Percival Puggina

11/11/2009
APARELHAMENTO DO ESTADO Das dez questões de conhecimentos gerais comuns às 27 carreiras avaliadas pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), domingo, quatro fazem elogios a ações do governo federal (www.touorolouco.com.br). Uma delas, a número 5, menciona o impacto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sobre o meio ambiente. Na prova de Comunicação Social, aplicada a universitários de seis carreiras, entre elas jornalismo, a questão 19 cita diretamente o presidente Lula. A questão foi criticada por professores universitários e pelo presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade. O enunciado diz que Lula foi criticado pela mídia ao afirmar que a crise financeira mundial seria uma marolinha no Brasil. Mas, continua, agora é a imprensa internacional que lembra e confirma a previsão de Lula. Está mais para relações públicas e propaganda do que para uma prova com o objetivo de verificar o conhecimento dos estudantes. A pergunta confirma a opinião do presidente, o que acho discutível. Não é um consenso que a crise tenha sido superada. Para quem perdeu o emprego, foi uma baita de uma crise - disse Andrade. O professor de políticas públicas da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas condenou a questão 19. Ele disse não ver problemas na menção a ações federais nas outras quatro perguntas, já que Lula está há quase sete anos no poder. - Parece mais um discurso de autodefesa do Lula, quase ufanístico: o presidente tinha razão, mas somos uma democracia e temos que tolerar as críticas. É tendenciosa. O professor de jornalismo e ética na comunicação da UnB Luiz Martins da Silva afirmou que não existe fórmula para evitar a politização de questões. Mas, para ele, é elementar que se evitem perguntas que deem margem a suspeitas de alinhamento político.

Percival Puggina

07/11/2009
É de espantar que ainda hoje Che Guevara seja idolatrado como se houvesse sido um benfeitor da humanidade. Os jovens que o cultuam são incapazes de apontar com o nariz para que lado fica a Bolívia e não conseguiriam escrever meia página sobre os acontecimentos de 1959. Mas adoram o Che. Foram iludidos por professores que ensinam História como se estivessem tentando passar adiante uma nota de três dólares, os falsários. Quando caiu Fulgêncio Batista, houve um regozijo mundial. O fato foi festejado na OTAN e no Pacto de Varsóvia, em Washington e em Moscou. E até em Santana do Livramento, lá em casa, onde ninguém era comunista. O mundo ganhara bem sucedido exemplo do clássico direito de resistência à tirania, ensinado por Aristóteles, Tomás de Aquino e Francisco de Vitória. No entanto, meses depois, o apoio do Ocidente aos revolucionários provinha apenas de grupos esquerdistas e de certos intelectuais engajados. Os principais comandantes da Revolução vitoriosa eram os irmãos Fidel e Raúl Castro, Huber Matos, Camilo Cienfuegos e Che Guevara. Reconhecidos como comunistas, apenas Che e Raúl. Fidel negava-o jurando em cruz, pela vida da mãe. Huber Matos e Camilo eram democratas que pegaram em armas na forma do direito clássico (resistência à tirania, na justa medida, em nome de um bem superior, etc.). Quando Huber Matos percebeu que havia, conforme suas próprias palavras, uma ?segunda agenda?, secreta, comunista, enviou carta ao amigo Fidel apontando os desvios. E foi parar diante de um tribunal revolucionário. Em dezembro de 1959 condenaram-no a 20 anos de prisão, que cumpriu integralmente. Camilo Cienfuegos, outro liberal da equipe, ao retornar desse julgamento para Havana, evaporou-se no ar. Resumindo: dos cinco comandantes, dois eram democratas (Huber e Camilo), dois tinham um projeto de poder (Fidel e Raúl), e o outro só curtia guerrilha mesmo (Che). Os Castro implantaram o comunismo em Cuba, leitor, porque nada concentra mais o poder almejado por ambos quanto um totalitarismo desse tipo. Não por acaso, aliás, Cuba e Coréia do Norte se tornaram monarquias com sucessão por consaguinidade. Comunismo com absolutismo monárquico. É o orgasmo do poder! Pergunte ao seu professor, meu jovem. Não. Pensando melhor, pergunte nada, não. Apenas responda: quantos cubanos teriam apoiado a revolução se soubessem que iriam acabar como cidadãos de segunda classe, destituídos até do direito de resistência à tirania que os oprime? E lá estão eles, presos numa ilha de onde só se sai passando pela segurança do Estado no aeroporto, ou jogando-se ao mar, ou para a vida eterna. O que muitas vezes dá no mesmo. E o Che? Che queria outra coisa. Queria o sangue de proprietários, burgueses, capitalistas, como ele mesmo confessou à mulher em carta de 28 de janeiro de 1957: ?Querida vieja: aquí en la manígua cubana, vivo y sediento de sangre, escribo estas ardientes líneas inspiradas en Martí?. E apesar de ter bebido hectolitros de puro plasma cubano, africano e boliviano, morreu com sede, o vampiro argentino. Não o socorrem as lições dos clássicos sobre resistência à tirania. Elas só se aplicam em favor de causas nobres e a situações extremas, sob severíssimas imposições de ordem moral. Jamais ? jamais! ? podem servir para justificar a obra sanguinária de quem lutou para impor um totalitarismo infinitamente pior do que aquilo contra o que dizia lutar. E depois, insaciável, saiu pelo mundo a fazer a mesma coisa. ZERO HORA, 08/11/2009

Percival Puggina

07/11/2009
Tenho em mãos um pequeno folheto referente à Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010 (para quem não sabe, de quatro anos para cá, a tradicional Campanha da Fraternidade da CNBB recebeu a adesão de outras igrejas cristãs e se tornou ecumênica). A peça em questão foi preparada especificamente para o público jovem (tem o subtítulo ?Jovens na CFE?) e visa a orientar reuniões de grupo para estudo e debates sobre ?Economia e vida? ? tema da campanha. Na pag. 27 há um texto com o título ?Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra, em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar?. Ali é defendida a tese de que todas as propriedades rurais com extensão superior a 35 módulos fiscais devem ser automaticamente incorporadas ao patrimônio público, sem indenização e destinadas à reforma agrária. A título de informação: a área do módulo fiscal é variável por município e aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, oscila entre um mínimo de 7 ha e um máximo de 40 ha. Assim, calculada pela média de 20 ha, a maior propriedade admitida seria de 700 ha. E a CNBB se abraçou nessa idiotice? Sim. Com braços e pernas. Aliás, gostou tanto do que leu, considerou tão valioso o material que assumiu sua edição e distribuição. Novidade nenhuma nesse comportamento. Há décadas as coisas, por lá, andam assim. O material da CFE de 2010, disponível no site da CNBB, vai na mesma trilha. Depois de expressar justa e piedosa preocupação com as situações de miséria e pobreza existentes no país, estende o dedo indicador para as causas de tais males: o lucro e o mercado. E, por fim, identifica a solução: um sistema econômico que priorize a partilha e a solidariedade. Pronto! Tudo resolvido. Como é que ninguém pensou nisso antes? Traduzindo em miúdos o sentido da coisa, é como se a CNBB estivesse dizendo aos investidores e empresários: ?Ei! Vocês aí do sistema produtivo nacional! Cambada de gananciosos! Querem acabar com a pobreza e safar-se do Inferno? Adotem um modelo no qual os bens sejam repartidos e onde o lucro e as preocupações com o mercado sejam exorcizados das vossas organizações. Vereis, então, o maná precipitar-se dos céus sobre o deserto das carências humanas!?. É a mesma genialidade que, anos atrás, não queria que o Brasil pagasse suas dívidas. É o mesmo fundamentalismo travestido de piedoso da sua Comissão Pastoral da Terra. É a mesma matriz ideológica da Campanha da Fraternidade do ano passado que resumia o tema da violência à luta de classes: pelos respectivos crimes, o rico era individualmente culpado e o pobre socialmente absolvido. Perdoem-me os mais benevolentes que eu. Mas ano após ano, servindo-nos sempre um pouco mais do mesmo lero-lero beato-marxista e um pouco menos da palavra de Deus, a CNBB já foi bem além da minha capacidade de tolerância. Ao longo dos anos, foi perfeitamente possível encontrar impressões digitais e carimbos das suas pastorais sociais em documentos que deixavam claro que o Reino de Deus tinha partido político na Terra. Ou não? Parece que de tanto darem ouvidos às demagogias da esquerda nacional, nossos bispos se deixaram contaminar! Que sistema e quais organizações econômicas são essas que propõem na futura Campanha da Fraternidade? Silêncio. São detalhes que não a interessam como instituição, nem aos senhores bispos (quem cala consente!), provavelmente convencidos de que a Economia funciona como caixinha de paróquia, na qual as coisas vão bem quando todos põem bastante dinheiro na sacola da coleta. Ou, mais grave ainda: continuam confundindo a Boa Nova com as velhas e fracassadas promessas da economia planificada, centralizada, comunista, que em longas e tristes experiências só gerou opressão e miséria.

Percival Puggina

07/11/2009
E O PROTÓGENES JÁ VAI TARDE Muito estranha a novela da demissão do delegado Protógenes Queiroz. Para esse senhor, a demissão apenas convalida seu afastamento da atividade policial e o libera para fazer política partidária, que é sua vocação, seu destino e a única coisa que tem feito desde que ganhou notoriedade nacional. Há muito ficou claro que o delegado quer ser peça do jogo eleitoral. Há muito se sabe que ele abandonou os autos pelos microfones. Como pode ele negar sua participação em atos partidários se aqui em Porto Alegre todo mundo o viu desfilando em caminhadas do PSOL na eleição de 2008?

Percival Puggina

04/11/2009
QUEREM EXCLUIR O CRISTIANISMO DA NOSSA CIVILIZAÇÃO Corte Europeia condena Itália por manter crucifixos em escolas da Folha Online A Corte Europeia de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, determinou nesta terça-feira que o governo italiano terá de pagar 5.000 euros de indenização por danos morais a Soile Lautsi, cidadã italiana de origem finlandesa, que apresentou um recurso contra a exposição de crucifixo em instituições de ensino. Em 2002, Lautsi tinha pedido para o instituto público Vittorino da Feltre, localizado na cidade de Abano Terme, na Província italiana de Padova, e frequentado por seus filhos, de 11 e 13 anos, que retirasse os objetos religiosos, mas a solicitação foi negada. Em sua decisão, a Corte Europeia entendeu que a presença de símbolos de representação religiosa em escolas constitui uma violação [dos direitos] dos pais em educar seus filhos segundo suas próprias convicções e uma violação da liberdade de religião dos alunos. A presença do crucifixo --que era impossível não notar nas salas de aula-- pode ser facilmente interpretadas pelos alunos de todas as idades como um sinal religioso e eles poderiam sentir que estavam sendo educados em um ambiente escolar com a marca de uma determinada religião, diz o texto da decisão da Corte Europeia, a primeira do gênero. O tribunal não foi capaz de compreender como a exibição, em salas de aula nas escolas do Estado, de um símbolo que pode razoavelmente ser associado com o catolicismo --religião majoritária na Itália-- poderia servir ao pluralismo educacional que foi essencial para a preservação de uma sociedade democrática como foi concebido pela Convenção [Europeia dos Direitos do Homem, de 1950], um pluralismo que foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional italiano, acrescenta a decisão.

Percival Puggina

02/11/2009
Essa é uma das questões de fundo no debate ideológico entre esquerda e direita. Nossa natureza individual é algo que salta aos olhos de modo permanente. Quando tropeço numa pedra o pé que dói é o meu e o de ninguém mais. Cada um de nós tem a sua memória, a sua história, a sua própria vocação, seus gostos e desgostos. Nossa carteira de identidade apresenta uma impressão digital que, como qualquer célula de nosso corpo, é única, própria e irrepetível. Se cada um de nós não existisse e quisesse Deus criar um outro ser como nós, precisaria recriar nossos pais, e os pais deles, e assim sucessivamente, até que toda a Criação tivesse sido refeita. Contudo, esse ser assim tão individual é, também, um ser social. Somos sociais por carência (precisamos dos demais) e por abundância (podemos e devemos contribuir para o conjunto da sociedade em que vivemos). Somos um elo da sociedade presente e um elo social do passado com o futuro. Nossas atitudes, nossa cultura, nossos hábitos são aprendidos do meio social. Se, a exemplo de Tarzan, fôssemos criados na floresta, por um bando de chimpanzés, sem contato com outros seres da própria espécie, nossos comportamentos reproduziriam em tudo o que fosse possível o ambiente social em que estaríamos inseridos. E ao chegar a idade adulta, se não nos aparecesse a Jane, acabaríamos casando com a Chita... No entanto, apesar da obviedade dessas constatações antropológicas, o fato é que as ideologias deste século penduraram-se nos fios do individualismo e do coletivismo. Para o individualismo o ser humano é um indivíduo movido pelo interesse próprio e sua natureza é puramente individual ou dominantemente individual. Para os coletivismos o ser humano é puramente social ou dominantemente social. Praticamente toda a confusão que uns e outros operaram ao longo de quase dois séculos decorre desse erro fundamental. Para o individualismo liberal, uma de suas virtudes consiste em extrair do egoísmo os impulsos propulsores do interesse próprio para estimular as atividades econômicas. Entendem seus pensadores que as necessidades humanas são mais plenamente atendidas quando todos os indivíduos buscam suas conveniências afanosa e irrestritamente. Note-se que há uma lógica sedutora nesse conceito porque a experiência mostra que as pessoas tendem a se dedicar mais ao que lhes convém pessoalmente do que ao interesse alheio. Já para o coletivismo, o interesse próprio precisa ser eliminado como condição indispensável a que o interesse coletivo prevaleça. A busca egoísta das conveniências individuais estabeleceria a prevalência dos mais fortes sobre os mais débeis com graves danos ao equilíbrio social. Também aqui há uma lógica sedutora, pois é exatamente isso o que a experiência exibe ao observador atento. Como admitir-se que duas noções antagônicas possam estar corretas? Ou, ainda: como podem ambas estar erradas embora coincidam com o que se observa? Onde está, afinal, a verdade? Ela não está em qualquer das duas (como revelaram todas as práticas individualistas e coletivistas). Para encontrar-se a verdade é preciso reconhecer aquilo que a doutrina cristã ensina e a experiência comprova: a pessoa é um ser ao mesmo tempo individual e social. O bem da pessoa e da sociedade não pode ser atendido por uma ordem que desconheça essa dupla condição. Assim, o Estado não existe para garantir os espaços do egoísmo nem para extinguir o interesse individual. Cabe-lhe, ao contrário, atuar no sentido de que o interesse de cada um se ponha a serviço do bem comum, promovendo relações sociais solidárias. Produzir isso é o papel da atividade política. Seguidn viés oposto dizia-me alguém, dias atrás: mas o homem é naturalmente egoísta. E eu complementei: e é, também, naturalmente comodista, naturalmente hedonista, naturalmente predador, o que não significa que no confronto natural entre os vícios e as virtudes se deva deixar dominar por aqueles em detrimento destas. É bom saber, por fim, que assim como o individualismo estimula o egoísmo de cada um, o coletivismo - como a história, amplamente, demonstrou - organiza esse mesmo egoísmo em modelos políticos totalitários. A humanidade muito apanhou no brutal confronto entre o individualismo e o coletivismo. Este, criando estruturas de dominação social para inibir a expressão da individualidade; aquele, quando muito generoso, chegando ao social como um episódico ensaio de amabilidade, apropriado para as horas livres. E nas horas ocupadas? Impondo estruturas de dominação individual. Fora do barco da solidariedade a sociedade naufraga.

Percival Puggina

02/11/2009
CAIXA PAGOU R$ 40 MIL DA FESTA PARA TOFFOLI São Paulo - A Caixa Econômica Federal (CEF) pagou R$ 40 mil como forma de patrocínio à festa realizada em homenagem à posse de José Antonio Dias Toffoli como ministro do Supremo Tribunal Federal, no último dia 23, em Brasília. A comemoração para 1,5 mil pessoas ocorreu no Marina Hall, área nobre da capital do País. As informações são do jornal Folha de S.Paulo. De acordo com a Folha, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), entidade que organizou a festa, havia pedido patrocínio de R$ 50 mil para o banco. A Caixa confirmou ao jornal que, do valor pedido, repassou R$ 40 mil. Segundo o jornal, a Caixa afirmou que o patrocínio à festa de Toffoli foi feito visando retorno mercadológico. O banco disse ainda que o dinheiro foi empregado em para cobrir custos com infraestrutura e que serão pagos após a prestação de contas. A Caixa afirmou ainda que decidiu patrocinar o evento por se tratar de um público de relacionamento institucional do banco, e também aproveitou a oportunidade para divulgar produtos e serviços no evento. Luiz Cláudio Flores da Cunha, juiz do 6º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro, afirmou que pretende questionar a legalidade do patrocínio da Caixa no Tribunal de Contas da União e no Ministério Público Federal. Cunha pretende saber se a despesa foi paga de forma regular ou se a associação dos juízes federais foi usada para ocultar o repasse de um órgão público para cobrir gastos de uma festa. Para o juiz, não haveria problema se Caixa repassasse dinheiro para um evento cultural da Ajufe. Cunha afirmou também que não tem a intenção de fragilizar a associação, mas quer tornar a Justiça mais transparente. O presidente da Ajufe, Fernando Mattos, afirmou que algumas entidades fizeram repasses de dinheiro direto à associação, e outras fizeram o pagamento direto aos fornecedores, fato que desqualifica qualquer insinuação de uso da Ajufe como mera repassadora de recursos. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares, afirmou que a entidade participou com R$ 10 mil, dinheiro proveniente da contribuição de associados e não público.

Percival Puggina

01/11/2009
No dia 12 de novembro de 2002 eu estava em Havana recolhendo subsídios para um livro. No bolso, uma lista com nomes de jornalistas independentes que me fora fornecida pela amiga pernambucana Graça Salgueiro. Pretendia ouvir aqueles obscuros personagens que, com enormes riscos pessoais, enviavam informações ao mundo. De que modo faziam isso? Do mesmo modo utilizado hoje. Como cubanos, cidadãos de segunda categoria em seu país, eles não podem fazer o que aos estrangeiros é permitido. Então, ou se valem do generoso e discreto auxílio de colegas não cubanos com acesso ao Centro de Imprensa ou de contatos em hotéis e outros raros pontos onde estejam disponíveis conexões à internet. Eu trazia comigo, repito, os nomes de três ou quatro dezenas desses bravos ?periodistas? marginalizados pelo regime. Mas não sabia como os localizar. Em Havana, os cubanos te param na rua a cada dez passos para oferecer chicas e charutos ou para se disponibilizar como guias turísticos. Estes últimos fazem plantão diante dos hotéis e costumam ser muito cordiais. Todos rendem a maior solicitude a uma nota de dez dólares (é mais do que o salário de um mês). Então, por duas vezes, na tarde daquele dia, tentei usar a intermediação desses cubanos para me ajudarem a contatar com alguns daqueles jornalistas, sem resultado. Sem resultado? Minto. Ao exibir para essas pessoas os nomes que a Graça me fornecera, colhi um resultado, sim: um esgazeado olhar de pânico lançado ao redor, seguido de súbita e silenciosa retirada. O cubano vive com medo. E eu, naquele exato dia, desisti de encontrar meus periodistas independientes. A minha lista era assustadora. Essas e outras experiências pelas quais passei, como, por exemplo, a de ser filmado e seguido nas ruas depois de conversar com alguns dissidentes, me põem as barbas de molho sobre a possibilidade de que a blogueira Yoani Sanchez seja quem diz ser. O tema foi muito bem levantado em recentes artigos pela própria Graça Salgueiro (notalatina.blospot.com) e pelo psiquiatra rio-grandino residente no Rio, Heitor de Paola (www.heitordepaola.com). A existência de alguém como a blogueira, vivendo em Cuba, dizendo o que diz, livre, leve e solta é algo bem além das fronteiras do crível. Entendamo-nos, leitor. Antes de retornar para o Brasil, eu tive o cuidado de destruir a lista de nomes que levava comigo porque, em virtude das experiências que relatei no livro ?Cuba, a tragédia da utopia?, temi ser revistado ao passar pela Seguridad del Estado no aeroporto José Martí. Pois eis que em março de 2003 um arrastão repressivo varreu a Ilha. Setenta e cinco pessoas presas. Jornalistas independentes e dissidentes políticos condenados a penas que chegavam a 25 anos naquelas infectas prisões políticas. E entre esses presos se contavam três dos quatro dissidentes que eu havia conseguido entrevistar, quando em Havana, porque destes eu tinha comigo os telefones (mais tarde descobri que eram grampeados, o que deu origem aos incidentes que se seguiram). Pois bem, se as coisas em Cuba são assim, como pude constatar pessoalmente, parece-me pouco verossímil que Yoani Sanchez não conte com beneplácito do regime. Seria muito estranho. Sua liberdade de movimentos não combina com os fatos num país onde toda a brutalidade é possível e onde qualquer liberdade é improvável. Basta conversar com um cubano para perceber que emitir opinião contra o regime lhes faz mal à saúde pessoal e familiar. No universo das probabilidades, a maior delas é a de que dona Yoani esteja na missão de sugerir ao mundo que lá se pode, livremente, fazer o que ela faz.

Percival Puggina

25/10/2009
É conhecida a anedota do psiquiatra uruguaio que telefona para um colega de clínica querendo trocar idéias sobre certo diagnóstico que estava prestes a dar. Tratava-se de um caso raríssimo, e ele queria ouvir a opinião do outro. Quando revelou que seu paciente sofria de complexo de inferioridade o colega se surpreendeu: ?Y eso es un caso muy raro? Complejo de inferioridad? Tengo miles de casos así!?. E o primeiro esclarece: ?De argentino??. Lembrei-me dessa anedota ao examinar a conduta do presidente Lula ao longo do exercício de seus dois mandatos. O homem que colocou a faixa no peito em 2003 era um caboclo meio consumido pelas próprias origens, ainda muito próximo delas, inseguro nas aparições oficiais, manifestando ancestral apego à pinga, buchada de bode e outras simplicidades da cozinha nordestina. O novo presidente aparecia em público com gestos contidos e linguajar inadaptado aos usos e costumes da vida presidencial. A toda hora fazia referências à sua condição operária e sertaneja, como que a proporcionar um autodiagnóstico sobre aquela relação meio trôpega com a liturgia do cargo. Sete anos depois, o portador de complexo de inferioridade, que não cansava de se exibir como gente do povão, alma de corintiano, mão de torneiro mecânico, filho de mãe ?que não sabia fazer um ?o? com um copo?, etc. e tal, se apresenta totalmente curado do complexo de inferioridade e precisa, urgentemente, tratar de um injustificável complexo de superioridade. Melhorou demais. Virou o fio. Está se achando, para dizer como a gurizada. Só abre a boca para coisas pretensiosas como emitir lições de sabedoria; exibir como sendo de sua granja colheita que não semeou; comparar-se a Jesus Cristo e determinar os limites para as ações da imprensa e das instituições da República. A buchada de bode e seus assemelhados foram substituídos, até em viagem ao polígono das secas, pela cozinha francesa, vinhos finos e uísques de nobre estirpe e provecta idade. Nada é caro demais ou sofisticado demais, nada é merecedor de suficiente respeito ou demarcador de quaisquer limites ao seu querer. Obama, em Londres, se hospeda na embaixada dos Estados Unidos. Lula vai com a corte, armas e bagagens para um hotel onde a suíte fica em 7,5 mil euros. E é assim, e é sempre assim. Vai esticando ao máximo a misericórdia divina, apesar de sua sabedoria ser uma fraude que não resiste ao menor escrutínio e do imenso contraste que sua jactância estabelece com os pobres que diz representar e cujos interesses apregoa defender. A popularidade lhe subiu à cabeça como vapores alcoólicos. Está inebriado. Ergueu-se vários degraus acima da lei. Sua autoestima não cabe nas bordas constitucionais do cargo que ocupa. Mas nada disso é tão danoso quanto o fato de nosso presidente, nessa fase megalômana, estar consumindo recursos públicos em prodigalidades dignas de um sheik das arábias. Ele bebeu popularidade na vertente estrutural deixada por seus antecessores e nada fez para repor o que consumiu. Curado do complexo de inferioridade, acometido de um complexo de superioridade, Lula inverte a frase de Luís XV: ?Après moi le déluge?. Depois de Lula a seca. Quem chegar em 2011 verá o que é bom para a tosse.