Percival Puggina

21/10/2012
Tem sido dito que a política de cotas, raciais ou sociais, resgata uma dívida histórica. Dívida de quem? Dos brancos para com os negros e os índios, afirmará alguém com furor justiceiro. Pergunto: dos brancos assim, tipo todo mundo? Milhões de brasileiros descendem de europeus emigrantes de seus países de origem por injustiças que contra eles se praticavam. Nada tinham com a encrenca da escravidão aqui. Também são devedores? Muitos brancos portugueses foram enviados a contragosto para o desterro no Brasil, onde arribaram tão pelados quanto os índios. Seus descendentes também têm dívida a pagar? Segundo essa linha de raciocínio, sou conduzido a crer que eu teria uma dívida histórica a cobrar da Itália e que os descendentes dos desterrados portugueses teriam outra na velha terrinha, ora pois. Absurdo. Tudo que é dado tem um preço. Vejamos como se aplica essa constatação a uma política de cotas. Quando uma universidade pública as estabelece, ela está dando a determinado grupo social a possibilidade de acessar seus cursos mediante notas inferiores às dos candidatos que não pertencem a tal grupo. Trata-se de uma regalia custeada por concorrentes que não integram o grupo privilegiado. A fatura da vantagem concedida vai para aqueles que poderiam ter ingressado e não ingressaram. Isso é inquestionável. Quem concorda com a lei de cotas, embora motivado por nobres intenções, olha para um prato da balança da justiça e fecha os olhos para o outro. Vê o beneficiado e desconsidera o prejudicado. Por quê? Não sei. Jamais topei com um vestibulando do grupo fraudado que considere justa a adoção das cotas. O apoio a tais políticas, concedido por quem nada tem a perder com elas, é generosa barretada com o chapéu alheio. É dar presente com o cartão de crédito dos outros. Não é justo. Nem honesto. A tal dívida histórica não encontra devedores vivos de quem possa ser cobrada. É tolice e é anti-histórico. O que o Brasil tem é uma necessidade de resolver seus desajustes sociais. Admitir que essa tarefa existe implica assumi-la como dever moral da nação. Vale dizer, de todos os brasileiros, como membros de uma sociedade que estampa infames desníveis. A miséria, a ignorância, a falta de oportunidades não têm cor de pele. O absurdo da lei de cotas é jogar no colo do estudante branco da escola particular o ônus dessas correções. A responsabilidade maior e a maior potencialidade material para combater tais desníveis é da política, do Estado brasileiro, mediante instrumentos não expropriatórios. Aliás, no que concerne à educação, a política de cotas equivale a pretender resolver o problema de fundações de um prédio nivelando seu telhado. Para cada formando pela política de cotas, todo ano, em virtude das muitas deficiências dos ensinos Fundamental e Médio, a base do sistema afasta do tecido social centenas de crianças cuja educação está sob responsabilidade de quem? De quem pretende enxugar gelo, em nome da justiça, com a lei de cotas. Enchem páginas de jornal as matérias sobre o péssimo nível de ensino no país, o abandono dos cursos voltados para a educação e o quanto isso obsta nosso desenvolvimento. A melhoria do ensino básico tem custo. E é mais barato posar de justiceiro com os direitos alheios do que fechar as torneiras pelas quais se esvaem recursos que deveriam servir para acabar com a injustiça ali onde ela crava perversas raízes sobre o destino de milhões de crianças. Zero Hora, 21/10/2012

Percival Puggina

19/10/2012
Óscar Naranjo Trujillo chefiou durante cinco anos a polícia colombiana. Sob seu comando, durante as presidências de Uribe e de Calderón, foram obtidos grandes avanços na construção da segurança interna - Bogotá tornou-se uma cidade invejavelmente segura - e no enfraquecimento das Farc, às quais impôs derrotas e perdas a que não estavam habituadas. Suas estratégias para reverter o quadro de insegurança de seu país foram repetidas vezes citadas no Brasil como modelo a ser adotado aqui. Em maio deste ano, tendo conquistado sua quarta estrela como general e completado 35 anos de carreira, ele renunciou ao cargo, passou para a reserva e foi contratado como assessor de segurança pelo presidente do México, Peña Nieto. No dia 29 do mês passado ele concedeu uma longa entrevista ao jornal El País. Em certo ponto, indagado sobre quais as primeiras providências a serem adotadas para diminuir a violência, respondeu: ... la primera es que las políticas de seguridad deben ser de Estado y no de partido, para que se genere un consenso nacional. Oba!, exclamei, ao ler essa pequena frase, quase um detalhe no conjunto da matéria. Olha aí alguém, ainda que fora do Brasil, reconhecendo que o partido e o Estado são entes distintos. Vencida essa etapa, fica mais fácil perceber que o Estado, por ser permanente e de todos, não pode ter partido. Partido quem tem é o governo. Por isso, assume com prazo de validade definido. Há mais de 30 anos venho apontando o desrespeito a essa regra como um dos cânceres que enfermam nossas instituições. E poucas coisas têm ficado tão evidentes nas longas sessões de julgamento dos réus do mensalão (AP-470) quanto a relação entre essa fusão e as tramoias em que os acusados se envolveram. Como em nosso país, quem governa, eleito por um partido, também chefia o Estado, resulta inevitável que o aparelho estatal passe a ser visto como parte do estoque de bens da legenda governante e seus aliados. É por esse robusto liame, por exemplo, que as universidades federais (patrimônio de toda a nação, independentemente de raça, credo, sexo, etc.) passam a ser usadas como instrumento das estratégias, gostos e ideologia da sigla de quem arrebatou a faixa presidencial. É por aí, também, que o partido começa a estender olhares voluptuosos sobre os recursos das muitas tesourarias que controla. E atrás do olho vai a mão, grande e cobiçosa, buscar meios para seus projetos de poder. Essa é uma forma de privatização que a esquerda não vê nem que lhe seja pingada nos olhos como colírio: a privatização do Estado pelo partido. Embora os crimes de prevaricação não sejam atributo específico de legenda alguma, cravar fronteiras rígidas entre o partido e o Estado, barrando seu aparelhamento, não serve a quem tem pretensões totalizantes. É aí que, com mensalão ou sem mensalão, com condenação ou sem condenação, a nossa vaca vai sendo levada para onde você sabe. O assunto de que trato aqui não é um detalhe. Aquilo que Óscar Naranjo constatou como necessário ao México na questão da segurança não é diferente do que se requer para tudo na América Ibérica, submetida a uma coletiva irracionalidade institucional que não leva jeito para produzir democracias de qualidade razoável, conduzidas com respeito ao patrimônio público. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

12/10/2012
Aproximamo-nos dos últimos capítulos da novela Mensalão, uma das poucas grandes obras da dramaturgia brasileira, encenada para tevê, que não foi mostrada nas telas da Globo. A novela rodou seus capítulos no até então obscuro canal da TV Justiça. Como convém às mais sadias exibições públicas, tudo parece apontar para uma consagradora vitória do bem sobre o mal. As patifarias, as maquinações, os fingimentos, foram, aos poucos, sendo descobertos. A maligna trama, que conspirou contra nossa democracia e contra os valores republicanos, foi aflorando do script e compondo um tecido lógico de participações, motivações e ações. Foi uma novela diferente. Muito diferente. Observe que o elenco principal jamais foi visto em cena. Trata-se, portanto, de uma concepção inovadora, digna de Nelson Rodrigues! Uma novela conduzida de tal forma que os personagens reais, malgrado terem sido objeto de todos os capítulos, cada qual tendo seu próprio rol e rolo desfiado ante os olhos do público, em momento algum se fizeram visíveis. Mais notável ainda: à medida em que a urdidura era desvelada e caminhava para seu grand finale, foi ganhando forma, por trás do numeroso grupo de personagens, a figura central do drama - o ator sem atuar, o motivador silencioso de toda a obra. Mesmo inominado no roteiro, mesmo envolto num véu de silêncios infinitos, ainda assim ele explode no centro da trama como parte de um processo de elaboração mental do próprio telespectador. E todos nós, sem exceção, se de repente nos fosse pedido, hoje, para indicar o nome do cara por trás dos caras, não divergiríamos quanto ao seu nome, ao seu apelido e ao seu sobrenome. É ou não coisa para se aplaudir de pé, jogando flores ao palco? Acertam-se, agora, os lances finais. Afere-se, na balança de Têmis, o peso das culpas. Os personagens pagarão por seus erros. Carregarão sobre si o encargo adicional de saberem que alguém, maior do que todos eles, está em casa, tomando uma cervejinha e assistindo a novela pela tevê. Tenho certeza de que o leitor destas linhas, ao compreender o quanto foi prodigiosa a novela que assistiu nos últimos meses, deve estar se perguntando: Por que a colocas no nível de Nelson Rodrigues? Por que não Shakespeare?. Respondo: os personagens canalhas de Nelson Rodrigues foram insuperáveis. Não há nada assim em Shakespeare. A novela do Mensalão, leitores, enquanto exibe a aparência de produzir uma redentora vitória do bem sobre o mal, oculta uma segura vitória do mal sobre o bem. Em algum lugar do país, o cara por trás dos caras afirma que a novela não existiu e ri do drama vivido pelos que foram apanhados nas largas malhas com que nossas instituições capturam peixes! ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

07/10/2012
E O JUIZ FALOU. ANTES NÃO O FIZESSE! Rápido, muito rápido para mandar soltar os bandidos que roubaram e feriram uma senhora na Av. José Bonifácio em Porto Alegre, o juiz Mauro Caum Gonçalves esquivou-se quanto pode de falar sobre o assunto. Mas falou. Sua longa entrevista está estampada com destaque na edição de Zero Hora deste domingo. Melhor faria Sua Excelência se continuasse calado, porque quanto mais explicou pior ficou. Diz o juiz, por exemplo: Não é possível decretar prisão pelo clamor público. Mas é claro que não, doutor. Ninguém imagina um magistrado fazendo o papel de linchador. O senhor deveria ter mantido presos os dois por vários outros motivos, entre eles sua periculosidade comprovada em prontuário policial, o flagrante que o senhor mesmo homologou e a ausência de qualquer motivo para o disparo com que feriram aquela senhora. Perversidade pura, doutor, que o senhor soltou como quem solta os tigres da jaula do circo. Diz o juiz: Não havia pedido (de prisão) do Ministério Público. E daí, doutor? O que lhe parece valer mais? O pedido do MP ou o relevante interesse social envolvido na segurança dos cidadãos? Ante a pergunta de ZH sobre se ele teria decretado a prisão caso houvesse pedido do MP, ele responde: Não posso me manifestar em abstrato. Não me lembro mais do caso. Naquela noite foram 14 flagrantes e em nenhum deles houve manifestação do MP. Ele sequer lembra do caso... Toda cidade lembra do caso, mas o juiz do caso nem se lembra. Só lembra que, naquela noite, soltou quatorze tigres na rua. Se lhe apresentassem Hitler em pessoa, sem pedido do MP, ele soltava. Se lhe exibissem Fernandinho Beira Mar, Marcola, Hildebrando Paschoal, Lili Carabina, sem o jamegão do promotor, ele soltava. Antes tivesse ficado calado.

Percival Puggina

06/10/2012
Não sou fã da atual configuração do STF. Após certas deliberações ali tomadas, a Constituição deveria receber atendimento em Pronto Socorro para se refazer dos maus tratos. Coisa muito feia. Na origem dessa minha zanga está a tal história de tomar os princípios constitucionais em estado bruto e passá-los no esmeril, dando-lhes formato que sirva para articular o texto com o que vai na testa do julgador. Tal conduta é mais do que recorrente. Já vi ministro invocar o princípio da dignidade da pessoa humana até para opor-se à rinha de galos (concordo com a proibição, mas não com a aplicação desse princípio ao caso). Impossível negar, porém, que a Corte, neste momento, desfruta de amplo reconhecimento nacional. A atividade que vem desenvolvendo é aparatosa, demorada, mas consistente. Os fatos foram objeto de perícias. Há provas documentais, circunstanciais e testemunhais. Poucos põem em dúvida as ocorrências descritas. E todos os que dizem que os crimes não existiram são pagos para tanto, ou têm a perder, com o reconhecimento deles, algo material ou imaterial, de cunho político, ideológico ou filosófico. Seja como for, o julgamento do Mensalão põe na mesa dos debates o sistema de governo, o sistema eleitoral e a política como a praticamos no Brasil. Repetidas vezes essas pautas têm sido objeto de considerações dos ministros do STF e da mídia que cobre as sessões. Inúmeras vezes, também, do alto da minha insignificância, tenho escrito que esse modelo é ficha-suja, concentra poder político e financeiro em proporções incompatíveis com a democracia e, por isso mesmo, atua como feromônio para atrair e excitar patifes de toda ordem. São tantas e tamanhas as regalias disponíveis no almoxarifado do poder que só fica ao seu desabrigo quem quer. O Mensalão é a monetização de outras práticas para composição de maiorias parlamentares, que se instalaram no país desde que Collor foi apeado do poder. Hoje vamos às urnas. Do meu ponto de vista, a política brasileira alcançou um nível de degradação que só os eleitores podem retificar. O sistema e seus males jamais serão corrigidos por via judicial. Menos ainda com as mudanças dependendo de uma deliberação dos que dele se beneficiam. No entanto, o cidadão, o ser humano em sua dimensão política, pode, por ato da própria vontade, abandonar os velhos critérios de escolha e proporcionar aos partidos, em sua negligência, sucessivas lições de discernimento, escolhendo não apenas os bons, mas os melhores entre os bons. O que escrevi só será utópico se considerarmos que o Mensalão venceu. Com efeito, assim como, em meio à indignação popular, há o Mensalão corrompendo os andares de cima, há o Mensalinho fazendo o mesmo nos andares de baixo. Todo eleitor que escolhe candidato por interesse pessoal, corporativo, comercial, não republicano, está usando a democracia e as instituições para benefício próprio. Sua atitude pouco difere daquela que despreza nos mensaleiros. Ao votar hoje, tenha em conta de que as câmaras municipais são a estufa onde se produzem as futuras elites políticas do país. O eleitor que pretende votar no mais caricato, para protestar; no cara de determinada afiliação, sabe-se lá por quê; na celebridade tal ou qual, apenas porque já ouviu falar dele ou dela; e por aí afora, faça este favor à Nação: vote em branco ou nulo. Lembrem-se os demais, por fim, da frase de George J. Nathan - Os maus políticos são eleitos pelos bons cidadãos que não votam. Portanto, às urnas, cidadãos! Zero Hora, 07 de outubro de 2012

Percival Puggina

04/10/2012
Eis que aos poucos se foi impondo em mim essa sensação de que vivo num gueto. Sim, sim, eu caminho com liberdade, circulo, falo, opino. Correspondo-me com muitos. Vocês me leem. Jornalistas me perguntam o que penso. Eu respondo. E mesmo assim, ou quem sabe por isso, habito um gueto. Somos muitos nas mesmas condições. Estamos contidos num sítio existencial bizarro, cujas bordas são tão invisíveis quanto sensíveis, onde milhões de brasileiros, provavelmente a maioria de nós, vamos perdendo relevância, minguando em cidadania e sendo suprimidos, até mesmo, do direito de expressar nossas opiniões. A caçamba e a corda foram recolhidas. As instituições jazem no fundo do poço do descrédito. Do ministro do STF ao estudante da USP, do chanceler da República ao pagodeiro do Piauí, do ex-presidente ao menino birrento que trata a professora aos pontapés, perdeu-se a noção de limites. Mas não lhe passe pela cabeça, leitor, apontar causas para o que vê acontecer! Você acabará no gueto. Repita então, em concordância bovina, que são sinais dos tempos. Preferivelmente, assuma a responsabilidade por tudo. Diga que foi o seu mundo que gerou esse mundo. Ataque a corrupção, mas não faça mais do que falar mal dela (ela se lubrifica com a saliva dos críticos). Toneladas de palavras, hectolitros de saliva. Mas não lhe passe pela cabeça apontar as causas. Jamais aponte causas ou ofereça critérios! Concorde prontamente quando disserem que ela sempre existiu e é igual em toda parte. Jamais mencione os vocábulos verdades, princípios e valores. No Brasil que abre caminho no século 21, quem propuser algo relevante perderá importância. Observe os partidos políticos, por exemplo, e faça como eles. Aprenda a crescer com irrelevância. Quanto menos forem daquilo que deveriam ser, quanto menor seu conteúdo, mais importantes se tornam. Por isso estão fora do gueto. Os programas e ideários em torno dos quais se constituíram só cumprem fins higiênicos quando disponibilizados nos banheiros das sedes. Mas não ouse dizê-lo. E jamais sustente haver coisas que não se fazem porque o caminho dos princípios acaba no gueto. As coisas de que a nação precisa são tão óbvias quanto incômodas. Por isso, a coerência se converte em vício constrangedor. O sujeito coerente é um antissocial, objeto de intrigas e maledicência. O caso do senador Demóstenes foi uma tragédia moral. Mas observe como ainda hoje ressoam gargalhadas de puro deleite. Não parecem vindas das profundezas do inferno? Se não quiser vir para o gueto, livre-se de suas convicções. É óbvio que este país passa muito bem com pouco ou nenhum caráter, sem fé religiosa de qualquer espécie (à exceção da fé no grande demiurgo de Garanhuns), submissa à ditadura do politicamente correto, do pensamento fraco, da grosseria. É óbvio. Um país crescentemente macunaímico, cada vez mais canalha, precisa expurgar a virtude. Há que trancar a nação inteira no gueto, se isso for necessário para os arranjos do poder. Depois que as li, ainda adolescente, jamais esqueci as palavras com que Cyrano de Bergerac defendeu o amor próprio. É uma lição inesquecível. E uma condenação. ?O que queres que faça? Almoçar cada dia um sapo e não ter nojo? Trazer os joelhos encardidos? Exercitar a espinha em todos os sentidos? Gastar o próprio ventre a caminhar de bojo? Não, muito obrigado!?. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Mark Twain

23/09/2012
DO GRANDE MARK TWAIN O governo que rouba de Pedro para dar a Paulo, sempre pode contar com o apoio de Paulo.

Percival Puggina

22/09/2012
A palavra Educação é um contêiner tão abarrotado de significados e conteúdos que a gente muitas vezes se emaranha em conceitos a clamar por definições. Não vou entrar nessa. Meu objetivo é outro. Ninguém recusará que o ser humano tem várias dimensões e que a formação de todas seja conteúdo do contêiner. Ali está, por exemplo, a formação das dimensões ética, religiosa e política do ser humano. A questão que submeto à reflexão dos leitores é esta: a quem cabe primazia na formação ética, religiosa e política das crianças? Não hesito em afirmar que a imensa maioria dos adultos que me leem sustentarão, a esse respeito, não apenas a prioridade, mas a fundamental responsabilidade dos pais. Há poucos dias, postei no meu blog um artigo sobre a necessária educação sexual das crianças e as iniciativas perversoras que, volta e meia, autoridades educacionais resolvem adotar, metendo-se de pato a ganso na matéria. Tem havido experiências que vão dos pênis de borracha em sala de aula, ao kit gay, e a livros didáticos com estímulo à masturbação infantil. Sim, sim, tudo isso no Brasil, leitor. Se duvida, procure na internet. Entre os e-mails que depois recebi veio o de um amigo que mora no Canadá. Segundo ele, a coisa, por lá, vai na mesma toada. Contou-me que seus netos estão sendo educados em homeschooling, que é a palavra inglesa para o aprendizado escolar domiciliar. No colégio, as crianças eram intoxicadas por uma educação em tudo avessa à que os pais gostariam que lhes fosse proporcionada. Então, abraçaram a tarefa. No Brasil, país onde tudo está dominado, não temos nem essa saída. Segundo o ECA, é dever dos pais matricular os filhos na rede regular de ensino. Se a rede for pública, a orientação moral, religiosa e política será ditada pelo Estado, pelos livros didáticos, pelas obras recomendadas. Não vem aí uma geração que ficará sem conhecer Monteiro Lobato - aquele racista que inventou a Tia Anastácia? Nove milhões de exemplares de um livro de História tão engajado que até o governo os retirou de circulação quando seus conteúdos vieram a público, não foram adotados como bons durante dez anos pelo MEC? Não são comuns em concursos públicos perguntas cuja resposta certa é a que cai no gosto político do ente estatal que patrocina a seleção? Enfim, na escola pública não há como conseguirem os pais exercer sua fundamental responsabilidade. Quando não é o Estado é o sindicato dos professores. E quando não é o sindicato dos professores são, não raro, os próprios professores os encolhedores de cabeça a serviço de tal ou qual ideologia. Restam as escolas privadas, confessionais ou não. As primeiras, com honrosas e escassas exceções, têm um nome cristão no pórtico, mas fornecem mercadoria bem diferente aos alunos. As não confessionais, pelo seu caráter secular, se apresentam como plurais. Mas o pluralismo nunca é muito confiável e não costuma ser plural. O homeschooling é uma solução já legalizada em diversos estados norte-americanos e no Canadá. Mas é solução para poucos. Para muito poucos. E mesmo assim o núcleo político da ideologia dominante assusta-se com o surgimento de uma elite menos influenciada por ele. A proposta de emenda à Constituição (PEC 444) que trata disso está no freezer da nossa Câmara dos Deputados há quase um ano. Os fazedores de cabeça não gostarão deste artigo. Não admitem que alguém antagonize seus anseios por hegemonizar a Nação. Especial para Zero Hora 23/09/2012

Percival Puggina

22/09/2012
Lula tinha três projetos importantes para 2012. O primeiro era alcançar um crescimento robusto da Economia. Quando o ano começou, no melhor estilo lulista Dilma desfilava arrogância dando conselhos a chefes de Estado sobre como superar a crise. Mas eis que quando se aproxima o outubro amargo, depois de uma dúzia de pacotes para soprar as brasas da economia através do endividamento do povo, o PIB dá sinais de esgotamento e impotência. Parece não haver pílula azul que faça a economia adotar uma postura ascendente. O segundo projeto lulista era eleger Haddad. Entendamos nosso ex-presidente. Ele estava nem aí para uma vitória do PT em São Paulo. Ele queria eleger o Haddad. Aliás, não era bem isso. Corrijo-me. Lula estava nem aí para o Haddad. Ele queria ser o cara que conseguiu fazer prefeito de São Paulo um desconhecido incompetente como o Haddad. Acontece que Marta Suplicy não apenas era candidata. Ela ponteava as primeiras pesquisas de opinião! Em setembro de 2011, Marta tinha 29% das intenções de voto contra 18% de José Serra. Num segundo cenário, trocando Marta por Haddad, este aparecia com 2% das intenções de voto. Voilá! Lula tinha em Haddad uma versão masculina para reproduzir o prodígio que fizera com Dilma. Certo de sua onipotência, exercendo aquela autoridade absoluta, mista de cacique e pajé (que só não funcionou na época do Mensalão), exigiu que a senadora renunciasse à candidatura em favor do seu pupilo. À medida que se aproximava o amargo outubro, Lula entrou em desespero: foi beijar a mão de Maluf nos jardins da casa dele e mandou a doublé de presidente desbancar do ministério a irmã do Chico Buarque. Ato contínuo, ofereceu a poltrona da Cultura para Marta que aceitou, subiu no palanque e tirou retrato com Haddad. No momento em que escrevo este artigo parece não haver mais tempo para que o quadro político proporcione alguma alegria a Lula. O terceiro projeto lulista para 2012 era acabar com o processo do Mensalão. Tal missão foi enfaticamente assumida ao deixar a presidência. Xacomigo!, terá dito Lula. Com efeito, mesmo no mais diluído senso moral, os fatos do Mensalão enodoavam sua biografia. Ora, Lula se vê como Deon, o semideus da mitologia grega que tinha o poder de submeter os demais aos seus comandos de voz. Portanto, era só falar com um, falar com outro, dar algumas entrevistas e a maior parte dos ministros do STF, obedientes aos desígnios de quem os indicou, não se recusariam a lhe entregar a própria honra. Mas eis que quando o outubro amargo se aproxima, se evanesce a ilusão. Não há compadres em número suficiente no plenário do Supremo. Lula cruza as mãos sobre as próprias vergonhas e pede que o ano termine logo. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.