Percival Puggina

07/07/2013
NO HAY MEDICOS, NI RECURSOS, NI SÁBANAS. Resposta que recebi de uma correspondente em Havana a quem escrevi perguntando sobre a situação da saúde pública em Cuba e sobre os tais médicos cubanos que viriam para o Brasil. (Omito o nome para preservá-la) Percival, un saludo y gracias por la confianza al preguntarme. Aquí los hospitales son un desastre, no hay ni médicos, ni recursos, ni sábanas, la mayoría de las Salas de Urgencias son atendidas por estudiantes latinoamericanos que son prácticamente indios con levitas, porque los traen a estudiar con un nivel muy bajo académico y aún así los matriculan en medicina. Si algunos aquí sabemos que le prometieron 6 000 médicos por el intercambio por el puerto del Mariel que construye Brasil, pero todo el que lo sabe dice - Dejen que lleguen allá. Lo siento por ustedes, aquí todo esto es una gran mentira, como fue una mentira la mal llamada Revolución. Saludos

Percival Puggina

03/07/2013
GUARDA-SÓIS DE PENEIRA Esse governo acumula realizações que vão entrar para a história. Uma delas ocorreu hoje, quando milhares de médicos saíram à rua, em diversas cidades do país, para protestar ante o caos da Saúde Pública. Eu os vi em Porto Alegre, diante do Palácio Piratini, com carro de som e veementes pronunciamentos. Entre os manifestantes, muitos dos mais conhecidos e reconhecidos profissionais dessa área no Estado, solidários com os clamores de repúdio ao descaso para com o setor. Foi uma visão inesquecível. Em coro, os médicos entoavam um robusto Fora Dilma! Fora Padilha!. Coisa interessante de ver, de ouvir e de saber. Os petistas, até bem pouco, julgavam-se senhores do Brasil. Faziam malabarismos retóricos sobre a corda-bamba dos fatos. Lula era aplaudido quando dizia A e quando dizia o contrário de A. Por mais que Dilma exibisse, sem recato, seu despreparo para a função, a nação ia no embalo petista como quem segue trio elétrico no carnaval. No entanto, assim como o Muro de Berlim caiu no grito, o petismo está sendo destronado pelo clamor popular. O povo percebeu, de estalo, o quanto vinha sendo enganado pelo brilho de miçangas publicitárias, de promessas que nunca se cumprem e de imensos guarda-sóis de peneira que pretenderam ocultar a péssima realidade ética, fiscal e gerencial do governo. O governo não tem plano, não tem projeto, não tem diretriz. Não tem, nem mesmo, uma visão razoável do país. O petismo só tem projeto de poder.

Percival Puggina

30/06/2013
POR QUE DILMA NÃO VAI AO JOGO? Quando Dilma levou a inesquecível vaia de dois minutos na abertura da Copa das Confederações, Joseph Blatter, ao seu lado, falou ao microfone: Onde está a educação?, ou coisa que o valha. Posteriormente, a imprensa mundial registrou o fato nessa mesma linha. O que o suíço Blatter e a imprensa europeia desconhecem é que a surpreendente vaia dirigida à presidente tem causa institucional. De fato, na maioria dos países civilizados, as funções de chefia de Estado e de chefia de Governo são ocupadas por pessoas distintas. Por quê? Porque são funções distintas, mesmo, e a fusão de ambas numa só autoridade política gera as instabilidades que se observam periodicamente na vida nacional há mais de um século. Aliás, as vaias proporcionadas nos estádios, embora muito audíveis e visíveis, são as menos significativas dentre elas. Dilma estava lá como chefe de Estado. Como representante da Nação. Como símbolo da nacionalidade. Representava-a num nível especialíssimo, como a Bandeira, o Hino e o Escudo. Por ser assim, os povos dos países que separam a chefia de Estado da chefia de governo jamais vaiam o chefe de Estado, seja rei ou presidente. Quando há motivos para entoá-las, as vaias são dirigidas ao chefe do governo. É ele que vai para o xingamento, para a vaia, e para os objetos lançados pelos mais exaltados. E jamais se mete a abrir um jogo de futebol. Quem faz isso é o presidente da República ou, nas monarquias, o rei. É da natureza do governante, com as ações que adota, causar agrados e desagrados. O chefe de Estado, diferentemente, exerce função essencial, moderadora e de última instância, atuando acima das vicissitudes do cotidiano. Infelizmente, quando pensamos nos problemas nacionais, como agora, com as propostas que surgem para a reforma política, essa fundamental distinção jamais entra na pauta. É porque não compreendemos a natureza desse vício institucional brasileiro que as muitas microrreformas já realizadas se revelaram ineficientes em relação aos fins almejados.

Percival Puggina

29/06/2013
Volta e meia, anos a fio, eu criticava, aqui, a péssima gestão federal dos negócios públicos. O governo ia mal nas coisas importantes. E o que ia bem lhe caía no colo de presente. Presente chinês. O gigante oriental acordara e arrancava o Brasil de seu berço esplêndido. Quanto ao resto - Segurança, Responsabilidade Fiscal, Probidade, Educação, Saúde, Infraestrutura, Tecnologia, Relações Exteriores, as coisas iam mal. Muito cacarejo publicitário e pouco ovo. Nós, os poucos que expúnhamos com objetividade a situação nacional, exercíamos tarefa resignadamente inglória. O marketing do governo trovejava informações que nos contradiziam. Afrontávamos a opinião majoritária. Sabíamos que distribuir dinheiro não resolve os problemas nacionais porque o Brasil não é um programa de auditório! Mas o Planalto festejava ao menos um plano mirabolante e bilionário por semana. Até a mídia mundial comprava por bom o discurso oficial! As oposições, ora, as oposições! Primeiro, Lula lhes bateu a carteira ao fazer seu o programa de governo do FHC. Depois, quando Lula passou a sacrificar a austeridade fiscal em favor das reeleições petistas, instalou-se a chamada Brasilha da Fantasia, ou a Fachada de Prosperidade (nas palavras do Financial Times). Mas a oposição política formal, já então, arquejava seu desânimo em meia dúzia de vozes, se tanto, no Congresso Nacional. Enfim, nossa trincheira era tão despovoada que se um gritasse o outro não ouviria. E o petismo ainda nos chamava de golpistas. Pois eis que o povo sai às ruas. Os satisfeitos do Bolsa Família e do Bolsa Louis Vuitton ficam em casa. Entende-se. Entende-se, também, os motivos pelos quais os grupos radicais que acionaram a alavanca de partida foram para a marginalidade quando o povo, com suas camisas brancas, tomou conta do pedaço. Assistimos uma surpreendente apropriação pela cidadania de algo que iniciou em mãos erradas. Com raras exceções, a multidão nas ruas repete o que vínhamos dizendo. Claro, há os paus mandados que se infiltram e tentam desviar o foco para cima dos governos não petistas; há os que conscientemente usam a violência para fins políticos e há os que se aproveitam das vidraças quebradas para sua atividade criminosa. A multidão nas ruas embasbacou dois grupos: os detentores de poder e os comentaristas, ingênuos ou militantes da causa, que há anos recebiam os resultados das pesquisas de satisfação como prova suficiente de que tudo ia bem. Pesquisas de satisfação, senhores, tem a ver com mercado. A realidade nacional precisa ser aferida em outras fontes, e tem a ver com o futuro do país em horizontes de curto, médio e longo prazo. Rudyard Kipling perguntou certa vez num poema - O que podem conhecer sobre a Inglaterra os que só conhecem a Inglaterra?. Pois o brasileiro médio sempre se pareceu um pouco com esses ingleses de Kipling. Nos últimos anos, porém, com o dólar barato, milhões de brasileiros saíram a conhecer o mundo. E conheceram melhor o Brasil... Essa massa, da qual Lula se considera santo benfeitor, pôde fazer comparações e concluir que, aqui, exceto os luxuosos palácios do poder, tudo que é público está em frangalhos. Que aqui, impostos coletados em percentuais de Primeiro Mundo se desperdiçam no supérfluo. E que o restante se entrega ao Submundo, sob zelo da mais irretratável impunidade. Ilusões publicitárias são como bolhas de sabão. ZERO HORA, 30 de junho de 2013

Percival Puggina

28/06/2013
Para entender o princípio diretor de todas as estratégias petistas não é preciso ser mestre em xadrez, treinado a antecipar sucessivas consequências de um lance. Basta saber isto: o PT jamais, em hipótese alguma, defenderá causa política na qual não leve vantagem. Entendido o axioma, fica fácil deduzir que propostas de reforma eleitoral apresentadas e defendidas pelos petistas precisam ser rejeitadas pela origem. Entre os poucos fios condutores capazes de unir todos os movimentos de massa destes últimos dias está o monumental repúdio à conduta dos políticos e às instituições nacionais. Nosso modelo é velho na forma e velhaco na execução. A desfaçatez, as ostentações e as malfeitorias que saltitam como pipoca na panela revoltam a população. Os raros afluentes de água limpa que chegam ao mundo político perdem seus efeitos na turbidez dos negócios. Torna-se impossível, então, não sentir o dedo indicador atraído como agulha de bússola para o norte e para o topo das instituições políticas. Ali - bem ali, oh! - onde senta e fala a chefia de Estado, antes Lula e hoje Dilma. E Dilma veio às falas. Primeiro, propôs uma Constituinte, como fizeram seus parceiros do Foro de São Paulo na Venezuela, Bolívia e Equador. No dia seguinte, face à notória inconstitucionalidade da proposta, a Constituinte do PT virou plebiscito sobre temas de uma reforma política. Ora, por mais que o modelo institucional brasileiro seja o lixo que se sabe, não responde aos mínimos requisitos de prudência fazer mudanças num ambiente de instabilidade. Este é o momento certo para outra coisa: mostrar aos camisa branca, aos manifestantes bem intencionados, ser contraditório excomungar os políticos genericamente e não responsabilizar, objetivamente, o partido e as pessoas que, ao longo dos últimos dez anos comandam essa mesma política, levando o país para onde bem entendem e como melhor lhes convém. Este é o momento de lembrar que nem o lacerdismo foi tão pródigo em lançar denúncias e anátemas sobre seus oponentes quanto o petismo. E que nenhum outro foi tão longe na apropriação do Estado, do governo e da administração para os fins do partido e dos companheiros no poder. Por fim, separar essas três funções - Estado, governo e administração -, atribuindo-as a pessoas distintas, seria a primeira e a principal reforma institucional. Mas desta quase ninguém fala porque significaria retirar o recheio e a cobertura do bolo do poder. A cautela ensina, até mesmo no plano individual, que não se deve tomar decisões de efeito permanente em momentos de instabilidade emocional. É o que se recomenda ao Brasil agora. A maior imprudência que se pode cometer neste momento é entregar à atual base do governo, amplamente majoritária no Congresso, decisões sobre como devem ser as eleições do ano que vem. Pensando bem, isso é tão evidente que este texto parece totalmente desnecessário, não é mesmo? _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

21/06/2013
CHÁ DE SUMIÇO Tenho procurado nas imagens de tevê certas figurinhas que frequentam passeatas tão assiduamente quanto frequentam os melhores restaurantes de Brasília. É só ter povo na rua é lá estão elas, marchando de braços dados, na primeira linha. São políticos principalmente do PT e PCdoB. Sumiram! E não apenas sumiram. Ficam mudos. É ou não é uma bênção?

Percival Puggina

21/06/2013
Se as pessoas que estão saindo às ruas nestes dias, em todo o país, votaram na Dilma e há uma década estufam o próprio peito com as fanfarronadas de Lula, o Brasil está salvo. Se são outras pessoas, estamos perdidos. Se as pessoas que estão saindo às ruas são as mesmas que chamavam golpistas quem se dispusesse a escrutinar a péssima biografia dos governos petistas, estamos salvos. Se forem outras, estamos perdidos. Ou seja, se o petismo não estiver perdendo força como religião hegemônica no país, por conversão de antigos fiéis ao até agora minoritário reduto da sensatez, então nada está acontecendo. Os sensatos abriram as portas do clube e saíram à rua, apenas isso. O placar do jogo político permanecerá o mesmo. E Deus se apiede do Brasil. Dilma continuará percorrendo o país para operar prodigiosa multiplicação de inexistentes bilhões, em meio a muita festa e louvação. Faço estas considerações com absoluto senso prático. A alma brasileira foi envenenada pela propaganda do governo. Milhares de comunicadores, diariamente, compram essa propaganda como coisa boa e reproduzem o ufanismo oficial. É de se ver e eu vi, é de se ouvir e eu ouvi, nestes últimos dias, eminentes formadores de opinião embasbacados ante as mobilizações populares, como que exclamando: Mas estava tudo tão bem! O Brasil é uma de satisfações cercada pelo oceano das inconformidades! O próprio Lula disse, não disse?. Disse. E quanto e-mail desaforado recebemos, ao longo destes últimos anos, eu e alguns outros, enquanto brandíamos a verdade em nossas passeatas lítero-panfletárias de protesto! Faziam para conosco como os empedernidos cardeais fizeram com Galileu. Recusavam-se a esquadrinhar a realidade através da luneta da verdade: Noi non vogliamo guardare perché se lo facciamo potremmo cambiare. Não olham porque mudar de opinião pode custar caro. A mentira paga melhor. Todos os indicadores confirmavam o que dizíamos e os olhos viam: a educação pública é um desastre, vive-se ao completo desabrigo dos aparelhos de segurança pública, temos poltronas nos estádios de futebol e pacientes deitados sobre colchões no chão dos hospitais, a infraestrutura brasileira dá sinais de haver trombado contra um PAC acelerador da destruição, o Erário é rapinado em moto-contínuo pelo arrastão dos corruptos. Mas, como vai o Brasil? Ah, o Brasil é outra coisa. O Brasil vai às mil maravilhas. Foi bafejado pela fortuna. Saiu das mãos de um gênio prodigioso para as de uma testada e competente gestora. Meu Deus! *** Por fim, três observações. Primeira: passe livre é marotagem; é querer andar de graça com os outros pagando a conta. A segunda é para lembrar que, em Porto Alegre, a mobilização inicial contra o preço das passagens foi empreendida por militantes de partidos de esquerda, notadamente do PSOL. Eles foram para a frente da Prefeitura armados de paus, pedras, latas de tinta, toucas ninja (bem como se tem visto, agora, em toda parte), enfrentaram a polícia e vandalizaram o prédio e seu entorno. Naquele ato não houve infiltração alguma! Os malfeitores eram alinhados com partidos que não rejeitam o emprego da violência para fins políticos. Terceira: não parece prudente adotar como coisa certa que os malfeitores são uns poucos. Não, não são uns poucos, são muitos, muitíssimos, como as próprias imagens mostram à exaustão. Se a maior violência neste país tiver que vir desses movimentos, que venha, disse num debate na TVCOM certo defensor desse vandalismo. Tampouco parece prudente, então, desconsiderar o risco de que a esplêndida massa de cidadãos retamente intencionados venha a ser apropriada pelo que de pior existe em todos esses movimentos. Saiba, no conjunto do espectro político há quem, com o mesmo e justo discurso que enfeita as ruas e nos traz júbilo ao coração, vista toucas ninja. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

15/06/2013
Durante a maior parte do século 20 as organizações comunistas sequer cogitavam tomar o poder por outro modo que não a luta armada. A dúvida era sobre onde começá-la. No campo ou na cidade? Marx, com aquela segurança de quem julga conhecer tanto o futuro que o descreve como déjà vu, previra o protagonismo do operariado. Os fatos, também nisso, o desmentiram. Era no campo que as coisas aconteciam numa época em que aqueles movimentos não apostavam no carteado do jogo democrático. Aliás, abominavam-no. A ditadura do proletariado exigia virar a mesa e sair no braço. Por isso, desde os anos 20, planejavam e ensaiavam levantes armados. A sirene de alarme disparou mais intensamente, no Brasil, nos anos 60, quando Fidel passou a exportar revolução. Desde então, a Guerra Fria ferveu em todos os países da região. Respirava-se revolução. Março de 1964 teve tudo a ver com isso. Na Europa e nos Estados Unidos, a Guerra Fria se travava entre dois lados. EUA versus URSS. Pacto de Varsóvia versus OTAN. Na América Latina era pior. Era ebulição interna, fervente, no âmbito de cada país. Dê uma pesquisada na rede, leitor, e encontrará o que vários historiadores comunistas escreveram sobre aquele ânimo revolucionário. Afirmar que a esquerda foi às armas como reação à repressão inverte as relações de causa e efeito. Os crimes cometidos pelas partes - violência, tortura, justiçamentos, terrorismo, seqüestros, abusos de poder e o empenho em preservá-lo por duas décadas, constrangem e revoltam. É história triste. Passado que não se pode mudar. Cabe aos pesquisadores, historiadores, jornalistas, com irrestrito acesso aos documentos, escrever essa história conforme cada um a sentir, compreender e interpretar. Mas é certo: tivessem os comunistas vencido, as 356 mortes de militantes e as 120 por eles causadas seriam multiplicadas por milhares. A ideia de instituir uma Comissão da Verdade para efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional é disparate. Primeiro: porque a verdade não é coisa que se prometa entregar pronta e encadernada. É algo que se busca. A garantia de encontrar, portanto, é charlatanice. Segundo: porque conceder a uma só pessoa, a presidente Dilma, o poder de escolher, a ponta de dedo e caneta, seus sete auditores da História, empregando-os a soldo na Casa Civil, é - isto sim! - medo da verdade. Terceiro: porque aceitar tão unilateral encargo, assumindo-se como caminho, verdade e vida para os anais da História vale por confissão de falta de princípios. É emprestar o nome para uma farsa, em troca de dois vinténs de fama e contracheque. Quarto: por fim, o que menos interessa à Comissão é reconciliação. Reconciliação quem fez foi a festejada Anistia. Ampla, geral e irrestrita. Nossos governantes não incluem a verdade na lista de seus amores. A evidência dispensa prova. Preferem encomendar versões. Nada sabem sequer do que fazem. Ignoram a verdade sobre o tempo presente e tratam de transfigurá-la no próprio passado. Com História não se brinca! Menos ainda se põe sob o braço e se sai andando com ela por aí, como se fosse coisa da gente. Não é. É História. Ponto. A nenhum partido político, a nenhum comissariado ou comissão é dado oficializá-la ao gosto ou usá-la como serventia. Ela não se presta, saibam, para transformar bandidos em heróis nem doutrinas totalitárias em faróis da democracia e do humanismo. ZERO HORA, 16 de junho de 2013

Percival Puggina

15/06/2013
A mulher vestia um niqab preto, do tipo utilizado em países da Península Arábica. Niqab (máscara) é aquela vestimenta feminina muçulmana que deixa apenas uma fresta para os olhos. Embora tenha sido concebida em tempos anteriores a Maomé como uma das mais recatadas roupas com que uma mulher se pudesse vestir, a figura diante de mim se destacava em meio à colorida multidão de turistas das mais variadas origens. De repente, num gesto rápido, que pretendia ser discreto, ela fez surgir do meio dos panos uma câmera digital. Levou-a aos olhos e, com apenas a mão esquerda (também coberta por luva negra), capturou a imagem perante a qual se comprimiam vários grupos de visitantes. A mesma que me levava, uma vez mais, até a praça Kronmarkt da encantadora cidade de Heidelberg. Há ali pequena fonte sobre a qual se eleva uma escultura de Nossa Senhora. É a Madonna da Kronmarkt. Traz ao colo o Menino Jesus e tem sob os pés o mundo, representado por uma esfera dourada. O Menino segura longa haste encimada por uma cruz e com a outra extremidade fere uma serpente. Era diante dessa imagem que, como acontece a cada dia, todos os dias do ano, se encontravam os turistas em meio aos quais a mulher de niqab. Poucos haveriam de saber que aquela Madonna é apenas cópia da obra original, preservada no museu de arte e arqueologia da cidade. Foi esculpida por Peter van der Branden, em 1718, a ordem do príncipe local empenhado em difundir o catolicismo. À época, outras Madonnas também foram inseridas na paisagem de Heidelberg e muitos protestantes, como consequência, abandonaram a cidade. Passados três séculos, esses acirramentos político-religiosos perderam sentido. As imagens, no entanto, continuam suscitando interesse e são motivo de encantamento aos milhões de visitantes dos mais variados credos que fazem turismo no Velho Continente. Esplêndidas obras com inspiração cristã estão em toda parte - nas fachadas dos prédios particulares, no centro das praças, nos afrescos, telas, tapeçarias e imagens que decoram prédios públicos. Estão nos museus (repletos de tais obras), e são, junto com catedrais, mosteiros e grandes palácios o carro-chefe do imenso negócio turístico da Europa. Pois bem, observando a mulher de niqab e seu interesse em capturar a imagem da Madonna da Kronmarkt, percebi que, apesar da diversidade de credos provavelmente adotados por turistas de varias etnias, oriundos de diferentes recantos do planeta, ninguém ali estava de nariz torcido, sentindo-se afrontado ou ultrajado em sua sensibilidade com a imagem de Maria Santíssima. Nem com qualquer símbolo ou representação artística, de qualquer religião, em parte alguma do mundo. Bem ao contrário, a atitude civilizada, nesses casos, é de respeito e encantamento perante expressões da tradição religiosa e cultural de cada local. Portanto, incivilizada é a atitude de pequenas minorias que, no Brasil, se declaram ultrajadas com a presença desses símbolos e obras em espaços públicos. Aliás, duvido de que, distantes da base, desfrutando de umas férias na Europa, não posem para fotografias aos pés da Coluna Mariana na Marienplatz de Munique, da Pestsäule (coluna em reverência à Santíssima Trindade) em Viena, ou ao lado de qualquer dos 30 santos que adornam a belíssima Ponte Carlos em Praga. Aqui, porém, são inimigos de um crucifixo na parede.