Percival Puggina

13/12/2013
QUADRILHEIROS DA HISTÓRIA OU SHERLOCKS DE TEATRO BURLESCO Percival Puggina Não bastasse a pantomima envolvendo as perícias argentinas e cubanas em João Goulart, agora foi a vez da Comissão da Verdade de São Paulo (aquele bicho ruim de Brasília já está dando cria pelo país afora) decidir que Juscelino Kubitschek foi assassinado. A filha do motorista do ex-presidente nega a versão de que o pai teria levado um tiro e não autoriza novos exames nos restos mortais, que já foram objeto de duas perícias. A senhora é advogada e afirma que as versões relacionadas à morte dele são invencionices. A CV de SP não só já decidiu, no coletivo, que JK foi morto criminosamente como está pedindo que o Governo Federal, o Congresso Nacional e o STF retifiquem a causa do óbito para reconhecer que ele foi assassinado...

Percival Puggina

12/12/2013
A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Puxei ao acaso da estante, anteontem, o livro de contos Histórias sem data de Machado de Assis. A narrativa que abre a coletânea chama-se A igreja do Diabo. Ao folheá-lo, me deparei com o período transcrito acima, sublinhado pela mão de minha mãe, que o lera em 1939. Tenho certeza de que a diabólica construção mental que o Capeta, entre outras igualmente criativas, urdira para atrair fieis à sua igreja surpreendeu mais a jovem Eloah do que a mim. A ela, encantou a originalidade do raciocínio do Diabo. A mim, que me tocou viver no Brasil nestes anos de moral gelatinosa, aquelas palavras pareceram proféticas. O que era raciocínio satânico, obra de um finório Belzebu, apresentado aos leitores do século 19, chega-nos agora aos olhos como expressão de conduta corrente. Onde? Precisamente nos circuitos onde a opinião, o voto, a palavra e a fé tem valor. Valor que pode ser convertido em moeda corrente. O Maligno não reúne freguesia tão numerosa e influente, num país vasto como o Brasil, sem antes haver percorrido laboriosos caminhos na deformação das consciências. E não executa sua obra de demolição à base de trombadas e atropelamentos, mas com sutileza que convém identificar. Tanto na literatura quanto na vida das pessoas, a religiosidade (e no Ocidente, de modo especial, o Cristianismo) exercia no tempo de Machado grande influência sobre a cultura e os valores morais. Assim, para atrair fieis à sua paróquia, o Diabo do conto machadiano não cuidou de arrancar a fé do coração dos indivíduos. Não, isso é muito difícil e custoso. As pessoas, a imensa maioria delas, se recusa a acreditar em nada ou no Absoluto Nada. O Diabo tem razões que a razão conhece. E a razão dele é conhecida, mesmo. Muito mais fácil do que retirar do coração das pessoas a ideia de Deus e de uma ordem moral, é transmitir a elas um - digamos assim, por falta de algo melhor - princípio regrador, facilmente aceito pelas mentes da pós-modernidade: o Estado deve ser laico e a religião tema de foro íntimo, para ser exercitado nos recessos dos lares e dos templos. A portas fechadas, cortinas corridas, com produção de um mínimo de decibéis. Fácil como comprar maconha no Uruguai. Basta, depois, mostrar às pessoas que os valores e princípios que elas adotam decorrem de uma moral de base religiosa. E menos de meio sermão será suficiente para extrair dessa evidência uma conclusão de lógica satânica: também ela, a moral, com vistas ao bem da laicidade do Estado, deve ser expurgada para aqueles mesmos compartimentos estanques e privados onde jazem os cultos e as expressões de fé. No conto de Machado, a igreja do Diabo acaba perdendo seu público. No Brasil, por enquanto, ela vai como o Diabo gosta. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/12/2013
INIMIGOS DO POVO Percival Puggina Parafraseando Roberto Jefferson, a leitura das páginas policiais desperta em mim os sentimentos mais primitivos. Em relação a quem? Em relação a esses protetores da bandidagem. Têm maioria legislativa para fazerem o que quiserem, mas não alteram os códigos. Têm nas mãos o poderoso orçamento federal, mas não constroem presídios nem equipam as instituições policiais. Têm prerrogativas legislativas, mas usam-nas para inibir a ação policial no enfrentamento da criminalidade. Têm voto popular, mas usam desse voto para favorecer o mal e desprezar os direitos humanos dos cidadãos de bem.

Percival Puggina

05/12/2013
Se existe uma parte do planeta onde bate com mais vigor o generoso coração de Lula e Dilma, esse lugar é a África Negra. Imagino ser por isso que existam cotas raciais para o comércio exterior brasileiro. Volta e meia - às vezes nem meia volta se completa - e lá estão nossos presidentes petistas na África Subsaariana, cada um a seu turno, perdoando dívidas milionárias que aqueles países têm para com o Brasil. A conta já passa de US$ 2 bilhões. Não por acaso são, em parte, débitos de governos ditatoriais, sanguinários, genocidas, que lidam com as finanças locais em regime de partilha. Vai um pouco para o interesse público e o restante para contas familiares em bancos estrangeiros. Um deles, o senhor Omar al-Bashir, já leva 24 anos no cargo de presidente do Sudão. Tem dois mandados internacionais de prisão e, segundo um promotor do Tribunal Penal Internacional, acumula US$ 9 bilhões de recursos próprios em paraísos fiscais. Outro, o senhor Teodoro Obiang, que comanda a Guiné-Equatorial, adquiriu em 2010 um apartamento na Av. Vieira Souto, no Rio de Janeiro, naquela que foi até então a maior transação da história da cidade envolvendo um imóvel residencial. O pequeno refúgio carioca do ditador é um tríplex com 2 mil metros quadrados. O patrimônio pessoal do bilionário ditador do Congo-Brazaville, Denis Sassou Nguesco, proprietário de algumas dezenas de imóveis na França é superior à dívida do país perdoada pelo Brasil (US$ 352 milhões). E por aí vai. Em maio deste ano, numa única tacada, a presidente Dilma anunciou perdões, abatimentos e novos parcelamentos para dívidas de uma dúzia redonda de nações africanas. Alega o governo que esse procedimento está alinhado com as orientações do Clube de Paris, que o recomendam como forma de estimular a contratação de novos financiamentos e promover o desenvolvimento daqueles povos. Faria sentido se não estivéssemos tratando, em alguns casos, de povos cuja miséria aumenta na proporção direta em que a elite governante amplia sua riqueza pessoal. Faria sentido se não houvesse, na lista de beneficiados, governos ditatoriais que só perdem em longevidade e truculência para a dinastia cubana dos Castro Ruíz. É uma pena que a benevolência dos governos petistas em relação aos aos seus cotistas raciais no comércio exterior não encontre simetria de tratamento com as dívidas dos produtores rurais brasileiros quando suas lavouras são assoladas por estiagens e secas. É uma pena que essa mesma prontidão não apareça na hora de atender os brasileiros vítimas de cheias, cujos bens são arrastados pelas águas. É uma pena, também, que não se respeite o preceito bíblico de que a mão esquerda não saiba o que a direita faz em favor do próximo. De fato, enquanto a generosidade nacional é proporcionada pela dadivosa mão direita, a esquerda encaminha novos recursos para obras de empreiteiras brasileiras nesses países. Quem garante que a virtude da probidade e a adimplência tenham desabrochado em meio aos maus pagadores e prevaricadores de ontem? Continuaremos financiando empreiteiras e cancelando os débitos? E é uma pena, por fim, que, junto com a bonomia das cotas raciais de nosso comércio exterior, não venha junto uma transparência maior sobre as comissões pagas pelos novos negócios que estão sendo contratados lá com as empreiteiras daqui. Tenho um palpite, mero palpite, de que iríamos encontrar, beneficiado por tais valores, um conhecido lobista que mantém relação de intimidade paternal com as decisões de governo. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

05/12/2013
NÃO VIVEMOS UMA DISPUTA POLÍTICA NORMAL ÀS DEMOCRACIAS (Resposta que enviei a um leitor que lamentava as perspectivas políticas que se desenham no horizonte) Prezado amigo, agradeço tuas palavras. O fato é que não estamos enfrentando um processo político normal, do tipo que ocorre nas democracias que conhecemos. O que existe no Brasil é uma disputa imensamente desigual entre pequena trincheira oposicionista e um grupo político que se apropriou das instituições e que usa, para seu único projeto, que é um projeto de manutenção do poder, todos os meios institucionais e todos os imensos recursos disponíveis no Erário. É pela falta de todos os outros objetivos e projetos que a situação nacional, lentamente, se vai deteriorando em tudo que importa. Abraço! Puggina

Percival Puggina

30/11/2013
Esses brasileiros são como filhos de novela, do tipo que rejeita a mãe. Embora o tempo presente os condene, veem-se como corregedores do passado. Incapazes perante o futuro, dedicam-se a amaldiçoar os que vieram antes. Obviamente, serão sucedidos por aqueles que os amaldiçoarão. O século 20, leitor amigo, jogou o Brasil num torvelinho de lamúrias e malquerenças, num imprescritível ajuste de infinitas contas. Há alguns anos, conversando aqui em Porto Alegre com destacado empresário mexicano, num evento da ADCE, perguntei a ele sobre a situação dos astecas na contemporânea sociedade de seu país. Meu interlocutor era um homem alto, desempenado. Com sua tez avermelhada faria bom papel representando um índio do oeste norte-americano em filmes da década de 50. Olhou-me surpreso e respondeu com outra pergunta: E eu tenho cara de espanhol?. Não, ele não tinha cara de espanhol, nem eu tinha mais perguntas a fazer. Fui. Serviu-me a lição e a tenho sempre em mente quando se fala sobre a questão do índio e do negro no Brasil. Estimam os estudiosos, sabe-se lá como, que havia cerca de 3 milhões de índios por estas bandas, no ano do Descobrimento. Hoje restam 896 mil puros, contados e recontados. Isso é bom ou ruim? O Brasil é um país por todos os motivos destinado à miscigenação. E o pequeno número de índios puros é, ainda assim, certamente maior do que o número de portugueses da gema. Percorre-se o Brasil e é visível, onde se vá, a existência de dezenas e dezenas de milhões de caboclos, cafuzos, mulatos. São empresários, acadêmicos, jornalistas, artistas, operários, agricultores, integrados à nação e expressando sua realidade social. Numa sessão do Congresso Nacional, em dia de votação importante, a câmera da tevê passeia sobre um plenário onde os pardos talvez formem a bancada majoritária, notadamente quando das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. O governo da União, dominado por corregedores do passado, acaba de enviar ao Congresso uma lei determinando que todos os concursos públicos para provimento de cargos federais reservem 20% das vagas para negros e pardos. Com isso - suponho que pensem assim - está feita justiça. Um tipo de justiça sempre proposta para viger contra o direito alheio. Nunca com renúncia a qualquer direito de quem decide. Já tramita na Câmara, por exemplo, projeto que pretende criar cotas raciais nas eleições parlamentares. Não o aprovarão porque isso afeta as próprias reeleições. Será que o STF ou o CNJ aprovariam cotas nos concursos para a magistratura? E o governo? O governo, que propõe a lei, tem uma única e solitária ministra negra entre 40 pastas e secretarias com status de ministério. O grande Chesterton dedica um capítulo de Os Hereges à questão das raças. Lá pelas tantas, escreve: Todos os mais autênticos ingleses se aborreceriam ou escarneceriam abertamente se começássemos a falar sobre anglo-saxões. (...) A verdade disso tudo é muito simples. A nacionalidade existe, e nada neste mundo a relaciona a raça. E cita Timothy Healey: Nacionalidade é algo pelo que as pessoas morrem. O Brasil, porém, vai deixando de ser a nação pela qual morreram tantos antepassados nossos para se tornar um amontoado de corpos sociais em conflito, sob a fraudulenta reengenharia social dos corregedores do passado. Está se oficializando como um país racista, onde a identidade fundamental passa a ser a cor da pele. ZERO HORA, 1º de dezembro de 2013

Percival Puggina

29/11/2013
Você está surpreso? Eu não. Nunca levei a sério políticos e partidos que centravam sua estratégia rumo ao poder no ataque impiedoso à honra dos adversários e na afetação de virtudes excelsas. Muito escrevi sobre a conduta irresponsável dos que, sem qualquer escrúpulo ou discernimento, se apresentavam com lança-chamas e tonéis de gasolina ao menor sinal de fumaça que surgisse nas proximidades de seus oponentes. Mas a estratégia foi exitosa. A sociedade sentiu-se inclinada a crer na virtude dos acusadores, desatenta para o fato de que onde estiver o ser humano estarão presentes as potências do mal e do bem. E o que melhor detém a ação do mal é a certeza da punição. Na política não existe imunidade natural frente ao poder de corrupção. Nem frente à corrupção nos escalões do poder. O que funciona é a certeza de que as instituições estão moldadas de forma a identificar e punir os culpados. E o Brasil não chega em 63º lugar no ranking da honestidade sem uma bem consolidada cultura de impunidade. Em nosso país, a mentira é direito humano. A impunidade é cuidadosa construção. Lança fundações nos meandros de leis e códigos em cujos labirintos se orientam os bons advogados. Ergue paredes nos flagrantes não homologados por motivos irrelevantes. Lança pilares e vigas na permissividade das execuções penais e na benevolente progressão das penas. Ganha telhado quando a criminalidade é tanta que muitos delitos ficam banalizados, inclusive sob a ótica da sociedade e de seus julgadores. A maioria dos crimes praticados no país sequer é notificada pelas vítimas. O telhado protetor da impunidade foi, assim, posto e bem posto. Somos um estranho país onde é acusado de criminalizar os movimentos sociais quem comete a inaudita violência de descrever o que fazem. Somos um país onde condenados passeiam livremente nas ruas porque não há vaga nos presídios. E não se constroem presídios. Pois o rumoroso processo do Mensalão realiza a façanha, depois de sete longos anos, de chegar ao período de sentenças definitivas, transitadas em julgado. Não faria o menor sentido discutir, aqui, a correção das condenações. Quase todas foram proferidas por ministros do STF indicados pelo governo do partido dos réus. Ambos, governo e partido reconheceram os crimes. O próprio Lula, em 12 de agosto de 2005, no auge do escândalo, falou à nação: Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis, das quais nunca tive conhecimento. (...) Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas (há vídeo no YouTube com o título Lula pede desculpas). No mesmo dia, Tarso Genro, no exercício da presidência do PT, anunciou a refundação do partido e disse que este iria punir cada um dos envolvidos em denúncias de corrupção e caixa dois para financiamento de campanhas (Agência Brasil, 12/08/2005). O atual Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na edição da revista Veja de 20/02/2008, em longa entrevista às Páginas Amarelas, reconheceu: Teve pagamento ilegal de recursos a partidos aliados? Teve. Ponto Final. É ilegal? É. É indiscutível? É. Nós não podemos esconder esse fato da sociedade. Agora, desmentem a si mesmos! Adotam uma estratégia desesperada, que fala em presos políticos, tenta criminalizar o STF, pretende denegrir a imagem do ministro Joaquim Barbosa, e deseja vitimizar os presos perante a opinião pública. É o derradeiro desserviço prestado pelos réus do Mensalão e seus companheiros a uma nação que precisa vencer a impunidade. Talvez pretendessem sair deste processo sentenciados a fazer o que melhor fazem: distribuir algumas cestas-básicas ao povo. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

Percival Puggina

22/11/2013
JOGUINHO DE PALAVRAS PARA ENGANAR BOBOS Percival Puggina Os petistas tinham as privatizações como um dos males do século e símbolos do neoliberalismo. Agora, que aparentemente caiu a ficha, e o PT começa a privatizar o que encontra pela frente. Incapazes de reconhecer o quanto atrasaram a infra-estrutura do país e o quanto atrapalharam os governos anteriores, os petistas proclamam que agora, as concessões atentem ao interesse público, ao passo que antes, elas atendiam ao interesse das empresas. Retórica para enganar bobos. Todas as concessões atendem ao interesse público porque o desempenho do setor privado é superior. E todas atendem aos interesses privados, inclusive as promovidas pelo PT, porque, caso contrário, as empresas não participariam das concorrências e dos leilões.

Percival Puggina

21/11/2013
Agora tem o Brasil das mulheres e o Brasil dos homens até nos discursos das autoridades, o Brasil dos negros, o Brasil dos brancos e o Brasil dos pardos, o Brasil dos héteros e o Brasil dos gays, o Brasil dos evangélicos e o Brasil dos católicos, Brasil com bolsa família e Brasil sem bolsa família e nem sei mais quantas categorias, tudo dividido direitinho e entremeado de animosidades, todo mundo agora dispõe de várias categorias para odiar! A depender do caso, o sujeito está mais para uma delas do que para essa conversa de Brasil, esquece esse negócio de Brasil, não tem mais nada disso! João Ubaldo Ribeiro O fato é que Cabral não tocou direto para as Índias. Tivesse seguido o riscado, o Brasil de hoje seria o paraíso tropical com que sonham alguns ambientalistas, antropólogos e militantes de qualquer tese que possa gerar encrenca. Os índios do mato continuariam disputando território a flechadas com os do litoral, que índio também gosta de praia, e os portugueses, sem quaisquer remorsos, comeriam seu bacalhau no Campo dos Cebolas. Mas os navegadores lusitanos (assim como os espanhóis) eram abelhudos e iniciaram seu turismo pelos sete mares. Os primeiros descobriram o Brasil e os segundos descobriram tudo ao redor do Brasil. Bem feito, quem mandou? Agora temos que conviver com leituras da história que nos levaram à situação descrita por João Ubaldo Ribeiro. Segundo elas, até o século 15, o zoneamento era perfeito - brancos na Europa, negros na África, índios na América e amarelos na Ásia. Cada macaco no seu galho. No entanto, graças à bisbilhotice ibérica, estamos nós, herdeiros de Caramuru, com contas imensas a pagar porque os justiceiros da história adoram acertos e indenizações promovidos com os bens alheios. Entre elas, a conta dos índios. Como é fácil fazer justiça expropriando os outros! O princípio segundo o qual o Brasil era dos índios e deles foi tomado pelos portugueses ganhou sensível impulso com os preceitos do artigo 231 da Constituição de 1988. Mas se o princípio estivesse correto e se quaisquer direitos originais de posse pudessem ser invocados, não sei se alguém, no mundo de hoje, ficaria onde está. Não me refiro sequer aos primeiros fluxos migratórios através dos milênios. Refiro-me às mais recentes e incontáveis invasões e guerras de conquista que marcam a história dos povos. E note-se que as guerras de conquista não geravam indenizações aos vencidos, mas espólios aos vencedores. Faço estas observações diante do que está em curso em nosso país com os processos de demarcação de terras indígenas. É o próprio Estado brasileiro, através de suas agências, reclamando por extensões mais do que latifundiárias e jogando nas estradas e na miséria legiões de produtores e suas famílias. É o braço do Estado gerando novas hostilidades no ambiente rural do país (como se já não bastassem as estripulias do MST). Índios e não índios merecem ser tratados com igual dignidade. Mas não se pode fazer justiça criando injustiça, nem se pode cuidar do país entregando o país. Não existem outras nações dentro da nação brasileira. E é exatamente isso que está em curso, sob pressão de uma difusa mas ativa conspiração internacional, conjugada com o CIMI e a FUNAI, que quer o Brasil e os brasileiros longe da Amazônia, por exemplo. Índio não é bicho para ser preservado na idade da pedra lascada, como cobaia de antropólogos, num profundo desrespeito ao natural processo evolutivo. Ou armazenado, como garrafa de vinho, numerado e rotulado, com designação de origem controlada. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.