Percival Puggina

28/01/2020

 

 No Brasil, um bom teste para saber se certa ideia é boa consiste em identificar quem a ela se opõe. Tal é o caso, por exemplo, das escolas cívico-militares, que encontram resistência entre pedagogos paulofreireanos. No entanto, o governo federal, que lançou o programa no final do ano passado, vai atender, neste ano, menos de 10% da manifestação de interesse de quase 700 municípios brasileiros.

 O interesse das administrações locais expressa o desejo de muitos pais que acompanham a vida escolar de seus filhos. Pais sabem o quanto a disciplina e a ordem cobradas em educandários com esse formato resultam saudáveis e se expressam em resultados positivos no aprendizado e na vida dos jovens. Então, logicamente, querem isso para os seus filhos.

Acompanho há muitos anos os fatos relacionados à Educação em nosso país. Minha mulher foi professora e, durante longo período, diretora de escola estadual do ensino fundamental. Viveu na experiência cotidiana as questões disciplinares e conheceu de perto os problemas que lhe dão causa. Eles se situam entre dois extremos: o abandono pela família e a sacralização dos pequenos rebeldes.

Em 2020, o Ministério da Educação canalizará R$ 54 milhões para 54 escolas cívico-militares, distribuídas entre as regiões do país e tem planos para alcançar 216 escolas até 2023. O projeto-piloto prevê gestão compartilhada entre professores civis e militares.

Reportagem da revista Veja, de 31 de agosto de 2018, relata que uma em cada cinco crianças de até oito anos, submetidas à Prova Brasil, que compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), diante de uma imagem de pipoca, identificaram-na como piloto, pijama ou pirata. Outro tanto se atrapalhou ao contar nove balões na mão de um palhaço. Os dados da Prova Brasil, informa a matéria, mostram que “apenas 5% dos alunos brasileiros se encaixam na faixa adequada, ou seja, possuem o conhecimento esperado para sua série”.

Os dados, aliás, tornam difícil entender que as escolas cívico-militares encontrem resistência por parte daqueles profissionais dos ambientes sindical e acadêmico que acompanham os fatos e os dados, com o toco de giz na mão dos outros... A propósito, leio no site Último Segundo reclamação contra o governo federal por, de um lado, demonizar o pedagogo Paulo Freire, que preconizava uma educação política, orientada para a conscientização dos alunos sobre sua condição social e, de outro, enaltecer o modelo cívico-militar, baseado na ordem e na disciplina”. Disso deduz que tal opção “reforça uma orientação autoritária e uma vontade de impor uma visão de mundo unificada e conformista.”

Enquanto a Educação disponibilizada fica tão aquém do necessário para a inserção proveitosa do estudante no conjunto das relações sociais e econômicas, a educação paulofreireana não se importa com o insucesso nas avaliações contanto que o produto da sala de aula responda aos anseios políticos do “patrono” da educação brasileira.

Não, não têm algo melhor do que isso para dizer. No vazio de ideias em que orbita a Educação em nosso país, não há lugar para ordem e disciplina.


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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

24/01/2020

 

Todos nós esperávamos que o ano de 2019, com aperfeiçoamento do suporte legal e institucional a esse enfrentamento, fosse viabilizar um combate mais eficiente à corrupção e à criminalidade. Aconteceu o oposto! Escrevi sobre isso na semana passada no artigo “A corrupção em vertigem”, que pode ser lido aqui (1).

Retorno ao assunto com três novas motivações: a freada que o ministro Fux deu no cumprimento da lei que criou a excessiva figura do “juiz de garantias”; o novo relatório da Transparência Internacional sobre a percepção da corrupção no Brasil; e a PEC que cria lista tríplice para escolha dos futuros ministros do STF.

Toffoli havia fixado um prazo de seis meses para que juízes de garantias comecem a apitar o jogo, mas o ministro Fux mandou a referida lei para o arquivo até que o colegiado se manifeste sobre o tema. Em breve, portanto, Dias Toffoli nos proporcionará novos momentos saborosos de seus votos em javanês, a exemplo daquele com que definiu, não definiu – e definiu ou não? – sua posição sobre o compartilhamento das irregularidades identificadas pelo COAF.

Saber que Rodrigo Maia aborreceu-se com a decisão do ministro Fux, e que o ministro carioca assumirá o STF a partir de setembro, já é bom motivo para alegrar o carnaval. Razões adicionais de comemoração chegarão com o mês de novembro. Nesse mês, querubins e serafins, em revoada nos céus da pátria, festejarão a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Aleluia!

A vaga do Decano era uma carta certa no baralho de Bolsonaro para inverter o quórum do STF, ao menos nas disputas previamente embaladas e etiquetadas para o placar de seis a cinco. Na fisiologia da bandidagem, decisiva nas deliberações do Congresso Nacional em questões envolvendo segurança pública e combate ao crime, isso é considerado inaceitável. “Bolsonaro não pode indicar ministros ao STF!” é regra tão importante quanto a lei do silêncio na Camorra. Então, preparam-se para aprovar PEC criando uma lista tríplice em que até o notório Felipe Santa Cruz (OAB) tem direito de indicar um nome à consideração de Bolsonaro. Entre os atuais membros do Supremo há três indicados por Lula e quatro indicados por Dilma, mas Bolsonaro terá que fazer uni duni tê em lista tríplice escolhida por outros.

Consequência direta dessas e de muitas outras investidas contra quem combate a corrupção foi o dado divulgado esta semana pela Transparência Internacional que mediu um acréscimo na percepção da corrupção no Brasil. O índice é aferido internacionalmente e mostra que o mundo já entendeu o que está acontecendo aqui ante o olhar distraído e acrítico da nossa imprensa, atenta apenas ao Presidente da República. Nas palavras do coordenador de pesquisa da Transparência Internacional, Guilherme France, em matéria do Diário do Comércio (2), a queda do Brasil no ranking está relacionada a retrocessos sofridos ao longo do último ano. “Embora a gente sempre advogue por reformas e por melhorias, o que nós tivemos no último ano foram ataques a instituições que já estavam colocadas, leis que já estavam vigentes, sendo respeitadas há anos”.

A presidente da ONG, Delia Ferreira Rubio, em matéria da DW, acrescenta: "Os governos devem abordar com urgência o papel corruptor do dinheiro no financiamento de partidos políticos e a influência indevida que ele exerce nos nossos sistemas políticos" (3).
Este ano tem eleição.

(1) - http://www.puggina.org/artigo/puggina/a-corrupcao-em-vertigem/16950
(2) - https://dcomercio.com.br/categoria/brasil/aumenta-a-sensacao-de-que-existe-corrupcao-no-brasil
(3) - https://www.dw.com/pt-br/brasil-piora-em-ranking-mundial-de-corrup%C3%A7%C3%A3o/a-52112613


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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

22/01/2020

 

 Quatro décadas de hegemonia cultural ao longo do século passado (período que inclui intensa atividade com viés político durante os governos militares) conferiram à esquerda brasileira uma estatura superior à que corresponde às ideias em que se abastece. No campo cultural, a esquerda vencia por walkover (ou por WO). O PT, por exemplo, discutia consigo mesmo, como bem comprovavam suas muitas correntes internas. Foram longos anos dedicados à construção de narrativas, ao controle das cabeças de ponte por onde avançavam os companheiros e à propaganda que viabilizava mais e mais terreno para suas batalhas.

 Foi exatamente quando, com Lula e Dilma, os frutos do poder caíram nas mãos do partido que a Terceira Lei de Newton se fez sentir. O esquerdismo saturava as opiniões nacionais (ação) forçando a direita a sacudir a letargia que a acompanhava desde os governos militares (reação). Muito habilmente, de modo sistemático, a esquerda brasileira operava um discurso cujo único intuito era provocar constrangimento em quem não fosse de esquerda.

O leitor destas linhas, se jovem, deve estar se perguntando se leu certo e se isso funcionava. Leu sim, meu amigo. E funcionava. Não éramos muitos, aqui no Rio Grande do Sul, no ambiente cultural e político, os que não caímos nessa velhacaria.

O upgrade intelectual e cultural da direita foi acontecendo gradualmente enquanto o governo petista mostrava a que vinha e contava com intenso ativismo no ambiente cultural. Não se trata de querer uma plêiade de artistas politicamente neutros. Isso não existe, mas a sociedade percebeu que foram longe demais, que serviam a uma causa, que havia uma irrigação financeira descabida e o tema virou conteúdo durante a campanha eleitoral de 2018. Era de se esperar; artistas são assunto.

A cultura persiste como território do partido e palco de guerra. Vale observar que nos últimos anos, enquanto militantes saltavam do barco esquerdista em todos os portos, os da cultura permaneceram firmes, a postos. Há ali um ativismo cevado, em muitos casos bem remunerado, que se crê titular de direitos irrefutáveis. No entanto, o trabalho feito pela esquerda ao longo das décadas não gera direitos eternos. Não lhe concede o poder de vencer sempre por WO.

Não há por que esperar do governo Bolsonaro que reproduza os critérios e conceitos da esquerda e a mantenha em suas posições de mando. Houvesse a esquerda promovido conciliação ao longo dos muitos anos anteriores, seria viável, hoje, propor isso e declarar extinta a guerra cultural. Mas agora é tarde. A esquerda quer receber o que não deu.

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

19/01/2020

 

 Tenho assistido eloquentes defesas da liberdade de expressão em meios de comunicação. E isso é muito bom. Mas seria melhor ainda se fossem menos seletivas. Citarei dois exemplos que acompanhei de perto.

1º) O filme “1964, o Brasil entre armas e livros”, assinado pelo Brasil Paralelo, teve estreia nacional no dia 31 de março de 2019 em dez salas da rede Cinemark. Estreou num dia e “desestreou” no outro, com a rede suspendendo as exibições diante dos protestos da esquerda, que não admite, sobre os fatos de 1964, qualquer contestação ou acréscimo à sua delirante narrativa, recheada de impossíveis heróis comunistas amantes da democracia e da liberdade.

Não li nesses meios de comunicação, ditos zelosos defensores da liberdade, dois parágrafos críticos à abrupta decisão da rede Cinemark. As condenações dirigiam-se ao filme. Seus acusadores fazem questão de manter no desconhecimento inclusive os abundantes testemunhos de historiadores de esquerda e de protagonistas da luta armada, que recusam a farsa contestada no filme. “1964, o Brasil entre armas e livros”, que inclui testemunho meu, tem aquela honestidade intelectual carente em seus críticos. Há nele depoimentos que chamam golpe de golpe, ditadura de ditadura e tortura de tortura. Mas chamam terrorismo de terrorismo, comunismo de comunismo, e documentam a influência da Guerra Fria nos acontecimentos da América Latina naquele período. Fora da rede comercial, o filme alcançou em poucos dias 5 milhões de visualizações no YouTube!

2º) A série “Brasil: a última Cruzada” é outra excelente realização do Brasil Paralelo. Trata-se de um relato focando seis períodos marcantes de nossa história, sobre os quais colhe opiniões de intelectuais e historiadores. É, também, uma narrativa divergente da que recheia os conteúdos ministrados à nação em salas de aula e em tantos livros didáticos.

Sem ocultar problemas (qual país não os tem?), “Brasil: a última Cruzada” acende luzes sobre méritos extraordinários, fatos notáveis, personagens fascinantes, suscitando reações emocionadas em milhões de brasileiros que, nesse novo conhecimento, mantido oculto pelos lixeiros da história, encontram consistentes motivos para amar o Brasil e respeitar sua dignidade nacional. “Ninguém ama o que não conhece”, ouvi certa vez para nunca mais esquecer. Há uma história do Brasil mantida no desconhecimento. E há um Brasil mal amado por causa disso.

Pois bem, quando a TV Escola firmou contrato para exibir gratuitamente a série do Brasil Paralelo, qual a reação dos pretensos defensores da liberdade de expressão? Críticas severas à falta de contraditório, como se o filme não fosse o próprio contraditório às manipuladas “narrativas” dominantes e à sandice representada por uma anacrônica leitura marxista da realidade nacional ao longo dos séculos... No Brasil pode e pega bem.

Hipocrisia é, sim, uma palavra perfeitamente aplicável ao que estamos vendo no Brasil que descobre onde não encontrará, jamais, a verdade que liberta.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/01/2020

 

 Para entender o caminho percorrido por um documentário mistificador até postular sua inscrição na disputa da estatueta dourada de Hollywood basta erguer a ponta de alguns tapetes elegantes e dar uma espiada. À exceção dos brasileiros que mantenham com a mentira e a falsidade uma relação de interesse político ou econômico todos sabem o quanto o Brasil foi roubado por aqueles que monopolizaram o poder nas últimas décadas. Graças à Operação Lava Jato, veio à tona a maior bandalheira institucionalizada da história universal.

 Essa corrupção, nunca é demais lembrar, fraudou eleições em todo o país, corrompeu a representação popular e pôs a democracia efetivamente em vertigem. Roubando da nação, proporcionou sucessivos mandatos a criminosos em eleições federais, estaduais e municipais. A democracia brasileira apodreceu no pé. Muitas dessas frutas danificadas, bichadas, foram ao solo no pleito de 2018 sob ação da vassoura eleitoral. Claramente, porém, entre os que voltaram e os que chegaram ainda sobrou muito bandido com diploma. Mas nada disso põe a democracia em vertigem no documentário de dona Petra Costa. Quem o faz é o constitucionalíssimo impeachment de Dilma, supervisionado pelo presidente do STF, amigo da presidente cassada.

 Fato: para a banda podre, não há urgência nacional ou premência superior à envolvida na aprovação de leis que criem obstáculos à persecução penal nos crimes de corrupção ativa, passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. E haja tapete! E haja vertigem. Na dúvida, basta lembrar a coerência instrumental que une:

• os maus tratos do Congresso às Dez Medidas de Combate à Corrupção;
• as emendas ao Pacote Anticrime de Sérgio Moro;
• a inoportuna deliberação do Supremo, que praticamente inviabilizou a prisão após condenação em segunda instância e jogou no lixo seco a justiça de 2º grau;
• a lei de “abuso de autoridade”;
• a criação do juízo de garantias;
• a decisão de retomar os processos cujas alegações finais não concederam à parte denunciada o direito de falar em último lugar (uma irrelevância cuja única serventia foi a de soltar os amigos);
• o empenho em impedir o acesso dos órgãos de persecução penal aos relatórios do COAF.

Bem menos do que isso credenciaria importantes autoridades da República a comendas da Ordem do Capeta por malefícios prestados à nação. A corrupção luta com todos os meios possíveis. Dona Petra Costa, por exemplo, pisa na ponta do tapete da Andrade Gutierrez para fazer seu documentário ao gosto de Hollywood.

É preciso entender, contudo, que a peça chega à disputa do Oscar na etapa final de descomunal mistificação, em conformidade com os usos e costumes da esquerda mundial, cuja solidariedade estratégica chega a ser comovente. Nesse ambiente, dito cultural, os prêmios e as medalhas são reais, carinhosos e generosos como costumam ser as ações entre amigos.

Em agosto de 2019, o jornal italiano La Repubblica abriu manchete com algo do tipo “O mundo contra Bolsonaro”. Uau! Matérias semelhantes se somavam no exterior, sempre em jornais de esquerda, como New York Times, Le Monde, El país, The Guardian, Neues Deutschland, entre outros. Seus conteúdos põem foco negativo na política do governo brasileiro, que aplica o programa conservador e liberal democraticamente consagrado nas urnas. Esse programa rejeita aquilo que a esquerda mundial corteja e rotula como progressista: governos corruptos, ditadores, terroristas, antiocidentais e radicais islâmicos. Toda notícia contra o Brasil e seu governo publicada nesses veículos repercute na nossa imprensa como leitura “europeia e civilizada” da realidade nacional. Dê uma olhada no Google: uma nota em qualquer jornal esquerdista lá fora produz duas dúzias de notícias em grandes jornais brasileiros. Legítima jogada ensaiada.

A imprensa nacional não poderia, então, contestar as mistificações do documentário? É uma boa pergunta, com respostas assustadoras. A divisão política da sociedade brasileira tornou-se evidente ao senso comum. A longa e bem sucedida criação de animosidades entre segmentos sociais por obra do grupo político esquerdista hegemônico no Brasil até 2016 só é lembrada, no entanto, por quem tem neurônios, memória e juízo. Por isso, é oportuno sublinhar que as fingidas reclamações contra a divisão, atribuída ao surgimento de movimentos políticos conservadores e liberais, provêm de quem não se peja de fomentar esse sentimento em prejuízo do país, valendo-se de suas parcerias internacionais. As tribos de Los Angeles servem muito bem para isso, como se sabe.


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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

14/01/2020

 Os economistas são um grupo profissional com expressiva atuação em atividades essenciais ao desenvolvimento do país. Estão presentes e são influentes em decisões empresariais. São consultores, membros de conselhos de administração, orientam investidores, estudam e elaboram relatórios sobre conjuntura, oportunidades de negócio e os respectivos riscos. Estão no ambiente acadêmico, nas entidades empresariais e de trabalhadores. São assíduos em órgãos da mídia que informam e influenciam opiniões. Atuam no setor público e no setor privado. Apontam erros e acertos. Em seu ramo de atividade, interpretam o passado para vislumbrar o futuro mais provável. Sua aritmética é rigorosa porque, via de regra, envolve dinheiro.

 Não estou afirmando isto para atiçar a vaidade de tantos economistas que tenho o privilégio de contar entre meus amigos. O trabalho deles é valioso ao país. Ponto.

 Parte importante de sua atividade implica proteger dinheiro contra perigos e ameaças, e essa tarefa é essencial às decisões significativas para a formação de um ciclo virtuoso na economia. Alcançar esse ciclo é imperioso ao Brasil para alavancar seu desenvolvimento econômico e social. O risco é inerente aos empreendimentos privados, claro, mas apenas tolos não cuidariam de minimizá-lo.

Dito isso, registro, sem surpresa alguma, que as muitas avaliações presenciadas por mim nos últimos meses, expostas por economistas, incluem, como não poderia deixar de ser, o risco político entre as nuvens negras no horizonte da pátria. Só muda a natureza da crise, mas o risco está ali. O Brasil é, historicamente, um ambiente instável. O modelo institucional brasileiro é uma referência de má qualidade e de irracionalidade. Nosso presidencialismo é um sistema onde se espera que o presidente compre todo mundo para não apanhar de todo mundo. Inclusive da grande imprensa. O presidencialismo é um lamentável fetiche nacional, depositário formal e espiritual das esperanças comuns, mas quem manda são os ocupantes dos outros dois lados da praça.

Causa surpresa, então, o fato de não haver por parte dos economistas brasileiros, com raríssimas exceções, qualquer reflexão sobre a indispensabilidade de uma reforma institucional para acabar com o charivari e a instabilidade que caracteriza a relação entre os poderes de Estado no Brasil.

A fusão entre chefia de Estado e chefia de governo, a partidarização da administração pública, a eleição proporcional para o parlamento e, de uns tempos para cá, o descaso com que foram sendo providas as vagas abertas no STF, criaram uma enorme insegurança jurídica e política no Brasil. O impeachment e a eleição de 2018 nos livraram de alguns males do presidencialismo nas décadas anteriores, mas remanesceram outros. Se não mudarmos isso, nossos economistas terão que continuar para sempre, ponderando riscos desnecessários e o custo Brasil continuará sendo acrescido de fundadas suspeitas, incertezas e instabilidades nacionais.

Se os economistas, com a influência que têm entre pessoas que decidem, dedicassem uma parte de seu esforço para colocar a reforma política no cronograma e nos devidos termos, muito nosso país teria a lhes agradecer. Que Bolsonaro encerre, em 2026, o último mandato do presidencialismo brasileiro.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

10/01/2020

 


 O ministro Dias Toffoli, num laudatório à liberdade de expressão e sob aplauso da mídia nacional cassou a decisão com que o desembargador Benedicto Abicair determinou à Netflix sustar a exibição do “especial de Natal” do grupo Porta dos Fundos.

É instrutivo ler os fundamentos de tais decisões porque elas ajudam a identificar o caráter instável, os critérios nebulosos e mutáveis, e as bases oscilantes em que se lastram deliberações por vezes relevantes adotadas pelo STF.
O ministro Dias Toffoli, ao conceder a medida cautelar em favor da Netflix (1), cita decisão anterior do STF no julgamento ADI nº 4451/DF. Nela, o Supremo teria consagrado que:

“... [o] direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias” (Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 6/3/2019).

Não é lindo isso? Há poucos meses, o ministro Dias Toffoli, coadjuvado pelo ministro Alexandre de Moraes, determinou a O Antagonista e à revista eletrônica Crusoé a retirada do ar de matéria em que ele, Toffoli, era parte mencionada. Tratava-se da informação de Marcelo Odebrecht sobre quem era o “amigo do amigo de meu pai”. A reportagem era veraz, o documento era da Lava Jato e o ministro Alexandre de Moraes viu-se constrangido a suspender a censura.

Não bastante isso, ainda ontem, 9 de janeiro, o ministro presidente do STF determinou que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, no prazo de 15 dias, esclareça as razões que o levaram a afirmar que a adoção das carteirinhas estudantis eletrônicas iria acabar com a “máfia da UNE”, que recebe, anualmente, 500 milhões de reais para disponibilizá-las à população escolar. Onde foi parar a tal liberdade de expressão exaltada na ADI mencionada acima? Na voz do Supremo, ela não incluía e protegia afirmações duvidosas, exageradas, satíricas e humorísticas? Mas as verazes, não?

Por essas e muitas outras, tenho a impressão de que assuntos relevantes são decididos no STF ao sabor das vontades individuais de seus membros, que parecem dispor de um arquivo de fundamentações contraditórias, para serem usadas quando oportunas.

No trecho final da liminar concedida à Netflix, uma nova “pérola” do ministro presidente:

“Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros.”

Mas é exatamente isso que caracteriza o crime de “vilipêndio de objeto de fé”! A fé sólida não é abalada, por ele. É, isto sim, ofendida, desrespeitada, vilipendiada. E mais: fossem os valores da fé cristã tão volúveis e solúveis como parecem ser certos fundamentos de decisões do STF, aí sim, seria possível a intervenção saneadora do poder judiciário? É sua firmeza que torna tolerável o vilipêndio?

Ora, ministro, vá ler o que escreve.


(1) - https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-concede-liminar-suspende.pdf

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

07/01/2020

 

 O sistema bancário brasileiro é sólido e líquido. Sólido porque tem muito dinheiro e aufere bons resultados. Líquido porque tem liquidez, ou seja, está folgado nos indicadores que aferem as relações entre a capacidade de pagamento do sistema e os compromissos por ele assumidos. Tal situação é boa para a economia. Mas, quando apenas cinco bancos controlam mais de 80% do mercado de crédito do país, parece evidente ser muito restrito o número dessas instituições para uma economia do tamanho da brasileira. Maior concorrência atenderia mais satisfatoriamente os clientes, tenderia a reduzir as taxas de juros cobradas nos empréstimos, faria baixar o preço dos serviços bancários e reduziria a inadimplência.

 Então, se o sistema vai bem, obrigado; se os acionistas estão ganhando bem por suas ações e se só reclama a turma do balcão – os bancários de um lado e os clientes de outro, por que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central deram sinal verde para os bancos cobrarem taxa de até 0,25% sobre o valor do crédito disponibilizado aos correntistas no cheque especial?

 “Ah, mas a mesma autorização estabelece um teto de 8% ao mês nos juros mensais cobrados sobre o uso do cheque especial! Ele vai ficar mais barato”, dirá alguém. Sim, vai, se você achar razoável um juro que corresponde a 151% ao ano... Com a Selic a 4,5% ao ano, parece evidente que não há como banco algum queixar-se de “perdas”, mesmo perante a elevada inadimplência.

Aliás, não fossem a passividade e a tolerância dos brasileiros, não fosse sua inesgotável disponibilidade para pagar contas que lhes chegam, não aceitaríamos pagar juros astronômicos para reembolsar o prejuízo dos bancos com clientes que não pagam suas contas. Afinal, não cabe a tais instituições cuidar do próprio dinheiro? Saber a quem o emprestam? O que cada um de nós outros tem a ver com isso?

Pois bem, Ainda assim, está autorizada a cobrança. Santander já informou que vai aderir a essa nova criatura da engenhosidade financeira. Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banrisul decidiram não o fazer.
Jornal O Estado de Minas informa na edição de hoje, 7 de janeiro, que o Sistema disponibiliza cheques especiais no montante de R$ 350 bilhões. Destes, apenas R$ 26 bilhões correspondem a financiamento de fato concedido.
É óbvio que os bancos não deixam parado na conta do cliente o limite concedido. O banco libera parcelas do valor total à medida da demanda que receba. Tenho observado que os bancos, inclusive, elevam por conta própria o limite de crédito dos clientes ou de alguns clientes a título de “cortesia da casa”.

Agora, isso será cortesia com chapéu alheio. E essa mordida sobre um valor que a maior parte dos clientes não usa será empregada para cobrir prejuízos do sistema em operações com cheque especial. É comercialmente muito cordial emprestar a quem não paga, cobrando o prejuízo dos que pagam e até dos que não o utilizam. Arre, Brasil!

 

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

06/01/2020

 

 Foi, mesmo. Interessante que, pensando em escrever esta crônica, imediatamente me veio a constatação de que não poderia escrever que foi um ano bom para mim, mas teria que escrever, dado que de fato foi, um ano bom para nós. Como de hábito, todos os acontecimentos deste ano foram vividos a dois, Mariza e eu, ou compartilhado, também, por meus filhos e meu neto. Foi, sim, um ano bom para todos nós, com a graça de Deus.

 Mariza e eu completamos 50 anos de casados e vivemos nossas bodas de ouro. Não preciso dizer o quanto essa data e esse marco são significativos para uma vida vivida a dois.

 Aos 60 anos da revolução cubana, lancei, pela Editora Armada, a longamente sonhada 2ª edição de A tragédia da Utopia, cujo lançamento em Porto Alegre foi de intensa gratificação tal a quantidade de amigos e leitores que compareceram, de modo estoico. às quase cinco horas da sessão de autógrafos. Seguiram-se outras em São Paulo e Brasília.

 Logo após as bodas e o lançamento do livro, Mariza e eu fizemos uma viagem de sonhos dirigindo durante três semanas numa região da Itália onde ainda não havíamos estado. Visitamos cidades medievais da Campania, Calábria, Basilicata e Puglia, capturando em fotos, para a memória, sítios históricos e cenários de deslumbrante beleza.

 A cidade que, ainda adolescente, adotei como minha, adotou-me como seu filho. Numa iniciativa do vereador Ricardo Gomes, a Câmara de Vereadores aprovou lei concedendo-me o título de Cidadão de Porto Alegre. Foi com justificada alegria que recebi essa distinção. Vivi momentos de forte emoção durante os pronunciamentos dos vários vereadores que se manifestaram evocando momentos da minha vida que foram marcantes para eles, dos quais eu sequer lembrava mais.

 No pronunciamento que fiz na sessão solene de recepção do diploma, disse: “O que me imanta a esta cidade são meus familiares, meus amigos, vizinhos, as pessoas que me leem, ouvem, assistem, e que eu encontro onde quer que vá, nos restaurantes, nas missas, nos shoppings, nos supermercados. É muito bom, encontrar conhecidos, amigos e estar nesse abrigo de tantos afetos”.

Também em 2019 recebi a comenda da Ordem do Mérito Cívico no grau Oficial. Ostentei com orgulho a medalha que a significa e que aqueceu ainda mais em meu peito o amor ao Brasil e aos brasileiros. Amor, importante dizer, que muito tenho, mesmo, cuidado de suscitar no cultivo do respeito à nossa história, aos seus grandes vultos e à cultura nacional. Que todos os tenham como referência e exemplo!

Em 2019 o Brasil reencontrou seu caminho, e não sem dificuldades transita por ele. As dificuldades, porém, nos fazem bem como atores dessa mudança. É nelas que se forjam as virtudes e as vontades; é nelas que os adversários ganham vulto, forma e identidade; é nelas que se combate o bom combate.

Sem dúvida, 2019 foi um ano bom. Obrigado, Senhor!

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.