Percival Puggina

13/11/2009
GOVERNO IRRESPONSÁVEL Nada há que justifique ou abrande o grau de irresponsabilidade com que as mais altas autoridades do governo se conduziram no episódio do apagão. Nada! Dezoito Estados brasileiros ficam sem luz e o governo só se preocupou com a repercussão política do fato. Culparam os raios, os ventos e as chuvas, quando nem chuvas, nem raios nem ventos poderiam ter dado causa ao que aconteceu. Do presidente da República ao ministro de Minas e Energia, passando pela ministra-chefe da Casa Civil, todos foram unânimes em dar o assunto por explicado e encerrado, quando ele não estava encerrado nem explicado. Mais grave do que o apagão em si é a decisão de atribuir o episódio a fenômenos incontroláveis, o que nos coloca sob a eminência de novos fenômenos e decorrentes descontroles. Mentiram para si mesmos, para os microfones, para os telefones e para as câmaras de tevê. Mentiram para a sociedade. Num país sério, tamanho acúmulo de mentiras, mesmo em tema de gravidade muito menor, derrubaria um governo. No Brasil, tudo pode e é pouco provável que a grande mídia se ocupe de denunciar o comportamento matreiro de suas excelências.

Percival Puggina

13/11/2009
O PIOR NÃO FOI O APAGÃO Pior é o presidente, primeiro, dizer isto: Nós não controlamos as intempéries, diz Lula sobre apagão Impaciente, presidente afirmou que questão do clima é delicada, porque o mundo é redondo Eu já disse várias vezes, seguiu ele: Freud dizia que tem algumas coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries ? declarou ele, acrescentando que dá um terremoto, o Japão faz casa de borracha, faz casa de papel, aqui no Brasil faz piscinão, piscininha. E completou: ? A gente não sabe o tamanho do vento, o tamanho da chuva. Sabe que, quando vem, tudo que a gente bolou, escafedeu-se. Então, essa questão do clima é delicada, porque o mundo é redondo. Se o mundo fosse quadrado ou retangular e a gente soubesse que o nosso território está 14 mil quilômetros de distância dos centros mais poluidores, torce pra ficar só lá. Mas o mundo gira e a gente também passa lá em baixo onde está mais poluído. A responsabilidade é de todos. E pior ainda é o governo, durante todo tempo, haver mentido descaradamente sobre o fato, atribuindo-o a raios de baixa intensidade que caíram a 20 km das linhas de transmissão.
11/11/2009
A carta a seguir transcrita foi enviada, por email, a um leitor. Penso que ela proporciona reflexões úteis ao visitante deste blog. Estou omitindo o nome do jovem a quem foi enviada para protegê-lo do vexame a que se expôs e deixo de transcrever a mensagem que ele me remeteu por ser desnecessário. Apenas ocuparia espaço da coluna. O texto abaixo é suficiente para intuir o que ele me manifestou a propósito do artigo ?O vampiro argentino?, sobre Che Guevara. Prezado jovem, Se eu não recebesse uma carta com a sua ficaria decepcionado. Afinal, você é o protótipo do personagem que descrevi em meu artigo. Seu fascínio por Che Guevara não precisa de razões. Aliás, você se recusa a fornecer razões. Ele para você é fetiche. É como tatuagem no traseiro. Não precisa explicar. Para sua informação: conheço Cuba muito bem. Estive lá duas vezes. A última em 2002. Estando lá fui vigiado, filmado pela polícia, conversei com pessoas perseguidas, que depois foram presas e passaram anos na cadeia apenas por divergirem do regime. Morei no apartamento de uma família cubana. Sei como eles vivem. Escrevi um livro inteiro (não meia página) sobre Cuba. Diferentemente de você, rapaz, a mim me interessou saber por que Che lutou e quais foram seus ideais. Por outro lado, o uso da palavra mentecapto foi seu e não meu. Mas você acaba justificando, em relação a si mesmo, o termo que emprega ao dizer que não lhe interessam razões, que, como se sabe, são decorrências da Razão, da cabeça e não do coração, nem da emoção, nem do palpite. Mente (intelecto, cabeça) capto (privado de) sacou? A expressão ?cidadãos de segunda categoria?, meu jovem, é de uso corrente entre os cubanos para referirem a condição em que se encontram no seu próprio país, onde os estrangeiros têm inúmeros direitos que a eles são proibidos. Mas você não quer nem saber, não é mesmo? É o que diziam os teólogos julgadores de Galileu quando ele queria lhes mostrar o universo com seu telescópio: ?Noi non vogliamo guardare!? Nós não queremos olhar! Mentalmente são seus contemporâneos. ?Ciudadanos de segunda!?, assim os cubanos designam a si mesmos em seu país, porque não podem ter acesso à internet, hospedar-se nos bons hotéis, mudar de cidade sem licença e, nem mesmo, freqüentar a bela praia de Varadero! Ciudadanos de segunda, que não podem comprar automóvel, moto ou ferro elétrico. Ciudadanos de segunda porque não podem sair do próprio país. Porque não podem dizer o que pensam. Mas nada disso interessa a você porque o que lhe vale é a emoção e a dedicação a um ideal... Ora, rapaz! Os bandidos também têm paixões. Amaram, sofreram e, sem vantagem pessoal, também se empenharam por seus ideais os terroristas chechenos que mataram duas centenas de pessoas, na maioria crianças, em um teatro de Moscou. Quantos oficiais da Gestapo se enquadrariam nesse mesmo perfil? Quantos líderes e membros da Ku Klux Klan também amaram suas esposas, seus filhos, seu país e agiram com a convicção de estarem, sob risco pessoal, fazendo a coisa certa? Não eram humanos e não levaram suas convicções ao martírio os terroristas que se arremessaram contra as Torres Gêmeas? Você sabia que os homens-bomba também morrem por seus ideais? Que os terroristas das FARC matam, seqüestram e morrem por seus ideais? Que os radicais islâmicos são todos idealistas? Movidos a paixão? Então comece a se preocupar com saber por que lutam os que lutam, o que motivam seus modelos (caso contrário eles viram fetiche), porque uma coisa é dar a vida pelos próprios ideais, e outra bem diferente é, em nome deles, sair a matar outros e a querer o sangue de todos aqueles de quem a gente diverge para, sobre esses cadáveres, implantar um inferno na Terra. Sonho e paixão adquirem sentido quando estão postos no bem. Aquele jovem que cuidou dos leprosos, segundo o relato dos Diários de Motocicleta, se você prestou atenção ao filme, passou a viagem lendo livros marxistas. Com o decorrer dos anos, os livros e suas ideias transformaram o jovem idealista Ernesto num homicida frio, que se definia como alguém com ódio no coração, como uma ?máquina de matar?, com sede de sangue. Vampiro, então. Ele não esperou que eu dissesse isso dele. Ele proclamou estas coisas sobre si mesmo. Sim, as ideias e as razões têm muita importância. Mas considero pouco provável que você perca cinco minutos pensando no que estou lhe escrevendo. Aliás, não escrevi aquele artigo para ser lido por jovens como você, cabeça feita por professores falsários, que contam meias verdades e devem considerar como troféu a cabeça de um aluno que não se interessa por razões nem pela Razão. Escrevi para aqueles cuja mente ainda não foi dominada. Escrevi para os que, se escrevem para um articulista fazendo objeções ao que ele expôs, se ocupam com tecer argumentos. Escrevi para os que têm interesse na Verdade, no Bem. Escrevi para os que amam a democracia, a liberdade e a justiça. Escrevi para os que sentem náuseas diante de um paredón. Escrevi para os que ficariam constrangidos ante a falta de liberdade do povo cubano. Não escrevi para você. De você eu queria apenas receber uma carta bem assim como a que me mandou. Você é a minha prova viva. Seu texto vai me servir para outro artigo. E você, repito, é um troféu na prateleira de quem sonha com uma juventude fetichista, que se abraça a líderes sem sequer perguntar o que os move nem qual a relação que mantêm com o bem, com a verdade, com a democracia e com a liberdade dos demais. Você xinga, mas não argumenta porque não pode nem saberia. Nunca lhe ensinaram! Passe bem você também. Percival Puggina

Percival Puggina

11/11/2009
APARELHAMENTO DO ESTADO Das dez questões de conhecimentos gerais comuns às 27 carreiras avaliadas pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), domingo, quatro fazem elogios a ações do governo federal (www.touorolouco.com.br). Uma delas, a número 5, menciona o impacto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sobre o meio ambiente. Na prova de Comunicação Social, aplicada a universitários de seis carreiras, entre elas jornalismo, a questão 19 cita diretamente o presidente Lula. A questão foi criticada por professores universitários e pelo presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade. O enunciado diz que Lula foi criticado pela mídia ao afirmar que a crise financeira mundial seria uma marolinha no Brasil. Mas, continua, agora é a imprensa internacional que lembra e confirma a previsão de Lula. Está mais para relações públicas e propaganda do que para uma prova com o objetivo de verificar o conhecimento dos estudantes. A pergunta confirma a opinião do presidente, o que acho discutível. Não é um consenso que a crise tenha sido superada. Para quem perdeu o emprego, foi uma baita de uma crise - disse Andrade. O professor de políticas públicas da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas condenou a questão 19. Ele disse não ver problemas na menção a ações federais nas outras quatro perguntas, já que Lula está há quase sete anos no poder. - Parece mais um discurso de autodefesa do Lula, quase ufanístico: o presidente tinha razão, mas somos uma democracia e temos que tolerar as críticas. É tendenciosa. O professor de jornalismo e ética na comunicação da UnB Luiz Martins da Silva afirmou que não existe fórmula para evitar a politização de questões. Mas, para ele, é elementar que se evitem perguntas que deem margem a suspeitas de alinhamento político.

Percival Puggina

07/11/2009
É de espantar que ainda hoje Che Guevara seja idolatrado como se houvesse sido um benfeitor da humanidade. Os jovens que o cultuam são incapazes de apontar com o nariz para que lado fica a Bolívia e não conseguiriam escrever meia página sobre os acontecimentos de 1959. Mas adoram o Che. Foram iludidos por professores que ensinam História como se estivessem tentando passar adiante uma nota de três dólares, os falsários. Quando caiu Fulgêncio Batista, houve um regozijo mundial. O fato foi festejado na OTAN e no Pacto de Varsóvia, em Washington e em Moscou. E até em Santana do Livramento, lá em casa, onde ninguém era comunista. O mundo ganhara bem sucedido exemplo do clássico direito de resistência à tirania, ensinado por Aristóteles, Tomás de Aquino e Francisco de Vitória. No entanto, meses depois, o apoio do Ocidente aos revolucionários provinha apenas de grupos esquerdistas e de certos intelectuais engajados. Os principais comandantes da Revolução vitoriosa eram os irmãos Fidel e Raúl Castro, Huber Matos, Camilo Cienfuegos e Che Guevara. Reconhecidos como comunistas, apenas Che e Raúl. Fidel negava-o jurando em cruz, pela vida da mãe. Huber Matos e Camilo eram democratas que pegaram em armas na forma do direito clássico (resistência à tirania, na justa medida, em nome de um bem superior, etc.). Quando Huber Matos percebeu que havia, conforme suas próprias palavras, uma ?segunda agenda?, secreta, comunista, enviou carta ao amigo Fidel apontando os desvios. E foi parar diante de um tribunal revolucionário. Em dezembro de 1959 condenaram-no a 20 anos de prisão, que cumpriu integralmente. Camilo Cienfuegos, outro liberal da equipe, ao retornar desse julgamento para Havana, evaporou-se no ar. Resumindo: dos cinco comandantes, dois eram democratas (Huber e Camilo), dois tinham um projeto de poder (Fidel e Raúl), e o outro só curtia guerrilha mesmo (Che). Os Castro implantaram o comunismo em Cuba, leitor, porque nada concentra mais o poder almejado por ambos quanto um totalitarismo desse tipo. Não por acaso, aliás, Cuba e Coréia do Norte se tornaram monarquias com sucessão por consaguinidade. Comunismo com absolutismo monárquico. É o orgasmo do poder! Pergunte ao seu professor, meu jovem. Não. Pensando melhor, pergunte nada, não. Apenas responda: quantos cubanos teriam apoiado a revolução se soubessem que iriam acabar como cidadãos de segunda classe, destituídos até do direito de resistência à tirania que os oprime? E lá estão eles, presos numa ilha de onde só se sai passando pela segurança do Estado no aeroporto, ou jogando-se ao mar, ou para a vida eterna. O que muitas vezes dá no mesmo. E o Che? Che queria outra coisa. Queria o sangue de proprietários, burgueses, capitalistas, como ele mesmo confessou à mulher em carta de 28 de janeiro de 1957: ?Querida vieja: aquí en la manígua cubana, vivo y sediento de sangre, escribo estas ardientes líneas inspiradas en Martí?. E apesar de ter bebido hectolitros de puro plasma cubano, africano e boliviano, morreu com sede, o vampiro argentino. Não o socorrem as lições dos clássicos sobre resistência à tirania. Elas só se aplicam em favor de causas nobres e a situações extremas, sob severíssimas imposições de ordem moral. Jamais ? jamais! ? podem servir para justificar a obra sanguinária de quem lutou para impor um totalitarismo infinitamente pior do que aquilo contra o que dizia lutar. E depois, insaciável, saiu pelo mundo a fazer a mesma coisa. ZERO HORA, 08/11/2009

Percival Puggina

07/11/2009
Tenho em mãos um pequeno folheto referente à Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010 (para quem não sabe, de quatro anos para cá, a tradicional Campanha da Fraternidade da CNBB recebeu a adesão de outras igrejas cristãs e se tornou ecumênica). A peça em questão foi preparada especificamente para o público jovem (tem o subtítulo ?Jovens na CFE?) e visa a orientar reuniões de grupo para estudo e debates sobre ?Economia e vida? ? tema da campanha. Na pag. 27 há um texto com o título ?Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra, em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar?. Ali é defendida a tese de que todas as propriedades rurais com extensão superior a 35 módulos fiscais devem ser automaticamente incorporadas ao patrimônio público, sem indenização e destinadas à reforma agrária. A título de informação: a área do módulo fiscal é variável por município e aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, oscila entre um mínimo de 7 ha e um máximo de 40 ha. Assim, calculada pela média de 20 ha, a maior propriedade admitida seria de 700 ha. E a CNBB se abraçou nessa idiotice? Sim. Com braços e pernas. Aliás, gostou tanto do que leu, considerou tão valioso o material que assumiu sua edição e distribuição. Novidade nenhuma nesse comportamento. Há décadas as coisas, por lá, andam assim. O material da CFE de 2010, disponível no site da CNBB, vai na mesma trilha. Depois de expressar justa e piedosa preocupação com as situações de miséria e pobreza existentes no país, estende o dedo indicador para as causas de tais males: o lucro e o mercado. E, por fim, identifica a solução: um sistema econômico que priorize a partilha e a solidariedade. Pronto! Tudo resolvido. Como é que ninguém pensou nisso antes? Traduzindo em miúdos o sentido da coisa, é como se a CNBB estivesse dizendo aos investidores e empresários: ?Ei! Vocês aí do sistema produtivo nacional! Cambada de gananciosos! Querem acabar com a pobreza e safar-se do Inferno? Adotem um modelo no qual os bens sejam repartidos e onde o lucro e as preocupações com o mercado sejam exorcizados das vossas organizações. Vereis, então, o maná precipitar-se dos céus sobre o deserto das carências humanas!?. É a mesma genialidade que, anos atrás, não queria que o Brasil pagasse suas dívidas. É o mesmo fundamentalismo travestido de piedoso da sua Comissão Pastoral da Terra. É a mesma matriz ideológica da Campanha da Fraternidade do ano passado que resumia o tema da violência à luta de classes: pelos respectivos crimes, o rico era individualmente culpado e o pobre socialmente absolvido. Perdoem-me os mais benevolentes que eu. Mas ano após ano, servindo-nos sempre um pouco mais do mesmo lero-lero beato-marxista e um pouco menos da palavra de Deus, a CNBB já foi bem além da minha capacidade de tolerância. Ao longo dos anos, foi perfeitamente possível encontrar impressões digitais e carimbos das suas pastorais sociais em documentos que deixavam claro que o Reino de Deus tinha partido político na Terra. Ou não? Parece que de tanto darem ouvidos às demagogias da esquerda nacional, nossos bispos se deixaram contaminar! Que sistema e quais organizações econômicas são essas que propõem na futura Campanha da Fraternidade? Silêncio. São detalhes que não a interessam como instituição, nem aos senhores bispos (quem cala consente!), provavelmente convencidos de que a Economia funciona como caixinha de paróquia, na qual as coisas vão bem quando todos põem bastante dinheiro na sacola da coleta. Ou, mais grave ainda: continuam confundindo a Boa Nova com as velhas e fracassadas promessas da economia planificada, centralizada, comunista, que em longas e tristes experiências só gerou opressão e miséria.

Percival Puggina

07/11/2009
E O PROTÓGENES JÁ VAI TARDE Muito estranha a novela da demissão do delegado Protógenes Queiroz. Para esse senhor, a demissão apenas convalida seu afastamento da atividade policial e o libera para fazer política partidária, que é sua vocação, seu destino e a única coisa que tem feito desde que ganhou notoriedade nacional. Há muito ficou claro que o delegado quer ser peça do jogo eleitoral. Há muito se sabe que ele abandonou os autos pelos microfones. Como pode ele negar sua participação em atos partidários se aqui em Porto Alegre todo mundo o viu desfilando em caminhadas do PSOL na eleição de 2008?

Percival Puggina

04/11/2009
QUEREM EXCLUIR O CRISTIANISMO DA NOSSA CIVILIZAÇÃO Corte Europeia condena Itália por manter crucifixos em escolas da Folha Online A Corte Europeia de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, determinou nesta terça-feira que o governo italiano terá de pagar 5.000 euros de indenização por danos morais a Soile Lautsi, cidadã italiana de origem finlandesa, que apresentou um recurso contra a exposição de crucifixo em instituições de ensino. Em 2002, Lautsi tinha pedido para o instituto público Vittorino da Feltre, localizado na cidade de Abano Terme, na Província italiana de Padova, e frequentado por seus filhos, de 11 e 13 anos, que retirasse os objetos religiosos, mas a solicitação foi negada. Em sua decisão, a Corte Europeia entendeu que a presença de símbolos de representação religiosa em escolas constitui uma violação [dos direitos] dos pais em educar seus filhos segundo suas próprias convicções e uma violação da liberdade de religião dos alunos. A presença do crucifixo --que era impossível não notar nas salas de aula-- pode ser facilmente interpretadas pelos alunos de todas as idades como um sinal religioso e eles poderiam sentir que estavam sendo educados em um ambiente escolar com a marca de uma determinada religião, diz o texto da decisão da Corte Europeia, a primeira do gênero. O tribunal não foi capaz de compreender como a exibição, em salas de aula nas escolas do Estado, de um símbolo que pode razoavelmente ser associado com o catolicismo --religião majoritária na Itália-- poderia servir ao pluralismo educacional que foi essencial para a preservação de uma sociedade democrática como foi concebido pela Convenção [Europeia dos Direitos do Homem, de 1950], um pluralismo que foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional italiano, acrescenta a decisão.

Percival Puggina

02/11/2009
Essa é uma das questões de fundo no debate ideológico entre esquerda e direita. Nossa natureza individual é algo que salta aos olhos de modo permanente. Quando tropeço numa pedra o pé que dói é o meu e o de ninguém mais. Cada um de nós tem a sua memória, a sua história, a sua própria vocação, seus gostos e desgostos. Nossa carteira de identidade apresenta uma impressão digital que, como qualquer célula de nosso corpo, é única, própria e irrepetível. Se cada um de nós não existisse e quisesse Deus criar um outro ser como nós, precisaria recriar nossos pais, e os pais deles, e assim sucessivamente, até que toda a Criação tivesse sido refeita. Contudo, esse ser assim tão individual é, também, um ser social. Somos sociais por carência (precisamos dos demais) e por abundância (podemos e devemos contribuir para o conjunto da sociedade em que vivemos). Somos um elo da sociedade presente e um elo social do passado com o futuro. Nossas atitudes, nossa cultura, nossos hábitos são aprendidos do meio social. Se, a exemplo de Tarzan, fôssemos criados na floresta, por um bando de chimpanzés, sem contato com outros seres da própria espécie, nossos comportamentos reproduziriam em tudo o que fosse possível o ambiente social em que estaríamos inseridos. E ao chegar a idade adulta, se não nos aparecesse a Jane, acabaríamos casando com a Chita... No entanto, apesar da obviedade dessas constatações antropológicas, o fato é que as ideologias deste século penduraram-se nos fios do individualismo e do coletivismo. Para o individualismo o ser humano é um indivíduo movido pelo interesse próprio e sua natureza é puramente individual ou dominantemente individual. Para os coletivismos o ser humano é puramente social ou dominantemente social. Praticamente toda a confusão que uns e outros operaram ao longo de quase dois séculos decorre desse erro fundamental. Para o individualismo liberal, uma de suas virtudes consiste em extrair do egoísmo os impulsos propulsores do interesse próprio para estimular as atividades econômicas. Entendem seus pensadores que as necessidades humanas são mais plenamente atendidas quando todos os indivíduos buscam suas conveniências afanosa e irrestritamente. Note-se que há uma lógica sedutora nesse conceito porque a experiência mostra que as pessoas tendem a se dedicar mais ao que lhes convém pessoalmente do que ao interesse alheio. Já para o coletivismo, o interesse próprio precisa ser eliminado como condição indispensável a que o interesse coletivo prevaleça. A busca egoísta das conveniências individuais estabeleceria a prevalência dos mais fortes sobre os mais débeis com graves danos ao equilíbrio social. Também aqui há uma lógica sedutora, pois é exatamente isso o que a experiência exibe ao observador atento. Como admitir-se que duas noções antagônicas possam estar corretas? Ou, ainda: como podem ambas estar erradas embora coincidam com o que se observa? Onde está, afinal, a verdade? Ela não está em qualquer das duas (como revelaram todas as práticas individualistas e coletivistas). Para encontrar-se a verdade é preciso reconhecer aquilo que a doutrina cristã ensina e a experiência comprova: a pessoa é um ser ao mesmo tempo individual e social. O bem da pessoa e da sociedade não pode ser atendido por uma ordem que desconheça essa dupla condição. Assim, o Estado não existe para garantir os espaços do egoísmo nem para extinguir o interesse individual. Cabe-lhe, ao contrário, atuar no sentido de que o interesse de cada um se ponha a serviço do bem comum, promovendo relações sociais solidárias. Produzir isso é o papel da atividade política. Seguidn viés oposto dizia-me alguém, dias atrás: mas o homem é naturalmente egoísta. E eu complementei: e é, também, naturalmente comodista, naturalmente hedonista, naturalmente predador, o que não significa que no confronto natural entre os vícios e as virtudes se deva deixar dominar por aqueles em detrimento destas. É bom saber, por fim, que assim como o individualismo estimula o egoísmo de cada um, o coletivismo - como a história, amplamente, demonstrou - organiza esse mesmo egoísmo em modelos políticos totalitários. A humanidade muito apanhou no brutal confronto entre o individualismo e o coletivismo. Este, criando estruturas de dominação social para inibir a expressão da individualidade; aquele, quando muito generoso, chegando ao social como um episódico ensaio de amabilidade, apropriado para as horas livres. E nas horas ocupadas? Impondo estruturas de dominação individual. Fora do barco da solidariedade a sociedade naufraga.