé e esperança. Nem me peçam caridade ante os abusos e absurdos que cotidianamente exercitam.

Enquanto transcorria a sessão que entrará para as páginas sombrias da história de nossa mal nascida República, percebi quanto os oradores fugiam do tema principal, para fazer aquilo que chamam de “política”, de “enfrentamento”, quando não simplesmente de “luta”. O real assunto da sessão era a absoluta ilegalidade praticada pelo Supremo Tribunal Federal ao homologar a ato arbitrário com que o ministro Alexandre de Moraes realizou sua vendeta pessoal contra o deputado Daniel Silveira. Flagrante, se  houve, foi este: o desafio do STF à Câmara dos Deputados.

Os que, em plenário, invocavam o fantasma do quase sexagenário AI-5 para atacar seus opositores homologaram o AI-5 do STF. Como registrou de modo brilhante o deputado Marcel Van Hattem, a Câmara dos Deputados não herdou a dignidade dos seus pares de 1967 que recusaram o pedido de autorização para prisão do deputado Márcio Moreira Alves. Ali nascia o AI-5. E se poderia ainda acrescentar: o STF, na composição legada à pátria pelos governos petistas, fez o que nem os generais de então ousaram fazer. Prenderam na marra aquele cujo falar os incomodava.

Daniel Silveira é um desrespeitador, atrabiliário. Um subproduto das liberdades democráticas. Mas é um membro do Congresso e a Câmara dos Deputados foi desrespeitada com sua prisão. O STF, por seu turno, desrespeitou o parlamento e o devido processo. Vendeu por lebre uma ninhada de gatos jurídicos para criar um flagrante impossível. Ao aprovar por unanimidade a absurda decisão, tomada no contexto de um inquérito intimidador que é outra ninhada que mia, o Supremo trocou por corporativismo o direito de exigir mesuras.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o presidente da República, assiste. Num cenário em que a loucura se impõe em nome da sanidade das instituições é acusado de ser o que outros efetivamente são e de fazer o que outros efetivamente fazem. É acusado de conspirar quando os demais conspiram. Imputam-lhe aspirar por um AI-5 que já está vigorando e veste toga.

***

O nível da sessão de ontem vinha ao rés do chão quando as mais veementes defesas da democracia saíam aos gritos da boca de parlamentares que se têm como compañeros de Maduro, dos Castro e de qualquer ditador comunista com prisões repletas de presos políticos.

Escrevo este artigo na manhã de sábado, dia 20 de fevereiro em estado de náusea cívica. Nunca pensei que os ministros do STF, que tantas vezes já foram longe demais, que convivem com colegas tão boquirrotos e valentões quanto o deputado preso, que a toda hora “constitucionalizam” o seu querer, fossem capazes de fazer contra um congressista, unanimemente, algo que nem os generais de 1967 fizeram. Nunca pensei que o Congresso fosse entregar os dedos para conservar os anéis. Nossos dedos foram junto. Que dia triste!

*    Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

18/02/2021

Percival Puggina

 

         Faltou apenas o chargista. O plenário do STF, se desenhada sua decisão, mandou o deputado Daniel Silveira para a cadeia de modo cesáreo, virando os polegares para baixo. Ninguém esperava, é claro, que o voto do relator pela manutenção da prisão fosse de gravar no mármore das mais nobres cortes. Mas tampouco se esperava o que veio: um amontoado de motivos por falta de razões de Direito.

         Não aprovo os modos do parlamentar a quem jamais vi. Congressista boquirroto, contudo, não deixa de ser congressista. Deputado malcriado, desaforado, preserva suas prerrogativas. Ministros do STF, boquirrotos e desaforados, não deixam de ser ministros. O caminho natural dos excessos de parlamentares é a Comissão de Ética; dos ministros, é o Senado Federal. Para uma Corte tão liberal em soltar presos condenados por crimes reais contra a nação, a prisão do referido parlamentar soa como vendeta.

Embora tendo tido o privilégio de desfrutar, nos últimos anos de sua vida, da amizade e consideração do ex-ministro Jarbas Passarinho, discordo de meu saudoso amigo em relação ao AI-5. Talvez tenha, eu, uma visão parecida com a do deputado em relação a 1964. Mas em que sentido estes temas podem entrar numa decisão sobre prisão preventiva, exceto para revelar preconceitos ideológicos do juiz de acusação (existe essa figura no Direito brasileiro?). Como justificar que até mesmo a perspectiva desde a qual o deputado vê fatos da nossa história tenham entrado no voto do ministro relator? Parece que quem expressa tal visão do AI-5 e dos acontecimentos de 1964 não pode, mesmo, andar solto no país comandado pelo STF. Quero dizer: no país do STF formado ao tempo da hegemonia esquerdista.

         Se um professor pode criar narrativas históricas por interesses políticos e ideológicos em nome do direito de opinião e das prerrogativas da cátedra, muito maiores e mais legítimas são as prerrogativas constitucionais dos membros do Congresso Nacional.  

         O ex-deputado Roberto Jefferson, mensaleiro no primeiro mandato de Lula, levou apenas três minutos para demolir a tese da suposta “prisão em flagrante”, por mandado, no recinto do lar, em horário noturno, tendo o vídeo postado no YouTube como elemento sempre atual do crime praticado. Deputado só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável. A tese então, unanimemente acolhida pela Corte, como bem apontou Roberto Jefferson, foi a do “flagrante perenemente possível” para autor de qualquer texto, fala ou imagem que, sendo objeto de publicação, exiba conteúdo considerado criminoso.  

         A decisão unânime de ontem tem a mesma elasticidade daquela, anterior, que transformou o território nacional em “sede ou dependência do STF” para justificar a criação do chamado Inquérito do Fim do Mundo. Conforme foi então decidido, crimes contra ministros, embora cometidos desde o leito do rio Purus, de dentro d’água, numa canoa, são entendidos como ocorrências na sede ou dependências do Tribunal. Aplicam-se, então, a tais crimes, os procedimentos que o sentir do mundo jurídico brasileiro repele.

         Assim, de elasticidade em elasticidade, de jeitinho em jeitinho, de engenhoca em engenhoca, os críticos dos regimes de exceção vão criando seu próprio regime de exceção.

        

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

16/02/2021

 

Percival Puggina

 

         A meu ver, as Campanhas da Fraternidade (CFs) desvirtuam a Quaresma. Já a CF Ecumênica 2021 é uma coletânea de erros. Aprendi na catequese que, ao reconhecimento do mal feito devem sobrevir, às consciências bem formadas, o arrependimento, a correção e o pedido de perdão. Não é, porém, o que faz a nota oficial (1) com que a CNBB, por seu presidente, pretendeu explicar o inexplicável. Ao reconhecer que algumas das afirmações do texto-base “têm causado insegurança e perplexidade”, ela sinaliza a percepção de haver convalidado algo equivocado. Essa consciência do erro cometido fica bem nítida, pouco adiante, quando reassegura a validade da doutrina católica sobre temas que o documento contradiz.

         Seria inútil continuar calcando no já foi repisado em tantas manifestações havidas nos últimos dias nos ambientes católicos de todo o país. A CNBB sabe que errou, mas orgulhosamente sustenta o erro e, com a nota oficial, dá por explicado o inexplicável. O que me faz considerar patética a manifestação da entidade é o fato de ela adotar, como epígrafe, uma citação da 1ª Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses: “Não apagueis o Espírito, não desprezais (sic) as profecias, mas examinai tudo e guardai o que for bom” (1 Ts 5,21). Apesar de o texto do Apóstolo ter sido maltratado com conjugação verbal errada, entende-se o sentido da frase. E também se entende o motivo da supressão do versículo que a segue: “Guardai-vos de toda espécie de mal”.

         Estará cumprindo seu dever pastoral uma conferência episcopal que aprova, imprime e vende aos fieis dos mais variados níveis de formação e compreensão um texto que ela mesma reconhece conter erros? O que isso tem a ver com guardar os fieis de toda espécie de mal? Que tipo de argumento é esse que pretende assemelhar equívocos do texto-base a “profecias” que não devem ser desprezadas, mas “examinadas”? Isso é patético!

         A simples correção fraterna que não corrige, como vem sendo feita há tanto tempo em Assembleias Gerais da CNBB, recomenda outras providências, que não me cabe sequer sugerir. No entanto, a caridade entre os irmãos não pode fechar olhos aos danos causados à missão da Igreja como “mãe e mestra, perita em humanidade” num país que tanto necessita da ação de seu clero. A imprudência pastoral tem um custo espiritual muito elevado para ser negligenciado.

         Que esta Quaresma em tempos de quarentena nos conduza para a revisão de vida, a penitência e a oração, na companhia amorosa de Maria Santíssima, Mater Dolorosa de todas as Quaresmas.

(1)  https://www.cnbb.org.br/presidencia-da-cnbb-divulga-nota-sobre-a-campanha-da-fraternidade-ecumenica-2021/

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.