Percival Puggina

18/06/2018

 

 Em fins de 2016, ocorreu em Brasília o 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário. Presentes os ocupantes dos degraus mais elevados da magistratura na União e nos Estados. Somente a crême de la crême. Desse evento recebi, há poucos dias, um pequeno vídeo contendo fala do ministro Luiz Fux, do STF. À mesa dos trabalhos, além dele, a presidente Cármen Lúcia e o jornalista William Waack, ainda nas boas graças da hipersensível elite nacional.

 Na gravação, a fala do ministro é muito breve. Referindo-se, aparentemente, a uma questão suscitada pelo jornalista sobre ativismo judicial, Fux afirma haver temas, como o aborto, sobre as quais o judiciário “não tem capacidade institucional para solucionar”. Eles deveriam caber ao Parlamento, que “não quer pagar o preço social de decidir”. Então, acrescenta o ministro chiando os “esses”, como “nós não somos eleitos, nós temos, talvez, um grau de independência maior, porque não devemos, depois da investidura, satisfação a absolutamente ninguém...”.

Se a nata do Poder Judiciário assim pensa e age estamos ante perigoso mix de ignorância e soberba capaz de causar inveja a Lula. Não raro, a maioria do pleno do STF, muitos tribunais inferiores e mesmo juízos singulares enveredam por igual caminho, substituindo-se ao Congresso Nacional, ou estabelecendo certa interatividade, quando não proatividade, com o texto constitucional. A cada passo nessa estrada, aumenta a insegurança jurídica, a representação popular perde substância e os que dela têm mandato perdem poder e pudor.

Por trás desse fenômeno ativista – digamos logo: militante -, que tanto afeta o judiciário brasileiro, está o entulho ideológico espargido nas últimas décadas sobre nossas universidades. Ele dissemina a ideia de uma revolução pelas canetas, na qual a esperteza dos meios emburrece os agentes ao ponto de o ministro Fux, no ambiente jurídico de um congresso de magistrados, permitir-se afirmar, sem corar e sem que lhe desande o topete, que o STF delibera porque os congressistas “não querem pagar o preço social”. Vale dizer, não querem legislar contra a maioria da opinião pública! Então, em matérias de enorme relevância moral, dane-se a vontade majoritária expressa na Constituição, dane-se a maioria do parlamento e seu poder constituinte derivado, dane-se a opinião pública. “Façamos a lei moral à nossa minoritária imagem e semelhança!”. Afinal, os onze julgam – embora não fosse prudente tamanha certeza - não dever satisfação a ninguém.

Nos parlamentos, decidir não votar é votar; não deliberar é deliberação. Os projetos dos abortistas não vão a plenário porque os autores sabem que serão derrotados. E isso, num regime democrático, é legítima deliberação. Assim funcionam as democracias e os países com instituições racionais, honestamente providas e virtuosamente exercidas. O demônio, porém, vai dando as cartas e jogando de mão com a soberba dos revolucionários de toga.

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

15/06/2018

 

 Há alguns meses, um caminhão da CEEE passou pela minha rua podando galhos que interferiam com a rede de distribuição da empresa. Na árvore existente diante de minha casa havia um ninho de passarinho. Cuidadosamente, os operadores do serviço preservaram-no e o galho ficou ali, hígido com seu bercinho de gravetos, proporcionando pequeno e eloquente testemunho de defesa da vida. Tempos depois, abandonado pelos minúsculos moradores, desfeito o ninho, o caminhão voltou à rua e removeu o galho que ali ficara, alegoricamente, apontando para a abóboda celeste e para o Criador.

Na última quinta-feira (14/06), após quase 24 horas consecutivas de sessão, a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou, por uma diferença de quatro votos, o projeto de lei que descriminaliza o aborto feito até 14 semanas de gestação. No exterior do prédio, em meio a fogueiras para aquecer a fria noite de Buenos Aires, dois grupos distintos se confrontavam na defesa de suas convicções pró-vida e pró-aborto. Após a votação, jovens feministas trocavam abraços e lágrimas de emoção. Emoção? Que espécie de emoção é essa, a festejar o genocídio de seres humanos em sua mais indefesa condição? É de um cinismo inqualificável olhar a imagem de um feto com 14 semanas, fingir não saber de que se trata e tratar como coisa que se mata. Como não reconhecer ali um ser humano, uma vida diferente da vida da mãe?

Espera-se que os senadores argentinos rejeitem o projeto, pois deles se diz serem mais conservadores. Longa vida, então, aos conservadores! A idade talvez os ajude a compreender obviedades que, na juventude, obscurecem ante o império dos impulsos pessoais e do interesse próprio. Entre tais obviedades inclui-se a consciência de que a natureza, a vida e a dignidade da pessoa humana exigem proteção legal que independe da religião de cada um. Impressiona-me, por isso, a frieza quase inumana com que o Ocidente, moralmente danificado pela cultura da morte, vem tratando dessa questão, legalizando o aborto como um “direito da mulher”, a ser executado pelo Estado “de modo seguro e gratuito”. Claro, o orgasmo é do casal e a conta do crime, nossa.

A mesma República Argentina cuja Câmara dos Deputados legalizou o aborto até as 14 semanas da concepção (da concepção de quem, mesmo?) mantém excelentes reservas naturais, como a de Formosa para salvaguardar os tatus carretas em sua área de reprodução. Nossos vizinhos protegem, igualmente, sob o estatuto de monumentos naturais, algumas de suas espécies animais, como a taruca, a baleia-franca-austral, o huemul, o aguará guazu, e vegetais como o pinho do cerro.

Nenhum ser humano civilizado vai a um ninho de passarinho quebrar seus ovos e ninguém põe em dúvida a natureza do pequeno ser vivo que vai romper aquela casca desde dentro. No entanto, parlamentares, jornalistas militantes, feministas, globalistas financiados por George Soros e partidos de esquerda lutam para impor ao filhote do bicho homem, no ventre materno, perversidades que não admitiriam em relação a seus pets.

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

13/06/2018

 

 No dia 7 de outubro decide-se o rumo que a nação irá percorrer pelos próximos quatro anos. Como se sabe, a correção de quaisquer erros decorrentes dessa escolha envolve prolongadas crises e instabilidades que afetam negativamente a vida de todos. Os corruptos do “mecanismo” estão bem identificados e aptos a serem rejeitados nas urnas. O autorrotulado progressismo quebrou o Brasil, derrubou a economia nacional, criou verdadeiro caos moral e entregou o povo à bandidagem das ruas e das estruturas do poder.

A conhecida hegemonia cultural da esquerda e o efeito político das fake analysis nos meios de comunicação vêm sendo impactados pela força da direita nas redes sociais. Ideias liberais e princípios conservadores prosperam junto à opinião pública e é razoável esperar uma reversão da gangorra. Trata-se então, principalmente, de convocar os eleitores às urnas, convencê-los de que chegou a hora de escolherem bem e de se empenharem pela vitória dos melhores. Em contrapartida e num cenário tão adverso, os inimigos do país, que madrugarão nas filas de votação – sublinhe-se! -, sonham com que os bons cidadãos não apareçam nas seções eleitorais.

No entanto, em orquestrado coro, os intervencionistas vêm proclamando não só a vulnerabilidade das urnas eletrônicas, mas afirmam, como coisa decidida e consabida, a inutilidade da eleição. Certo? Errado! Errado e exagerado. Você acredita que os eleitores da tropa de choque petista ficarão em casa no dia 7 de outubro? Dirão eles, a si mesmos, que “é inútil votar em urnas fraudadas”? Ou, tão pueril quanto isso, considerar-se-ão dispensados porque, afinal, as urnas serão fraudadas em favor deles mesmos?

A greve dos caminhoneiros, ao se tornar um cardápio político acompanhado de desastre econômico, pôs uma pedra no meio do caminho. Os esquerdistas queriam o caos porque sabiam o quanto ele sempre os beneficiou em sucessivas experiências históricas; os intervencionistas queriam o mesmo caos na expectativa de que uma salvadora ruptura institucional resolvesse os problemas do Brasil. Suposto antagonismo em esforço conjunto...

Na Economia, removida a pedra, colheu-se apenas o caos com sua inexorável planilha de custos e preços. O PIB perdeu cerca de 80 bilhões, as expectativas de crescimento para o ano caíram abaixo de 2%, os preços subiram 1% em 30 dias (sinalizando para uma elevação do custo de vida), a Petrobras perdeu 14% de seu valor, o dólar disparou, a bolsa caiu. Ligeirinho, os 86% a favor da paralização viraram 70% contra. E até a demanda por frete, claro, diminuiu com a desaceleração dos negócios.

Na política, removida a pedra, não ficou mais barato. A mídia militante, aquela que soluça ao noticiar vitórias eleitorais da direita, encontrou na mobilização dos intervencionistas motivos para empacotar num único discurso o “golpe” contra Dilma, a eleição sem Lula, a “extrema-direita raivosa”, e o “golpe” de 1964. Resultado: ao colocar todas as fichas numa ruptura institucional sem futuro, que a caserna rejeita eloquente e reiteradamente, os intervencionistas estão ajudando a esquerda, criando antagonismos com o grupo do centro ideológico, semeando desânimo à direita e afastando da eleição milhões de agentes de uma necessária renovação de quadros políticos.

Motivados pela necessidade de renovação, bons candidatos liberais e conservadores disputarão esta eleição em todos os Estados. Se há algo de que eles não precisam é que seus potenciais eleitores fiquem em casa. A esperança vã numa solução que não vem, tanto quanto o desalento, só serve aos corruptos, aos incompetentes e aos artesãos do caos.

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

12/06/2018

 


 Os onze ministros do STF contrataram um espaço especial no aeroporto de Brasília. Pela bagatela de R$ 374 mil anuais livraram-se dos “desconfortos” da sala VIP que já utilizavam e transformaram seus voos num prolongamento das mordomias habituais em que tudo é privativo, do elevador ao “capinha” (aquele funcionário que puxa e empurra a cadeira quando sentam).

A nova sala vem acompanhada de outras regalias, como o procedimento de embarque exclusivo, uma van que transporta o ministro até a aeronave e uma escada lateral pela qual ascendem à cabine de passageiros. Todo o pacote minimiza o contato de suas excelências com o povo a quem dizem servir na “distribuição” da Justiça.

Com isso, e à nossa custa, evitam que algum passageiro malcriado lhes dirija palavras desagradáveis, como eventualmente acontece. Palavras desagradáveis também são privativas no topo do Poder Judiciário. Só ministros podem proferir desaforos a ministros. E normalmente com razão.

A assessoria do Tribunal, segundo matéria do Estadão, informa que se trata de conduta de segurança. O dito soa estranho porque a regalia se refere apenas ao aeroporto de Brasília. Se for, mesmo, procedimento de segurança, presume-se que algo assim deva se reproduzir nas capitais do país, especialmente nos destinos frequentes dos senhores ministros.

Sublinhe-se, em favor da população e de sua opinião sobre o colegiado do STF, que todo o descontentamento que, por vezes, se expressa em indignação, é motivado pelos bons favores e pela tolerância da Corte para com a prazerosa impunidade dos corruptos. A situação se tornou, mesmo, intolerável.

Se esses procedimentos típicos de recepção de motel pegarem, logo haverá salas especiais para deputados, para senadores, para ministros do TCU, para ministros de Estado. Ou - quem sabe? – surgirá uma nova capital federal, em área mais remota do sertão, onde não haja povo para encher o saco.


* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

10/06/2018

 

 Certas mensagens recebidas quando menciono o pleito do dia 7 de outubro provêm de eleitores que desconfiam de tudo. Duvidam das urnas e dos votantes, dos partidos e dos tribunais, dos políticos em geral e dos candidatos em particular. Enquanto esperam solução por meio de uma ruptura institucional que comprovadamente não acontecerá, colocam tudo e todos sob suspeita.

Ainda há pouco alguém se exclamava, em rede social, ante a notícia de que certo militar seria candidato a deputado federal. Tratava-se, no seu modo de ver, de uma traição à causa da ruptura institucional e uma absurda aceitação das urnas eletrônicas.

Queiramos ou não, essa é, hoje, uma questão nacional relevante, consequência da degradação institucional e da fragmentação social. Se o que desejam os proponentes dessa solução não for uma inaceitável ditadura, se for de ação rápida isso pelo que clamam, de onde vem a confiança em que logo ali adiante surgirão partidos, políticos e eleitores com elevado discernimento e sistemas perfeitos?

Fraudes sempre houve e sempre poderá haver. Eleições também podem ser fraudadas. Na Primeira República, o bico de pena e a degola comandavam os resultados. O primeiro adulterava as atas que provinham das mesas eleitorais e o segundo, através da poderosa Comissão Verificadora de Poderes, simplesmente declarava ilegal, no Parlamento, a vitória dos indesejados. Mesmo após a criação da Justiça Eleitoral em 1932, continuaram as fraudes no registro e voto de eleitores inexistentes ou falecidos, na cíclica transferência de votantes em eleições municipais, na existência de municípios com mais eleitores do que habitantes, na compra de votos, e por onde mais houvesse brecha para a malícia dos espertalhões. Fui fiscal de apuração em diversos pleitos e embora não tenha me deparado com tentativas de fraudes, pude verificar possibilidades para que isso acontecesse durante a manipulação das cédulas, bem como esforços maliciosos para interpretar indevidamente rabiscos de eleitores analfabetos.

Nos grotões continua a intimidação dos eleitores com a divulgação de sanções a serem aplicadas se o resultado das urnas não for o pretendido pelo cabo eleitoral da região. Não bastasse isso, ainda agora, com a introdução da identificação digital dos eleitores, e já cadastrados 65 milhões, o TSE identificou 25 mil títulos duplicados. Um desses "multicidadãos" portava 52 títulos. Também isso é fraude.

As urnas que o Brasil usa, afirmam muitos técnicos, podem ser fraudadas. Se têm sido é questão para a qual ainda não vi resposta afirmativa categórica, malgrado a persistente suspeita em relação à silenciosa reviravolta na apuração do pleito presidencial de 2014. Segundo se diz, aquela vitória petista não foi obtida lisamente. Ora, se essa porta existe e pode ser aberta, como explicar o resultado do pleito de 2016? Afinal, apenas dois anos após a reeleição de Dilma, o PT sofreu estrondosa derrota, caindo do primeiro para o sexto lugar entre os partidos brasileiros, vencendo em apenas uma dentre as capitais de estados da Federação. Deu pane no mecanismo? Estavam de férias os manipuladores?

Por outro lado, a arrogância com que os ministros do TSE desprezam a opinião pública em tema tão relevante à legitimidade do poder político não ajuda a democracia. No meu modo de ver, a apuração manual, malgrado lenta e com grande dispêndio de recursos humanos, suscita superior credibilidade e segurança, por ser menos hermética e proporcionar ampla fiscalização partidária em todas as fases do processo, possibilitando, inclusive, totalizações paralelas pelos meios de comunicação.

Não estou convencido, enfim, de que as coisas sejam como querem fazer crer alguns mais interessados em desacreditar eleição e eleitores. Haverá eleição e temos que fazer bom uso de nosso voto.

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

06/06/2018

 Os principais sites de notícias divulgaram, hoje (05/06), dados do Atlas da Violência 2018. O foco das informações centrou-se no aumento da letalidade intencional de negros e pardos e na redução dela entre a população branca. O maior índice de crescimento se deu entre as mulheres negras.

 Os comentários correram todos para o leito habitual das fake analysis nacionais: é tudo causado pelo racismo e pelo machismo, donde se conclui, sem precisar afirmar, que a culpa cabe à população masculina de pele branca... As duas palavras, principalmente a primeira – o racismo – deram tom aos comentários jornalísticos e às opiniões das personalidades ouvidas. Fake analysis são muito mais frequentes e enganosas do que fake news.

 Tenho certeza de que o leitor destas linhas – inteligente que é – já deve estar se interrogando sobre quem mata quem nesse intolerável e vergonhoso genocídio. A resposta seria bem esclarecedora se o Brasil conseguisse melhores resultados na investigação criminal. Em novembro do ano passado, o Estadão informou que o Instituto Sou da Paz consultara os governos de todas as unidades da Federação sobre o índice de solução de homicídios que vinham alcançando nas respectivas investigações. A resposta viera apenas do Pará (4%), Rio (11%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%) e Mato Grosso do Sul (55,2%). Mesmo assim, a amostra que daí se colhesse, referida a homicídios esclarecidos e informando o perfil de criminosos e vítimas, seria estatisticamente suficiente para identificar quem está matando quem nessa guerra. Sabe-se lá por quais razões, ninguém se interessa em buscar esse dado. Não parece difícil, porém, intuir que o genocídio brasileiro tem quase nada a ver com racismo e machismo, e quase tudo a ver com opção pela vida criminosa, com consumo e tráfico de drogas, e com guerra entre facções.

Se quisermos curar o mal, é nas zonas em que esses conflitos se originam ou se desenrolam, independentemente de cor da pele, que se impõem as ações. Não é digno nem bom que seres humanos vivam sob condições tão vulneráveis.
A criminalidade “explicada” pelo racismo e pelo machismo produzia, ainda há poucos minutos, frêmitos de indignação nos comentaristas da Globo News. É uma sociologia que não convence no armazém da vila, mas comove, Brasil afora, habitantes do mundo das fake analysis. Elas servem para suscitar emoções e reações políticas, na versão atualizada da desacreditada luta de classes. É uma tosca mistificação que nos permitiria, pelo mesmo raciocínio que a constrói, olhando a desigual distribuição da criminalidade nas várias regiões de uma cidade, deduzir que há bairros que matam e bairros que morrem. Arre!

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

04/06/2018

 Sabe aquela ficha que você insere na fenda adequada e volta para a sua mão por haver seguido percurso errado? Pois é. Lembrei-me muito dela ao acompanhar os recentes acontecimentos nacionais. Passavam-se os dias, a vida tornou-se uma verdadeira sala de aula, a conta crescia e a ficha era devolvida. Aliás, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, etc., etc.. Mas a ficha ainda não caiu. “E agora, José?”, perguntaria novamente Drummond.

 A aritmética financeira do Estado é muito simples porque o bem-amado ente político que denominamos Estado só tem um bolso, o do cidadão. Mediante uma sutileza chamada imposto, em vez de nos punguear diretamente, ele nos obriga a lhe entregar dinheiro. Nesses atos – não sem certo sarcasmo - os cidadãos recebem do erário o gratificante e honroso título de “contribuintes”. Contribuintes das cotidianas coletas coercitivas organizadas nos diversos níveis do assim chamado poder público (outro sarcasmo da linguagem política), desta feita aplicado a si mesmo.

 Sendo tão simples a aritmética oficial, se quem manda gasta e quem obedece paga, parece inacreditável que a maior parte da população não demonstre qualquer interesse em protestar contra os gastos do Estado. Obviamente, é a despesa pública que determina quanto tempo por mês trabalharemos para o Estado. Imposto é o preço da vida civilizada, disse alguém, e é também o preço do gasto público, complemento eu. Tudo piora quando o lado perdulário dessa relação perde o controle e começa a pedir dinheiro emprestado. Nessas circunstâncias, muitos “contribuintes” passam a imaginar que o aumento da despesa não está impactando os impostos que paga. É como se se tratasse um dinheiro novo, que logo ali adiante, salgado pelos juros, não fosse buscado nos bolsos de sempre. Nessas horas, não faltam vozes para exigir "auditorias", ou pregar calote.

 Gasto, déficits e empréstimos, por essas forças inexoráveis do destino, têm que ser pagos. Greves com reivindicação salarial, subsídios públicos, custeio de empresas estatais, luxos e mordomias, obras suntuosas e supérfluas como as da Copa e dos Jogos Olímpicos, penduricalhos de categorias funcionais e toda a despesa incumbida ao Estado oneram o lado pagador dessa relação. Mesmo assim, nunca falta quem se perfile ao lado da criação de tais contas e por elas pressionem como exigências da justiça e dos mais nobres impulsos do coração humano. Onde estavam tais vozes enquanto a Petrobras era saqueada e o preço do combustível usado para proselitismo eleitoral?

Deveria ser o povo, então, o primeiro a se insurgir contra novas despesas, especialmente as não virtuosas, contra a irresponsabilidade fiscal e contra a velha prática de conceder benefícios a alguns à custa de todos. De longa observação, e com raras exceções, a atribuição de qualquer ônus ao poder público se faz em meio a ruidosos e incompreensíveis aplausos.

Fala-se muito, nestes dias, em reduzir impostos, como se o Estado estivesse entesourado ou entesourando. E se deixa de lado o gasto público em seu longo e persistente crescimento. O diabo da ficha não cai!

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

01/06/2018

 

 Nos dias 25 e 26 deste mês percorri 600 km de rodovias no Rio Grande do Sul. Cruzei por dezenas de barreiras montadas pelos caminhoneiros. Nunca tive problema para seguir em frente. Então, pergunto: a quem estavam destinadas as chicanes pelas quais passei livremente? Pois é. Aos milhares, elas foram montadas em todas as estradas do país com o intuito de impedir a passagem dos veículos de carga. Ponto.

 Esta simples constatação mostra que o colossal movimento dos caminhoneiros, que botou o Brasil no acostamento, não era expressão de uma homogênea e plenipotente vontade, como foi entendido pela população. Quantos caminhoneiros teriam aderido à greve se lhes fosse dado o direito de ir e vir? Quantos estacionaram com receio de possíveis represálias aos veículos, às suas cargas e a si mesmos? Em quase tudo na vida há o que se vê e o que não se vê.

A imensa maioria da sociedade, longe do acostamento, viu homogeneidade e obstinação da categoria numa situação em que a intimidação de uns convivia com a prudência de outros. Os caminhões que agora trafegam com combustível são acompanhados de escolta militar para dar segurança a um transporte que, sem proteção, não ocorreria ou ocorreria sob inaceitável risco.

 As demandas dos caminhoneiros são compatíveis com uma situação plena de equívocos. A frota cresceu excessivamente; a prolongada sequência de recessão e lento crescimento da atividade econômica reduziu a demanda por frete, os custos com diesel subiram demais e o rendimento de seu trabalho secou. Merecem, hoje e sempre, nosso inteiro respeito esses bons brasileiros. São empreendedores. Com coragem, sacrifícios e dívidas adquiriram seu veículo e ganham a vida na insegurança das estradas, trabalhando árdua e honestamente.

É impossível deixar de ver, no entanto, os três sequestros que aconteceram nestes dias, alguns dos quais ainda em curso. Refiro-me ao sequestro inicial das cargas que estavam sendo transportadas. Refiro-me ao sequestro do direito de ir e vir das pessoas e, com isso, para milhões de brasileiros, o sequestro da possibilidade de trabalhar, produzir e se sustentar. Como derradeiro sequestrado, incluo o próprio movimento dos caminhoneiros, dominado por correntes políticas contraditórias, interessadas em gerar uma situação de anomia e caos.

Como conservador, creio na mudança, na reforma, na prudência. Descreio das revoluções, das rupturas, e de que se encontre no agravamento do caos a saída para o caos. 

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
  

Percival Puggina

30/05/2018

 

 As fotos são inacreditáveis. Quando estes dias forem uma triste lembrança e amarga lição, as imagens da greve dos caminhoneiros em 2018 ilustrarão momentos em que o Brasil, levado à beira do abismo, soube pisar no freio. Soube? É o que ainda espero, ao escrever estas linhas.

 Enquanto o Brasil estertora no acostamento, uma parte da sociedade parece delirar. O país vai quebrar? Deixa quebrar. Quem tem trabalho não está conseguindo trabalhar e quem está produzindo não consegue produzir? Deixar estar. Quem tem o que vender, não encontra quem venha comprar? Faz parte. O PIB está levando um tombo muitas vezes bilionário? Não importa. Mas afinal, o que importa? Pois é, li que na pauta dos caminhoneiros existem itens que me agradam, como a queda do preço da gasolina, e o fim das urnas eletrônicas. Ah!

 No cardápio das postulações há para todos os gostos. O que importa é capturar apoio popular para a mobilização dos “heróis” que, com insuperável eficiência, conseguiram mostrar a Temer o quanto todos, inclusive eu, o desprezamos. E sim, claro, isso é muito mais importante do que o Brasil.

 Assisti, há alguns minutos, vídeo em que um caminhoneiro aos gritos, perguntando à longa fila de espera diante de um posto de combustível se os cidadãos que ali estavam pretendiam comer gasolina, porque, quisessem ou não, iria faltar alimento. O militante estava convencido de que a população devia subordinar-se às determinações do multiforme politburo grevista e ficar hibernando em casa enquanto eles cuidam de deteriorar a situação de todos. Fica proibido trabalhar. Ficam proibidas todas as atividades que envolvam direito de ir e vir. “Estátua!”, brincavam antigamente as crianças, obrigando os demais a permanecerem como estivessem. E assim comandam, hoje, os novos senhores de nosso cotidiano.

 É quase inacreditável que tanta gente se deixe iludir pelas artimanhas de um movimento que foi infiltrado pelo que há de pior na política brasileira. A infiltração os fez afinar-se com os mesmos petroleiros que se tapavam de alaranjado com Lula e Dilma em reiterados comícios enquanto a Petrobras era saqueada e vampirizada a ponto de se tornar escárnio mundial e miniatura de si mesma. A infiltração passou a acolher terroristas, black blocs, a escória de 2013 e representantes dos hospedeiros da carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Os que se deixaram seduzir pelo movimento dos caminhoneiros parecem não perceber que se tornam reféns, meros objetos, favas contadas, na chantagem que eles impõem ao Estado.

Basta ouvi-los quando disseminam áudios e vídeos em falsa surdina ou tons ameaçadores para reconhecer o vocabulário. Qualquer pessoa com experiência em linguagem política sabe o que está na cabeça de quem assim se expressa. Buscam o caos com intuito revolucionários.

Não é mediante um cardápio de propostas difusas e confusas que se avança com seriedade pela via democrática, mas com a legitimação eleitoral de propostas consistentes. Cinco boas medidas de combate aos inimigos do Brasil, para pautar a eleição de outubro seriam: 1) não reeleger corruptos, coniventes e incompetentes; 2) agravar a lei penal e combater a impunidade; 3) diminuir em 10% a carga tributária, com redução compatível do custo do setor público mediante alterações constitucionais que o permitam; 4) extinção dos privilégios adquiridos; 5) fim do foro privilegiado.

Quem, tendo uma eleição ali adiante, opta pelo caos para fazer revolução, quer o caos e não a democracia. O caos é o tempo dos piores, dos oportunistas, dos bandidos, dos sem escrúpulos. Não é o tempo dos democratas nem dos estadistas. Perguntem a cubanos e venezuelanos.

 

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.