No pequeno Uruguai, a lista das vítimas fatais da covid-19 cabe numa folhinha de papel com 47 nomes. Esse número, dividido pela população do país (3,44 milhões), leva a um índice de vidas perdidas por milhão de habitantes 40 vezes inferior ao dos países que ocupam a parte alta da tabela.
No Brasil, os primeiros passos do combate à pandemia foram marcados pelas performances do Dr. Mandetta. Médico, simpático, bem falante, deputado federal, o ministro tornou-se provedor de conteúdo para as tardes modorrentas do jornalismo brasileiro. Longos saraus de ciência e terror deram tom a desacertos que persistem até hoje. Na vastidão do território nacional, as determinações cobriam a inteira Rosa dos Ventos. O Brasil parou. Espatifou-se um vínculo que não poderia ser rompido e testemunhamos o divórcio entre a proteção da vida e as condições de sobrevivência pelo trabalho. Questões singelas como o uso de máscaras, atendimento precoce, protocolos de higiene e segurança foram apresentados de modo confuso e submetidos a súbitas mudanças de rumo e orientações tolas. Hospitais vazios e doentes em casa, atividade econômica paralisada para “achatar a curva” e vírus ausente são símbolos de um período em que uma elite mal pensante causou à nação um dos maiores prejuízos de sua história.
No diapasão que desde o início do ano afinou a orquestração da mídia nacional, quanto maior o dissabor do presidente com as orientações de seu ministro, mais se agigantava a estátua pública que lhe erguiam os grandes meios de comunicação. Foi na esteira desse conflito que o STF tirou a toga, calçou a chuteira e entrou em campo para participar do jogo. O presidente que fique quieto no seu canto. E entregou o coração e o pulmão da economia nacional (o trabalho dos brasileiros) a prefeitos e governadores. “E o cérebro?”, perguntará o inteligente leitor. Pois é. Para que serve, mesmo?
Como todo gaúcho de Santana do Livramento, cidade de fronteira, gêmea siamesa da cidade uruguaia de Rivera, guardo uma afeição muito especial pelo nosso vizinho ao sul. O Uruguai é um país bem cuidado, amado pelo seu povo. A pequena população tem, na média, educação de qualidade superior à nossa e um nível cultural igualmente superior.
Aqui, pertinho de nós, o país deles está sendo estudado como um caso de sucesso no enfrentamento da pandemia. De um artigo escrito por duas economistas do FMI que estudaram as causas desse extraordinário desempenho (1), extraí que o Uruguai se beneficia de uma consciência política superior. Realmente, o país enfrenta o coronavírus com elevada coesão. Não há ninguém querendo criar males nem mortos para colocar na conta do culpado de plantão.
olíticos uruguaios, funcionários de alto escalão e partidos políticos abriram mão de parte de seus vencimentos e receitas para um fundo de combate ao coronavírus. Foi um dos primeiros países da América Latina a incentivar o uso de máscaras. Jamais decretou confinamento obrigatório. Reabriu suas escolas no mês de junho.
Enquanto isso, no Brasil, entrando o mês de outubro, ainda se discute o retorno às aulas presenciais. A economia e os empregos padecem sequelas de um tombo colossal. Até o mês de agosto, nove milhões de brasileiros haviam perdido seus postos de trabalho. Vulgarizou-se a prática irracional de desconcentrar e diminuir as aglomerações determinando a abertura do comércio em menos horas e menos dias da semana... As ruas exibem portas fechadas, placas de aluga-se ou vende-se, mais e mais superfícies abertas ao depressivo trabalho dos pichadores.
Claro, aqui haverá quem considere o Uruguai um mau exemplo.
(1) https://news.un.org/pt/story/2020/08/1722182
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
Jean Castro - 02/10/2020 12:06:41
Excelente, mestre Puggina. Agora nos fale sobre essa indicação, que a todos pareceu equivocada, onde o PR colocou (mais) um progressista no STF.Genivaldo Alberto Custódio - 01/10/2020 21:56:09
Falar o quê? Só perguntar onde assino!Cleusio izidoro - 30/09/2020 23:31:32
Concordo em "gênero, número e grau". Analisei diversos países e informações. No Brasil, o protocolo era simplesmente OMS e mesmo que o cidadão estava morrendo por câncer, colocavam o COVID. Havia destinação de recursos para municípios que informavam maiores mortalidades por COVID (Vírus Chinês).Luiz R. Vilela - 30/09/2020 19:46:02
O pequeno Uruguai, onde estive a pouco tempo e se o tivesse conhecido antes, certamente após ter me aposentado, teria ido morar lá. É uma beleza de pais, povo culto, sem muita ostentação que valoriza a vida que tem. A verdade, é que sendo a população pequena e sem grandes conglomerados econômicos, é mais fácil administrar, e sobra sempre um pouquinho para cada um. Até no política, fazem o transito entre direita e esquerda sem atropelo, se respeitam. Quando por lá passei, explicaram-me que estão trocando aos poucos a pecuária pela agricultura, rende mais, e a soja produzida é toda vendida para a China. Quanto a pandemia, é aquilo que já se sabe, quem é organizado, leva vantagem. Uruguai, pequeno pais em quase tudo, mas grande em ensinamentos e exemplos.FERNANDO A O PRIETO - 30/09/2020 08:18:28
Muito bom que alguém tenha citado o exemplo da Uruguai, que como a Suécia, também não fez "lockdown".Há mais alguns (por exemplo a Indonésia, país mais populoso que o Brasil, e, pelo menos sob a maioria dos critérios, mais pobre) . Porque a "mídia" não destaca isso? Não é conveniente aos interesses que a financiam, eis o motivo principal. Mesmo que se possa criticar os países citados, sob alguns aspectos, certamente, quanto à epidemia, eles não tiveram resultados piores do que os que tiveram essa opção infeliz pelo "lockdown". Mais uma vez os políticos atrasam o nosso país (e muitos outros). Sugiro que expressemos nosso repúdio a isso em todas as eleições, colocando como um dos mais importantes critérios de escolha de candidato o apoio (ou não) ao "lockdown".Leonir Antônio Bortulini - 29/09/2020 18:30:41
Percival: Aqui haverão muitos que reclamam e se perguntam por que as mortes, pela peste chinesa, estão diminuindo? "Fique em casa pra não acabar esta pandemia". Mas há os brasileiros de verdade que se preocupam com o semelhante e querem cuidar da saúde sim mas também colocar alimento à mesa de todos. Vamos com unidade vencer os "lixos".