• Percival Puggina
  • 18/09/2020
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D. QUIXOTE DE TOGA

 

 Não há como observar os derradeiros movimentos do ministro Celso de Mello desde sua cadeira no Supremo Tribunal Federal sem evocar o Cavaleiro da Triste Figura, apelido com que Sancho Pança definiu seu líder e senhor, D. Quixote de La Mancha, em combate sem trégua aos exércitos de Alifanfarrão.

 O ministro assistiu ao vídeo de certa reunião do ministério e julgou ver campos de concentração, experiências genéticas, sangrentas ditaduras e conspirações articuladas na misteriosa língua de bruxaria da Escola de Hogwarts, que ele provavelmente aprendeu de Harry Potter. Começou ali e não parou mais. Pacíficas manifestações de rua eram ações da Schutzstaffel (tropa paramilitar de proteção a Hitler); a Polícia Federal, a própria Gestapo... O ministro, coração cívico em chamas, vestiu a couraça de D. Quixote, brandiu a caneta como se fosse uma lança das antigas liças medievais e avançou. A cada dia, sua estocada.

 Simetricamente, começava ali, também, sua retirada de cena no Poder Judiciário brasileiro, onde entrou ainda jovem pelas mãos de seu amigo José Ribamar, da nobre estirpe maranhense dos Sarney, que recebera a presidência da República por herança na morte do titular Tancredo Neves, de cuja chapa figurava como vice-presidente.

Tudo indica que o ápice de deslumbramento para os derradeiros embates veio, mesmo, da reunião ministerial do dia 22 de abril. Ali, à semelhança do fidalgo espanhol, quis o ministro que todos vissem o que ele vira, do modo como vira e iniciassem uma guerra sem tréguas. Desde então, enquanto o apoio popular ao presidente andava no sentido oposto e crescia na bolsa política, subia de tom a indignação do ministro. Diante dele, envoltos em togas e disponíveis ao loquaz fidalgo, dito decano, dez versões togadas de Sancho Pança eram instadas a salvar a humanidade e a vida no planeta das ameaças representadas pelas perigosas hostes de Alifanfarrão.

O capítulo se encerrará numa noite de novembro, ante algum ignoto seguidor que, entre bocejos, implorará por silêncio ao arrojado amo, pois sua eloquência se perde na praça entre pirilampos que prenunciam o verão.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE; Integrante do grupo Pensar+.

 


Menelau Santos -   21/09/2020 13:00:43

Professor Puggina, como o Sr. consegue com maestria dar o devido contorno literário a essa triste e patética figura que ocupa o cargo de Ministro do STF! Sr. Celso de Mello e mais esses outros ministros horrorosos técnicamente e moralmente (com exceção do Sr. Marco Aurelio Mello) são totalmente dispensáveis.

Ademir Felipe -   20/09/2020 14:43:00

Tancredo Neves nunca foi presidente da república, logo Sarnei nunca foi vice-presidente. Não deveria assumir a presidência. O certo seria convocar novas eleições, o que não ocorreu por causa do medo de Ulisses Guimarães que nada tinha de senhor coragem.

João Cleucio -   18/09/2020 21:49:51

Chegou o de chegou só na bajulação. Digam alguma coisa de boa que ele deixou a não um bom remédio para o sono daqueles que sentem dificuldade para serem envolvidos pelas asas de Morpheus. Não deve ter tido a infância dos moleques de rua onde se aprende as coisas práticas da vida. Na linguagem ele é um BG, ou seja, um bunda grande que vive sentado em cadeiras confortáveis!

Luiz R. Vilela -   18/09/2020 14:25:26

O ministro do STF, senhor Celso de Melo, é uma destas peças que o destino costuma pregar e que não se sabe bem o significado que tem. Foi indicado por um presidente que teve o mandato certamente presenteado por alguma divindade, porque além da eleição ter sido indireta, era vice do indicado e ninguém neste Brasil poderia supor que acabaria presidente. Há muitas pessoas que até hoje julgam um mandato ilegal, o do Sarney, mas como o PMDB, omisso como sempre, não fez valer a constituição, o Sarney ficou e promoveu o maior desastre administrativo da história recente do pais. Nomeou o ministro Celso de Melo, apadrinhado, conforme confessou o próprio jurista Saulo Ramos, que depois parece que se arrependeu, quando o agraciou com o célebre epíteto, " juiz de m.....". Agora, depois de tantos anos, com a saúde abalada e com tempo de sobra para ter se aposentado, vai embora, mas não sem antes deixar explícita a razão ao seu patrono, que o "classificou", tudo por conta do episódio do depoimento presencial do presidente da república, que ele achou com forma de derradeira humilhação, por quem não nutre simpatia. Outro ministro o desautorizou e repôs a conduta certa, e ele vai embora talvez cheio de rancores, porque o povo não esteve de acordo com suas expectativas quando elegeu o atual presidente. Um grande homem se conhece é nas derrotas e saber perder é mostrar nobreza.