Percival Puggina

06/04/2013
Não é raro. Aliás, é bastante comum, no Brasil, que se editem leis e normas para atrapalhar. Legisla-se em excesso e, em ainda maior proporção, descumpre-se o que está legislado. Certos preceitos são concebidos com olhos no passado (a Constituição de 1988, por exemplo, foi feita assim). Outros, com olhos no futuro. São leis que pretendem levar a nação para onde aponta o nariz ideológico do legislador. A chamada PEC das domésticas tem um pouco de tudo isso. Para começo de conversa, quem quiser ler o texto dessa emenda constitucional precisará percorrer verdadeira maratona no Google até encontrar as poucas linhas que compõem o inteiro teor da norma. Quando as encontrar, ficará sabendo que o mais trabalhoso virá depois - uma longa corrida através de outros preceitos constitucionais. A PEC das domésticas, simplesmente informa a nação que o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, ficou assim: São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.? E aí, leitor? Não diga que a leitura foi inútil porque a ninguém é lícito alegar desconhecimento da lei. Arregace as mangas, vá fundo e deslinde essa charada, caso contrário a Justiça do Trabalho providenciará para que esses X, esses V e esses I sejam uma pedra no seu caminho. Com a PEC das domésticas, o Estado deu-se, mais uma vez, ao abuso de entrar na casa da gente e determinar como deve ser aquilo que já é e que está bem. Não legislaram para ajudar, mas para confundir, complicar e estressar as relações. Desconhece a PEC que a atividade doméstica não se assemelha em nada à empresarial referida em todos aqueles X, V e I. Trata-se de uma relação de convívio cotidiano, pessoal, de muita proximidade, de intimidade mesmo, de simpatia recíproca e harmonização de expectativas mútuas. A empregada doméstica, na maior parte dos casos, é alguém que se integra à vida familiar e com quem se fazem os mais variados ajustes de conveniência ao longo de convívio que, não raro, atravessa décadas. Nesses casos, tais relações se tornam familiares. Trocam-se presentes. Natal, aniversário, dia das mães, aniversários de filhos e netos. Nossa empregada presenteia-nos com bolos, pães, e cucas que faz para os seus. Cumpre horário reduzido, de conveniência apenas dela, e variável ao longo da semana. Assim como ela, milhões de empregadas domésticas ganham mais e mantêm relações de trabalho vantajosas em comparação com muitos trabalhadores de empresas privadas. Livro ponto? Contabilidade de horas trabalhadas? A consequência emocional disso seria fazer delas aquilo que não são e transformar o vínculo em algo que os patrões e elas não desejam que seja. Nossa empregada, assim como tantas outras, tem todos os direitos trabalhistas desde bem antes de que qualquer deles fosse objeto das canetas legislativas. Para nossa realidade, enquadrá-la e enquadrar-nos nas prescrições da PEC, é uma injúria. Bem ao contrário, aliás, do que os sorridentes e fotografados autores e autoras da norma orgulham-se de haver realizado com esses X, V e I de sua pretensiosa PEC. A comemoração que fizeram ao aprová-la, festejando nova Lei Áurea, chega a ser ofensiva. Sugere que os afazeres doméstico são forma de servidão. E que os milhões de empregos desse tipo existentes no país são senzalas. Isso é falso e ofensivo a quem emprega e a quem está empregado. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

31/03/2013
Não é que o CFM decidiu recomendar ao Senado Federal a ampliação dos casos em que o abortamento não é punido? Tais excepcionalidades, propôs o Conselho, passariam a abranger, também, os realizados em gestações que não tenham alcançado o 12º semana. Quer dizer, doutores, que até o 12º semana o feto é coisa descartável, que se extrai como uma verruga ou um fecaloma? Sabiam que o anteprojeto para o novo Código Penal, que os senhores querem estragar ainda mais, pretende pôr na cadeia por até quatro anos quem modificar um ninho de ave? Sabiam que existem leis no Brasil que impõem sanções a quem meter a mão no ambiente natural onde determinadas espécies se reproduzem ou cuidam de seus filhotes? Um canto de mato, uma beira de lagoa, um trecho de praia, funcionam como úteros da natureza e ganham proteção legal. Em contrapartida, na ótica dos médicos do CFM, o nascituro, o humano nascituro porque outra natureza jamais lhe advirá, este pode ser, no útero materno, objeto de suas tesouras e aspiradores. Foram necessários, segundo li, dois anos de doutas confabulações para que os membros do CFM chegassem a tamanho despropósito. Certa feita, num programa de tevê, debatia-se sobre legalização do aborto. Participava do debate um conhecido médico de Porto Alegre que defendia a tese ora aprovada pelo Conselho de sua categoria. Num dado momento, pedi ao mediador que exibisse as fotos da menina Amillia Taylor, nascida com 284 gramas de peso num aborto espontâneo. Perguntei então ao médico se ele seria capaz de arrancar aquele ser aos pedaços do útero da mãe. O médico olhou-me com constrangimento e, diante das câmaras, viu-se obrigado a ser sincero - Eu não!. O que mais me estarreceu, nesta manifestação do CFM, foi que, pelas palavras do seu presidente, o órgão defende a plena autonomia da mulher de levar uma gestação adiante. Credo! Essa sequer é uma lógica médica, mas jusfilosófica, e de péssima vertente. Lógica de lobo. Quero porque quero. Atribuíram à mulher uma concepção abusiva do direito de propriedade - faço o que bem me apraz com o que me pertence, doa em quem doer. Raros liberais afirmariam isso com igual convicção porque contradiz elementares noções de justiça. No caso do abortamento voluntário, o que antes era precária filosofia, vira puro sofisma: se o corpo da mulher a ela pertence, o do feto pertence ao feto porque ele é um inteiramente outro. E na maior parte dos casos até nome próprio já tem. O sistema nervoso central ainda não se formou, na 12ª semana de gravidez, prosseguiu o doutor presidente procurando justificar o injustificável. É verdade, doutor, o sistema nervoso central não se formou, mas outros órgãos já funcionam, o coração já bate há muito tempo e está na natureza do feto que todos os demais venham a aparecer. Uma semana depois, na 13ª, já se pode saber se ele é do sexo masculino ou feminino. Remover do CD player, aos primeiros acordes da 9ª Sinfonia de Beethoven, o CD que em que foi gravada, não autoriza afirmar que a fascinante composição não esteja ali, inteira e bela, até os últimos acordes. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

23/03/2013
A nação está com as mãos erguidas e não é para rezar. Ninguém escapa à sanha dos bandidos aos quais o Estado, miseravelmente, se rendeu. Era previsível. Foi prenunciado por uns poucos, entre os quais eu mesmo. Agora está aí e todos percebem. Num país com 200 milhões de habitantes, a atividade contra o patrimônio alheio, por exemplo, tornou-se tão intensa que, do pirulito da criancinha à minguada pensão mensal da vovozinha, tudo já foi levado e todos já foram assaltados. Alguns, muitas vezes. Tenho nostalgia, já falei antes, do tempo dos trombadinhas. Eram meninos. Quase digo que eram meninos de boa formação, que sabiam estar fazendo coisa errada. Esbarravam na vítima, tomavam-lhe algo e saíam correndo. Tinham medo da vítima, da polícia, e de que outros transeuntes os detivessem. De uns tempos para cá, o ladrão é bandido que ataca, ofende, maltrata e mata, motivada ou imotivadamente. Por uma dessas coisas da memória, vem-me à lembrança a descrição da Queda de Constantinopla, que o grande Daniel-Rops fez em sua História da Renascença e da Reforma. Após oito séculos da jihad contra a Roma do Oriente, Maomé II comandara a arremetida final. Quando a orgulhosa cidade caiu, o sultão entregou-a aos seus janízaros por três dias e três noites, conforme prometera. Sobrou pouca gente para contar a história. Encerrado o prazo, sangue escorria pelas calhas das ruas e era impossível encontrar, em Bizâncio, um simples pires de porcelana. Pois é isso que está acontecendo no Brasil, com a diferença de que o prazo é mais elástico. Sirvam-se os vitoriosos pelo tempo que quiserem! O que nos estão tomando são despojos de uma nação derrotada pelo que de pior nela existe. É a prerrogativa dos vencedores, quando os vencedores são criminosos. Sempre foi assim na história. A vitória dos bandidos representa estupro, morte e pilhagem. Coube-nos a fatalidade de viver nestes anos da Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. *** Ensinaram ao trombadinha de ontem que ele é a vítima. Sopraram-lhe uma ideologia de boca de fumo, que fala aos manos de seus direitos humanos. Vivendo, ele aprendeu que o crime compensa. Percebeu, com fartura de exemplos, que roubar é direito de todos e dever do Estado - mão grande e hábil para cobrar impostos, miúda e inábil para as tarefas que lhe cabem. À sociedade, esse Estado confessou, por inúmeros modos, sua rendição. Num dia, a polícia fecha pela quarta vez um desmanche de automóveis e prende o mesmo sujeito. No outro, o bandido sai da delegacia antes de o lesado preencher o BO. Não faz muito, um exército de policiais foi mobilizado para prender bandidos que ... estavam presos. Deveriam estar, mas o semiaberto, sabe como é. Num assalto a mão armada, a ação do Poder Público começa e termina em burocrático registro no sistema. É crime de baixa lesividade, sabe? E volta e meia a pistola dispara sem quê nem porquê e matam. Soltam-se presos porque os presídios estão superlotados. Por excesso de presos? Não. Por excessiva falta de presídios, que diabo! As vítimas, antes de mais nada, são vítimas da inutilidade do Estado. Do Estado que quer desarmar os cidadãos de bem, não move palha pelos lesados e enlutados, mas lastima a morte de cada bandido em confronto com sua polícia. E veja, leitor, eu apenas falei do submundo. Não disse uma palavra sobre o grand monde. ZERO HORA, 24 de março de 2013

Percival Puggina

23/03/2013
SÓ NO BRASIL, MESMO Convivemos no Brasil com uma extraordinária e inconcebível contradição. No mundo inteiro, a esquerda sempre teve alergia, palpitações e dispneia ao ouvir falar em democracia, liberdade de expressão e direitos humanos. Que essa aversão persiste é algo que fica evidente quando: 1º) observamos onde recaem os grandes afetos do governo petista em suas relações externas; e 2º) no fato de que jamais vemos nem veremos o PT ou o PCdoB e assemelhados tecerem louvores a uma democracia liberal. No entanto, aqui no Brasil, a esquerda, que pegou em armas para impor uma ditadura do proletariado, com seus ferrolhos e paredones, faz poses de defensora da democracia, da liberdade de expressão e dos direitos humanos. E de tanto afirmarem essa fraude, as pessoas acabaram acreditando.

Percival Puggina

21/03/2013
Henrique IV, que reinou sobre a França na virada para o século 17, enfrentou diversas vicissitudes até conseguir ser aceito como soberano em Paris. Henrique era protestante e, por isso, sofria rejeição da maioria católica parisiense. Por fim, para superar as dificuldades que lhe estavam sendo postas, resolveu tornar-se católico. Conta-se que o rei, que veio a ser muito reverenciado como excelente monarca, ao decidir converter-se, teria dito: Paris vale bem uma missa. Essa frase atravessa três séculos como metáfora para justificar certas concessões cobradas pela política aos que a ela se dedicam. Em Roma, no dia 18 deste mês, a presidente Dilma, perguntada pelos repórteres sobre o que iria tratar com o papa Francisco, respondeu que o assunto seria pobreza e fome. A frase soou bonito porque, segundo se tem lido, expressa uma pauta bem ao gosto de Sua Santidade. Fome e pobreza. A exemplo de outros chefes de Estado, a presidente foi à capital do mundo católico com o objetivo de assistir à missa inaugural do novo pontificado. Absolutamente justificável, a viagem, tendo em vista o fato de ser, o Brasil, a maior nação católica do mundo. Dilma representava, portanto, um bocado de gente, mas não tenho certeza de que representasse a si mesma, ou que atribuísse maior importância ao ato. Afinal, ela não parece ser muito dada a genuflexões e crendospadres (o substantivo consta no dicionário Houaiss). Dilma achou legal viajar com toda a corte. Para acolher os devotos desembarcados do avião presidencial, foi necessário reservar 52 apartamentos em hotel com luxo compatível (procure na internet pelo Westin Excelsior e veja fotos de suas dependências), alugar sete automóveis com motorista, um carro blindado de luxo, quatro vans, um microônibus para a chinelagem e uma viatura para os agentes de segurança. Fico imaginando os convidados e sua resistente aquiescência. Putz, missa! Mas, afinal, terão dito, Roma vale bem uma missa. Surge, agora, a questão da pobreza, já que de fome, na Itália, sequer se pode falar em voz alta. Com que autoridade a presidente falou sobre pobreza após mandar aos contribuintes brasileiros, via Tesouro Nacional, a conta de um roteiro turístico milionário? Tais contradições e abusos são evidências da ausência de limites que costuma cercar o exercício do Poder. Disso temos nossa quota diária de notícias, para constrangimento nacional. Informam os repórteres presentes que Dilma foi à missa e não comungou. Fez bem, porque essa viagem foi um grave pecado contra a virtude da temperança. _____________ * Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

16/03/2013
Não sei se já contei isto. Acho que já contei, sim, mas conto de novo porque a situação perdura. Eu havia estacionado em um posto de gasolina e quando me dirigia para o inevitável cafezinho, um rapaz, maltrapilho e maltratado como diria o Chico, se aproximou de mim, declarando-se com fome, e me pediu um cachorro-quente. A frase - Estou com fome - não admite qualquer contestação. Claro que sim, vem comigo. Suponhamos que eu parasse naquele posto diariamente e que, também diariamente, o rapaz estivesse ali, reiterando-me seu apelo. Ao cabo de um mês eu teria despendido uma boa quantia com ele sem elevá-lo um centímetro na escala social. Ao contrário, eu o teria degradado à condição de dependente. Agora, ampliemos a cena. No meu lugar, coloque o governo federal, substitua o rapaz com fome por 22 milhões de famílias e o lanche por uma ajuda de custo para completar, em cada núcleo familiar, por pessoa, uma receita mínima de R$ 70 (o governo chama isso de renda...). O leitor pode estar pensando - Será que o Percival Puggina prefere que as pessoas passem fome?. Não, claro que não. Eu não sou contra o Bolsa- Família. O Lula é que era contra o Bolsa-Escola, no tempo do FHC. Escrevo motivado pela recentíssima divulgação pela ONU dos novos Índices de Desenvolvimento Humano. Eles situam o Brasil na 85ª posição do ranking mundial, com uma visível estagnação nos últimos anos. Como é possível? Com 22 milhões de famílias recebendo do governo um complemento de renda mensal? Pois essa é a consequência do problema que muitos, entre os quais eu mesmo, já cansaram de advertir. O Bolsa-Família é um programa necessário, sim. FHC, aliás, já o havia instituído com o nome de Bolsa-Escola, sob severas críticas de Lula e do PT. É um programa que cria dependência em proporções que tornam desnecessário prová-la. Mas, isoladamente, nada faz que se possa denominar promoção social ou desenvolvimento humano. Em nada contribui para que as famílias em situação de miséria disponham, um dia, das condições necessárias para cuidar bem de si mesmas. Esse cuidar bem de si mesmos é o que fazem as pessoas nos países situados no topo da tabela da ONU. Na maior parte desses casos, não é o Estado que cuida bem das pessoas, mas as pessoas que têm habilitações que lhes permitem uma renda suficiente para fazê-lo. A pergunta que dirijo ao PT, ao seu parceiro PMDB, e aos demais membros dessa organização societária estabelecida no Brasil, é esta: - Quando é que vocês vão levar a sério o problema da Educação? Os indicadores sociais já mostram que estamos praticamente estagnados! Menos gente passa fome no Brasil e isso é muito bom. Mas cai nos ombros dos senhores, após uma década no poder, o peso dos anos perdidos e o desastre social que os números estão a apontar. Reconheço que o PT descobriu o Brasil em 2003. Reconheço que, assim como Cabral cravou uma cruz nas areias de Porto Seguro, Lula plantou uma estrela vermelha nos jardins do Palácio da Alvorada. Reconheço, também, que o PT realizou isso após haver inventado a roda, a roldana, o avião e a suíte presidencial a bordo do avião. Mas o fato é que nos setores fundamentais do bem estar social - Educação, Saúde e Segurança as coisas vão de mal a pior. A síndrome da dependência em que se afundou parcela significativa da população brasileira tornou-se elemento fundamental da organização societária que (vou usar um neologismo que a esquerda adora) se empoderou no Brasil.

Percival Puggina

15/03/2013
OBSERVEM QUEM ATACA O PAPA Depois pense sobre por que fazem isso. Passei o dia lendo críticas ao papa Francisco. Se puder, faça o mesmo. Observe de onde vêm esses ataques. O inacreditável nisso tudo está no fato de que muita gente, apesar de todas as evidências, ainda não entendeu que a Igreja Católica é o maior obstáculo à tomada e manutenção do poder, através do propagação do marxismo cultural, pelos comunistas e assemelhados. Atacam a Igreja sem se darem conta de que contribuem com as duas mãos para a consolidação de um projeto que chutariam com ambos os pés se pudessem.

Percival Puggina

10/03/2013
Conheço muitos ateus. Gente da melhor qualidade e gente não tão boa assim, como em qualquer conjunto de indivíduos. Só recentemente, porém, passei a encontrar ateus militantes, engajados na tarefa de menosprezar e investir contra as crenças alheias. Ora, toda militância pressupõe o desejo de concretizar algum objetivo. O que pretende a militância ateia? 1º) Dar sumiço à ideia de Deus. Provocar e proclamar a falência total dos órgãos divinos, como fez o ensandecido Nietzsche. 2º) Eliminar as religiões para produzir uma humanidade nova, sob o senhorio do barro de que somos feitos. *** Outro dia, nosso talentoso Luiz Fernando Veríssimo escreveu uma crônica cujo eixo expositivo firmava-se na ideia de que Deus é uma hipótese. Fiquei a pensar. Se Deus é hipótese, mera conjetura, um olhar em volta de nós mesmos revelará, então, a indispensável existência de um nada (quase escrevo esse nada com n maiúsculo) criador de quanto vejo. E seremos levados a atribuir a esse insignificante nada um verdadeiro frenesi criador. Surgirá, então, quem afirme que esse nada deu origem a tudo em seis dias e que no sétimo descansou sobre uma almofada de nuvens. Outros, mais em conformidade com o cientificismo do século 21, sustentarão que esse poderosíssimo nada, no exato milissegundo do Big Bang, de um até então inexistente tempo, fez explodir pequena bolinha de coisa nenhuma e... pronto! - estava criado o Universo. Onde? Onde? No imenso e absoluto vazio no qual o nada preexistia. Bum! É interessante constatar, portanto, que ambos, tanto os crentes em Deus quanto os ateus não prescindem, para suas convicções, de algum ato de fé. Ou em Deus, ou no nada. Os primeiros partem dessa fé para as respectivas opções religiosas. Elas levam à oração, ao encontro do sentido da vida, ao consolo dos aflitos, ao repouso da alma. No caso dos cristãos, ao conhecimento do amor de Deus, à encarnação de Jesus, ao Divino que irrompe docemente no humano e na História, aos sacramentos, à meditação, ao perdão, à misericórdia. Levam, também, aos tesouros guardados onde não os corroem as traças. E, ainda, ao amor ao próximo e ao inimigo, ao luminoso exemplo dos grandes santos, a um precioso conjunto de verdades, princípios e valores que, entre outras coisas, compõe o cerne do moderno constitucionalismo. O leitor acha que é muita coisa? Pois isso tudo é apenas uma palhinha. Há mais livros escritos sobre essa pauta do que a respeito de qualquer outro assunto de interesse humano. A adesão vital ao hipotético nada, por sua vez, leva a coisa alguma. Ou por outra, leva o ser humano a deixar-se conduzir por um vórtice que se esgota em si mesmo. Organizado em militância, como vejo acontecer, compõe uma nova igreja, a igreja do non credo a que já me referi. Tal religião religa seus crentes a um hipotético nada onde não há perdão nem salvação. A fé no nada não mobiliza sequer um fio de cabelo. A esperança no nada é o próprio desespero. E tudo acaba sob sete palmos de terra. Se houver algum resíduo perceptível de espírito, algo assim como um ainda latejante fragmento de consciência, que disponham dele os vira-latas. Como é grande o prejuízo nessa escolha! ZERO HORA, 10 de março de 2013

Percival Puggina

09/03/2013
Tão grande é a importância das instituições na vida dos povos que muito já escrevi sobre os cuidados que elas requerem. Mas sempre abordei o tema pensando em política. Claro que, sendo católico, não me era desconhecido o fato de que a Igreja é uma instituição, aliás, a mais antiga e benéfica na história. Tampouco me é estranho o conceito, presente na doutrina católica, de que essa instituição é um organismo que sofre com o pecado de cada um. Até entre os 12 escolhidos a dedo por Jesus havia um Judas. Os últimos dias, desde que Bento XVI anunciou sua renúncia, colocaram a Igreja no centro do interesse midiático. Tal interesse vasculhou, como é dever da imprensa, desvios de conduta e crimes de que são acusados membros de sua hierarquia. Não fosse a Igreja uma instituição, estaríamos falando, por exemplo, de pedofilia na Austrália, na Escócia, na Irlanda; de negociata em Roma; ou da fértil vida sexual de um presidente paraguaio. Sendo instituição, tais condutas são debitadas a ela e fazem padecer todo corpo eclesial. Como leigo, sinto desconforto e sou tomado de justa indignação. Por isso, espero que o conclave escolha um pontífice dotado de determinação e energia para capinar seu quintal, apartando e entregando à justiça dos homens as ervas daninhas que nele se infiltraram. *** A barca de Pedro navega na História. Mas não entrega o leme aos poderes terrenos, nem abre velas para os ventos da opinião pública. A Igreja sente e compreende o tempo presente, mas não necessariamente atende os clamores que dele procedem. Ela é progressista em tudo que pode mudar sem renunciar ao patrimônio doutrinário que recebeu. A este ela deve conservadora fidelidade. Ninguém é constrangido a atender o que a Igreja prescreve. Ao contrário do que ocorre nos regimes que a consideram ópio do povo, nos quais é discriminada ou criminalizada toda expressão de fé, a nave de Pedro é um venerável espaço de liberdade. É um grande paradoxo o fato de que os mais insistentes palpites e sugestões sobre mudanças na Igreja vêm, principalmente, de não crentes, de ateus militantes, e de adversários ideológicos da moral cristã. Embora tantos creiam ou opinem no sentido de que o próximo conclave será marcado pela necessidade de um aggiornamento progressista, mundano, a escolha do novo pontífice refletirá a tensão entre os que pretendem manter o controle sobre a burocracia vaticana (onde o Vatileaks sugere haver cobras e lagartos) e os que vão ao conclave dóceis à influência do Espírito Santo sobre sua Igreja. Não é difícil prever de que lado virá a fumaça branca. Especial para a REVISTA VOTO, edição de março de 2013