Recentemente tive oportunidade de reapresentar meu velho repto. Estávamos num programa de debates. Meus dois interlocutores eram materialistas. Não apenas materialistas. Adversários militantes do Cristianismo em geral e da Igreja Católica em particular. Embora o tema do programa não fosse esse, a conversa acabou enveredando por aí. Lá pelas tantas, surgiu-me a oportunidade. Falaram em dignidade da pessoa humana. Perguntei, então, a ambos, lançando a questão como desafio: qual o fundamento da dignidade da pessoa humana?
É uma questão que coloca o materialismo e seus adeptos num beco sem saída. Para respondê-la, o microfone correu a mesa. Falaram, falaram e nem de longe trataram do tema. Quando retornou a mim, chamei a atenção para o fato de que não haviam me dado qualquer resposta. Mencionada por materialistas, a dignidade da pessoa humana é mera retórica.
Ante a provocação que fiz, um deles saiu-se com esta: O fundamento da dignidade da pessoa humana é a reciprocidade nas relações. Ora, salta aos olhos que a reciprocidade, vale dizer, a equidade nas relações e trocas interpessoais e sociais, pode ser, em alguns casos, fundamento da justiça, mas nem de longe serve como alicerce para a dignidade do ser humano. Em determinadas situações talvez seja consequência e, como tal, não pode ser fundamento. Todos aqueles que, do nascimento à morte, vivem de modo vegetativo, têm, como pessoas, dignidade igual à da mais eminente celebridade e à da mais justa e generosa das criaturas. E em nada podem, os desvalidos em si mesmos, contribuir para a tal reciprocidade. Ademais, exigir reciprocidade pode ser, em certos casos, puro egoísmo. Por vezes, contudo, a reciprocidade (como critério de justiça), se fundamenta, sim, na dignidade da pessoa humana. E aquilo que nela se fundamenta não lhe pode servir, também, como fundamento.
Enfim, a questão que propus é irrespondível pelo materialismo. Se tudo é matéria, instinto e razão, o ser humano é apenas o mais complexo dos animais. E somente isso. Resulta, assim, meramente retórica toda menção que façam à dignidade humana. A prova provada me veio logo após, quando, tendo eu comentado a animalização conceitual da pessoa, quando vista apenas como ser material, meu interlocutor da ocasião afirmou que os animais também têm dignidade. É ou não é uma rendição? Homem e bicho é tudo a mesma coisa? Animais merecem respeito, mas a eminente dignidade, fundamento das melhores constituições, que a tem é o ser humano.
Há muitos anos proponho essa questão em debates e ainda não encontrei um materialista que fizesse a respeito dela qualquer afirmação consistente. Falam sobre direitos humanos como parte de uma agenda muito mais ideológica do que efetivamente humana. O humanismo sem Deus é um humanismo desumano, reafirmou recentemente Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate. Com efeito, somente o revelado à tradição judaico-cristã satisfaz como resposta à questão contida no primeiro parágrafo deste artigo. É por isso que nela se fundamenta toda uma civilização e o que há de melhor em sua cultura: o homem é imagem e semelhança de Deus, e objeto de Seu amor.
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* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.