Percival Puggina

26/03/2014
Sei que o texto transcrito a seguir parece escrito com o cotovelo, mas era preciso ser fiel ao trabalho de seus redatores. Trata-se de um trecho do documento Análise de Conjuntura, referente a março de 2014, preparado pela assessoria da CNBB para a 83ª reunião do Conselho Permanente da entidade, ocorrida entre os dias 11 e 13 deste mês em Brasília. Em análises anteriores da conjuntura econômica foi assinalado o discurso alarmista da imprensa e o alarmismo de analistas econômicos, não sem contradições na análise da realidade. Está bem presente um viés ideológico que perpassa todas as análises evidenciando um conluio entre a imprensa e os donos do dinheiro no país. O tom das análises reflete rancor, raiva e oposição ao governo atual, com parcialidade tal que perde o sentido de objetividade. A chave de leitura é uma oposição visceral do mundo financeiro e empresarial ao governo da presidente Dilma, ampliada com o horizonte das eleições em outubro deste ano. Por indicação de um leitor, retornei ao site da CNBB em busca desse documento. Havia onze anos que eu não perdia meu tempo lendo as análises mensais de conjuntura preparadas pela assessoria da CNBB. A entidade, na ocasião em que questionei o tom petista militante que caracterizava os textos, informou que os mesmos não eram dela, CNBB, mas elaborados para ela. Com tal afirmação, os senhores bispos supunham desobrigar-se de um volumoso conjunto de documentos que, estranhamente, levam o timbre e estão disponíveis no site da entidade que os congrega. Entre minha visita anterior e esta, transcorreu toda uma década, mudou o mundo, mudou o Brasil, mas os assessores da CNBB continuam derramando seu fel ideológico sobre cada frase. A orientação persiste: defesa insistente do petismo e seus parceiros de aquém e de além mar. O texto acima, por exemplo, é parte de um trecho bem maior, dedicado à situação nacional. Ao longo dele algo, ao menos, fica bem claro: os peritos que socorrem a CNBB com sua visão da conjuntura já têm candidata a presidenta para 2014. O documento deve ter cerca de 5 mil palavras. De início, para desvendar sua eclesialidade, procurei ver quantas vezes apareciam nele a palavra Cristo e seus derivados. Usando o instrumento de busca, digitei as letras crist com o que abrangeria todos os vocábulos com essa raiz. Houve apenas três ocorrências. Pareceu-me pouco para um documento católico. Quando fui ver o que diziam do Mestre, descobri, não sem surpresa, que uma dessas referências tratava da senhora Cristina Kirchner, a outra do senador Cristovam Buarque. E a terceira mencionava as milícias cristãs que estariam sendo submetidas à lei de Talião na República Centro-Africana. Ou seja, do doce Nazareno, apesar de levar a assinatura de quatro padres, nada. Ni jota como diriam nossos vizinhos castelhanos. O texto ficaria muito bem num Congresso do PT ou numa reunião do Foro de São Paulo: apoio ao governo federal, à presidente Dilma, ambiguidade em relação à crise da Ucrânia e apoio a Maduro na crise venezuelana, onde sustentam os redatores que a oposição, sim, a oposição, estaria radicalizando. Entre os quatro leigos que também subscrevem o documento incluem-se o secretário de Articulação Social da Chefia de Gabinete da Presidência da República (braço-direito do ministro Gilberto Carvalho) e o secretário de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do governador petista do Distrito Federal. Os outros dois leigos são membros da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, outro dos vários organismos da CNBB aparelhados pelo PT, como a Pastoral da Terra, as CEBs e a Pastoral da Juventude. Todos selecionados a dedo, portanto, para produzirem o que se lê. Esperavam o quê? Não é com surpresa que faço estas constatações e escrevo estas linhas. A CNBB parece não se importar com as demasias praticadas sob o guarda-chuva de seu nome e logomarca, nem com sua instrumentalização para fins políticos e partidários. Pode chocar a você, leitor, saber que esse suposto desinteresse coloca a instituição a serviço de quem, inequivocamente, tem entre seus objetivos o de acabar com o pouco que ainda remanesce de valores cristãos e de presença da Igreja na sociedade brasileira. Mas isso não causa o menor constrangimento à CNBB. Há muitos lobos no meio das ovelhas que lhes confiou o Senhor. Às avessas da recomendação evangélica, os mansos como as pombas não parecem ser prudentes como as serpentes. E os prudentes nada têm de mansos. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

22/03/2014
É normal que os governantes subam ao palco das homenagens quando o PIB do Estado registra expansão significativa. Totalmente anormal seria apresentarem-se para vaias nos anos de crescimento negativo. Quem observa o PIB gaúcho ao longo da série histórica de 2002 a 2013, disponível no site da Fundação de Economia e Estatística, observará que os anos de pior desempenho foram os de 2005, 2009 e 2012, quando o PIB caiu respectivamente 2,8%, 0,4% e 1,4%. Foram três tombos, em direta relação com as estiagens ocorridas nesses mesmíssimos anos. Em compensação - felizmente há alguma compensação - os períodos subsequentes às estiagens são, sempre, de crescimento significativo, pois partem de patamares reduzidos. Os bons números recentemente divulgados a respeito do PIB gaúcho de 2013, que cresceu 5,8%, foram bafejados pela excelente safra do ano passado e pelo fato de se referirem à base negativa determinada pela estiagem de 2012. Faz parte do jogo festejar bons resultados como produtos da inspirada e competente gestão pública e atribuir os maus à inclemência da estiagem. No entanto, ante as manifestações oficiais sobre a boa expansão do PIB gaúcho no ano passado, obviamente calcado no agronegócio e nas grandes colheitas de soja, arroz e trigo, indaguei a mim mesmo: quando o partido que nos governa começou a se interessar pela prosperidade do agronegócio? Muitas vezes ouvi de seus parlamentares críticas candentes ao modelo agrícola estadual e suas extensivas monoculturas. As centenas de invasões de propriedades, levando intranquilidade e violência ao ambiente rural, não tiveram e não continuam tendo incondicional apoio do partido? Afinal, em que berçário nasceu e em que úberes o MST buscou leite para se desenvolver? O Rio Grande do Sul é um Estado sem novas fronteiras agrícolas. Não dispomos de terras virgens, por serem exploradas. Nos últimos anos, nenhum avanço significativo teria ocorrido na produtividade das nossas lavouras sem o uso de defensivos e sementes geneticamente modificadas. E eu lembro bem do fogo cerrado que as tecnologias sofreram por parte do PT. O partido apoiava muito a agricultura familiar (no que ia bem) e métodos arcaicos de produção (no que sempre foi muito mal). Agronegócio era palavrão, coisa de latifundiário neoliberal. Mais, todo produtor rural conhece o jogo pesado da presidente Dilma, junto com sua base no Congresso Nacional, para a aprovação da MP-571 numa versão que danificaria econômica e socialmente o setor, seja por indústria de multas, seja por excesso de ônus à atividade privada, seja por abusiva redução da área de exploração, seja por desrespeito ao pacto federativo e por aí afora. Todos os estabelecimentos rurais passariam a trabalhar para alcançar certas metas do governo, que não planta, não chove e não colhe. Produção e a produtividade não pareciam encontrar lugar entre essas metas. Por que tudo isso? Por uma ideologia que conduz as ações do governo e de entidades com ele afinadas num viés avesso ao direito de propriedade. Não preciso explicar, certo? É nesse sentido que trabalham a Funai e o CIMI em sua cobiça por áreas produtivas para entregá-las a reservas indígenas. É nesse mesmo sentido que vão as reivindicações dos quilombolas, sempre apoiadas por movimentos sociais de idêntica motivação e na mesma sintonia. Não possuo um palmo de terra. Mas alerto: sem respeito ao direito de propriedade, numa correta ordem juspolítica, pouco se planta e se colhe. Quer chova, quer não chova. ZERO HORA, 23 de março de 2014

Percival Puggina

21/03/2014
Durante muitos anos, de boas lembranças para si, o PT dançou livre, leve e solto nas verdejantes planícies da oposição. Tornou-se comum, nos debates de então, que seus representantes emergissem sobranceiros de qualquer comparação porque o petismo era um ideal não experimentado, enquanto seus adversários haviam ralado as unhas nas escarpas e sujado os pés no exercício do poder. É sempre desigual o confronto em que o ideal de um lado é apresentado em oposição à prática do outro lado. Obviamente, o melhor discernimento é proporcionado quando se compara ideal com ideal e prática com prática. Durante longos anos, no entanto, o PT era apenas ideal em estado puro, com um apaixonado e combativo séquito de seguidores. Foram estes seguidores que festejaram a chegada do PT ao Planalto como definitiva Proclamação da Moralidade na terra de Macunaíma. O país nunca mais seria o mesmo! Aquele ato merecia um Pedro Américo para representá-lo sobre tela, dando forma e cor à emoção popular, para admiração das gerações futuras. Dois anos mais tarde, o petismo idealista fora para o saco e as comparações desabaram para o terreno da prática. Era prática contra prática. A partir daí acenderam-se outras luzes e novas realidades no tabuleiro do xadrez político. As estrelas que cobriam o território nacional com adesivos e bandeiras, sumiram envergonhadas. Os petistas remanescentes já se contentavam com discutir quem tinha o passado mais constrangedor. Como escrevi anteriormente, corruptos existem em todos os partidos. No entanto, na prática, o PT se revelou como o partido que defende incondicionalmente seus corruptos, sem o menor constrangimento. E se isso lhe parece pouco significativo, leitor, pondere os malefícios sobre o caráter nacional. É demolidor seu efeito quando se observa que para dezenas de milhões de brasileiros a corrupção deixou de ter importância. Convivemos com uma corrupção consentida por parcela imensa da população, cujo incondicional apoio é comprado com a versão popular do mensalão. Levado à prática, o petismo revelou-se um Midas bifronte, infame, que corrompe tudo que toca. Ouvi, recentemente, que o Brasil não iria para os maus caminhos seguidos por outros queridos parceiros do petismo no entorno sul-americano. Por quê? perguntei. Porque o Brasil é grande demais, respondeu meu interlocutor. Era um otimista. A essas alturas asseguro-lhe, leitor: não há o que o PT não possa piorar e não possa quebrar. Veja a Petrobras. O petismo na prática não apenas privatizou a empresa em nome próprio como jogou seus papéis na sacola do lixo seletivo. E a Petrobras era grande demais, era uma companhia gigantesca, respeitadíssima, que agora vê seu nome nas manchetes e nas páginas policiais. O petismo na prática passou a apresentar todas essas denúncias que saltitam qual pipoca na panela como coisa meritória. Antes era muito pior, mas não se podia investigar, dizem seus defensores, numa ligeira sugestão, impessoal e marota, sem endereço nem remetente, que não tem testemunha ou evidência a apresentar. E o não dito fica como se dito fosse. O que mais assusta é saber que já não podemos contar com as instituições da República. Também elas estão contaminadas pelo Midas bifronte que as colocou sob seu mando e manto. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

17/03/2014
A MINISTRA DOS BOATOS Percival Puggina A ministra Maria do Rosário tem razão para queixar-se. Ela tem sido vítima constante de boatos. Ora rola a notícia de que muito chorara ante a morte de um assaltante. Ora a de que após clamar por pena de morte para os assassinos de um homossexual, tendo sido advertida de que eram todos menores, escapara da enrascada usando um controle remoto como se fosse aparelho celular. No entanto, além de indignar-se, a ministra deveria se interrogar sobre o motivo pelo qual todos os boatos a respeito dela, pegam sem maiores hesitações... Não será por que se encaixam bem com o perfil que faz questão de ostentar? Tais boatos funcionam como uma caricatura.

Percival Puggina

15/03/2014
Sei que choverei no molhado. Mas penso que em matéria de segurança pública precisamos de muita chuva no molhado. Só uma verdadeira avalanche, causada por sucessivas e repetidas manifestações, poderá frear a expansão da criminalidade a cujo crescente poder, leis e demandas estamos todos sujeitos. É exasperador ler que o provável assassino de um empresário está condenado a penas que se concluem em 2039, mas já flanava no semiaberto, liberado para trabalhar durante o dia. É intolerável saber que esse não foi um episódio ocasional, mas evento rotineiro, parte da agenda cotidiana de ocupações e reclamações, para magistrados, promotores e delegados. É profundamente frustrante, aos pagadores de impostos, saber que autoridades remuneradas com o fruto do nosso trabalho se declaram obrigadas a soltar indivíduos sabidamente perigosos porque a lei assim determina. E mesmo essa justa frustração fica diminuta perante o sentimento que nos domina quando lemos que há, entre os magistrados, quem faça isso de bom grado, por motivos ideológicos. Ao fim e ao cabo, ainda que não o confessem, como aquele parlamentar, lixam-se quase todos. A criminalidade campeia solta, como repetidas vezes tenho afirmado, porque existe muito bandido agindo com inteira liberdade, rindo da lei e auferindo ganhos crescentes em atividades de quase nenhum risco. Parte significativa dos incontáveis crimes contra o patrimônio e a vida dos cidadãos é praticada por indivíduos que já se defrontaram com a polícia e com a justiça. E não deu nada, ou quase nada. Quem agiu para que gozassem de liberdade, a gosto ou contragosto, tem, sim, uma parcela pessoal de responsabilidade perante as vítimas. Que elas pesem nas respectivas consciências! De modo especial, têm responsabilidade direta os magistrados que usam os instrumentos legais com que contam para soltar, quando poderiam usar outros para manter presos indivíduos cuja periculosidade não pode proporcionar margem à dúvidas em quem ponha os olhos sobre seus prontuários. Têm responsabilidade os governos, que abandonam o sistema aos próprios azares, que entregam as penitenciárias ao crime organizado e deixam as corporações policiais à míngua por indigência de recursos humanos e materiais. Têm responsabilidade os legisladores, desatentos ao clamor da sociedade que pede por urgente revisão da legislação penal. E, muito especialmente, por revisão das execuções penais, via franqueada às facilidades e indulgências do semiaberto, das prisões domiciliares, das tornozeleiras aplicadas em quem, para o bem da população, tinha que estar com os dois pés do outro lado das grades. Sobre progressão de regime, a lei diz que o magistrado é quem decide. É um disparate que a superlotação dos presídios sirva como causa para as inauditas complacências. A superlotação deveria ser causa, isto sim, da construção de novas e mais dignas unidades de internação. Da população, por fim, não se cobre responsabilidades. Já nos basta recebermos das autoridades policiais orientações sobre como agir sob a lei do bandido. É bom que nos orientem. Mas essa confissão de impotência, de rendição, é mais uma evidência do grau de desamparo a que foi levada a sociedade brasileira, por motivos ideológicos e políticos. A realidade nacional derruba os chavões sobre pobreza e criminalidade. O desemprego cai, a renda aumenta e a criminalidade expande suas hordas. A segurança pública, a segurança da comunidade, é primeiríssimo fator de agregação social e primeiríssimo papel do Estado. Todo governante inapto, todo legislador insensível, toda autoridade leniente em qualquer dos poderes, deveria pendurar as chuteiras, pegar o chapéu e bater em retirada. Não ocorrendo isso, deveria, pelo voto dos leitores, ou por ato das respectivas instituições, ser afastado para tarefas onde resulte menos danoso ao interesse público. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

09/03/2014
O governador Tarso Genro, em recente entrevista, declarou-se contrário a quaisquer leis, sejam municipais, estaduais ou federais que visem a proibir o uso de máscaras em protestos. Ora, para que não esqueçamos de certas compreensões consensuais numa sociedade civilizada: protesto se faz em passeatas ou concentrações, erguendo cartazes e faixas, proferindo discursos e refrões, subindo num banquinho ou carro de som, usando megafone. Protesto se faz mostrando a cara, para que as pessoas saibam quem é quem e quem está com o quê. Se usa máscara e é apenas manifestante, é covarde. Tem vergonha do que faz. Se usa máscara é não é manifestante, então é malfeitor, bandido. Voltemos, então, ao governador do Rio Grande do Sul, um Estado que se orgulha de sua história e da bravura de eminentes figuras que a construíram. Disse ele, referindo-se ao projeto aprovado pela Câmara de Vereadores da capital gaúcha: Essa lei não tem nenhuma função ou objetivo. Mas como não, governador? Função da lei - permitir a identificação de quem cometer crimes. Objetivo da lei - inibir a destruição de patrimônio público e privado pelo reconhecimento dos violadores, e proteger a integridade física de policiais e transeuntes. Como não poderia deixar de ser, invocou ele o velho chavão esquerdista usado sempre que ocorre alguma reação frente a atos de selvageria praticados por grupos descontrolados: A lei (municipal, contra o uso de máscaras) criminaliza os movimentos sociais. É dose! Onde o ilustre ex-ministro da Justiça foi buscar a ideia de que crime cometido por muita gente deixa de ser crime? Em que alfarrábio Tarso encontrou uma definição de movimento social na qual se enquadrem os black bloc, os incendiários de ônibus, os arrastões em estabelecimentos comerciais? A conduta desses grupos criminosos nada tem a ver com reivindicação social, mas com a apologia da violência como instrumento da política. Ser contra a proibição ao uso de máscaras é legitimação da violência, negação da política e retrocesso civilizacional. A relação do PT com a impunidade já ultrapassou todos os limites do descaramento. Se é companheiro, se pega junto, se vota com a turma, pode tudo. E mais um pouco. _____________ * Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

08/03/2014
Dize-me a quem admiras. E eu te direi que isso me basta. Muito tem sido escrito sobre as afeições do governo brasileiro no cenário internacional. Eu mesmo já escrevi sobre a carinhosa saudação de Lula na 10ª Reunião do Foro de São Paulo, em Havana, no ano de 2001: ?Obrigado, Fidel, por vocês existirem!?. E não satisfeito com tão derretida manifestação de afeto, Lula arredondou o discurso com esta faiscante pérola: ?Embora o seu rosto esteja marcado por rugas, Fidel, sua alma continua limpa porque você não traiu os interesses do seu povo?. Que coisa horrível! E note-se: é uma adoração coletiva. Interrogue qualquer membro do governo sobre violações de direitos humanos, prisões de dissidentes, restrições às liberdades individuais na ilha dos Castro. Verá que ele, imediatamente, passa a falar de ianques em Guantánamo. Essa afinidade entre nossos governantes e os líderes cubanos é carnal, como unha e dedo. Quando se separam, dói. Noutra perspectiva, parece, também, algo estreitamente familiar. Filial, como quem busca a bênção do veterano e sábio pai, fraternal na afinidade dos iguais, e crescentemente paternal, pelo apoio político, moral e financeiro à velhice dos dois rabugentos ditadores caribenhos. E haja dinheiro nosso para consertar o estrago que a dupla já leva mais de meio século produzindo. Um pouco diferente, mas ainda assim consistente e comprometida, solidária e ativa, a relação do nosso governo com o delirante Hugo Chávez e seu fruto Maduro. Ali também se estendeu - e estendida permanece, resolutamente disponível - a mão solidária do governo brasileiro. Pode faltar dinheiro para as penúrias humanas do nosso semiárido, para um tratamento menos indigno aos aposentados e pensionistas do país, para os portos e aeroportos nacionais, mas que não faltem recursos para pontes, portos e aeroportos na Venezuela e em Cuba. Parece, também, que entramos num infindável ano bíblico de perdão de dívidas. Onde houver um tiranete africano ou ibero-americano em necessidade, lá vai o Brasil rasgar seus títulos de crédito. Quando foi deposto o virtuoso Fernando Lugo, com suas camisas tipo clergyman adornadas com barras verticais que lembravam estolas, nosso governo experimentou tamanha dor que preferiu perder a amizade dos paraguaios. A parceria se reuniu, expulsou o Paraguai do Mercosul e importou, não a Venezuela, mas o folclórico Hugo Chávez. Eu poderia falar sobre o silêncio do Brasil em relação ao que a Rússia está fazendo na Criméia. Aliás, haveria muito, mas muito mais, do mesmo. Mas isso me basta. Percebam os leitores que em todos os casos, a reverência, o apreço, a dedicação fluem para as pessoas concretas dos líderes políticos, membros do clube, e não para os respectivos povos. Não são os cubanos, mas os Castro. Não são os venezuelanos, mas os bolivarianos Chávez e Maduro. Não eram os paraguaios, mas Lugo. Não são os bolivianos ou os nicaraguenses, mas Evo e Ortega. Não são os povos africanos, mas seus ditadores. Há algo muito errado em nossa política externa. Tão errado que me leva a proclamar: não é o Brasil, senhores, mas é Lula, Dilma e seus companheiros! Isso me basta. No entanto, ocorre-me uma investigação adicional e para ela eu peço socorro à memória dos meus leitores: você é capaz de identificar uma nação ou um estadista realmente democrático, uma democracia estável e respeitável, que colha dos nossos governantes uma consideração minimamente semelhante à que é concedida nos vários exemplos que acabo de citar? Pois é, não tem. ZERO HORA, 9 de março de 2014

Percival Puggina

05/03/2014
O governador Tarso Genro declarou-se contrário a quaisquer leis, sejam municipais, estaduais ou federais que visem a proibir o uso de máscaras em protestos. Ora, para que não esqueçamos de certas definições consensuais numa sociedade civilizada: protesto se faz em passeatas ou concentrações, erguendo cartazes e faixas, proferindo discursos e refrões, subindo num banquinho ou carro de som, usando megafone. Protesto se faz mostrando a cara. Malfeitor mascarado é bandido, assaltante. Se é apenas manifestante e usa máscara, é covarde. Tem vergonha do que faz. Mas voltemos ao governador. Disse ele, referindo-se ao projeto aprovado pela Câmara de Vereadores da capital gaúcha: Essa lei não tem nenhuma função ou objetivo. Mas como não, governador? Função - permitir a identificação de quem cometer crimes. Objetivo - reduzir a destruição de patrimônio público e privado, bem como proteger a integridade física de policiais e transeuntes. Como não poderia deixar de ser, invocou ele o velho chavão esquerdista usado sempre que ocorre alguma reação frente a atos de selvageria praticados por grupos descontrolados: A lei (contra o uso de máscaras) criminaliza os movimentos sociais. É dose! Onde o ilustre ex-ministro da Justiça foi buscar a ideia de que crime cometido por muita gente deixa de ser crime? Em que alfarrábio Tarso encontrou uma definição de movimento social na qual se enquadrem os black bloc, os incendiários de ônibus, os arrastões em estabelecimentos comerciais? A relação do PT com a impunidade já ultrapassou todos os limites do descaramento. Se é companheiro, se pega junto, se vota com a gente, pode tudo. E mais um pouco.

Percival Puggina

01/03/2014
FETICHISMO ARBÓREO Percival Puggina Discute-se em Porto Alegre sobre a ampliação do Hospital de Clínicas da UFRGS. A obra vai ampliar em mais de 70% a capacidade de atendimento da emergência do hospital e implica no corte de duzentas das mais de mil outras plantadas no local. Pronto! Aqui na capital gaúcha, instalou-se um fetiche arbóreo. Falou em cortar árvore desabam raios e trovões sobre qualquer proposta, inclusive sobre essa. Grupos fanatizados, alegando falar em nome da sociedade, opõem-se à iniciativa, fincam pé e são capazes, até mesmo desse absurdo: retardar uma obra que vai abrandar as terríveis dificuldades em que se encontra a emergência do SUS em Porto Alegre. Há quem, entre árvores e pessoas, fique, definitivamente, com as primeiras. Talvez porque ainda não tenha descido delas, como disse alguém.