Percival Puggina

06/11/2010
O poderoso Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu emitir uma notificação de censura ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, que seria distribuído à rede de ensino do país. A conselheira Nilma Lino Gomes leu a obra e viu nela preconceitos contra a África e racismo. Exigem, então, os conselheiros, que o texto venha precedido de uma reprovação de seus desalinhos ideológicos com a nova realidade nacional. Tenho certeza de que não faltará quem se habilite a produzir esse importante prefácio corretivo. Seja qual for a estupidez, sempre há quem se considere capaz. Dei uma investigada no Sítio do Pica Pau Amarelo, uma lida no livro e venho em socorro do Conselho: Caçadas de Pedrinho é politicamente incorreto de capa a capa! O sítio inteiro, aliás, está a exigir cuidadosa inspeção do Ministério Público Federal. Em primeiro lugar porque, há muito tempo, era para estar desapropriado (atenção, Incra!). Que negócio é esse? Uma propriedade rural com utilidade apenas ... literária? Péssimo exemplo para estar sendo apresentado à uma juventude que se quer cidadã e comprometida com as causas sociais. Tem mais, conselheira Nilma. Cadê a certidão de propriedade do sítio? Alguém já a viu? E não me venha o branquela do seu Monteiro Lobato com uma simples trintenária julgando que seja suficiente. Não no Brasil moderno! Quem pode assegurar que Tia Anastácia não fosse quilombola? Detentora dos direitos culturais históricos protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal? Ou dos muito prováveis direitos de posse mencionados no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Hum? É admissível que uma republicação de Caçadas de Pedrinho, em tempos de Lula e Dilma, deixe de mencionar tais avanços da sociedade brasileira? Na pesquisa que fiz, encontrei uma foto da negra Anastácia, datada de 1913 (está disponível na wikipedia). Era magra, de meia idade. Na imagem, aparece tendo ao colo o menino Guilherme, filho de Monteiro Lobato. O autor, reiteradas vezes, admitiu publicamente, que essa Anastácia, essa pobre e infeliz Anastácia, havia inspirado a criação da personagem Tia Anastácia! Basta fazer as contas para perceber que a desventurada senhora foi, ela mesma, escrava. Fugida ou liberta, não importa. E acabou, mais uma vez, sendo explorada pelo patrão branco que promoveu o uso gratuito de seus evidentes direitos de imagem. Pode o Conselho Nacional de Educação silenciar sobre tal iniquidade? Referendar obra que escarnece valores tão significativos? Anota essa outra aí, conselheira Nilma. Quer mais, o CNE? Debruce-se sobre o personagem Visconde de Sabugosa. Pondere, leitor. O visconde é um personagem da nobreza. Encarna saber e coragem física. Tantas vezes morresse, tantas vezes era ressuscitado com a simples troca do sabugo que compunha seu corpo. É ou não uma exaltação simbólica da elite nacional e de sua perpetuação através dos tempos? Pode haver algo mais antidemocrático e elitista do que um imortal representante da nobreza, além de tudo apresentado como encarnação da sabedoria e do destemor? Eu, hein! E para finalizar: cadê a autorização do Ibama para a Caçada do Pedrinho? ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

01/11/2010
Nos últimos meses circulou muito na internet a parábola da tartaruga que apareceu em cima de um poste. Ninguém entende como ela chegou lá. Todo mundo sabe que não subiu sozinha, que ali não é o lugar dela e que aquilo não vai terminar bem. Pois neste melancólico final de tarde do dia 31 de outubro de 2010, a tartaruga está no poste. Ou melhor, posta no poste. Teoricamente, na eleição finda, o eleitor brasileiro tinha que escolher entre governo e oposição. Teoricamente. Na prática a coisa era um pouco diferente. Governo queria dizer Lula em qualquer versão que ele ungisse para o substituir e oposição queria dizer José Serra - uma das menores vocações oposicionistas que a política brasileira já produziu. Serra tem sido bom no governo, mas é um péssimo líder oposicionista. E a tartaruga acabou em cima do poste. Não se espante, leitor. E admita: o candidato de Lula poderia ter sido o próprio poste. Ganharia também. Por quê? Porque estavam dadas as condições para que isso acontecesse, a saber: uma oposição sem liderança visível e totalmente desorganizada; uma decadência da capacidade de análise política; a cooptação pelo oficialismo de praticamente todas as estruturas e instituições da sociedade; a gastança dos recursos públicos com fins eleitorais que dá luz verde para qualquer candidatura, mas já acende luz amarela em todos os indicadores da economia brasileira. E por aí vai. Acrescente suas próprias observações. Elas, por certo, serão pertinentes. A tartaruga está em cima do poste e muitos analistas da grande mídia se interrogavam, hoje à tarde, num assomo de discernimento, num surto de curiosidade que se manteve ausente durante a campanha eleitoral, se o futuro governo seria de Dilma, de Lula, de José Dirceu, do PT ou do PMDB. Interrogações póstumas, como se percebe, perante as quais não há resposta boa nem menos pior. Precisamos de um milagre. Ou melhor, de dois. O primeiro para que o futuro governo contrarie as expectativas pessimistas da minoria que o rejeitou nas urnas. E o segundo para que surja no país, em curto prazo, uma liderança oposicionista competente e confiável. Por isso, daqui para frente, muita oração pelo bem do Brasil. Santa Rita (das causas impossíveis) e Santo Expedito (das causas justas e urgentes) são bons intercessores para a atualidade nacional. ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

31/10/2010
Não foi dito por acaso. Tampouco como mera observação feita à margem dos fatos, desconectada da realidade do encontro e de seus participantes. A fala de Bento XVI aos bispos brasileiros que estiveram com ele no dia 28 de outubro tem tudo a ver com o que estava em curso nas nossas dioceses, na grande mídia e nas comunicações da internet em função do pleito do dia 31. Os presentes ? e até mesmo os ausentes ? sabiam a respeito do que o Papa estava falando. A imprensa sabia, os candidatos sabiam, seus partidos sabiam. Foram palavras severas, de apoio aos poucos, aos raros, aos escassos bispos que resolveram cumprir sua função pastoral e dizer com clareza a seus fiéis o quanto é contraditório à fé e à moral católica o voto que confere poder a correntes políticas comprometidas com: a) a liberação do aborto; b) a abolição de símbolos religiosos; c) a absorção de toda e qualquer relação afetiva no conceito constitucional de família; e d) uma visão de estado laico cujo viés totalitário pretende expurgar dos debates civis os cristãos, seus princípios e seus valores. Foi bem claro, o Papa, a esse respeito: Quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas. Venho escrevendo sobre isso há anos, como leigo, e nunca sequer me ocorreu que fosse necessário perguntar a Bento XVI, ou, antes dele, a João Paulo II, se estavam de acordo. Eu simplesmente sabia, assim como sei haver oxigênio no ar que respiro, que, tais afirmações eram harmônicas com a orientação pontifícia. Ponto. Surpreendem-me os que, leigos ou religiosos, se surpreenderam! Vá que seja. Eu talvez tenha estudado um pouco mais essas coisas do alguns deles, por gosto e boa orientação de amigos padres e bispos que influenciaram minha formação. Nunca precisei, portanto, como leigo, que alguém me dissesse o quanto o PNDH-3 (decretado em 21/12/2009), seus criadores e propugnadores confrontam valores essenciais da fé e da moral cristã. Aliás, era algo tão berrante, tão escandalosamente perceptível que até a CNBB se obrigou a objetar! Sim, leitor, até a CNBB veio às falas (declaração formal de 15/01/2010), posicionar-se contra certos elementos daquela infeliz agenda. Mas a agenda era tão partidária, tão inerente ao partido do governo, que o partido do governo, em congresso nacional (18-20/02/2010), voltou a aprová-la. Não por escassa maioria. Não por larga margem de votos. Por decisão sem discrepância conhecida. Observem as datas e me digam se seria preciso mais do que isso para estabelecer um insuperável divisor de águas. Não estamos diante de mera divergência de opinião, ainda que sobre tema relevante. Estamos diante de um confronto entre convicções antagônicas e legítimas. Um lado, legitimamente, tratou de deixar bem claro a que veio e a quem serve. E o outro lado, aquele da CNBB, aquele da imensa maioria dos bispos, sufocou-se em ilegítimo silêncio sobre a que veio e a quem serve. Foi essa a necessária retificação que Bento XVI fez em sua fala do dia 28. O Papa disse a quem serve. Orientou os bispos, pastores de suas dioceses. Mas os lobos, bem, os lobos não são propriamente os melhores zeladores de qualquer rebanho. E eles continuam comandando a CNBB. Tolerando os absurdos redigidos por algumas de suas assessorias. Descuidando do que é publicado e divulgado com a chancela da entidade (qualquer empresa séria cuida melhor de sua marca e de sua imagem do que a CNBB). Metendo-se onde não deve (como no ridículo plebiscito da dívida externa e, agora, no não menos ridículo plebiscito da extensão das propriedades rurais). E, assim, envolvendo a Igreja, por motivos ideológicos, com seus piores e mais destapados inimigos. Corrijo-me: seus piores inimigos não são aqueles que claramente dizem a que vêm e a quem servem, mas aqueles que não servem a quem deveriam, que se lixam para o sucessor de Pedro. E preferem ir à dança com os lobos. ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

24/10/2010
DIZEM POR AÍ Que um jornalista resolveu perguntar à Dilma sobre seus hábitos de oração (pergunta cretina, que fique bem claro minha opinião). E ela respondeu que não tinha o hábito de rezar. O reporter insistiu: A senhora nunca reza? (nova pergunta cretina, que fique bem clara minha opinião). Ao que Dilma respondeu (resposta cretina, que fique bem clara minha opinião): Não preciso, eu falo direto com o Lula. PS - após essa piadinha viajo em férias e retorno para votar contra a Dilma e o PT (consequentemente no Serra), dia 31.

Percival Puggina

23/10/2010
De repente, nós cristãos, que vínhamos sendo empurrados à condição de párias da democracia brasileira, sub-cidadãos portadores de opiniões impertinentes, passamos a ser paparicados pelas mesmas forças políticas que nos enfiavam uma rolha na boca. Um dos chavões mais batidos no Brasil era o de que este é um país laico e vocês cristãos vivem dando pitaco onde não devem. Nada que pudesse ser encontrado nos Evangelhos ou em documento católico podia ser repetido em público, inserido num artigo ou usado como argumento. Só as posições da Teologia da Libertação eram bem recebidas, exatamente porque, sendo heréticas, não eram católicas... Ou não? Se entrasse em debate algum tema a respeito do qual a moral dominante na sociedade tivesse o que dizer, a opinião dos cristãos era imediatamente objeto de censura. Que fôssemos falar dentro de casa ou da Igreja! Jamais nos parlamentos. Jamais na mídia. Nunca em público. Ainda que majoritários. Convicção moral com fundamento religioso de qualquer natureza, mas especialmente se cristão, era para ser guardada numa gaveta do dormitório, tão imprópria para uso em público quanto um pijama de bolinhas. Ou não? Em vão eu levantava o dedo para protestar, para dizer que a água do batismo não enferrujava nossa cidadania, que uma carta constitucional é, em primeiríssimo lugar, uma tábua de valores e que os grandes valores da constituição brasileira apenas refletiam o brilho de uma tradição cristã que lhe era anterior e superior. Qual o quê! Entrava por um ouvido e saía pelo outro. Essas correntes políticas só tinham orelhas para si mesmas e para as convicções fornecidas pelo silêncio permissivo da matéria. Deus expulsara Adão e Eva do paraíso e aqui dava-se o troco, expulsando Deus deste paraíso da publicidade oficial chamado Brasil. Ou não? Isso até o dia 3 de outubro. Agora só falta baterem à porta da casa do vigário ou do pastor para perguntar se estão precisando de alguma coisa, tipo gente para ajudar na liturgia. Para dizer que Zé Dirceu canta o Tantum Ergo que dá gosto e que a companheira Dilma, assim que terminar a campanha, fará curso para ministra da Eucaristia. Até aquela cláusula pétrea, duríssima, quartzosa, dos programas e congressos partidários, que, unanimemente, proclamava (ou não?) o direito das companheiras mulheres sobre o próprio corpo (leia-se, absoluta liberdade para jogar fetos na lata de lixo), esfarelou. Virou brita miúda, coisa sem significado. E qualquer menção a ela é denunciada como baixaria até por religiosos (digamos assim) que andam lamentando a inclusão do aborto nas pautas da campanha eleitoral. O partido nunca foi pró-aborto, a companheira nunca disse o que disse e só falta proclamarem que, sobre esse assunto, quem fala pelo partido é Bento XVI. Há no Evangelho advertências severas para quem se mete a julgar a religiosidade alheia. Portanto, não entro nessa. Nem a pau. Mas lembro que existem palavras ainda mais duras - Sois semelhantes a sepulcros caiados - para quem se veste de falsa religiosidade quando ela convém à imagem pessoal. Admito, admito: são costumes correntes em política. Há candidatos que, na busca de votos, metem o pé valentemente em poça dágua, pegam criancinhas no colo, atravessam pinguela, visitam doentes e rezam como freiras de clausura. Mas como é triste essa pantomima! Ou não? ZERO HORA, 24/10/2010

Percival Puggina

22/10/2010
Dia atrás, durante uma entrevista sobre meu novo livro Pombas e Gaviões, perguntaram-me se eu era contra o pluralismo, o multiculturalismo e a tolerância. A resposta foi um triplo não. Não, não e não. Cada qual com o seu devido mas. O pluralismo é um dado da realidade. Ser contra o pluralismo é negar a liberdade humana e recusar o fato de que as pessoas veem a realidade desde diferentes pontos de vista e a escrutinam segundo critérios distintos. Mas... isso não significa adotar uma atitude passiva no contexto do pluralismo, como se todas as ideias fossem igualmente corretas. Não são. O pluralismo adquire valor na exata proporção em que as várias correntes de opinião reconhecem seus próprios fundamentos e as marcas deixadas pelas respectivas experiências ao longo do processo histórico. Ou seja, caro leitor: pluralismo é coisa séria e não se confunde com somatório de palpites, pressupõe honestidade intelectual, firmeza de convicções, sentido de história e possibilidade de confronto retórico e político. O que no Brasil chamamos de pluralismo é uma coisa volátil como fumaça - os achismos de cada dia - soprados por meia dúzia de plantonistas da tal opinião pública. Coloque-se um microfone na boca do transeunte para ouvir o que ele pensa e pronto: dificilmente se recolhe uma sequência congruente de ideias. Sabem-no muito bem os pesquisadores. Não se introduza num questionário perguntas em que qualquer resposta deva guardar coerência com a precedente. O trabalho resultará perdido por inconsistência das informações obtidas. Isso acontece por deficiência educacional e cultural, é claro, mas sob o ponto de vista político, também ocorre porque o sistema adotado pelo país serve para qualquer coisa, menos para formar e organizar correntes de opinião. Os partidos e suas condutas erráticas em torno das lamparinas do poder são a imagem mais visível desse pluralismo anarquizado que caracteriza o pensamento nacional (se é que existe algo que mereça esse nome). O multiculturalismo é outro dado da realidade, transversal à história humana. Mas ... reconhecer que convivemos com diversidades culturais, não equivale a afirmar que todas as culturas têm o mesmo valor e a mesma dignidade. Não! Existem culturais desrespeitosas à dignidade da pessoa humana, que agridem valores fundamentais, e talvez nada retrate melhor esse fato do que os relatos de Ayaan Irsi Ali em A infiel. Essa somali, após passar por todas as violências e mutilações a que são submetidas as mulheres naquela região da África, fugiu para a Europa quando pretenderam casá-la contra sua vontade. Foi parar na Holanda, onde se destacou no grupo dos refugiados. Convivendo com eles, na condição de tradutora, percebeu que as mulheres continuavam submetidas às práticas brutais e indignas de suas clãs originais e que as autoridades holandesas, em respeito ao multiculturalismo, toleravam a situação. Ayaan reagiu contra isso, mobilizou a opinião pública e acabou tornando evidente ser intolerável que seres humanos de qualquer grupo cultural fossem, em território holandês, submetidos a violências condenadas pela legislação daquele país. Foi tão bem sucedida em sua mobilização que acabou deputada. Bastaria esse exemplo, e eles se contam aos milhões, para mostrar que existem práticas culturais deploráveis, que diferentes culturas não costumam ser moralmente equivalentes e que algumas, inclusive, precisariam ser retificadas pelo muito que afrontam a vida e a dignidade da pessoa humana. Só uma percepção miserável dessa dignidade, associada a uma completa cegueira moral pode obstruir a percepção dos terríveis dramas associados a determinadas práticas culturais. Como disse um amigo meu, professor universitário para a aluna que o procurou afirmando não haver relações de superioridade ou inferioridade entre diferentes culturas: É, minha filha, gilete no clitóris das outras é refresco. A tolerância, por fim, é um importante valor social. O convívio fraterno e solidário entre os diferentes é sua principal consequência e a igual dignidade de todos, seu maior fundamento. Mas... a tolerância não se confunde com a permissividade que costuma andar associada à sua atual concepção entre nós. A tolerância com o intolerável, a tolerância para com quem se vale dela com vistas ao seu próprio agir intolerante, deixa de ser uma virtude social para se tornar um comportamento socialmente repreensível e irresponsável. É muito comum que, em nome da tolerância, a sociedade contemple de modo passivo a violência que pisa no jardim do vizinho, que invade sua casa, que o prende e o leva. Ou, no viés político, a tolerância para com dos partidos que pregam e estimulam a violência, valendo-se da democracia para agir contra a democracia. Pombas e gaviões (pombasegavioes@puggina.org), o livro que debatíamos naquele programa a que me referi inicialmente, é uma obra que se dedica a promover tais advertências, prestando um serviço ao verdadeiro pluralismo (o pluralismo consciente e esclarecido), ao verdadeiro multiculturalismo (que recusa toda agressão à dignidade natural da pessoa humana ainda que fundada em tradições de base cultural) e à verdadeira tolerância (que sabe discernir o que pode e o que não pode ser tolerado). ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Carlos Alberto Di Franco

17/10/2010
DILMA E O ABORTO Carlos Alberto Di Franco Publicado no Jornal O Vale 17/10/2010 Setembro. Reta final das eleições. A ameaça de 2o turno fez a campanha da candidata oficial reforçar a mobilização nos estados e acionar o presidente Lula como vacina contra uma onda de boatos que circulou entre católicos e evangélicos. Os supostos boatos, que fizeram Lula gravar uma inserção de emergência em defesa de sua candidata, eram fatos evidentes: a postura pró-aborto de Dilma Rousseff. Mas vamos aos fatos. Dilma em sabatina no jornal Folha de S.Paulo e em entrevista à revista Marie Claire em 2007 defendeu a legalização do aborto. Reproduzo suas palavras: Acho que tem de haver descriminalização do aborto. No Brasil é um absurdo que não haja. Logo, não se trata de boato, invenção ou terrorismo fundamentalista. Dilma mudou seu discurso quando passou a vislumbrar os riscos eleitorais de sua opção. Ela deixou de falar da legalização e, ambiguamente, diz que se trata de problema de saúde pública. Esconde sua verdadeira posição e não diz uma única palavra sobre a principal vítima do aborto: a criança morta no ventre materno. O PT, após o recado das urnas e em um exercício incrível de hipocrisia, estuda tirar o aborto de seu programa. O jornalismo de qualidade não pode se restringir às declarações dos políticos, mas à verdade dos fatos. O que interessa não é o que a Dilma diz, mas o que ela fez e, presumivelmente, fará como presidente da República. Vamos ver o que o atual governo, seu partido e sua candidata têm feito. Em abril de 2005, no 2o Relatório do Brasil sobre o Tratado de Direitos Civis e Políticos, apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, o atual governo comprometeu-se a legalizar o aborto. Em agosto de 2005, o atual governo entregou ao Comitê da ONU para a Eliminação de todas as Formas de Descriminalização contra a Mulher documento no qual reconhece o aborto como Direito Humano da Mulher. Em setembro de 2005, através da Secretaria Especial de Política das Mulheres, o atual governo apresentou ao Congresso um substitutivo do PL 1135/91, como resultado do trabalho da Comissão Tripartite, no qual é proposta a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez e por qualquer motivo, pois com a eliminação de todos os artigos do Código Penal, que o criminalizam, o aborto, em todos os casos, deixaria de ser crime. Em setembro de 2006, no plano de governo do segundo mandato do atual presidente, ele reafirma, embora com linguagem velada, o compromisso de legalizar o aborto. Em setembro de 2007, no seu 3o congresso, o PT assumiu a descriminalização do aborto e o atendimento dos casos no serviço público, sendo o primeiro partido no Brasil a assumir este programa. Em setembro de 2009, o PT puniu com expulsão os deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso por serem contrários à legalização do aborto. Em fevereiro de 2010, o 4o Congresso Nacional do PT manifestou apoio incondicional ao 3o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), no qual se reafirmou a descriminalização do aborto, além de atacar a liberdade de imprensa. Em junho de 2010, para impedir a investigação das origens do financiamento por parte de organizações internacionais para a legalização e a promoção do aborto no Brasil, o PT e as lideranças partidárias da base aliada boicotaram a criação da CPI do aborto que investigaria o assunto. São fatos comprováveis. Só fatos. Você, amigo leitor, ainda acha que estamos diante de boatos? Carlos Alberto Di Franco -- Diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra.

Mara Montezuma Assaf

16/10/2010
PARA TARSO CAMPANHA DE SERRA LEMBRA GOLPE MILITAR DE 1964 Mas erra. Quem preparava um golpe em 64 era Jango, o presidente João Goulart...Che e Fidel já estavam comemorando por antecipação com muito rum e charutos... Quem deu um contra-golpe nos golpistas comunistas foram as Forças Armadas, graças à Deus. Pena que depois morreu Castelo Branco e os militares começaram a sofrer da síndrome de abandono do poder...( estamos assistindo este filme nos dias de hoje) e resolveram ficar por mais de duas décadas . Mas não fossem eles, seriamos hoje um arremedo piorado de Cuba, devido à nossa dimensão continental ! Tarso Genro só está tentando escrever a História à sua moda... Agora, se Serra, que não é militar, está preparando um contragolpe democrático atraves de eleição, ao golpe pretendido por Lula que também abusa desesperadamente de meios democráticos - para se manter no poder atraves de sua pupila -...aí posso dizer que estou de pleno acordo com Serra e , como eleitora, dou o maior incentivo! Mara Montezuma Assaf

Percival Puggina

16/10/2010
Encerrou-se de modo totalmente exitoso o processo de salvamento dos trabalhadores soterrados na Mina de São José, no deserto chileno do Atacama. Durante os 17 primeiros dias ficaram sem comunicação com a superfície. Quando esta foi estabelecida e chegou o bilhete anunciando que estavam todos bem, o mundo se emocionou, os sinos repicaram no Chile e uma imagem de São Lourenço, rodeada de 32 bandeiras chilenas e uma boliviana, foi instalada num altar no Pátio dos Canhões do Palácio de La Moneda. A partir de agora, o que se passou naquela cova será objeto de muita investigação na área da saúde física e mental. Não creio que estejamos em terreno de certezas, como colhi de especialistas que pareciam dispor de uma sonda privilegiada para acessar o interior das mentes dos mineiros. Os seres humanos, em situações extremas, não reagem de modo igual. E o conjunto de interações que se estabeleceram entre eles certamente compuseram um mosaico fascinante, que vai render muita informação valiosa. O que acontece quando, num grupo humano razoavelmente numeroso, a esperança está presa por um fio e o desespero pende de espessa corda? É inevitável que durante tão prolongado convívio com a ideia da morte instalada em horizonte assustadoramente próximo, tenham sido levadas ao limite de cada um as respectivas fortalezas, virtudes e debilidades. Como estas características, quando emergentes, interagiram nas relações? E, principalmente, como, ao fim e ao cabo, operou a virtude da esperança? Diversas vezes, ao longo destes últimos dois meses, foram traçadas analogias entre a situação dos mineiros e o Ensaio sobre a cegueira, livro de José Saramago. Na obra, o recentemente falecido autor português retrata o caos que se instala num grupo de pessoas em confinamento durante um surto de cegueira. Aos poucos, por não verem o que os demais fazem, por saberem que não são vistos, lutando pela sobrevivência, os personagens de Saramago afloram seus piores sentimentos e retornam à barbárie. Animalizam-se em proporções inimagináveis e se estabelece a tirania dos mais ferozes. Pois a lição dos mineiros, já se sabe, foi bem outra. Foi humana. Realmente humana. Na fronteira do desespero, permaneceram homens e fizeram emergir algumas das condições indispensáveis ao convívio: liderança, ordem, regras. Ou seja, constituíram uma comunidade e se organizaram para a vida, enquanto aguçavam os ouvidos para o silêncio das rochas aguardando o ruído da sonda que os poderia salvar. Mas a principal contestação que os fatos do Atacama fizeram a Saramago no cotidiano de sua tragédia, dentro e fora do refúgio, foi a lição da fé. Há neles o que mais faltava ao competente português e a seus personagens. Fé. E por isso rezavam. Rezava-se muito, aliás, dentro e fora do refúgio. Assim que estabeleceram contato, os mineiros mandaram descer um crucifixo, uma estatuazinha de São Lourenço e organizaram um santuário dentro da cova. Comportaram-se como seres humanos. Na última quarta-feira, cada mineiro que renascia do útero rochoso do deserto fornecia ao mundo, também, uma lição sobre o valor da vida humana. Sua felicidade refletia um sofrimento. E seu sofrimento era um dedo em riste contra vilões bem conhecidos. Os que, no lado de fora das minas, desde seus gabinetes, tratam como custo de produção os índices de segurança que concedem aos que vão operar no lado de dentro, e os abortistas que tratam como coisa a vida que não veem. Ambos se encontram na mesma iniquidade. ______________ * Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.