Percival Puggina
Tomo emprestado o título em português (e algo mais que possa) do notável “Animal farm” de George Orwell, para escrever sobre a sessão do Senado em que o advogado de Lula teve seu nome aprovado para integrar o Supremo Tribunal Federal. Ali, Cristiano Zanin estacionará até o ano de 2050, quando meu neto já será quase sexagenário.
Assisti parte da sessão. Afora o insistente blá-blá-blá dos apoiadores, uns poucos se revelaram mais atentos ao seu papel. Falaram daquilo que hoje está no cerne das preocupações dos cidadãos que querem liberdade, democracia, estado de direito e uma justiça com a força da lei e não no querer, na visão de mundo e na posição político-ideológica do julgador. Quase ninguém mencionou os abusos de poder por parte do colegiado ao qual se irá integrar o advogado de Lula. Quase ninguém falou sobre a parcialidade, a “justiça feita pelas próprias mãos”, os misteriosos e infindáveis inquéritos, as “excepcionalidades” que se rotinizaram ou sobre a censura de textos e pessoas. No entanto, eu me pergunto: por que será que Lula perdeu um bom advogado e abre esse rasgado sorriso de satisfação?
Como não lembrar da Revolução dos Bichos? Meu amigo Esperidião Amim, experiente e competente orador, colocou o dedo na ferida exposta no corpo das instituições – a conduta abusiva do combo STF/TSE. Lavou-me a alma ouvi-lo! Mas ele se dirigiu apenas ao candidato, num discurso que tinha tudo para ser proferido, dedo em riste, ao omisso presidente do Senado e a seus pares.
De quem é a culpa pela preservação dessas anomalias no corpo institucional? Não é da grande maioria naquele plenário? Ontem, para rejeitar a indicação de Lula, não lhe bastariam as razões do próprio Lula afirmando ao país, em debate de TV, não ser a Corte lugar para amigos? E logo, indo de mal a pior, haverá mais um, e mais outro, na confraria tolerada pelo Senado.
A revolução dos bichos continua! Os porcos dominam a granja. O porco Napoleão mudou-se para a casa do senhor Jones. E me permitam o trocadilho: na nossa granja orwelliana de Brasília, o revolucionário espírito de porco se associa ao espírito de corpo inerente à própria natureza das instituições em um figurino constitucional muito mal costurado.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
MARCO ANTONIO GEIB - 24/06/2023 22:57:29
- Sua erudição antecede sua fama ao debulhar seus resolutos pensamentos em nossas páginas do dia a dia. Quanto ao seu texto em epígrafe temos talvez um "roto" de tanto ser usado dito popular: "Um porco ao entrar em um Palácio não se torna Rei, mas sim transforma o Palácio em um chiqueiro". Por analogia, a Praça dos Três Poderes, no atual desgoverno não passa disto... a começar pelo Palácio do Planalto. Bom domingo, por aqui nós continuamos ávidos por seus ensinamentos......Danubio Edon FRanco - 24/06/2023 15:59:05
Sei que a medida seria inócua, mas precisava ter sido materializada. Alguém ou algum partido político deveria ter ingressado com medida judicial questionando a indicação dessa figura chamada Zanin, que até na aparência é repugnante. O questionamento seria o mesmo que impediu o ex-presidente Bolsaro de nomear o chefe da Polícia Federal, ou seja, impessoalidade. No mínimo isso. A verdade é que hoje não se encontra advogados como Heráclito Fontoura Sobral Pinto, que, convidado para o STF por Juscelino, não aceitou o convite porque defendera a posse deste contra a opinião de Carlos Lacerda e outros e poderia parecer que era um favor em troca do apoio, que ele voluntariamente deu. O que dizer de todas essas condutas - presidente, novo ministro e senadores ? Só faltou materializar a conduta dos atuais ministros do STF.Décio Antônio Damin - 24/06/2023 11:42:19
"Impessoalidade" e "notório saber jurídico" foram valores desprezados na indicação de Zanin...! As resposta ao questionamento, em grande parte lidas, devem ter sido sugeridas no que eu considero um périplo vergonhoso pelos gabinetes dos senadores, para se "apresentar" e, quem sabe, comprometê-los...! Pedir voto nestas circunstâncias parece uma afronta à autonomia e discricionariedade do mesmo...! Lula indicou -era seu direito- e os senadores rasgaram aqueles princípios, com raras exceções!AFONSO PIRES FARIA - 24/06/2023 11:25:52
Duas perguntas que se fariam necessárias e, possivelmente não tenham sido feitas: O senhor é amigo do Lula? E, o que o senhor acha da atitude do seu futuro colega que, quando da sabatina afirmou coisas que, descaradamente a descumpriu? Faria o mesmo?Eloy Severo - 24/06/2023 11:23:15
Muito oportuno. Quando vai sair outro livro? Não precisa me trazer, pode ser pelo corrêio. Um abraço. Eloy SeveroGeraldo Barros - 24/06/2023 10:28:48
Infelizmente não temos corte suprema, senado e câmara (com minúsculas mesmo, tamanha a insignificância desses órgãos). O Braziu está entregue à própria sorte.Carlos Soares de Moraes - 22/06/2023 14:22:48
Existem livros que são emblemáticos e eternos, esse é um deles, muito bem lembrado e comparado pelo Professor.Menelau Santos - 22/06/2023 14:21:12
Pedindo licença ao Professor, amplio meu comentário feito em outro texto, com referência às músicas compostas para a ditadura militar que, mna minha opinião, caberiam à nossa situação atual. A primeira, pré-ditadura: “Acabou nosso carnaval Ninguém ouve cantar canções Ninguém passa mais Brincando feliz E nos corações Saudades e cinzas Foi o que restou... E no entanto é preciso cantar Mais que nunca é preciso cantar É preciso cantar e alegrar a cidade” A segunda, durante a ditadura: “Num tempo Página infeliz da nossa história Passagem desbotada na memória Das nossas novas gerações. Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações. Seus filhos erravam cegos pelo continente, levavam pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais...” E outra, pós ditadura: “Mas se você achar Que eu estou derrotado Saiba que ainda estão rolando os dados Porque o tempo, o tempo não para... A tua piscina tá cheia de ratos Tuas ideias não correspondem aos fatos O tempo não para... Eu vejo o futuro repetir o passado Eu vejo um museu de grandes novidades O tempo não para” Nessa última, modestamente acredito, o Cazuza não tinha a menor ideia da genialidade dessa letra.