Percival Puggina

12/09/2017

 

 Se dependesse da arte de representar eu estaria sujeito à morte por inanição. Não consigo imitar sequer a mim mesmo. Por isso, aprecio o dom e o talento dos bons imitadores, especialmente se associam essa capacidade com a produção de textos de humor para, com sua dicção, desempenharem tais habilidades.

 O ex-presidente Lula tem sido um prato cheio para imitadores. Recentemente, circulou nas redes sociais um áudio em que ele estaria falando com Rui Falcão sobre o desastre que representava o depoimento de Palocci. Numa torrente de palavrões, tendo ao fundo sons do Jornal Nacional para dar foros de veracidade à gravação, o ex-presidente esbravejava contra o delator por estar "entregando tudo".

 Semana passada, a coluna Painel, da Folha, contou que o deputado Fábio Faria (PSD-RN) ligou para seu colega Dudu da Fonte (PP-PE) fingindo ser Lula e gravou a conversa. O pernambucano, ao ouvir a voz do outro lado da linha perguntando-lhe se estava em Brasília e se poderia conversar, exclamou exultante: "Presidente, que saudade!".

 Ainda que Lula suscite afeto políticos, parece mais provável que tais efusões estejam referenciadas aos tempos de bonança que a conjuntura internacional proporcionou aos países em desenvolvimento nos primeiros anos deste século. Eram tempos em que se consolidou na América Ibérica o prestígio de alguns governantes com estratégias populistas semelhantes às de Lula: os Kirchner, Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega. De todos, tirante o destino incerto do "bolivariano" refundador da Venezuela, o brasileiro é o mais encrencado, tal a teia de corrupção em que se envolveu.

 O desditoso petista se tornou o pior imitador de si mesmo. Os demais que o arremedam têm o humor a seu favor. A gente os ouve e ri. Lula nem isso. O que dele se escuta é pura falsificação, hipocrisia, bazófia, num script composto para colher aplausos de um público descrente mas aprisionado na rede dos favores. Os pequenos favores ao rés do chão; os grandes favores no alto do palanque.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/09/2017

 

 Foi cancelada a desrespeitosa mostra de quem exige respeito. Fechou a sectária exibição de quem se diz pela diversidade. Cancelaram a pornográfica exposição que degradava a homossexualidade. Neste último domingo (10/09), o Santander Cultural suspendeu o Queermuseu. Antes tarde do que nunca.

Nas 48 horas anteriores à decisão, a mobilização popular avolumou-se nas redes sociais e constrangeu o Santander a encerrá-la com um explícito pedido de desculpas aos que se declararam ofendidos. Não vou divagar sobre arte porque é um debate fora desta pauta e porque, sobre tais temas, nunca se entenderão artistas, críticos de arte e acadêmicos, seja entre si, seja uns com os outros. Meu interesse tampouco vai para o Queermuseu. O mundo da cultura deve estar aberto às possibilidades da criação humana. Pessoalmente, como não vou a exposições para sofrer, compareço apenas às que me concedem prazer estético. E não seria este o caso.

O que me traz ao tema são as imagens que vi e que clamavam por protesto da sociedade e providência dos responsáveis. Convenhamos, uma exposição aberta ao público infantil exibindo atos de zoofilia, figuras de crianças em sugestões de pedofilia, e desrespeitosas à fé religiosa da maioria da população? A quem se sente discriminado e se declara objeto de preconceito, o tal museu não faz muito para ajudar. Bem ao contrário, num centro cultural importante da cidade, com direito a curadoria, coquetel de abertura e cobertura de imprensa, exibia um mosaico de aberrações.

Como pode exigir respeito quem não respeita os demais? Como pode pretender o devido reconhecimento social quem tolera ter sua diversidade representada por aquelas imagens? Numa inépcia monumental, a exposição favoreceu a atitude oposta. A ação teve o intuito de agredir emocional e espiritualmente, e alcançou o que pretendia - rejeição emocional e espiritual. O presidente do Santander Cultural, hospedeiro do evento, às vésperas da decisão pelo fechamento, ainda insistia em que o Queermuseu "está ancorado em um conceito no qual realmente acreditamos: a diversidade observada sob aspectos da variedade, da pluralidade e da diferença". Só faltou combinar com o conteúdo.

Tem tudo a ver com este caso a persistência e a intolerância ululantes nas galerias dos parlamentos, em meio a coloridos arcos-íris, sempre que a abordagem de questões de gênero em ambiente escolar infantil e juvenil recebe veto legislativo. Chega a ser molestador, doentio, esse desejo de influenciar a sexualidade infantil dentro de sala de aula com a ideologia de gênero! Pois a mesma suspeitíssima fixação com a sexualidade das crianças compareceu ao evento proporcionado pelo Santander Cultural. Crianças merecem amor, respeito e zelo.

Esclarecimento ao leitor destas linhas: quem pagou a conta desse despautério? Você, claro. Quem mais haveria de ser? O projeto foi desenvolvido pela Lei de Incentivo à Cultura, com apoio do Ministério da Cultura e Governo Federal.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/09/2017

 

 Acabei de ler dois artigos na edição de hoje de ZH. No primeiro, o economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, também membro do Grupo Pensar+, mostra que no governo de Tarso Genro (2011 a 2014), a folha de pagamento cresceu nominalmente 61% (2,3 vezes a inflação do período) enquanto a receita aumentou 40%. No biênio seguinte, já na gestão de José Ivo Sartori, a folha incorporou novos R$ 3,7 bilhões, sob impulso de reajustes concedidos na gestão anterior em parcelas que se projetam até o ano que vem. As decisões legislativas que penduraram parte dos aumentos no prego da administração atual eram declamadas em prosa e verso na tribuna e festejadas nas galerias da Assembleia Legislativa. Até que...

 Até que o inevitável acontecesse, dando motivo ao segundo artigo das minhas leituras matinais neste 8 de setembro. A autora, Marisa Piedras, é professora e se queixa do atraso do pagamento de salários, que transforma os servidores em miseráveis "à espera de esmolas mensais". A qualificada articulista, mestre em Letras, descreve, com palavras extraídas de profunda aflição pessoal, a penúria a que o parcelamento conduz os servidores do Executivo. E conclui: "Caríssimo governador, pare de parcelar nossos salários, é só isso".

 Ah, se fosse tão simples assim! O autor do primeiro artigo ajuda a entender os fatos que dão causa à angústia da professora e de centenas de milhares de servidores estaduais:
 "Se a folha de pagamento tivesse sido reajustada pela inflação acumulada (51%), o que é plenamente aceitável em momento de crise, ela iria para R$ 20,3 bilhões em 2016. E, com isso, ficaria R$ 5 bilhões a menos do que R$ 25,3 bilhões citados. Com essa economia, o déficit estadual seria eliminado e, em decorrência, os atrasos de pagamento dos salários."

 Isto, sim, teria sido simples e adequado ao bem de todos. Mas, sabidamente, os aplausos das galerias teriam sido substituídos por vaias que ninguém gosta de ouvir, vaias que requerem dose adicional de responsabilidade e vontade política. A propósito, bem mágicas estas duas palavrinhas. Muitos creem que "vontade política" é uma disposição moral que opera como varinha de condão, capaz de transformar a realidade. De certo modo é o que a professora do artigo pede ao governador e, por isso, podemos construir assim sua frase final: "Governador, tenha vontade de nos pagar em dia".

No entanto, "vontade", na vida pública ou privada, na vida social ou individual, não é um atributo que nos permite fazer o que queremos por disposição do próprio querer, mas é um atributo moral que nos orienta a fazer o que devemos quando muito mais fácil e prazeroso seria fazer o que não convém. Vontade política faltou à maioria da Assembleia e ao governo anterior na hora de dizer "não". E isso vale tanto mais para os salários excessivos dos nichos privilegiados do setor público!

Por isso, concluo esta breve reflexão em companhia do sempre bom Padre Vieira: "Quem quer mais que lhe convém, perde o que quer e o que tem".

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

07/09/2017

 

 Frequentemente, é a ganância das vítimas que viabiliza as atividades de quem vive de vigarices. Nesse tipo de golpe, o espertalhão se apresenta como alguém meio ingênuo que oferece ao alvo escolhido um negócio muito vantajoso. Seduzida pela possibilidade de um ganho fácil e rápido, a vítima agarra a oportunidade com as duas mãos. Foi o que fez o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, quando contatado para a delação dos donos da J&S. E caiu num espetacular conto do vigário.

 À medida que os fatos vão sendo revelados, percebe-se que Janot estabelecera uma agenda para que o final de seu mandato ocorresse em clima de verdadeira apoteose. Ele teria sido o homem que denunciara o presidente da República, parte expressiva dos grandes figurões dos três últimos governos e, por fim, enquadrara toda a cúpula do PT, incluindo dois ex-presidentes, apontando Lula como o chefe da organização criminosa. Batman e Robin trabalhando juntos não fariam melhor no combate ao crime organizado. No entanto, a pressa em construir seu gran finale restringiu a prudência e lhe proporcionou, bem ao contrário, um grosso fiasco.

 Na emoção de derrubar Temer, o procurador-geral não hesitou em ajustar com seus supostos colaboradores um verdadeiro Powerball na loteria das delações. Quem viveu para ver, viu, porque nunca mais alguém terá uma vida de crimes recompensada com tanta cortesia oficial. Foi-nos dada a oportunidade de contemplar, boquiabertos, fraudadores de muitos bilhões, corruptores de mão cheia, deixarem o país cercados de seus mais sofisticados bens e sob a proteção de salvaguardas principescas. Comprado o gato como se lebre fosse, Janot levou o bichano ao ministro Edson Fachin, que lhe alisou o pelo e assinou no lado esquerdo da operação. Dias depois, em meio a indignado clamor nacional, o plenário do STF carimbou e selou o negócio tal como fora feito. Nunca antes um golpe do vigário foi tão sacramentado.

 Agora, quando as novas gravações tornam ainda mais afrontosa a complacência do acordo feito com os Batista Brothers, quando o ministro Fachin faz cara de paisagem e quando a ministra Cármen Lúcia pede investigações urgentes e rigorosas, o ministro Fux, prima pela prestidigitação dos fatos, dizendo que os dois irmãos "enganaram o MPF e a sociedade". Opa, ministro! Deixe-nos fora dessa. Os enganados, na lambança, foram o MPF, o procurador-geral e o STF. Desde as primeiras notícias, a sociedade, pagadora de todas as contas, escandalizou-se com as imprudências que cercaram a delação e com o assombroso acordo que a recompensou e os senhores endossaram. Queira Deus que a embrulhada não afete o instituto da colaboração premiada nem invalide o conjunto probatório nela produzido!

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

04/09/2017

 

 Há alguns dias, na apresentação do programa Estúdio I (GloboNews), a jornalista Maria Beltrão entrevistou um casal que decidiu atribuir nome neutro a seu bebê, a quem não tratam como menino ou menina, para que a "identidade sexual" da criatura venha a ser resultado de escolha ou escolhas a fazer no futuro. Durante um bom quarto de hora ambos discorreram sobre o tema, estimulados pela entrevistadora, enquanto esta e demais membros do colegiado opinativo intercalavam expressões de admiração e reverência àquela notável efusão de sabedoria e responsabilidade parental. A ninguém ocorreu perguntar que tipo de escolha pode fazer quem sequer sabe o que é porque não lhe é permitido saber.

 Impossível desconhecer a existência, no Ocidente, de uma articulação para impor as teses da ideologia de gênero através, principalmente, da comunicação social e do sistema de ensino, mirando de modo resoluto e implacável a população infantil. A ideologia de gênero já integra o patrimônio vitorioso do "politicamente correto". Quem vê equívoco no que aquela dupla está fazendo com o bebê, acolhe imediatamente os adjetivos homofóbico, sexista, machista e preconceituoso.

No ano passado, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, motivada pela apresentação do projeto de lei da Escola Sem Partido, emitiu uma Nota Técnica sustentando a inconstitucionalidade do projeto. Nela se lê:
“O que se revela, portanto, no PL e no seu documento inspirador é o inconformismo com a vitória das diversas lutas emancipatórias no processo constituinte: com a formatação de uma sociedade que tem que estar aberta a múltiplas visões do mundo; com o fato de a escola ser um lugar estratégico para a emancipação política e para o fim das ideologias sexistas – que condenam a mulher a uma posição naturalmente inferior, racistas – que representam os não-brancos como os selvagens perpétuos, religiosas – que apresentam o mundo como a criação dos deuses, e de tantas outras que pretendem fulminar as versões contrastantes das verdades que pregam”.

A procuradora federal que assina essa nota técnica, Dra. Deborah Duprat, em debate com o Dr. Miguel Nagib, do Escola Sem Partido, afirmou textualmente: "Ademais, essa percepção equivocada de que a criança pertence à família; que a família tem um poder absoluto (!) sobre a criança - isso não é verdade. A constituição diz que a criança é um problema (?) da família, da sociedade e do Estado. A criança recebe educação na família, mas precisa ser preparada para o espaço público". A construção do espaço público tem uma arquitetura bem clara na mente da Dra. Deborah e ela não admite divergência. Quando a lei federal removeu a ideologia de gênero da Base Nacional Curricular Comum, os burocratas do MEC tentaram impô-la às unidades federadas através de ato administrativo. Mas se fazia necessária a aprovação pelas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. E quando os legislativos começaram a derrubar a proposta, a Dra. Deborah voltou à carga requerendo ao PGR Rodrigo Janot que questionasse junto ao STF a constitucionalidade dessas leis locais restritivas.

O que a jornalista Maria Beltrão e seu colegiado opinativo politicamente correto desconhecem, escudados pela Dra. Débora Duprat (que conhece bem) é que a ideologia de gênero serve-se de algumas minorias, para a ruptura marxista da ordem familiar. A ideologia de gênero é, então, meramente instrumental. O roteiro vai adiante com sua substância política, deixando para trás seres humanos cuja identidade - logo ela - vira uma torre de Babel sempre em construção. Não sei o que mais possa ser adulterado, depois disso, para aprofundar a desumanização do humano.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/09/2017

 

 Gilmar Mendes está condenado nas várias instâncias da opinião pública. Foram-lhe concedidos todos os prazos. Boquirroto, quanto mais fala, mais ajuda aqueles que o acusam. Disse e continuará dizendo o que bem entende porque o Senado Federal, a quem caberia processá-lo por crime de responsabilidade, raramente faz o que deve. Hão de recear, os senadores, aquela ira teatral que afina a voz e engrossa o vocabulário.

Sua toga tem servido como manto protetor para autênticos inimigos públicos. Não vou, aqui, examinar todo o prontuário do ministro, de quem já se disse que faz bico no Supremo, tantas e tais são suas atividades fora do operoso quadrilátero do STF. Foi ele quem soltou o médico estuprador Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão.
De uns tempos para cá, tomou gosto e não parou mais. Assumiu-se como “garantista” (dos réus, não da sociedade), por uma questão de princípio e como proclamada expressão de sua “coragem moral”. Arre! Realmente é preciso ter coragem! Dos dois pólos da corrupção ativa e passiva vem devolvendo ao aconchego do lar pais amorosos, maridos fidelíssimos, empresários profícuos. A Lava Jato esguicha e ele seca.

Sua mais recente obra-prima foi a libertação do “rei do ônibus”. Alega o ministro que os três níveis de relação que o aproximam do réu não constam entre os casos de impedimento discriminados no Código de Processo Penal. Sim. E daí?

Isso não significa que a proximidade não exista, nem que os fatos deixem de estarrecer quando é concedida liberdade a um réu que já fora apanhado com a mala na esteira do aeroporto e passagem apenas de ida para Portugal. Isso não significa que não haja uma contradição entre a sensibilidade “garantista” do ministro e a percepção nacional sobre suas decisões. Ele bem poderia dispensar-se do impedimento para recusar o habeas corpus do réu, mas para concedê-lo... por favor!

Claro que ele não está só. Claro que o Supremo tem extensa folha corrida de proteção aos criminosos políticos e endinheirados. Claro que a lista de congressistas presos por determinação do STF e mantidos presos não tem mais de dois ou três nomes. Claro que há, na Corte, uma bancada "garantista" que se rebela, inclusive, contra a decisão, até bem pouco majoritária, que determina cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Tudo isso é tristemente verdadeiro no reino da impunidade. Gilmar Mendes, porém, se destaca entre seus pares pela arrogância com que afronta a opinião pública, considerando que discordar dela seja corajoso dever de ofício e que concordar com ela seja covardia. Que coisa, não? Nossa opinião virou alimento dos covardes.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.



 

Percival Puggina

30/08/2017

 

 Os venezuelanos pedem socorro. Não, não são todos. Lá, como em quaisquer regimes totalitários, graças à fé doentia nas lideranças revolucionárias ou aos favores que recebe ou espera receber do Estado, parte considerável da população está alinhada com a ditadura. Os que a ela resistem se defrontam com as forças militares e com as milícias armadas pelo regime.

Pobre povo venezuelano! Foge pelas fronteiras e conta mortos nas ruas. Tudo se passou como se uma velha garrafa jogada do malecón habanero em meados do século passado, houvesse atravessado o Mar das Caraíbas, arribado no pedregoso litoral venezuelano e ali se quebrado, espargindo uma torrente de maldições semelhantes às que se abateram sobre Cuba. Sim, porque quase tudo na Venezuela segue o funesto ritual cubano: crescentes restrições às liberdades políticas, manipulações eleitorais, cerceamento da oposição e prisão de dissidentes, intervencionismo estatal, tabelamento de preços, sucateamento do parque produtivo, escassez. E, desde 2013, a versão bolivariana, eletrônica, da libreta de racionamento. Quando esta começou em Cuba, no ano de 1963, foi muito mal recebida pela população. Era uma forma de proporcionar, a um povo que empobreceu rapidamente após a revolução, alimento subsidiado em quantidades mínimas. Passados 54 anos, o Estado cubano continua se apropriando da totalidade da renda nacional e remunerando a população em servidão com salários mensais que apenas compram três quilos de leite em pó. A libreta se adelgaçou a menos da metade do conteúdo original, mas os cubanos reagem às propostas para extingui-la, porque "con la libreta nadie puede vivir, pero sin la libreta hay mucha gente que no puede vivir".

Diferentemente de Cuba, a Venezuela era rica, petroleira, membro da OPEP. O comunismo, que afundou a economia cubana em três anos, levou 17 para arruinar o país. Mas nada é impossível a esse ogro político-ideológico. Se o comunismo conseguiu manter na miséria metade da Alemanha durante 44 anos, não seria uma republiqueta bolivariana que haveria de resistir a seu poder de destruição.

Os venezuelanos estão famintos. Matéria da United Press International em fevereiro deste ano informou sobre uma pesquisa desenvolvida por três universidades venezuelanas (Universidade Central da Venezuela, Universidade Católica Andrés Bello e Universidade Simão Bolívar). Os resultados foram assustadores! Em meio à crise de alimentos e medicamentos, a população perde peso em proporções alarmantes. Um milhão de estudantes abandonaram a escola.

or quê? Blackouts, greves, fome. A renda de 82,8% dos venezuelanos os classifica como em estado de pobreza. O FMI estima que a inflação do país atingirá 1600% no corrente ano e a Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe avalia uma redução de 4% no PIB nacional.

Matéria do El Nacional do dia 16 de agosto passado mostra que se repete na Venezuela um fenômeno generalizado no comunismo: até as vacas param de dar leite e a população apela para éguas e cabras. A falta desse produto agrava a mortalidade infantil por desnutrição e doenças digestivas.

Nesse cenário é impositivo perguntar: para onde se deve mover a sensibilidade de uma pessoa com senso de justiça e humanidade? Claramente, é o sofrimento da população que nos deve condoer. Em instância mais remota, será a ruína de um país vizinho e sua tragédia perante a história. Mas, para isso, é preciso ter senso de justiça e humanidade. Os dirigentes e militantes dos nossos partidos de extrema esquerda (PT, PCdoB e PSOL) olham para a realidade venezuelana e, entre o sofrimento da população sob seu governo comunista, ficam com o governo, apoiando-o para que ponha mais lenha no braseiro do inferno que criou.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

28/08/2017

 

 Por mais que se busque ocultar a influência do professor sobre seus alunos, por mais que Paulo Freire dissimule aquilo que realmente acontece nas salas de aula quando o adulto que sabe mais fala quase todo o tempo, marca a presença e dá nota, a realidade sai pelos corredores tão logo termina a classe. E essa realidade indica a influência do professor, num "saber" que se nivela pelo dele. Durante as recentes invasões de prédios escolares, vazaram cenas em que pequenos grupos (sempre foram praticadas por pequenos grupos, aquelas invasões) apareciam reunidos com um professor "trocando opiniões" e "construindo saberes". O fato de que, ao final, esses saberes e opiniões coincidissem com os do professor deve ser mera coincidência... Ou, então, nem isso, tornando-se mera obediência, como nos tantos casos em que os invasores, indagados por alguém, com uma câmera diante de si, não sabiam o que dizer sobre os motivos que os haviam levado a invadir a escola onde estudavam.

É inevitável que seja animada por um sentimento de ira a mente juvenil insistentemente estimulada a ver o mundo com olhos de oprimido, exposta à ideia ou à figura real de um suposto opressor indicado como causa de tantos males quantos se lhe possa atribuir. O trabalho anterior faz parte da "conscientização". A ira gera energia para a práxis. Che Guevara, por quem Paulo Freire nutria inequívoca estima e reverência, bebia dessa ira sem rolha nem dosador:

“Ódio como elemento de luta; ódio cruel do inimigo, impelindo-nos acima e além das limitações naturais das quais o homem é herdeiro e transformá-lo numa efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar.” (Trecho da Mensagem de Che à Tricontinental).

Por mais que o patrono vá em frente, falando sobre sentimentos nobres, a raiva é uma brotação que, em mentes imaturas, vai da interjeição mais desbocada à vidraça quebrada. Quando sai barata. E note-se que Paulo Freire sai em busca de exemplos ainda mais extremos, como os que foram da ira à luta armada. Entre eles, o comandante Fidel. Seria Fidel um pedagogo, na perspectiva de Paulo Freire? Teria Fidel algo a ver com esse professor que, supostamente, constrói seu odiozinho junto com os alunos? Parece que sim.

"A liderança de Fidel Castro e de seus companheiros, na época chamados 'aventureiros irresponsáveis' por muita gente, liderança eminentemente dialógica, se identificou com as massas submetidas a uma brutal violência, a violência de Batista. Com isso não queremos afirmar que esta adesão se deu tão facilmente. Exigiu o testemunho corajoso, a valentia de amar o povo e por ele sacrificar-se." Pedagogia do oprimido (ed. Paz e Terra, p. 94, ano 1994).

Sem comentários a esse suposto amor e sacrifício! Mas, diga-se de passagem, usar os seis anos da ditadura de Batista para justificar a ditadura totalitária e sanguinária criada por Fidel Castro – que, à época da publicação da Pedagogia do oprimido, já levava onze anos, mantinha um estado policial vigilante contra qualquer manifestação de dissidência, e se encaminha para o 57.º aniversário – vai além do dialógico porque atropela o lógico. É indefensável. Comparado com Fidel e as 22 mil vítimas de seu regime, Batista deveria ser conhecido como o Breve. E, talvez, até como o Compassivo. Legitimar uma ditadura totalitária comunista por uma anterior não comunista é apontar para uma rosca sem fim, é jogar pá de cal nas expectativas da bela ilha caribenha que ainda sonha, um dia,romper esse ciclo para se encontrar com a liberdade e a democracia.

A conscientização sobre a própria realidade, a raiva como motivadora para a práxis já produzem números. A edição de Zero Hora do dia 12 de agosto de 2016 exibiu reportagem com o tema da educação prejudicada por insegurança. São dados alarmantes porque se referem, precisamente, ao espaço e à atividade dos quais se esperam soluções para o problema civilizacional brasileiro. Afinal, é ali, bem ali, exatamente ali, que nossos pedagogos, saídos do forno onde é cozida a massa sovada pela pedagogia freireana, deveriam estar aplicando sua educação redentora, libertadora.

Oh, Paulo Freire, venha dar uma olhada no estrago!

Eis os números revelados por Zero Hora: 23.930 atos de indisciplina em sala de aula, 4.861 atos de violência física entre alunos, 4.811 agressões verbais a professores e funcionários, 1.275 depredações ou pichações dentro da escola, 294 casos de posse ou tráfico de drogas,199 agressões físicas a professores ou funcionários. E não eram números referentes a todas as escolas, nem cobriam um ano letivo inteiro. Os dados foram coletados em apenas 1.255 educandários estaduais (menos da metade da rede) e informavam ocorrências relativas a seis meses letivos (os dois últimos de 2015 e quatro primeiros de 2016). Então, no processo de "conscientização" e construção da cidadania, o caso da professora que levou um soco no rosto, é apenas um ovo quebrado, como o que ela considerou merecido por Dória, na omelete da revolução. Um entre milhares.

* Trecho do capítulo que escrevi para o livro "Desconstruindo Paulo Freire", adaptado a um fato bem recente.
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

25/08/2017

 Instalou-se entre nós uma justificada sensação de que os problemas são maiores do que nossa capacidade de os resolver e de que face os males do corpo social e político nacional, os anticorpos institucionais são insuficientes para combater as células malignas que o acometem.

Creiam-me, o Brasil é inocente, totalmente inocente. Inapto a qualquer protagonismo, o país, como tal, é vítima e não culpado dos males de que é acusado. Tudo que costumamos dizer sobre o Brasil, deveríamos transferir, por ação ou omissão, à sociedade brasileira. E esse é um dos aprendizados mais urgentes.

Nossas culpas são muitas e efetivas como nação. Não, não me atolarei no lugar comum de atribuir indiscriminadamente à sociedade o lixo arremessado pela janela do carro, a buzinada no trânsito e a venda sem nota. O que trago é muito mais sério. Refiro-me, entre outros desvios, à infeliz tentativa de criar um humanismo sem Deus porque o "politicamente correto" coíbe toda referência a Ele em espaço público. Refiro-me a uma sociedade que tem o dedo duro para as imperfeições alheias e jamais aponta o próprio peito por considerar mórbido e pernicioso examinar a consciência. Refiro-me a uma sociedade que busca a perfeição nas coisas exteriores, que usa o espelho, os cosméticos e a academia para fazer porcelana do barro de que é moldada, mas teme olhar fundo nos próprios olhos.

Ora, a qualidade que pertença ao todo de um corpo social se faz da qualidade das pessoas que o compõem; em nenhuma organização humana haverá qualidade que não esteja fundada nos atributos de seus membros, em todos os seus níveis. Não há como nem por que ser diferente em relação a uma nação.

Todos desejamos um Congresso Nacional composto por pessoas probas, responsáveis, competentes e dedicadas ao interesse público. Se tal anseio fosse atendido, nossas dificuldades institucionais, sociais e econômicas já estariam resolvidas. No entanto, a maior parte dos cidadãos brasileiros, na hora de escolher um parlamentar, busca alguém para cuidar dos seus interesses. E quanto mais privados forem, melhor. É assim que a alguns se creditam e perpetuam privilégios enquanto a conta segue, inexoravelmente, a débito de todos os demais, incluídas as gerações futuras.

Num viés oposto, salutar, ao escolherem no leque de alternativas proporcionado pelos candidatos a uma determinada cadeira, os eleitores interessados no bem do país deveriam orientar sua opção àquele com cujas opiniões melhor se identifiquem. E não por convergência de interesses pessoais ou corporativos. Para despachante de interesses qualquer um serve.

A inversão na natureza do mandato parlamentar é, também ela, uma forma de corrupção, problema de natureza moral, que atinge a finalidade mesma da política, corroendo a ideia de representação e originando um paradoxal filho da hipocrisia. Refiro-me ao eleitor - e como ele é típico! - que elege alguém para cuidar de si e fica indignado quando percebe seu parlamentar fazendo exatamente a mesma coisa, dedicado a seus próprios negócios ou negociatas.

No dia em que tais compreensões alcançarem parcela expressiva da sociedade brasileira muitos patifes que só causam dano à pátria perderão suas cadeiras.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.