Percival Puggina

01/01/2014
Esta manhã do dia 1º de janeiro de 2014 nos traz a notícia de que o Brasil fechou o ano com o impostômetro da Associação Comercial de São Paulo marcando R$ 1,7 trilhões pagos pelos brasileiros, em impostos, ao longo de 2013. Neste momento, transcorridas poucas horas do novo calendário, ele já está contabilizando uma arrecadação de R$ 3,6 bilhões. Só isso já seria uma péssima notícia. No entanto, sabemos todos: por mais que se pague imposto, sempre falta dinheiro às prefeituras, aos estados e à União. E a solução é tungar o cidadão. Nos últimos dias, repetiu-se a fórmula desonesta, tramposa, velhaca pela qual a receita do imposto sobre a renda e o salário de quem trabalha pode ser permanentemente aumentada sem necessidade de mexer nas alíquotas. O governo federal anunciou a correção da tabela de incidência do IR em percentual inferior ao da inflação confessada pelos medidores oficiais. Na mesma batida, a autoridade fiscal federal anunciou um aumento de seis pontos percentuais na alíquota do IOF aplicado sobre saques em moeda estrangeira no exterior. A troco de quê? Para equalizar com o valor já vigente para as compras com cartão de crédito, ora essa. Em vez de pagarmos 0,38% passaremos a pagar 6,38%. Fica-se com a impressão de que o governo fez justiça - porque era injusto que uma operação pagasse menos imposto do que a outra. No entanto, como bom punguista, o governo apenas arrumou um outro bolso para enfiar a mão. O resultado é que, ano após ano, sob os olhos do Poder Judiciário e do Congresso Nacional, sem ninguém que nos defenda, estamos pagando mais tributo sobre a mesma renda e mais tributo sobre os mesmos bens e serviços. É a infeliz lei da nossa vida: os fatores determinantes da carga tributária nacional - gastança, privilégios, corrupção e incompetência - exigem que o poder público se dedique a tungar os cidadãos. Nossos tímpanos calejaram de escutar que o país vive sob um sistema econômico iníquo, que gera aberrantes desníveis de renda e concentração de riqueza. Tão repetida cantilena tem sido música ambiental para a troca de afeto e carícias entre o populismo e o esquerdismo, e não faltam devotos do Estado para apadrinharem esse casamento que promete gerar igualdade, justiça e prosperidade. De nada vale os fatos berrarem pela janela que isso é loucura. Se ouvissem a voz dos fatos compreenderiam que estão pretendendo resolver um problema através da reprodução de suas causas. O efeito da repetição é tão eficiente que quem escreve o que acabei de escrever passa a ser malvisto. De nada vale dizer que o problema do Brasil está no sistema político e não no sistema econômico. De nada vale afirmar que não há concentração de renda maior do que aquela promovida por um aparelho estatal que fica com 40% de tudo que a nação produz! De nada vale informar que tão brutal, perversa e inútil captação de recursos para custear a rapina aos cofres do Estado só faz travar o desenvolvimento do país. Mais ganancioso e perverso, só traficante. Mas a repetição dos chavões contra o setor privado produz a cegueira política sem a qual ninguém se deixaria conduzir pelo nariz para o abismo, crente de que, graças ao Estado, os pobres estão, mesmo, comendo filé mignon. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

29/12/2013
DA SÉRIE COISAS QUE NÃO CONSIGO ENTENDER Percival Puggina Estou lendo o livro de Romeu Tuma Junior, Assassinato de Reputações, que apenas anteontem consegui receber da Saraiva. Do pouco que já li não entendo como Lula, até agora, se manteve calado como se o livro não existisse. Não imagino que alguém no Brasil, qualquer que seja seu nível de formação e informação, ainda tenha ilusões sobre o caráter de Lula. Mas o livro conta que a nação vem sendo iludida e que o país acabou presidido por um perfeito canalha. Canalha desde sempre, desde moço, para quem o passar dos anos não fez mais do que alargar os círculos nos quais aplica, com destreza, o conjunto de seus defeitos morais. Um livro desses, cem anos atrás, acabaria em duelo. Hoje, não tem como não acabar em indignada entrevista (à imprensa) ou em demolidora audiência (na Justiça). O silêncio de Lula quando flagrado em suas estripulias é costumeiro. Que o digam Rose e Maria Letícia. Mas o silêncio de Lula, também perante o livro do Tuminha, precisa ser gritado à nação. Talvez com força suficiente para despertá-la.

Percival Puggina

28/12/2013
De fato, 2013 foi inexcedível na capacidade de nos surpreender. Sua vocação apocalíptica exibiu-se em fenômenos climáticos, imensas tragédias e abruptos falecimentos. Também na política o ano se revelou um vulcão de surpresas que pareciam surgidas do éter. Sem que se soubesse como ou por quê. Foi assim, por exemplo, que o povo saiu às ruas. Não era carnaval, não havia trio elétrico, a seleção não estava em campo. Justin Bieber e Beyoncé andavam longe daqui. No entanto, multidões de jovens, junto com cidadãos de todas as idades, tiraram os fones do ouvido, saíram do Face, meteram pé no asfalto e soltaram a voz ao vento. Tivemos, pela primeira vez em muitas décadas mobilização popular espontânea. Não era massa e muito menos de manobra. Nada semelhante, tão autônomo, tão sem patrocínio, ocorrera antes por aqui. Brasileiros saíram às ruas esticando o cordel de insatisfações até então silenciosas. E elas cobriam todo o vocabulário das mazelas políticas, institucionais e morais do país. Desabituadas ao alvoroço popular, as instituições titubearam, gaguejaram. Transpiraram frio nos decotes e nos brancos colarinhos. Enquanto isso acontecia, o vulcão chamado 2013 rugiu outra vez. Quatro grupos proporcionaram inédito vandalismo de rua, enfurecido e torrentoso. O primeiro grupo, dos falantes, era composto pela parcela irresponsável ou demente do mundo intelectual e acadêmico. Pois que venha a violência!, rosnava, exibindo os dentes. O segundo, o grupo dos paus mandados do poder, cumpria a ordem de espantar da rua as incômodas demandas que o confrontavam. O terceiro, dos saqueadores, bandidos de profissão, aproveitava o caos que se estabelecia. O quarto, da mídia politicamente correta, reagiu com a hostilidade de sempre à ação das instituições policiais. E jamais denunciou o caráter fascista, escancaradamente fascista da violência que os vândalos desencadearam para afugentar das ruas a correta manifestação dos cidadãos. Em julho, a mesma erupção derramou-se sobre a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que aceitou, no chão, de cócoras, o maior achincalhe de que se tem registro na história dos legislativos brasileiros. Militantes da violência invadiram o parlamento e ali permaneceram enquanto quiseram. Impuseram condições para sair. Comportaram-se, todo tempo, com ódio e insolência cultivados nos aparelhos comunistas, escolares e acadêmicos, onde lhes é servido o necessário à sua deformação cívica e moral: desleixo, drogas, nudismo, sexo grupal. E uma juíza, chamada aos fatos, presidiu a negociação com os fascistas de julho! Em novembro, abriram-se as portas da Papuda para os primeiros réus do Mensalão. Neste Brasil de 2013, algo que seria natural, uma vez transitadas em julgado várias sentenças, acabou enriquecendo a lista dos feitos extraordinários. Alvoroçou-se o partido do governo, desencadeando uma campanha para transformar os réus em mártires e o juízo do STF em linchamento! A história dos fatos vem sendo repaginada, como se Genoíno não tivesse renunciado à presidência do PT por causa do Mensalão. Como se Dirceu não tivesse saído da Casa Civil por causa do Mensalão. Como se seu mandato não tivesse sido cassado pela Câmara dos Deputados (em votação secreta!) por causa do Mensalão. Como se Lula, em rede nacional, não tivesse pedido perdão ao país pelo mesmo motivo. Não, senhores! As primeiras sanções aos réus ocorreram dentro do vosso próprio governo, dentro do PT e dentro do Congresso Nacional, ainda em 2005. Mas o vulcão de 2013 quer regurgitar outra história. De novo? Que 2014 nos venha com melhores ares. ZERO HORA, 29 de dezembro de 2013

Percival Puggina

27/12/2013
A mais grave dimensão da falsidade ocorre quando ela se torna estratégia de ação e estilo de vida. Quando isso acontece - e está acontecendo no Brasil - o caráter desses indivíduos é destruído e a credibilidade das instituições que por desventura comandem se converte em lama. O artigo 1º da lei que criou a Comissão da Verdade (CV) atribui-lhe a tarefa de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional. Memória, verdade e reconciliação. Qual a verdade que a CV busca? Ela busca conhecer os autores de crimes e agressões a direitos humanos que vitimaram os guerrilheiros e terroristas camaradas de dona Dilma. Os muitos crimes e violações cometidos por essa mesma turma estariam inteiramente perdoados, esquecidos, cobertos por grossa camada de errorex, e rendem vultosas indenizações aos que os perpetraram. Para os comissários da CV, a anistia valeria para tais crimes, acima de qualquer dúvida. E a reconciliação? Ora, os proponentes e executantes dessa farsa, ungidos de falso espírito pacificador, assumiram uma tarefa em que não creem. E isso é farsa. Eles não acreditam em reconciliação (a menos que renda votos, como num abraço entre Lula e Maluf). Creem, nisto sim, em conflito, em revanche e em vingança. Tudo isso é ou não fraude ao Direito, à memória, à verdade e à História? Mas a falsificação, uma vez iniciada, não pára mais. Querem outro exemplo? Quem pode considerar legítimos esses índios que vemos em Brasília, mobilizados pela governamental Funai, reivindicando demarcações de territórios para suas nações? Índios de caminhonete, calça jeans e que se abastecem em supermercados? Índios exibindo cocares zero quilômetro, com vistosas e irretocáveis penas de pobres aves, sem ninguém por elas? No entanto, os falsários, financiados por interesseiras ONGs internacionais, articulam para que obtenham cada vez maiores extensões de reservas, como se ainda vivessem, todos, da caça e da pesca. Pura manobra diversionista. O verdadeiro botim é a extraordinária biodiversidade e são as riquezas do subsolo. Não são menos fraudulentos, por sua vez, muitos dos quilombos que pipocam em áreas nobres do território e do meio urbano nacional. Os falsários organizam esses grupos de interesse, insuflam ódio racial, excitam a cobiça, prometem vantagens patrimoniais, inventam fábulas sobre inexistentes quilombos e cuidam de ampliar o número de falsos quilombolas. Uma vez assumida como estratégia de ação e estilo de vida, a falsidade se impõe em tudo. Por isso, os falsos dossiês, encomendados a falsários profissionais. Por isso se falsificam as informações sobre as contas públicas com a tal contabilidade criativa. Por isso Dilma, ungida candidata à presidência, é apresentada à nação como grande gestora de um governo enrolado e enrolador. Por isso se apressam em fazer o que muito condenaram para não enfrentar o fracasso de soluções que nunca tiveram. Por isso diziam que o PT não era como os partidos tradicionais e tinham razão - o PT é um partido que protege bandidos. Por isso o falso apreço a direitos humanos, um apreço que tem cor partidária, que tem afeições e ódios ideológicos. Por isso as falsificações ditadas pelos mandamentos do politicamente correto, que transformam reivindicações grupais e pautas políticas em pretensos direitos humanos. A lista seria inesgotável. Os falsários compreendem suas estratégias e métodos como elementos da disputa e da preservação do poder e os aplicam em tudo. O certo, a verdade e o bem integram uma esfera de temas que sequer conhecem, onde não vão e onde não operam. Nos espaços em que atuam habitualmente não incidem exigências de ordem moral que não estejam referidas à manutenção do poder. Para quem ainda não percebeu, é a mesma ética assumida pelos falsos mártires do Mensalão. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

27/12/2013
ESBULHO SALARIAL Percival Puggina O governo federal, o governo da sra. Dilma Roussef, o governo petista, o governo dos defensores de bandidos nacionais e estrangeiros, brindou-nos com uma inflação oficial de 5,85% e um crescimento de apenas 2,3% da Economia. Os números são dos piores dentro do grupo de países com os quais o Brasil costuma ser comparado. O mundo que enxerga um palmo além do bolsa-família já compreendeu que esse governo não merece confiança e está exigindo responsabilidade fiscal e superávit primário. O ministro Mantega, sentindo a pressão, já encontrou a maneira de produzir isso num ano politicamente sensível como será o ano eleitoral de 2014: promoverá um esbulho nos salários dos brasileiros! É preciso denunciar, leitor, que se a inflação foi de 5,85%, o ato de corrigir a tabela do Imposto de Renda em apenas 4,5% representa um esbulho de 1,35 pontos percentuais no salário de cada trabalhador ou aposentado do país. O governo petista da sra. Dilma Rousseff tomará para si mais 1,35% de todos os salários pagos no Brasil. Que governo miserável, esse, que tem a coragem de tributar (vale dizer, de se aproprias) de 27,5% dos suados ganhos de quem recebe mais de parcos R$ 4,4 mil reais!

Percival Puggina

24/12/2013
Estou cada vez mais convencido de pertencer a uma espécie em extinção, a merecer legislação protetora e severa defesa por alguma ONG preservacionista. Alguém dirá que incorro em exagero, mas não. Minha espécie está sendo extinta e o que torna a situação mais dramática é que isso se dá com a aquiescência e a colaboração dos próprios membros do grupo. Sem perceberem o tamanho da encrenca, eles estimulam o processo de eliminação desencadeado sobre si e acionam os gatilhos das metralhadoras verbais que seus predadores usam para destruí-los. Pertenço à raríssima espécie dos conservadores, e, como tal, sou pela ordem, pela justiça e pela liberdade. Não gosto que invadam o que é meu nem o que é dos outros. Defendo a da instituição familiar e os valores do cristianismo. Atribuo importância à disciplina e a uma especial deferência aos idosos. Julgo que as mulheres são credoras naturais da cortesia masculina. Desagrada-me a violência e seu uso em substituição ao processo político e democrático. Sou contra as utopias e creio que as mudanças sociais devem ser produzidas no contexto das instituições, preservando-se o que tem comprovado valor moral e utilidade prática. Sou conservador porque a história me ensina que é de tais conteúdos e condutas que provêm a paz, o progresso, a harmonia social e os princípios em que melhor se aciona a democracia. É neles que se inspiram os maiores estadistas da humanidade. Sou conservador e percebo, contristado, que, colocando-se ao gosto da moda e cedendo ao impacto da cultura imposta pelos nossos predadores, muitos que pensam como eu reproduzem, inocentemente, o discurso que os condena à extinção. Agora, por exemplo, é Natal. Mesmo? Olha que ando por aí e só vejo trenós, constelações de estrelas, toneladas de algodão, multidões de papais-noéis, pilhas de caixas embrulhadas para presente. E quase não vejo presépios ou mensagens que lembrem o fato que faz a festa: o nascimento de Jesus. Mas como eu sei que é Natal e sou conservador insisto em desejar aos leitores que ele ganhe, em seus corações, o sentido almejado por Deus em sua radical e santificadora intervenção na História humana.

Percival Puggina

23/12/2013
VILANIA A TODO GÁS O uso das ditas verbas de gabinete disponibilizadas aos parlamentares para o desempenho de sua função exige comprovação do gasto. O montante mensal, no caso dos deputados federais, é de R$ 78 mil. Não dá para dizer que é pouco, considerando que esse valor não inclui os vencimentos dos funcionários lotados nos gabinetes. Mas a distância entre o uso e o abuso é sempre pequena e só não é transposta quando a consciência é bem formada. Caso contrário, muito facilmente vira grana, como aconteceu com o deputado cujos veículos, em cinco dias, abasteceram mais de 40 vezes no mesmo posto de combustível. Quando? Durante o feriado de Carnaval de 2013. Ou vira querosene para o tráfico de drogas, como aconteceu recentemente com o helicóptero do deputado estadual mineiro apreendido com quase meio tonelada de pasta base de cocaína. A aeronave era abastecida às custas da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. E saiba o leitor: isso tudo é quase nada, em valores absolutos, quando comparado com o custo das nababescas comitivas presidenciais, com o uso de aeronaves militares por autoridades em viagens que nada têm de oficiais, com as diárias sem a justa medida e o necessário controle, com as horas-extras desnecessárias, com os cartões de crédito corporativos e com as verbas secretas, que compram o luxo de uns com o imposto recolhido sobre o fruto do trabalho da gente.

Percival Puggina

19/12/2013
Mensalão, você sabe o que é. É aquele crime que levou José Genoíno a demitir-se da presidência nacional do PT em 9 de junho de 2005 e o mesmo crime pelo qual Tarso Genro, ao substituir Genoíno no posto, pediu a refundação do partido. É o mesmo crime que conduziu à exoneração de José Dirceu do cargo de ministro-chefe da Casa Civil em 16 de junho de 2005. O mesmo crime pelo qual Lula pediu perdão ao país, em rede nacional, no dia 12 de agosto de 2005. O mesmo crime que, em setembro de 2005, constrangeu centenas de militantes e dirigentes petistas a deixar o partido, filiando-se ao PSOL. O mesmo crime que justificou a cassação do mandato de José Dirceu pela Câmara dos Deputados, em 1º de dezembro de 2005, numa votação secreta, com placar de 293 votos a favor e 192 contra. O mesmo crime que foi reconhecido como existente pelo atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista à revista Veja, na edição do dia 20 de fevereiro de 2008. O mesmo crime que deu causa à condenação de 25 réus por um plenário do STF onde oito dos onze magistrados foram indicados pelo PT. O Mensalão é o mesmo tipo de crime que os petistas, em uníssono, acusam ter ocorrido anteriormente em Minas Gerais, num governo tucano (o processo está no STF aguardando decisão sobre onde deve ser julgado). O Mensalão é, também, por fim, aquele crime que as mesmas legiões de petistas, em misto de exaltação cívica e amnésia seletiva, punhos erguidos ao vento, afirmam, agora, que simplesmente não existiu! Gerou uma hecatombe interna, mas não existiu. A gente compreende. É a causa. Ela sempre está em primeiro lugar. Ela ocupa o centro de um altar onde tudo se sacrifica - a verdade, a história, a lógica, o amor próprio. É o velho tema dos fins e dos meios, que todo mundo conhece. Uns cospem fora. Outros engolem sem nenhuma dificuldade. Durante muitos anos, a disciplina da base do governo vinha sendo mantida com a liberação de emendas parlamentares. Era um mecanismo que funcionava em três tempos: 1º) o congressista apresentava propostas pessoais ao Orçamento da União, dentro de um limite que neste ano ficou em R$ 15 milhões para cada um, destinando os recursos para demandas de suas bases eleitorais; 2º) o Congresso aprovava o Orçamento; 3º) as emendas só eram liberadas, gradualmente, ao longo do exercício, segundo o bom comportamento do seu autor nas votações de interesse do governo. Nesse caso, para que o Mensalão? Ora, o Mensalão foi um adicional, um por fora, agregado a algumas bancadas, ou a parte delas, para - digamos assim - aumentar o entusiasmo da adesão dos deputados ao governo petista. Congressista feliz com o governo faz o governo feliz. Tivessem os líderes dos partidos beneficiados com os repasses do Mensalão revelado os nomes dos colegas recebedores, haveria, certamente, mais de uma centena de réus no processo. Os líderes, no entanto, suportaram sozinhos os ônus do criminoso papel desempenhado. Roberto Jefferson, líder do PTB, indagado sobre quem recebera os valores que lhe foram entregues, respondeu que isso ele não revelaria nem amarrado num toco levando chicotada. E agora? O Congresso Nacional aprovou, há poucos dias, um projeto que torna obrigatória a liberação das emendas apresentadas pelos congressistas, com a condição de que sejam destinadas à saúde pública. É um avanço. Acabou a chantagem do governo sobre os parlamentares através da liberação ou não dos recursos correspondentes às emendas que apresentam. E acabou também o Mensalão, porque dá cadeia. Como fica, então, a negociação do governo com sua base, na ausência de moeda de troca? Como assegurar-se a fidelidade de uma base habituada a negociar periodicamente seu apoio ao governo? A política nacional desceu a um nível baixíssimo. O presidencialismo multipartidário de cooptação impõe seus rasteiros estratagemas de governabilidade: apoio é coisa que se compra. De momento, o governo tem apenas cargos para oferecer. Isso não basta, os cargos já estão ocupados e não assegura maioria para todas as votações em que sua base deve permanecer unida. Que será que vem por aí? O sistema ficou manietado! _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

15/12/2013
Em abril, Lula e Bono encontraram-se em Londres. Elogios recíprocos levaram o cantor a afirmar que Lula é o herdeiro de Mandela como interlocutor dos pobres. Essa matéria foi recuperada nos últimos dias em virtude do falecimento do sul-africano. Bono não sabe que Lula, há muito tempo, deixou de ser pai dos pobres, se um dia o foi, para se tornar prestativo parceiro dos mais ricos. Mas o que me interessa aqui são outros paralelismos. Mandela ficou quase trinta anos preso e, ao sair, empenhou-se em construir a unidade nacional sul-africana. Lula ficou trinta dias na cadeia, como grevista e, quando pode, cobrou pensão vitalícia, dizendo-se perseguido da ditadura. Mandela recebeu formação de guerrilha e terrorismo em países comunistas. Sua militância afinava-se com a geopolítica soviética. Foi treinado no uso de bombas e minas terrestres. O MK, organização terrorista que comandou, era, ao mesmo tempo, a mão pesada do CNA (partido clandestino, opositor ao Apartheid) e do também proibido PC sul-africano. Depois que chegou à presidência, em 1994, seu partido nunca mais saiu do poder. Mandela usou a retórica, o exemplo e a força para construir a unidade nacional e superar o racismo num país que, em matéria de discriminação, só perdeu para a Alemanha nazista. Lula criou o PT, em 1980, como um partido socialista e tem sido permanente aliado do PCdoB. Sua legenda conquistou o poder em 2003 e se prendeu à cadeira com tarraxa, parafuso e contraporca. Tanto o CNA quanto o PT mancham suas imagens no longevo exercício do poder com estratégias de aparelhamento das instituições e casos de por corrupção ativa e passiva. Mandela, glamourizado pelo cinema, recebeu sozinho méritos que também são de Federik De Klerk. Era dele o poder e foi dele a decisão de acabar com o Apartheid, legalizar o CNA e libertar Mandela. Lula, cuidou pessoalmente de transformar em bônus seu o produto das políticas de seus antecessores, cuja vida, anteriormente, infernizou tanto quanto pôde. A presidente Dilma, ao falar no FNB Stadium, proclamou: Mandela é um exemplo e referência para todos nós!. A transmissão não tinha o áudio ambiental, mas imagino que aquela inaudita revelação, apregoada assim, de súbito, tenha provocado comoção nacional e arrancado um prolongado oooooh! do público presente. Pus-me a pensar. Se Dilma, de fato, considera Mandela um exemplo, por que, raios, ela, Lula e seu partido não recolhem dele o que de positivo poderiam recolher? Por que não aprendem com Mandela a parar de falar em raça, em cotas, em cor da pele e dos olhos? E por que não aprendem dele que ajustes de contas e revanchismo não resolvem o passado e atrapalham o futuro? Existem duas saídas quando se deseja pacificar um país após longos conflitos: a primeira é esquecer, a segunda é lembrar. O esquecer conduz à anistia. O lembrar induz ao julgar, mas não é incompatível com a anistia. Na África do Sul, ao fim do apartheid, ocorreu um processo bilateral, com confissões públicas e pedidos de perdão, seguidos de anistia e reparação. Funcionou? Mais ou menos. A longa tradição brasileira é outra. Pesquisando, encontrei, no período republicano, 15 anistias políticas implicando esquecimento, perdão e, muitas vezes, reparação. Mas já li que houve mais de 40! O que não conheço é outro país onde, tendo-se produzido anistia, perdão e reparação, transcorrido um quarto de século se insiste em pealar bruxas do passado! E de um único ninho de bruxas. ZERO HORA, 15 de dezembro de 2013