• Percival Puggina
  • 16/09/2020
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QUANDO O REMÉDIO VIRA VENENO

 

 Dois fatores somam-se como principais para produzir uma representação parlamentar que, uma vez empossada e atuante, não representa, objetivamente, ninguém. Refiro-me às equivocadas razões de voto de tantos eleitores e ao sistema feito sob medida para que eleitos e eleitores pouco ou nada interajam. A eleição parlamentar é proporcional, há número excessivo de partidos e candidatos, e a circunscrição eleitoral é o estado inteiro. Tudo irracional, oneroso e ineficiente.

 É visível e bem motivada a frustração dos cidadãos em relação às duas Casas do Congresso. A frustração leva ao arrependimento quanto ao voto dado, o arrependimento à revolta e esta a um novo equívoco. “Larguei!”, dizem tantos. Rasgam a carteirinha, desistem de votar.

Até onde a memória alcança, resolvi listar os parlamentares em quem votei, iniciando pela eleição de meu saudoso pai como deputado estadual em 1962. Dela constam vereadores, deputados estaduais, federais e senadores. Raras frustrações. Fui encontrar o motivo numa conversa de décadas atrás com o querido amigo e mestre, prof. Cézar Saldanha Souza Júnior. Ensinara-me ele que parlamentares devem ser escolhidos como representantes de opinião e não de interesses. Eleitores deveriam, portanto, regalar seu voto a alguém com cujos princípios, valores, ideias e ideais sintonizassem.

Trata-se, como se percebe, de um critério muito exigente: o eleitor precisa conhecer o candidato para assegurar-se de que, na rua esburacada da política, ele não resvalará para a sarjeta. Políticos eleitos assim cuidam do particular sem perder de vista o geral. Pela firmeza de seus princípios e valores, não se omitirão, não abrandarão a lei penal, não deixarão a construção de novos presídios sem verbas, não aprovarão novas gambiarras no Código de Processo Penal, não admitirão mais verbas para partidos e seus gastos eleitorais; se empenharão pela possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, alterarão a forma de provimento das vagas no STF, combaterão a corrupção, e assim por diante, atentos aos anseios nacionais.

Em infelicitada contramão, porém, o mais frequente motivo de voto, é a ligação do candidato a um grupo de interesse. Estribada em tal critério, a maior parte dos eleitores escolhe alguém para cuidar de si. É sua montaria da vez, o parelheiro escolhido para a eleição. “Vou eleger um deputado para chamar de meu!”, festeja. Na vida real, o parlamentar selecionado vai deliberar apenas ocasionalmente sobre essas específicas pautas de interesse de seu eleitor “corporativo”, mas decidirá sobre tudo mais o tempo todo! E é aí que o remédio vira veneno.

Na vida real, parlamentares eleitos assim, passam a maior parte do tempo cuidando de seus próprios interesses sem se importar se eles conflitam (e sempre conflitam) com os do eleitor. A frustração de muitos com os temas que os congressistas não votam, ou nos quais deliberam divergindo do interesse nacional e do desejo do eleitor, tem tudo a ver com isso. Quem assim for eleito passará o inteiro mandato a votar sobre formas de tomar dinheiro de seu eleitor para atender regalias de outros grupos de interesse e ampliar sua base eleitoral. O que lhe dá com uma das mãos, tira em dobro com a outra.

É um paradoxo que não deveria surpreender. Pergunto: o sujeito que elege um parlamentar para cuidar de si, pode se aborrecer se o eleito fizer o mesmo e tratar de seu próprio interesse, de seus negócios, mordomias, parentes, verbas individuais e partidárias? Quem já acompanhou o que acontece nos plenários quando as galerias estão lotadas ululando reivindicações sabe o quanto é raro que ali se reivindique a favor do interesse público. No entanto, os maus deputados estão deliberando e votando, contra esse interesse, graças a mandatos que eleitores interesseiros lhes concederam.

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Integrante do grupo Pensar+.
 


Gilberto Teixeira -   18/09/2020 10:22:37

sistema de uma engrenagem... quem vota são os dentes da engrenagem(cidadão), quem é eleito(políticos)são as rodas da engranagem, o eixo (são os donos destes partidos).... Tudo gira no sentido que estes querem e conforme seus interesses.... Todo o restante deste processo são "lubrificantes e correias" para que a engrenagem continue girando e girando e girando... sem atrito...

Luiz R. Vilela -   17/09/2020 12:05:31

Sempre ouvi dizer que a diferença entre o remédio e o veneno, esta na dose. Já não acredito que este pais há de melhorar, tendo por base o atual sistema político, e principalmente o partidário, onde o partido se constitui numa "camisa de força" política, onde o eleito por uma plataforma, é obrigado a abandona-la, quando esta se conflita com os interesses do partido, que quase sempre é propriedade de alguém. Sempre defendi o voto distrital puro, e com o candidato e depois eleito ser obrigado a residir no próprio distrito. Também acho que a partidarização excessiva na política, anula os ideais do eleito, ficando a mercê da famigerada "fidelidade partidária", que nada mais é do que a criação de "feudos", onde indivíduos que muitas vezes sequer tem mandato eletivo, mas comandam os votos dos parlamentares de seus partidos, que por força de lei, são obrigados a se filiar e depois a se submeter. No voto distrital puro, acabaria com a eleição proporcional, excrescência que acredito ser como as jabuticabas, brasileiras por naturalidade. Toda eleição deveria ser majoritária, e as candidaturas, poderiam ser então, independentes, ai sim, poderia haver a parceria entre o eleitor e eleito, sem intermediários. Mas querer que as "raposas" modifiquem as regras de administração do galinheiro, parece ser uma utopia, um sonho de uma noite de verão, porque o sistema foi moldado por eles, para justamente os privilegiar, e mudar seria um trabalho digno de Hércules, tipo de personalidade que nunca existiu no Brasil. Dizem que política e religião nasceram praticamente com a humanidade, mas hoje, estão bastantes deturpadas, já não atingem os propósitos desejados e não se vislumbra melhoras, ou algo que os substitua, Parece que entramos no mato, e não levamos os cachorros. A coisa esta feia.

Manoel Luiz Candemil -   16/09/2020 21:22:03

Apenas uma observação: o cidadão elege políticos, mas estes em regra são dirigidos pelos respectivos partidos políticos. Com a força partidária existente, a eleição vira uma farsa. O problema é que, se a eleição passasse a ser de partidos, e não de políticos, certamente fracassaria, pois o eleitor perderia interesse.