(www.midiasemodos.com)
MÍDIAS E MODOS: É verdade que Porto Alegre sempre foi uma cidade inclinada às ideologias esquerdistas?
PERCIVAL PUGGINA: Não diria isso. Desde que se aceleraram os processos de urbanização e massificação da sociedade metropolitana, o eleitorado porto-alegrense tem evidenciado ser muito sensível ao discurso das correntes políticas populistas. O ?trabalhismo? ? seja isso lá o que for como doutrina política ? tornou-se muito forte em Porto Alegre, primeiro com o getulismo e, depois, com o brizolismo. O PT acabou assumindo e dominando esse discurso, puxando-o para a esquerda e misturando tudo: o bigode de Olívio Dutra, o regionalismo, o nacionalismo, o voluntarismo, o marxismo e por aí vai. Nesta eleição, contudo, segundo o estágio atual dos inquéritos de opinião, o PT, depois de muitos anos, estará concorrendo apenas para marcar presença no pleito municipal da capital gaúcha. E o nome que surge em seu lugar para enfrentar a candidatura do atual prefeito é o de uma deputada federal do PCdoB ? uma mistura de musa e celebridade entre os jovens. Ela é, sob o ponto de vista eleitoral, várias vezes maior do que seu partido, um nanico nos pleitos sul-rio-grandenses, contando apenas com um deputado estadual e sem representação na Câmara de Vereadores da Capital. Diante desses dados eu não diria que haja uma inclinação definida e definitiva pela esquerda, como conjunto de conceitos políticos com ampla valorização, no meio do eleitorado. Uma parte significativa dele, isto sim, parece disposta a entregar o comando da cidade para uma moça cuja experiência
administrativa não enche a primeira linha de uma folha de papel e a um partido nanico, sem quadros.
M.M.: Como o senhor descreve o pensamento político majoritário atual na cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul? Quais são os principais temas debatidos por sua classe falante?
P.P.: Parcela majoritária do eleitorado de Porto Alegre continua muito bairrista e susceptível aos velhos discursos populistas e ufanistas. A classe falante, bem, essa é uma outra história. A cultura dominante na ?intelectualidade? local é uma cultura esquerdista e dominada pelo ?politicamente correto?. Quando o PT esteve em alta, esse segmento prestou inestimável serviço para o partido e para sua permanência no comando político do município durante 16 anos consecutivos. No entanto, desde 2004 o PT não vence eleição majoritária na Capital e vai para o próximo pleito com ainda menores possibilidades de vitória.
M.M.: Quando e como que a esquerda conseguiu conquistar os meios culturais da capital do Rio Grande do Sul?
P.P.: A esquerda com possibilidades de vitória dentro do jogo democrático chegou com o PT, mediante um discurso que em nada difere do que hoje faz o Psol. Como não tinha passado, se exibia limpo como uma vestal e exercia uma oposição agressiva, sem o menor respeito pela honra alheia. Eram os novos cátaros, os puros. E, ao mesmo tempo, os novos inquisidores, queimando os adversários na fogueira da difamação. Porto Alegre, com raríssimas exceções, sempre foi administrada por gente de bem, de partidos diversos e por algumas das mais destacadas figuras de nossa história política. No entanto, o PT conseguiu convencer o eleitorado de que a virtude tinha partido e tinha marca ? a estrela. Com boa cobertura da ?intelectualidade?, do meio acadêmico, dos setores mais ativos do clero católico, do meio sindical, do movimento estudantil, dos comunicadores, construiu um caminho para chegar ao governo estadual em meio a um longo período de enorme stress político. Cumpriu um governo desastroso com Olívio Dutra, perdeu as duas eleições seguintes e retornou em 2010 com Tarso Genro.
M.M.: Porto Alegre, além de sede dos três poderes gaúchos, concentra a grande imprensa e também as mais influentes universidades do Estado. É possível dizer que é o ambiente perfeito para espalhar esta ideologia pela região Sul do Brasil?
P.P.: Foi assim, com efeito. Não diria, hoje, a mesma coisa. Começo a perceber sinais de um esgotamento. Se dependesse apenas da força das ideias e das lideranças locais, o PT estaria perdendo tamanho no Rio Grande do Sul. Hoje, o petismo vive, eleitoralmente, do lulismo.
M.M.: Em comparação com o restante do País, qual é o perfil político dos órgãos de mídia e das universidades de Porto Alegre?
P.P.: Pelo que me informam leitores de todo o país, a situação é mais ou menos a mesma, sempre. A corrente filosófica a que qualquer aluno de qualquer cidade brasileira está exposto por mais tempo é o marxismo. É análise marxista para qualquer coisa, em todo lugar. E raramente não está nos púlpitos, nos microfones ou nas telinhas. Chega a ser surpreendente que a maioria do eleitorado ainda não se declare de esquerda.
M.M.: A hegemonia política do Partido dos Trabalhadores (PT) em mais de 15 anos na prefeitura da cidade, seguido de outros partidos de esquerda, reflete o pensamento político dos eleitores?
P.P.: Se você esquecer as opções eleitorais e se concentrar nas opções concretas das pessoas a respeito de temas que permitam compreender sua inclinação ideológica, verá que a maioria do eleitorado é conservadora em temas como: importância da ordem pública, rigor da legislação penal, aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte, posse de armas, rejeição à violência dos movimentos sociais, economia de mercado, respeito à propriedade privada, e assim por diante. No entanto, pesa favoravelmente ao Partido dos Trabalhadores a disciplina interna e a integral dedicação ao trabalho político, ao proselitismo e à ?causa?.
M.M.: Em termos gerais, no Brasil, é possível enxergar uma discrepância entre o pensamento da intelectualidade (acadêmicos, políticos, jornalistas) e o gosto ou vontade popular. Isso ocorre também em Porto Alegre ou a maioria dos eleitores está realmente alinhada à agenda do PT e até a de outros partidos de esquerda?
P.P.: Como foi referido acima, há um descompasso entre o que majoritariamente pensa a ?intelectualidade? local e os valores que têm apreço social majoritário. Mas não há, aqui, uma relação de causa e efeito. Creio que a relação está mais bem posta se estabelecida entre alguns resultados eleitorais e o trabalho político-partidário do PT, em comparação com os demais. Não podemos esquecer que o PT foi o primeiro e é o maior partido do país nascido em parcelas da sociedade e fora do Congresso Nacional.
M.M.: Voltando nos tempos do Império, ao ler ?General Osório?, Francisco Doratioto escreve alguns parágrafos sobre a ?guerra? que havia nos jornais de Porto Alegre entre os pensadores liberais, conservadores e revolucionários republicanos. Há alguma relação do comportamento da imprensa daquela época com o dos jornais dos dias de hoje ou acabou a divergência política nas páginas dos diários gaúchos?
P.P.: Acabou. Finito. Kaputt.
M.M.: O Fórum Social Mundial (FSM) se reuniu pela primeira, segunda, terceira e quinta vez em Porto Alegre e atualmente sempre realiza um dos painéis principais na capital gaúcha, independentemente da cidade sede oficial. Neste ano de 2012, o Rio Grande do Sul sediará os debates ambientais do FSM. Por que Porto Alegre foi escolhida para estes eventos internacionais da esquerda?
P.P.: Ao tempo do 1º Fórum Social Mundial, o PT administrava Porto Alegre e governava o Estado. O Rio Grande do Sul era o relicário das esquerdas mundiais abaladas pelo fim do União Soviética. O PT gaúcho era a sua laranja de amostra. Por outro lado, governo estadual e prefeitura municipal bancaram os eventos com recursos públicos.
M.M.: Também em outubro deste ano está marcado em São Leopoldo, cidade da metrópole de Porto Alegre, o ?Congresso Continental de Teologia: Aos 50 anos do Vaticano II e 40 anos da Teologia Latino-americana e Caribenha?. Um dos conferencistas do evento é o teólogo da libertação Leonardo Boff. Ao sediar estes eventos, é possível dizer que Porto Alegre afirma o compromisso com o pensamento de esquerda?
P.P.: O comunismo é uma hidra de Lerna. Hoje, sua cabeça mais dura e resistente se chama Teologia da Libertação. Convergem à TL a visão marxista e uma formulação herege sobre a teleologia cristã. Ainda serão necessárias algumas gerações para que esse mal seja extirpado dos seminários, das comunidades paroquiais e de um grande número de dioceses latino-americanas e caribenhas. Todos sabem que a Unisinos é dirigida por jesuítas e que entre os jesuítas a TL ainda tem muita penetração. Não diria que o evento terá capacidade de mobilizar fora do circuito já articulado por ela. A TL não é um desvio teológico em fase de expansão, mas em fase de teimosia. É difícil reconhecer-se que se errou quanto a matéria do erro é de extrema gravidade.
M.M.: Para concluir a entrevista, e aproveitando que o senhor esteve recentemente em viagem à França, que passa por período eleitoral, gostaria de saber qual é a principal diferença entre os franceses e brasileiros no que diz respeito ao esquerdismo e ao conservadorismo?
P.P.: A nitidez das posições, tanto entre o eleitorado quanto no tratamento recebido da mídia francesa. Todo o processo político e eleitoral se trava entre droite e gauche, sem que tanto uma quanto outra etiqueta seja atribuída ou recebida como ofensa grave. Impensável, também, uma fusão fisiológica entre uma e outra para compor maioria no parlamento francês. As composições majoritárias são as que saem das urnas e não as que se formam em turvo e oneroso balcão de negociações como o que se estabelece no Brasil.