Percival Puggina

04/05/2013
Entramos numa fase institucional marcada pela truculência. Começam a tramitar leis e emendas à Constituição que não visam o bem do país. São propostas que só se viabilizam por expressarem ressentimentos, desejos de vingança e projetos de poder. A Proposta de Emenda à Constituição Nº 33 (PEC 33), por exemplo, aponta um problema real, mas atira belicosamente nas asas do Supremo, que no entender dos seus subscritores alça voos de intolerável autonomia (leia-se julgamento do mensalão). O velho revanchismo rabugento volta e meia esquece o Lexotan e sai virando mesas e cadeiras. Outra PEC, a de número 37, pretende mudar a Constituição para atribuir exclusivamente às instituições policiais as tarefas de apuração das infrações penais. Dessa exclusividade decorre, principalmente, que o Ministério Público não poderá mais promover investigações criminais. A proposta vai somando apoios graças à contrariedade de muitos parlamentares com o protagonismo alcançado pelo MP em ações que alcançam figuras poderosas da República. Pergunto: num país em que já se estabeleceu, com lucros e dividendos, a soberania da alta criminalidade, nítido poder paralelo, vencedor de todos os confrontos com a desguarnecida sociedade, a quem interessa reduzir ainda mais a capacidade de investigação criminal? Outra recente evidência desse modo brutamontes de legislar, a toque de caixa, para a conveniência política do momento, é fornecida pelo PL 4470/2012. Esse projeto impede os deputados que adiram a um novo partido de carregar para ele as frações de tempo de tevê e de recursos do fundo partidário que lhes corresponda. Como a criação do PSD convinha ao governo, o partido nasceu em berço de ouro. Como o partido de Marina Silva não interessa, tratam de abortá-lo. Que tal? Eram contra o Golbery, mas aprenderam muito com ele! Transformado em lei, esse projeto atropela e quebra as pernas da ex-senadora que transitava em busca de espaço para a corrida presidencial de 2014. O pesadelo atual de Dilma Rousseff, que vê surgir Eduardo Campos dentro de seu quadrado, é ter também Marina Silva colhendo votos na seara do Norte e Nordeste do país. O Brasil esgotou as possibilidades de tomar jeito com o atual formato de suas instituições. Quem sabe juntar b com a para fazer ba percebe isso. Império da Lei, entre nós, poderia ser nome de escola de samba. Nosso modelo não estimula condutas civilizadas. O governo legisla (e como! e quanto!). Os congressistas se convertem em distribuidores de verbas. Não é sem motivo, então, que se expande o ativismo judiciário, ou que a política se vai judicializando. Os partidos se assemelham a agências de emprego e vão ficando todos iguais. O Estado padece de hipertrofia e ineficiência. A administração pública e o próprio Estado são permanentemente aparelhados pelo governo em decorrência da fusão, em uma só pessoa, de três funções que obviamente são distintas entre si. Os freios e contrapesos sugeridos pela ciência política para contenção dos poderes de Estado se converteram em um sistema de preço e sobrepreço. As relações internacionais não são pilotadas pelo interesse da Nação, mas pelas afeições ideológicas do partido dirigente. Consagrou-se a prática de perder a eleição e aderir ao vencedor. A oposição mirra. Uma usina de escândalos opera em regime de 24 por 24 horas nos vários níveis do governo e da administração. Infelizmente, nossa vida institucional continuará assim como a vemos, de mal a pior, enquanto permanecermos condenando os fatos e concedendo alvará de soltura às causas. Zero Hora, 5 de maio de 2013

Percival Puggina

04/05/2013
A primeira e principal lição foi sendo ministrada aos poucos. Era difícil, mas não impossível. Tratava-se de fazer com que a sociedade ingerisse enrolada, como rocambole, a ideia de que a criminalidade deriva das injustiças do modelo social e econômico. Aceita essa tese, era imperioso importar alguns de seus desdobramentos para o campo do Direito. Claro. Seria perverso tratar com rigor ditas vítimas da exclusão social. Aliás, a palavra exclusão e seu derivado excluído, substituindo pobre e pobreza, foram vitais para aceitação da tese e sua absorção pelo Direito Penal. Espero ter ficado claro aos leitores que a situação exposta acima representa uma versão rasteira da velha luta de classes marxista. Uma luta de classes por outros meios, travada fora da lei, mas, paradoxalmente, sob sua especial proteção. Por isso, a impunidade é a aposta de menor risco desses beligerantes. Por isso, no Brasil, o crime compensa. Por isso, também, só os muito ingênuos acreditarão que um partido que pensa assim pretenda, seriamente, combater a criminalidade. Afine os ouvidos e perceberá o escandaloso silêncio, silêncio aliás de todos os poderes de Estado sobre esse tema que é o Número Um entre nós. Ou não? Portanto, olhando-se o tecido social, chega-se à conclusão de que o grande excluído é o brasileiro honesto, quer seja pobre ou não. O outro, o que enveredou para as muitas ramificações do mundo do crime, leva vida de facilidades sabendo que tem a parceria implícita dos que hegemonizam a política nacional. Nada disso estaria acontecendo sem tal nexo. Viveríamos uma realidade superior se o governo construísse presídios, ampliasse os contingentes policiais e equipasse adequadamente os agentes da lei, em vez de gastar a bolsos rotos com Copa disto e daquilo, trem bala, mordomias, comitivas a Roma e por aí vai. Viveríamos uma realidade superior se o Congresso produzisse um Código Penal e um Código de Processo Penal não benevolentes, não orientados para o descumprimento da pena, mas ordenados à sua rigorosa execução. Viveríamos uma realidade superior se os poderes de Estado incluíssem entre os princípios norteadores de suas ações a segurança da sociedade e os direitos humanos das vítimas da bandidagem. Viveríamos uma realidade superior se o Direito achado nas ruas, que inspira ideologicamente a atuação de tantos magistrados, fizesse essa coleta nas esquinas, mas ouvindo os cidadãos, os trabalhadores, os pais de família, em vez de sintonizar a voz dos becos onde a criminalidade entra em sintonia com a ideologia. O leitor sabe do que estou tratando aqui. Ele reconhece que, como escrevi recentemente, já ocorreu a Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Perdemos a guerra. O crime já venceu. Estamos na fase de requisição dos despojos que devem ser entregues aos vencedores. Estamos pagando, em vidas, sangue e haveres, a dívida dos conquistados. Saiba, leitor, que a parcela da esquerda que nos governa há mais de duas décadas, mudando de nome e de pêlo, mas afinada, em tons pouco variáveis pelo mesmo diapasão ideológico, está convencida de que se trata disso mesmo. É a luta de classe por outros meios e com outros soldados. Queixemo-nos ao bispo, se o bispo não cantar na mesma toada. É a pedagogia do crime. Ela já nos ensinou a não reagir. Ela já nos disse que a posse de armas é privilégio do bandido. Ela já advertiu os policiais sobre os riscos a que se expõem ao usar as suas. Ela já nos mostrou que não adianta reclamar: continuaremos sem policiais, sem presídios, sem uma legislação penal que sirva à sociedade e não ao bandido. Isso tudo já nos foi evidenciado. Trata-se, agora, de entender outras ordens do poder fora da lei. Devemos saber, por exemplo, que esse poder se enfurece quando encontra suas vítimas com tostões no bolso. O suposto direito nosso de carregarmos na carteira o dinheiro que bem entendermos confronta como o direito dos bandidos aos nossos haveres. Por isso, cada vez mais, agridem, maltratam e executam, friamente, quem deixa de cumprir seu dever de derrotado. Tornamo-nos súditos, sim, não do Estado brasileiro, mas daqueles que tomaram para si a Nação. Seja um bom discípulo da pedagogia que a esquerda nos proporcionou. Não desatenda as demandas dos bandidos. O leão da Receita é muito mais manso. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

25/04/2013
Para a maior parte das pessoas, as principais normas que orientam a organização do Estado e a vida política se tornam conhecidas pela vivência. Uma das consequências desse empirismo está em ser ele, tantas vezes, adotado como padrão para julgar, politicamente, normas, modelos e situações vividas por outros povos. Atribui-se, assim, caráter geral a algo particular - a própria experiência e modo de fazer. Em virtude do que descrevi, quase todo mundo, na América Latina, avaliou como golpe a destituição de Fernando Lugo, presidente do Paraguai, dez meses antes do término do mandato. No entanto, a Constituição paraguaia contém um preceito segundo o qual o governante, diferentemente do Brasil, não é senhor absoluto do seu tempo de mandato, podendo ser afastado por mau desempenho de suas funções. E Lugo foi retirado do posto por esse motivo - vinha sendo um mau presidente. É claro que Dilma, Cristina Kirchner e José Mujica sabiam disso, mas Lugo era aliado ideológico. E aliado ideológico sempre tem razão. Até Fidel Castro. As história reais, apesar de conhecidas, jamais são contadas. As eleições do último domingo ajudam a entender a questão. Elas mostraram que a esquerda paraguaia, somadas suas ramificações, mal passou dos 10% dos votos. Nesse caso, deve-se indagar: como foi possível, em 2008, a eleição de alguém como Fernando Lugo? Explico. Depois de seis décadas consecutivas de predomínio do Partido Colorado (direita), naquela eleição, o eternamente oposicionista Partido Liberal Radical Autêntico (centro-direita e segunda maior legenda do país) buscou Lugo para ser seu candidato. E ele conquistou a vitória somando três fatores: o importante peso dos liberais, o desgaste dos sucessivos governos colorados e o carisma do bispo, até então homem de boa fama e imagem numa sociedade em que os católicos representam 90% da população. No entanto, o novo presidente, a exemplo de todo extremista, chegou ao poder como se houvesse vencido uma revolução, ou como se tivesse sido consagrado pelo eleitorado numa coligação de iguais. Não era bem assim. O sucesso da aliança que encabeçava nada tinha a ver com suas preferências ideológicas. E Lugo foi perdendo, ao longo de quatro anos, toda sustentação política, tornando-se alvo natural do artigo 225 da Constituição paraguaia, segundo o qual o presidente (e, como ele, diversas outras autoridades) pode ser submetido a julgamento político por mau desempenho, delitos cometidos no desempenho do cargo e delitos comuns. Tivéssemos um preceito semelhante na nossa Constituição, teríamos nos livrado mais rapidamente de certas malas sem alça e evitado muita tropa na rua ao longo da nossa história republicana. A proposição de perda do cargo foi formulada contra Lugo, na Câmara dos Deputados, com apenas um voto em contrário. Foi aprovada pelo Senado por 39 a 4. E foi confirmada pela Suprema Corte. Por ter sido um ato juridicamente perfeito, não tendo Lugo sustentação política para continuar no exercício de seu cargo, não houve a mais tênue anormalidade na vida do país. Sequer um tomate foi jogado em quem quer que fosse. A mesma Constituição que lhe abriu a porta de entrada, abriu a de saída. O Paraguai prosseguiu sua vida, como nação soberana, presidido pelo vice-presidente constitucional. As eleições deste domingo consagraram uma vitória folgada do Partido Colorado. Resumindo. Dilma, Cristina e Mujica valeram-se da situação criada com o afastamento de Lugo para aplicarem um golpe, um golpe mesmo, no Paraguai. Alegando inconformidade com aquela decisão de uma nação soberana que não lhes pediu opinião, expulsaram o Paraguai do Mercosul e aprovaram, ato contínuo, a entrada da Venezuela, cuja admissão vinha sendo, até ali, sistematicamente vetada pelo parlamento paraguaio. Evidenciou-se, assim, o verdadeiro motivo do procedimento adotado contra o país vizinho. Era preciso. Era preciso proclamar ilícito o que era lícito para tirar o Paraguai com o cotovelo e trazer, pela mão, a Venezuela. Foi trambique. Foi golpe. Foi um golpe aplicado às regras do Mercosul para admitir nos negócios do bloco o parceiro ideológico venezuelano. Coisas do PT no poder, sempre enredando gostos e interesses do partido nos negócios de Estado. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

21/04/2013
UMA QUESTÃO DE DIVISAS Confesso que não sei mais onde termina o Brasil e começam os negócios de Eike Batista, nem onde terminam os recursos das instituições financeiras nacionais e começa a carteira de Eike Batista, nem, ainda, onde termina o subsolo brasileiro e começa o submundo de certos negócios de mineração.

Percival Puggina

20/04/2013
A Coreia do Norte, onde só existe o Partido dos Trabalhadores da Coreia, é governada há mais de meio século por uma espécie de monarquia comunista que já está na terceira geração. Segundo Human Rights Watch, os norte-coreanos são as pessoas mais brutalizadas no mundo. A sociedade é organizada em castas segundo a lealdade ao regime. Comparada a ela, até Cuba se transforma em paraíso de luxuriantes e extravagantes liberdades. Pois bem, quando, em dezembro de 2011, morreu Kim Jong-il (ditador cujos campos de concentração fariam inveja a Stalin), o PCdoB, em meio a soluços, pranteou mensagem de condolências aos camaradas pela irreparável perda. Agora, nestes dias, o tiranete que herdou do pai a propriedade do país como se fosse fazendola, ou relógio de estimação, rufa tambores de guerra. Guerra nuclear. E novamente o PCdoB, anunciando endosso do PT e do PSB (que juram não haverem endossado coisa alguma), mais a UNE, o MST e diversas organizações de calibre semelhante, manifestam-se em irrestrito e absoluto apoio a Kim Jong-un qualificando sua atitude belicosa como ato de soberania e dignidade. *** Ruim, não? O sujeito viu o muro de Berlim ser erguido e tinha certeza de que o lado de lá era melhor do que o de cá. Torceu pela União Soviética, pela China maoísta, pelos vietcongs, pelo Khmer Vermelho, pelas Brigate Rosse. Vestiu camiseta do Che. Colou no guarda-roupa fotos do Danny le Rouge. Sacudiu bandeirinha de Cuba. Atendendo apelo de Fidel, passou uma temporada lá, em 1969, cultivando cana. Vociferou contra a Primavera de Praga. Aplaudiu as ações dos tanques chineses na Praça da Paz Celestial. Bebeu champanhe no September 11. Fez tudo direitinho. Votou no partidão e no partidinho. Imaginou? Agora, veja bem o que aconteceu com ele. Seus atuais porta-vozes e líderes são tipos como Lula, José Dirceu, Hugo Chávez, Daniel Ortega, Evo Morales, Ahmadinejad, Kim Jong-un. Pensa numa democracia construída sobre aquelas idéias. Não há. Busca livro que junte os cacos e reorganize consistentemente uma visão de mundo sobre tais bases. Nada. Procura um estadista de boa estirpe para seguir. Ninguém. Dureza! O comunismo nunca foi melhor. *** Pois bem, cem milhões de mortos depois, contado um século inteiro de fracassos, o Brasil deve ser dos raros países onde dizer-se que alguém é anticomunista soa como desqualificação. Coloca a vítima do adjetivo no rol dos retardados intelectuais. Vale por um tiro na nuca. Perceba, leitor, a engenhosa malícia capaz de produzir uma coisa dessas. Malícia lograda mediante persistente trabalho desenvolvido na imprensa, nas salas de aula, nos comentários políticos, nas conversas de botequim e no ambiente cultural. Comunista come criancinha? Quá, quá, quá! Graças a essa conjugação de ironias e sofismas, a carga esmagadora das monstruosidades praticadas em nome do comunismo foi jogada na vala comum com seus fracassos. Pelo avesso dos fatos e da história, a maligna doutrina foi sendo reapresentada como coisa de gente moderna, cuca fresca. Chega-se, por fim a duas realidades contraditórias: numa, o comunismo, seus símbolos, organizações políticas e ilusórias mensagens trafegam com desenvoltura, leves de qualquer carga histórica, no ambiente social e político do país; noutra, convivem, esplendidamente, com a ideia de que ele mesmo acabou e não tem mais qualquer plano, projeto, estratégia ou significado entre nós. Pode haver significado, estratégia, projeto ou plano mais perfeito? ZERO HORA, 21 de abril de 2013

Percival Puggina

18/04/2013
O governador Tarso Genro, em recente reportagem publicada no jornal Zero Hora, manifestou-se alarmado com o déficit da Companhia Estadual de Energia Elétrica. Classificou as ações trabalhistas promovidas por servidores da companhia como paiol de dinamite de reclamatórios causadoras de um passivo brutal. Esse passivo chega a R$ 407 milhões e há 9,4 mil ações pendentes. Enquanto isso, a rede de distribuição de energia está aos cacos e o fornecimento é interrompido faça vento, frio ou calor. Haja raio ou chuva. E, às vezes, sem qualquer motivo observável. Pus-me a pensar. Nosso governador, eleito em primeiro turno pelos gaúchos, depois de 27 meses de governo, anda impressionado com os números do passivo trabalhista da principal companhia energética do Estado? Só agora? Só agora, quando sua gestão está mais para o fim do que para o começo? Por outro lado, o titular do Piratini é advogado e foi por muito tempo advogado de sindicatos. É perfeitamente conhecedor dos caminhos que conduzem as reclamações trabalhistas até o Erário, pela via não tão expressa, mas bem trafegável, da sempre generosa Justiça do Trabalho. Poderíamos pensar que diante da amarga realidade da maior estatal gaúcha, o governador tenha aprendido a ser prudente em relação ao dispêndio público. Não. Nada disso. Durante a campanha eleitoral de 2010, Tarso Genro surfou na onda generosa de uma de suas iniciativas como ministro da Educação - o piso nacional do magistério público. Orgulhava-se de haver proposto o referido piso e de ter sido o segundo signatário da lei que o instituiu, já então como ministro da Justiça, em ato que teve a participação de Lula, da candidata Dilma e de seus companheiros de partido e governo. Evento de muita festa, regozijo e dividendo político. Surfando, chegou ao Piratini. Pergunto: pagou o piso que tanto alardeara como coisa extraída do lado esquerdo do próprio peito, em reverência aos mestres brasileiros? Não. Nem bem sentou na ambicionada cadeira fez aprovar robusta majoração no percentual de desconto previdenciário de todos os servidores. Era tão descabido o valor que o Tribunal de Justiça do Estado o declarou inconstitucional por equivaler a sequestro de vencimento. Quanto ao piso do magistério - o cantado e sonhado piso - esse foi agendado para as calendas do final do governo. Parece mentira, mas é verdade. O governador gaúcho entrou em confronto jurídico consigo mesmo. Alinhado com colegas de outros Estados, buscou junto ao STF alterar a cláusula de reajuste constante do projeto que ele mesmo criou. Ao fim e ao cabo, o Supremo determinou que o piso concebido pelo ministro vale, também, para o governador. E vale a partir de 27 de abril de 2011. Portanto, se Tarso Genro quer responsabilizar alguém pelos seus sustos, deve procurar dentro dos próprios sapatos. Ali, calçado e amarrado, está o autor do mais robusto paiol de dinamite de reclamatórias que apavora a comunidade gaúcha. Ações certamente já começam a tramitar, envolvendo direito líquido e certo, reconhecido pelo STF. E gerarão uma dívida cujo montante se estima em algo como R$ 10 bilhões até o final do governo de Sua Excelência. Consta que Tarso Genro governador já se recusa a cumprimentar Tarso Genro ministro. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

14/04/2013
O problema das drogas e seus dependentes vem sendo tratado, em nosso país, de um modo piegas e desconjuntado da realidade. Os instrumentos legais disponíveis quase nada fazem para enfrentar essa pandemia que avança sem encontrar resistência suficiente para contê-la. Talvez o melhor exemplo da impotência que menciono possa ser representado pelo fato de que toda tentativa de internar um dependente químico esbarra, ainda hoje, no simples não quero que ele possa antepor a quem se disponha a tratá-lo. Já ouvi contar sobre a violência de uma internação forçada. É fácil intuir o quanto algo assim afeta a sensibilidade de todos. São terríveis os relatos sobre os limites aos quais são empurrados os pais de um jovem prisioneiro do vício e de suas exigências cotidianas. Imagino os sentimentos contraditórios que afloram diante dos protestos de um filho sendo internado compulsoriamente. Afinal, ele não é um criminoso. Afinal, ele é um doente. Afinal, ele é um ser humano dotado de liberdade. Afinal, será que ele não pode fazer o que bem entende de sua vida, inclusive drogar-se até a morte? Afinal, não está a própria sociedade sendo orientada para lidar com a existência como um espaço onde cada um realize os próprios desejos? Afinal, não está inscrita na regra do jogo da vida como a vivemos nestes anos loucos que não devemos frustrar nossa vontade? Penso que as ingênuas objeções à internação forçada de dependentes químicos são espelho dessa deplorável visão de mundo. Refletem a liberdade sem norte, sem rumo, ignorando o fato de que aquilo que chamamos vontade não é sinônimo de desejo ou pulsão, mas um poderoso dom, inerente à natureza humana, para resistirmos às atraentes versões com que o mal se apresenta às nossas vidas. Essas e muitas outras interrogações certamente estiveram presentes em dezenas de audiências realizadas para debater o projeto que pretende proporcionar melhores instrumentos à ação do Estado e da sociedade no combate à drogadição e que deve ser votado pela Câmara dos Deputados nos próximos dias. Aprovado o projeto do deputado Osmar Terra, havendo solicitação da família e recomendação médica, os dependentes poderão ser internados compulsoriamente, por determinação judicial. É desumano não internar uma pessoa destituída, pelo vício, de seu discernimento. É dever da sociedade produzir os meios que viabilizem cuidar dessas situações extremas com medidas adequadas. O projeto em pauta, ademais, aumenta a pena e reduz as atenuantes para o tráfico. Já não era sem tempo! Divide a competência das ações antidrogas entre União, estados e municípios. Prevê isenções fiscais às empresas que abrirem postos de trabalho para egressos do tratamento e disponibiliza um conjunto de regras para a avaliação e acompanhamento da gestão das políticas sobre drogas. A nova lei, por fim, será extremamente benéfica para as comunidades terapêuticas, essas preciosas instituições, nascidas da generosidade social, cujos voluntários realizam uma das mais valentes expressões do amor ao próximo. Tais instituições, doravante, passarão a contar com apoio financeiro do poder público e poderão fazer muito mais. No entanto, mesmo com a nova lei e mesmo com novos e melhores meios para lidar com o problema, é indispensável ter presente que a droga sempre se infiltrará numa sociedade regida por chavões do cotidiano, como são as expressões - Querer é poder! Eu quero eu posso! Eu sei o que é bom para mim! Perante tais lemas, quase nunca comparecem as objeções que qualquer consciência bem formada deveria antepor - É lícito querer o que quero? Aquilo que considero bom para mim serve ao meu próprio bem e ao bem dos demais? As drogas também refletem, portanto, o mau caráter de uma sociedade e seu desapreço por certas virtudes e práticas indispensáveis ao desenvolvimento integral e harmônico da pessoa humana. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

06/04/2013
O Conselho Federal de Medicina recomendou ao Senado incluir no novo Código Penal a descriminação do aborto praticado até a 12ª semana de gestação. Chegou ao órgão máximo dos médicos brasileiros a epidemia do relativismo e males conexos - ausência de fundamentos como pressupostos para o pensar, niilismo, subjetivismo e individualismo. Ética de opinião e ocasião. Essa peste chegou lá e já reivindica lugar no nosso ordenamento jurídico para comandar as pinças e tesouras dos doutores. Abjuraram o juramento! Hipócrates bateu com a testa na tampa do túmulo. O presidente do CFM esclareceu que o órgão defende a plena autonomia da mulher de levar uma gestação adiante. Aprendeu rápido. A frase é ardilosa porque a autonomia realmente defendida pelo Conselho é a de não levar uma gestação adiante. Desde quando, doutores, plataforma de feminismo desnorteado é razão médica? Ora, cavalheiros, gravidez não é abscesso que se drene. Não é pólipo que se extraia. O feto é um inteiramente outro que está na mulher mas não se confunde com ela nem a ela pertence como coisa de descarte. O feto é um de nós! E a exemplo de cada um de nós, integra a humanidade. Os motivos capazes de levar uma mulher a querer o aborto são muitos, mas não passam disso: motivos. Também os assassinos comuns alegam motivos. Eles podem servir como atenuantes, mas um povo sadio não escreve leis concedendo autorizações para matar. Tudo isso, leitor, é ética torpe, sórdida. É ruptura com os melhores fundamentos do pensar humano. Pode-se até compreender quem cede à força dos motivos e faz um aborto. Mas jamais que o CFM defenda o aborto em tese! *** As passagens de ônibus subiram vinte centavos em Porto Alegre. E os estudantes, mobilizados principalmente pelo DCE da UFRGS, partiram para cima do belo prédio da Prefeitura quebrando tudo que fosse menos sólido. A estudante que falou pelo movimento no programa Conversas Cruzadas afirmou, contra toda a evidência das imagens de tevê, que o movimento era pacífico. Paus, taquaras, latas de tinta e objetos de arremesso teriam sido transportados, então, para serviço da paz. Prefiro a Cruz Vermelha. Há um elemento naquele quebra-quebra que exige reflexão. Tratava-se de um protesto de estudantes contra o aumento das passagem para R$ 3,05. Acontece que os estudantes têm o privilégio de pagar apenas metade desse valor. E a metade que os estudantes deixam de pagar eleva a tarifa para os demais passageiros. Aliás, somando-se todas as isenções e regalias tarifárias concedidas chega-se a quase um terço do total dos transportados pelo sistema em Porto Alegre. Um terço! Não é difícil deduzir que, se todos pagassem, a passagem custaria algo próximo a R$ 2. Pondere, então, estas duas perguntas. Quem deveria estar protestando? Contra quem deveria ser o protesto? Obviamente, só teriam legitimidade para protestar, se quisessem, os que efetivamente pagam o valor objeto do protesto. Protestariam contra a tarifa, contra terem que pagar pelos que não pagam e contra a extensiva e falsamente generosa concessão de isenções e privilégios com o dinheiro deles. E protestariam contra quem? Contra, por exemplo, os que pagando meia tarifa descarregaram no belo prédio da Prefeitura sua feia e injustificável ira. Ira forjada, atiçada e orientada para fins políticos, partidários e ideológicos. Foram estes fins - e só eles - que determinaram o quebra-quebra. ZERO HORA, 07 de abril de 2013

Percival Puggina

06/04/2013
Não é raro. Aliás, é bastante comum, no Brasil, que se editem leis e normas para atrapalhar. Legisla-se em excesso e, em ainda maior proporção, descumpre-se o que está legislado. Certos preceitos são concebidos com olhos no passado (a Constituição de 1988, por exemplo, foi feita assim). Outros, com olhos no futuro. São leis que pretendem levar a nação para onde aponta o nariz ideológico do legislador. A chamada PEC das domésticas tem um pouco de tudo isso. Para começo de conversa, quem quiser ler o texto dessa emenda constitucional precisará percorrer verdadeira maratona no Google até encontrar as poucas linhas que compõem o inteiro teor da norma. Quando as encontrar, ficará sabendo que o mais trabalhoso virá depois - uma longa corrida através de outros preceitos constitucionais. A PEC das domésticas, simplesmente informa a nação que o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, ficou assim: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.? E aí, leitor? Não diga que a leitura foi inútil porque a ninguém é lícito alegar desconhecimento da lei. Arregace as mangas, vá fundo e deslinde essa charada, caso contrário a Justiça do Trabalho providenciará para que esses X, esses V e esses I sejam uma pedra no seu caminho. Com a PEC das domésticas, o Estado deu-se, mais uma vez, ao abuso de entrar na casa da gente e determinar como deve ser aquilo que já é e que está bem. Não legislaram para ajudar, mas para confundir, complicar e estressar as relações. Desconhece a PEC que a atividade doméstica não se assemelha em nada à empresarial referida em todos aqueles X, V e I. Trata-se de uma relação de convívio cotidiano, pessoal, de muita proximidade, de intimidade mesmo, de simpatia recíproca e harmonização de expectativas mútuas. A empregada doméstica, na maior parte dos casos, é alguém que se integra à vida familiar e com quem se fazem os mais variados ajustes de conveniência ao longo de convívio que, não raro, atravessa décadas. Nesses casos, tais relações se tornam familiares. Trocam-se presentes. Natal, aniversário, dia das mães, aniversários de filhos e netos. Nossa empregada presenteia-nos com bolos, pães, e cucas que faz para os seus. Cumpre horário reduzido, de conveniência apenas dela, e variável ao longo da semana. Assim como ela, milhões de empregadas domésticas ganham mais e mantêm relações de trabalho vantajosas em comparação com muitos trabalhadores de empresas privadas. Livro ponto? Contabilidade de horas trabalhadas? A consequência emocional disso seria fazer delas aquilo que não são e transformar o vínculo em algo que os patrões e elas não desejam que seja. Nossa empregada, assim como tantas outras, tem todos os direitos trabalhistas desde bem antes de que qualquer deles fosse objeto das canetas legislativas. Para nossa realidade, enquadrá-la e enquadrar-nos nas prescrições da PEC, é uma injúria. Bem ao contrário, aliás, do que os sorridentes e fotografados autores e autoras da norma orgulham-se de haver realizado com esses X, V e I de sua pretensiosa PEC. A comemoração que fizeram ao aprová-la, festejando nova Lei Áurea, chega a ser ofensiva. Sugere que os afazeres doméstico são forma de servidão. E que os milhões de empregos desse tipo existentes no país são senzalas. Isso é falso e ofensivo a quem emprega e a quem está empregado. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.